Flexibilização/precarização das relações de trabalho no Brasil

Resumo: O presente trabalho pretende expor algumas questões polêmicas acerca da flexibilização das relações de trabalho, mas especificamente no contexto brasileiro. Diante do contexto da globalização da economia, da reestrutura do mercado capitalista nas últimas décadas, é que se insere a discussão acerca das mudanças no sistema de relações de trabalho do país, influenciado pelos pensamentos neoliberais, e seus reflexos sobre os trabalhadores brasileiros. Frente ao quadro exposto, importa questionar o seguinte: a flexibilização das relações de trabalho resolveria o problema do mercado informal, a falta de competitividade das empresas brasileiras e os conflitos existentes entre empregados e empregadores? Assim sendo, o objetivo geral do presente trabalho é estudar o processo de construção do novo modelo das relações de trabalho no Brasil, os efeitos da flexibilização sobre as condições do trabalho, destacando a questão da precarização destas condições na realidade do trabalhador brasileiro.


Palavras-chave: Relações de Trabalho. Flexibilização. Precarização.


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Sumário: 1. Introducão; 2. Marco teórico; 3. Flexibilização ou precarização: qual a palavra de ordem?; 4. Conclusão. Referências


INTRODUÇÃO:


O presente projeto de pesquisa tem como tema a flexibilização/precarização das relações de trabalho, em decorrência da modificação dos institutos e do próprio direito do trabalho.


A escolha do tema é decorrente da tentativa de compreender este novo sistema de relações de trabalho que visa transpor a intervenção estatal e estimular a negociação coletiva com o fim de promover competitividade das empresas e redução dos custos da produção, a qualquer custo.


Além disto, pretende-se averiguar os efeitos da referida flexibilização, com destaque à precarização, diante do conceito de igualdade substancial e do princípio protecionista que norteia as relações juslaborais.


Ante ao exposto, é de extrema revelância a análise minuciosa deste tema, pois além de ter aplicabilidade recente, é polemico, e capaz de proporcionar diferentes posicionamentos.


MARCO TEÓRICO


Segundo José Francisco Siqueira Neto, a flexibilização do direito do trabalho “consubstancia-se no conjunto de medidas destinas a afrouxar, adaptar ou eliminar direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e produtiva”. Em seguida, esclarece que:


“A flexibilização do direito do trabalho é também entendida como um instrumento de adaptação rápida do mercado de trabalho. Neste sentido é concebida como a parte integrante do processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, consistente no conjunto de medidas destinadas a dotar o direito laboral de novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto ajustamento”.[1]


Márcio Túlio Viana, após destacar que o mundo pós-moderno se submete à diversidade, procurando soluções pragmáticas, registra que:


“O slogan tem certo charme e causa impacto (…). O verbo é também simpático: passa a idéia de inovação, abertura, modernidade. Afinal, o contrário de flexível é inflexível. Faz pensar em ditadura, mente estreita, preconceito. O problema é que o verbo se tornou irregular, nem sempre se conjuga com todos os pronomes. O capital ordena: flexibilizem!. Mas se recusa a dizer: flexibilizo!.” [2]


Para Pierre Bourdieu, a flexibilização unilateral por parte do empregado justifica-se pela precariedade que está por toda a parte, dando aos trabalhadores a impressão de que são, facilmente, substituíveis e que estão ameaçados pela perda do emprego. E diante disto:


“A precariedade atua diretamente sobre aqueles que ela afeta e indiretamente sobre todos os outros pelo temor que ela suscita e que é metodicamente explorado pelas estratégias de precarização, com a introdução da famosa “flexibilidade”. Começa-se assim a suspeitar que a precariedade é o produto de uma vontade política, e não de uma fatalidade econômica, identificada com a famosa “mundialização”.[3]


Diante da existência do binômio flexibilidade/precarização é que se pretende compreender como tais institutos são percebidos pelos diferentes pensadores e abordar as mudanças das relações de trabalho no Brasil, reflexos do pensamento neoliberal e da modificação do direito do trabalho.


FLEXIBILIZAÇÃO OU PRECARIZAÇÃO: QUAL A PALAVRA DE ORDEM?


A nova estruturação capitalista das últimas décadas, marcada pela globalização da economia, internacionalização dos mercados financeiros e crescente interação entre os países e povos, produziu iminentes reflexos no mercado de trabalho.


No plano econômico, projetou os seus efeitos na competitividade das empresas, na nova forma de organização da produção e das relações de trabalho, e, no investimento em face dos limites da intervenção estatal que é encarada como capaz de restringir a autonomia empresarial, aumentar os custos do desenvolvimento da atividade explorada, e, até mesmo, retardar o desenvolvimento da economia.


Neste contexto, fortaleceu-se o pensamento neoliberal – base ideológica da globalização – que apóia a desregulamentação, a flexibilização, bem como a eliminação de parte das normas trabalhistas. A principal justificativa para tanto é a necessidade de adaptação dos países ao mundo globalizado, ou seja, a adequação à tendência predominante de garantir a competitividade do mercado a qualquer custo.


A principal justificativa para a solução oferecida pelo pensamento neoliberal de transpor a intervenção e regulação do Estado é a necessidade de adaptação dos países ao mundo globalizado, a fim de garantir a competitividade de mercado, a qualquer custo.


No caso do Brasil, o sistema de relações de trabalho, apesar das várias mudanças a que já foi submetido, ainda, é considerado, mundialmente, como rígido, com fortes marcas do intervencionismo estatal e, portanto, com dificuldades para atender, por hora, a dinâmica do mercado internacional.


Ocorre, entretanto, que no Brasil a flexibilização das relações de trabalho não se traduz em um fenômeno recente, mas, ao contrário disto, data do período militar, que foi, posteriormente, retomado no governo de Fernando Henrique Cardoso através de reformas que visavam reduzir o custo da produção, com o fim do produto brasileiro ganhar competitividade internacional, tomando com paradigma a China.


Por tratar-se, em bem verdade do enfraquecimento das relações de trabalho, bem como do contrato de trabalho, em si, alguns pensadores acreditam que se trata, em bem verdade, de precarização das relações, e não flexibilização, como, ideologicamente, quer fazer crer o neoliberalismo.


Nesta linha de intelecção, Marcio Túlio Viana esclarece que, na retórica neoliberal, a lei está cheia de velharias, é rígida em excesso, tem raízes corporativistas e é paternalista, motivo pelo qual os neoliberais buscam deslegitimar o Estado, a fim de fortalecer o mercado.


Neste aspecto, também comunga Pierre Bourdieu quando afirma que “o discurso neoliberal não é um discurso como os outros (…). É um discurso forte e tão difícil de combater porque tem a favor de si todas as forças de um mundo de relações de forças (…), orientando as escolhas econômicas daqueles que dominam as relações econômicas e acrescentando assim sua própria força” e que se sustenta pela utopia de um mercado puro e perfeito através de uma ação transformadora, ou destruidora, de todas as medidas políticas. 


Vale destacar que esta competitividade não se resume às empresas nacionais, mas, inclusive, tem escala internacional, já que pode haver a mobilidade do capital, e o seu “deslocamento” para os países com salários baixos, onde o custo do trabalho é reduzido.


Diante desta realidade, parece que flexibilizar é a palavra de ordem para que se pudesse enquadrar os países nas atuais exigências do mundo globalizado. Flexibilizar, então, seria adotar medidas capazes de adaptar, afrouxar ou eliminar os direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e produtiva. Ou seja, significa dizer, por exemplo, que em momentos de mudança econômica, tal como a atual crise econômica enfrentada, deve-se flexibilizar, sob pena de criação de uma massa de desempregados. Em outras palavras, deve o capital se submeter aos ditames do capital, só para variar!.


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Neste ínterim, Márcio Túlio Viana ensina que o slogan tem charme e causa impacto. Isto porque quando se fala em flexibilização, muitas pessoas associam à idéia de inovação, abertura, modernidade.


Afinal, ser flexível é o contrário de ser inflexível, que traz uma concepção de ditadura, mente estreita, preconceito. E isto faz com que haja respaldo ideológico, legitimando as contradições que este instituto semeia.  A grande   questão, no entanto, é que o trabalho tem atendido a todas as ordens do capital de flexibilização, no entanto, em contrapartida, o capital tem se recusado a flexibilizar.


De igual forma, para Pierre Bourdieu, a “flexibilização” tem sido unilateral, vez que ocorre apenas por parte dos empregados, o que acaba por submetê-los á condição de precariedade.


Esta precariedade afeta profundamente qualquer homem ou mulher que estejam expostos aos seus efeitos, tornando o futuro incerto, e, por conseguinte, retirando dos homens o mínimo de esperança no futuro, logo matando a possibilidade de revolta, sobretudo coletivamente, contra o presente.


Para Bourdieu, a precariedade está em toda parte, tanto no setor privado, quanto no público, onde se multiplicam as posições temporárias e interinas, bem como processos de terceirização de serviços.  Precariedade esta que produz efeitos bastante visíveis como no caso extremo dos desempregos.


Tendo em vista esta realidade que têm afetado os trabalhadores, como não pensar nas marchinhas de carnaval? Como não pensar que “se a canoa não virar, olé, olé, olá, chegaremos lá”, ou “vai com jeito vai se não um dia a casa cai” ou, até mesmo, “atrás do trio elétrico do desemprego, só não vai quem já morreu”?


Por certo, a existência, para o capital, de um importante exército de reserva, o qual não mais se resume aos níveis mais baixos de competência e de qualificação técnica, contribui para dar aos trabalhadores a impressão de que não são insubstituíveis e que o seu trabalho é um privilégio, no entanto, um privilégio fraco e ameaçado.


E assim, deve o empregado sentir-se privilegiado, no entanto, ameaçado, motivo pelo qual deve fazer o possível para permanecer no seu emprego. Isto porque o seu colega de trabalho não é mais encarado como um companheiro para futuras e possíveis lutas contra o capital, mas, acaba se tornando um rival, já que, caso ele se desenvolva muito bem, pode apenas ele permanecer no emprego, por exemplo.


No ponto, pode-se anuir com Pierre Bourdieu quando enfatiza que isto gera uma concorrência pelo emprego não penas fora do ambiente do trabalho, mas o pior, no próprio ambiente do trabalho, conduzindo à desmobilização da classe dos trabalhadores, afligidos pela taxa de desemprego ou subemprego e habitados, permanentemente, pela obsessão do desemprego.


Como bem esclarece o autor: “A concorrência no trabalho e pelo trabalho é reveladora de uma luta de todos contra todos, que destrói os valores de solidariedade e de humanidade, e, às vezes, de uma violência sem rodeios”.


Os desempregados e dos trabalhadores destituídos da estabilidade perdem toda sua força, vigor e não são passíveis de mobilização.


E assim, a precariedade se inscreve num modo de dominação, fundado na permanente sensação de insegurança, que obriga os trabalhadores à total submissão e à aceitação da exploração, já que, em caso contrário, estariam na rua e outro, facilmente, tomaria o seu lugar.


Com este entendimento, calha trazer á baila as ponderações de Marcio Túlio Viana, especialmente quando aduz que para os trabalhadores não há mais certeza de muita coisa, a única certeza geral é a incerteza de tudo. Isto porque aumenta o desemprego, renasce o subemprego e o sindicato se enfraquece.


Em seguida, afirma que as transformações também têm afetado os princípios do Direito do Trabalho, já que as leis que protegem o trabalhador já não são mais tão protetivas, quanto um dia pareceram, a exemplo do princípio da proteção que, consoante interpretações, já não é mais dirigido ao empregado, mas ao empregador, que deve ser protegido a qualquer custo, sob o argumento de que assim quem ganha mesmo é o empregado.


CONCLUSÃO:


Frente ao quadro exposto e diante dos pensamentos sustentados pelos autores supracitados, alguns questionamentos tornam-se imprescindíveis: Haveria outra escolha aos trabalhadores senão “flexibilizar”? Teriam eles como negar-se à exploração implantada pelo capital? O Direito do Trabalho, em verdade, é instrumento de proteção ao trabalhador ou instrumento de regulação do mercado de trabalho? Num contexto interno, o Brasil cumpre a função social do trabalho preceituada pela Carta Magna?


Em uma leitura contemporânea, Pierre Bourdieu, utilizando neologismo, afirma a existência de um estado de flexploração. Palavra que evoca a gestão da insegurança e que demonstra uma exploração cada vez mais “bem-sucedida”, fundada na divisão entre aqueles, cada vez mais numerosos, que não trabalham e aqueles, menos numerosos, que trabalham cada vez mais.


E é diante destas anotações que Bourdieu defende que se trata de algo que ultrapassa as razoes meramente econômicas, vez que é muito mais que um regime econômico regido por leis inflexíveis, como afirmam, na verdade, é um regime político que só pôde ser instaurado com a cumplicidade dos poderes propriamente políticos.


Defende ele que contra este regime político, a luta é possível. Luta que pode ter como fim encorajar as vítimas da exploração a trabalhar, em comum, contra os efeitos destruidores da precariedade. Revolução que poderia começar pelo abandono da visão calculista e individualista que reduz agentes a condição de homens preocupados, meramente, em resolver questões estritamente econômicas.


Ademais, deve-se buscar a interpretação que melhor atenda o ideal de tutela, resguardando a importância do Direito do Trabalho para além do sujeito, ou seja, para toda a sociedade.


Por fim, como defende Marcio Túlio Viana, não se trata apenas de saber o que o futuro nos reserva, mas o que o futuro espera de nós. Daqueles que têm papel transformador, capaz de destruir a estrutura posta e reconstruí-la, tomando por base estratégias democráticas que viabilizem a efetivação do direito material.


 


Referências

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Notas:

[1] NETO, José Francisco Siqueira. Flexibilização, desregulamentação e direito do trabalho no Brasil. In: OLIVEIRA, Carlos Alonso B. (org). Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? 2ª edição. São Paulo: Scritta, 1996.

[2] VIANA, Márcio Túlio. A onda precarizante, as comissões de conciliação e a nova portaria do Ministério do Trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho nº. 28, out/dez 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p 105.

[3] BOURDIEU, Pierre. A precariedade está hoje por toda a parte. In: Contrafogos: Táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 123.


Informações Sobre o Autor

Dayane Sanara de Matos Lustosa

Advogada e Correspondente Jurídico do LUSTOSA Assessori a e Consultoria Jurídica. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana Bahia. Colaboradora de vários sites e revistas jurídicas


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