Fonte de custeio da previdência: argumentos e manobras na tentativa de vetar o direito do segurado

Resumo: Baseado na crescente adoção medidas de visando restrições no acesso aos benefícios previdenciários, este trabalho visa analisar questionar os efeitos e o contexto prévio das reformas realizadas na Previdência Social até a edição Medida provisória 664/2014, bem como analisar a legitimidade da argumentação acerca das fonte de custeio da previdência social reacendidas pelas novas mudanças[1].

Palavras-chave:  seguridade social; previdência; fonte de custeio.

Abstract: Based on the increasing adoption of measures aimed at restrictions on access to social security benefits, this work aims to analyze and question the effects the prior context of reforms in Social Security to issue provisional Measure 664/2014, and analyze the legitimacy of the argument about the funding source of social security rekindled by new changes.

Keywords:  social security; previdência; funding provided; reform

1.INTRODUÇÃO

As recentes reformas no acesso aos benefícios como a “Pensão por morte” e o “auxílio doença”, propostas pela MP 664/2014, levantam [2]mais uma vez a discussão ao redor do que seria o real custo e a disponibilidade das fontes arrecadadoras de renda da Previdência Social.

Num período de instabilidade política, baixo crescimento econômico, e o avanço da proposta Neoliberal em “enxugar” os gastos e simplificar a máquina pública quanto às suas responsabilidades estatais, a mancha da injustiça social e as desastrosas ações governamentais no campo das políticas públicas, formam um contexto de manobras políticas largamente utilizadas em país para a desconstrução de direitos sociais adquiridos, a saber, o ataque ao segurado da previdência social.

A constituição “cidadã” de 1998 trouxe conquistas históricas ao positivar diversos direitos e garantias sociais, trabalhistas e previdenciários batalhados há décadas por diversas classes populares, jamais estabelecidos concretamente. A atuação da previdência social que passou fornecer cobertura universal, irredutibilidade no valor dos benefícios, através de uma histórica imposição de diretrizes constitucionais direcionadas a um Estado historicamente omisso.

Como era de se esperar, os privilégios sociais trazidos pela nova constituição, não soaram bem aos interesses das instituições capitalistas com antigos planos sobre a nação.  Tão logo, no início do governo Collor, tivemos o início da “contra reforma” da previdência, através de diversas estratégias de arrocho ao acesso a benefícios e a diversos direitos recém-adquiridos pela nova constituição. A acirrada briga de interesses por grupos ligados ao capitalismo financeiro conseguiu influenciar agora os “governos neoliberais”, que passaram a efetivar lentas, porém drásticas mudanças para inviabilizar o exercício de direitos sociais recém-adquiridos.

Sob a égide de um suposto “déficit” nas contas da previdência social, até hoje demonstrados de forma equivocada, os governos Collor, FHC, e Lula, favoreceram o processo de enrijecimento aos critérios de acesso aos benefícios previdenciários, em diversos momentos, chegando à efetivação de diversas alterações no próprio texto constitucional. Agora mais uma vez durante a vigência do governo Dilma, a agenda da “contra reforma” da previdência segue adiante através da edição da Medida Provisória (MP) 664/2014, através de novas restrições inconstitucionais dificultando drasticamente o acesso aos benefícios previdenciários, baseados nos mesmos argumentos, porém envolvidos num contexto político-administrativo sombrio, tingido por diversas contradições e alarmante corrupção.

2.  AÇÃO DO ESTADO NEOLIBERAL E A CONTRA REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

A atual abrangência de direitos sociais positivados pela atual constituição, foi arquitetada para vigorar durante toda a história da transformação republicana do Estado brasileiro, sendo sua efetivação ora defendida, ora perseguida, através das diversas ordens constitucionais praticadas em território nacional, até a promulgação da Constituição de 1988. Através da conquista desses novos direitos (civis, trabalhistas e, previdenciários), o Estado assumiu uma responsabilidade de prover gratuitamente à população, o acesso a diversos itens e serviços que promovessem o bem estar e melhores condições de vida aos moldes dos países desenvolvidos. Como era de se imaginar, a incumbência imposta ao Estado de oferecer gratuitamente diversos serviços à população, foi vista com maus olhos pelos grandes grupos capitalistas, interessados, sobretudo, no comércio daquilo que deveria ser fornecido gratuitamente.

Através de publicação virtual especializada, NASCIMENTO NETO (2009) reflete sobre a questão ao afirmar que: A constituição de 88 positivou restrições à livre movimentação do mercado ao impor “ …limites e objetivos e estabelecendo-lhe a obrigação de sempre ser exercida de maneira a preservar a dignidade da pessoa humana e promover a justiça social…”, desagradando a grandes grupos capitalistas, nascia a partir daí o histórico atrito entre representantes do Estado “Ético”, tutor dos direitos sociais e o Estado “Neoliberal”, um mediador dos interesses do sistema capitalista.

OLIVEIRA APUD SILVA (2006) trouxe à memória os planos do “Consenso de Washington” de 1989, conjunto de diretrizes estruturais e econômicas destinadas aos países latino americanos, elaborado em por instituições financeiras encabeçadas pelo FMI e pelo Banco Mundial. O consenso de Washington propunha diversas medidas de “ajuste” estrutural e econômico, aos países latino americanos a partir de “…uma rigorosa disciplina fiscal, privatização, redução dos gastos públicos, reformas (tributária, previdenciária, etc.), liberalização comercial, desregulação da economia e flexibilização das relações trabalhistas, dentre outras” (p.5)

2.1 O Início do arrocho durante o governo Collor

     Em Recente abordagem de FERREIRA et al (2014), relembram evento desencadeador possibilitou o início da contra-reforma da previdência social no início do governo Collor, a CPI da previdência social de 1992 e as respectivas conclusões apontadas pelo “Relatório Antônio Britto”. Após o um atrito entre o governo federal e os sindicatos dos aposentados (a chamada Crise dos 147%) acerca dos valores de reajustes às aposentadorias, iniciou-se a argumentação primitiva do déficit da previdência:

“…a argumentação do Ministério da Previdência de que a União não tinha condições de dispor dos recursos necessários para o pagamento daquele reajuste fizeram com que a Câmara dos Deputados, tendo à frente o deputado Antônio Britto, instituísse a Comissão Especial para o Estudo do Sistema Previdenciário, em janeiro de 1992…”(FERREIRA et al APUD MOTA (2014), p.103)

Após a instauração de uma CPI, para avaliar irregularidades na distribuição de benefícios, um comovente alarde acerca do equilíbrio nas contas da previdência foi gerado, convocando a nação para rever os compromissos assumidos pela constituição de 88, na intenção de evitar um suposto iminente colapso do sistema. O relatório da CPI sugeriu que:

…a previdência restrinja sua área de abrangência às aposentadorias e pensões, as quais serão custeadas pela folha de salários, ao mesmo tempo em que preconiza a supressão do FINSOCIAL , substituindo-o pelo imposto sobre transações financeiras. Propõe a diminuição das contribuições das empresas e incentiva o sistema complementar, mas defende o limite de 10 salários-mínimos, como teto de contribuição e benefício sob o argumento da necessidade atuarial. Defende, também, a extinção da aposentadoria por tempo de serviço, a municipalização da assistência e a descentralização de recursos para a saúde, mediante a criação de tíquetes-saúde ou da obrigação das empresas de financiarem o seguro de saúde para seus trabalhadores” (op. cit p.103-104).

O relatório Antônio Brito foi o palco ideológico da contra reforma da previdência e a base de argumentação de “colapso iminente” que se apoiariam as reformas que viriam a ser efetivadas, conforme enfatizam os autores supra citados, após esse incidente: “A crise aberta gerada pelo confronto no judiciário entre os pensionistas e o governo converteu o problema previdenciário em issue de grande destaque na mídia. Os trabalhadores da CPI reforçaram ainda mais a repercussão desse confronto”(op.cit p.103). A partir de então, a Previdência, passaria a ser tratada como o grande vilão responsável por atrasar o desenvolvimento do país, argumento que seria utilizado como pretexto a cada reforma, relatado todos os ministros da previdência social que assumiriam a pasta subsequentemente.

O fim precoce do governo Collor não permitiu que toda a sua agenda fosse posta em prática, estabelecendo principalmente os pilares para a ação de seus sucessores. OLIVEIRA APUD COUTO (2011) destaca que estavam em seus planos:

“a) alavancagem do processo de privatização das empresas nacionais; b) abertura econômica para capitais estrangeiros; c) retomada do processo inflacionário; d) minimização dos gastos públicos governamentais na área social, entre outras características, o que aponta seu perfeito alinhamento com as indicações feitas pelos organismos internacionais” (p.138)

2.2 Reformas no governo FHC

     Recém-eleito, o então presidente Fernando Henrique Cardoso se fez de declarações que delataram abertamente o compromisso do novo governo federal com o empenho absoluto em cumprir as metas Neoliberais. Cabia agora ao presidente a heroica tarefa de livrar o Brasil de “…um pedaço do nosso passado que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da era Vargas, ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista” CARDOSO APUD BASTOS (2012 p.780)

2.2.1 Emenda Constitucional nº 20 – conjunto de normas que alterou as formulas de cálculo do regime geral, alterou o modelo de aposentadoria “por tempo de serviço” para “ por tempo de contribuição”, além de instituir a regulação dos planos de previdência privada.

2.2.2 Lei 9711/98 – Introduziu a obrigatoriedade da retenção de 11% à contribuição previdenciária sobre a nota fiscal das empresas prestadoras de serviço (limpeza, zeladoria, vigilante, empreiteiras)

2.2.3 Lei 9876/99 – Efetivou o mais severo mecanismo de arrocho ao segurado: o Fator previdenciário, um índice redutor do valor das aposentadorias, introduzido no cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição, a partir de uma estimativa generalizada (isto é de modo errôneo) acerca da expectativa de vida da população brasileira, penalizando os segurados que se aposentarem precocemente, estabelecendo um corte de até 40% sobre as aposentadorias.

2.2.4 Lei 9983/00 – Introduziu o crime de apropriação indébita previdenciária

 ARAÚJO (2009) apontou que as reformas da previdência durante o período FHC implicaram também em ”perdas associadas ao cálculo do valor das aposentadorias, seja em função do critério da média dos maiores salários de-contribuição, seja em função do “fator previdenciário”….(p.35) O autor ainda chama a atenção do possível rebaixamento do valor dos benefícios após os novos critérios adotados para a correção do teto do regime geral da previdência social (RGPS). Novamente temos, o governo avançando no cumprimento das metas neoliberais de enxugar a participação do Estado, incumbindo-lhe de oferecer apenas uma “previdência básica”.

2.3 Reformas no governo Lula

2.3.1 Emenda Constitucional nº 41

A partir da redação da emenda 41, a contra reforma da previdência cercou fundamentalmente os direitos previdenciários dos servidores públicos, trazendo novamente que antes haviam sido rejeitadas nas propostas da emenda constitucional nº20. Através da emenda efetivou-se a absurda imposição à contribuição dos servidores já aposentados, enquanto que os servidores inativos e pensionistas cujos benefícios excedessem ao teto do regime geral da previdência (R$ 4,159.00) foram obrigados a contribuir para a previdência com 11% de seu benefício(contrariando o princípio da retributividade, ao servirem de custeio de benefícios que não irão usufruir, tendo custeado seu próprio benefício nos anos de trabalho), ou seja uma inconstitucional medida visando a restrição de um direito adquirido.

Através de MARQUES & MENDES (2004),resgatamos os famigerados cálculos oportunistas e artimanhas exaustivamente utilizadas pelos governos federais ao longo da história:

“O governo Lula, para indicar a enorme injustiça social consubstanciada no regime previdenciário dos servidores civis, comparou…a média dos benefícios do RGPS, de R$ 362,00, ao benefício de R$ 50 mil de um servidor. Não fosse pelo fato de esses dados terem sido exaustivamente repetidos na mídia, num arroubo de ingenuidade seria possível pensar que se tratou de um "equívoco". Afora que não se compara uma média a um valor absoluto, fato conhecido por qualquer pessoa um pouco familiarizada com os "mistérios da distribuição". Para o cálculo da média do RGPS foram indevidamente incluídos os benefícios dos rurais (de um salário mínimo) e as aposentadorias por idade, todos de caráter assistencial, com valores baixos, que "puxam" a média para baixo. Segundo os dados do próprio MPAS, a média de aposentadoria por tempo de contribuição é de R$ 812,30, bastante acima dos R$ 362,00 utilizados para respaldar a retórica. Já a média da aposentadoria da maioria dos servidores federais fica em torno de R$ 1.038,00, conforme divulgado pela CUTfoi com base nessa comparação espúria que se defendeu a adoção do teto de R$ 2.400,00 tanto para os servidores como para os trabalhadores do RGPS e, por consequência, a extinção da integralidade para os servidores e o início da unificação dos regimes.”  (p.10)

As autoras ainda concluem que o governo nesta ocasião não incluiu os benefícios previdenciários dos militares, temendo a resistência política.

2.4 Reformas no governo Dilma

2.4.1 Medida provisória 664/2014

Finalmente, chegamos para tratar do mais recente reforma baseada com os mesmos princípios inconstitucionais, arbitrários e políticos, a Medida provisória (MP) 664/2014 que modificou o acesso ao auxílio doença e à aposentadoria por invalidez e à pensão por morte, impondo maiores prazos de carência, além de limitar o tempo de recebimento das viúvas conforme sua faixa etária.

CRISTINO (2015) faz uma análise do ponto mais crítico da medida  “…a redução do valor da pensão para 50% do valor da aposentadoria ou que o segurado tivesse direito ou se aposentado por invalidez fosse, na data de seu falecimento…” Para o autor, a medida não traz nenhuma justificativa em si mesmo, tão somente mais uma manobra política …com reflexos nefastos aos beneficiários do segurado pré-morto.”.

Após publicação, a MP 664 /2014, foi questionada no STF pela CNTU[3] (Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários Regulamentados) através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5238. De acordo com a entidade, a MP:

violou o Artigo 246 da Constituição Federal, que veda regulamentação, por medida provisória, de comando constitucional alterado por emenda aprovada entre 1995 e 2001. A ADI também argumenta que a norma foi editada quase 16 anos depois da Reforma da Previdência de 1998, o que evidencia a falta de urgência para tratar do tema (Artigo 62) e a promoção de minirreforma sem a devida discussão no Legislativo (Artigo 201).

Atualmente, estão sendo discutidas oito violações ao texto constitucional como violação ao art. 5 (direitos e garantias fundamentais);  art 6 e 193 (garantia a direitos sociais, ao bem estar e à justiça social); art 201, I e art 226 (conceito de família e sua proteção); art 154, I e art 195 parágrafo 6º (criação de tributo adicional ao empregador), além da vedação ao retrocesso social.

3. POR QUE O BRASIL NÃO AVANÇA?  ÍNDICES NACIONAIS DESASTROSOS E MAIS CONTRADIÇÕES

3.1 Tributação elevada com retorno medíocre à população

Em Abril de 2014, o Jornal “Folha de São Paulo”, publicou uma pesquisa[4] realizada pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) levantou uma lista de 30 nações que mais arrecadam impostos no mundo, posicionando o Brasil no último lugar com o pior país do mundo na devolução de melhorias à população pelo imposto cobrado, já a revista Exame indicou o empreendedor brasileiro como 1º maior pagador de impostos do mundo sobre os salários de seus funcionários[5].

     Segundo a revista Veja[6], o brasileiro anualmente necessita trabalhar cinco (05) meses consecutivos para pagar seus tributos anuais, que compõem uma surpreendente relação praticada ao todo no território nacional, de 92 tributos[7] (incluídos impostos, contribuições, taxas e contribuições de melhoria)

Somando a esse fato temos a negligência do poder estatal ao permitir diversas operações desfavoráveis praticadas por multinacionais estrangeiras (Em 2013 o setor automotivo enviou U$ 3,3 Bilhões de dólares ao exterior[8], recebendo em contra partida recebendo de volta apenas 3,8% do valor para investimento no país, sendo o setor que mais envia dinheiro para fora e o oitavo que mais recebe investimento externo no país), em detrimento das próprias multinacionais de origem brasileira, que a partir da MP 2.158/01[9] o Estado brasileiro (único atual no mundo) passou a promover a dupla taxação das suas próprias multinacionais (comumente os demais países isentam suas multinacionais total ou parcialmente [95% isenção], cabendo às empresas, pagarem os referidos impostos nas nações em que se instalarem).

Arrocho salarial

Embora o PIB brasileiro seja o 7º do mundo[10], o ranking da nação se encontra morro abaixo ocupando a posição nº 79 [11]de desenvolvimento humano entre as nações.

Baseado no banco de dados do DIEESE[12] (Departamento intersindical de Estudos sócio econômicos), o mês de Maio de 2015 indicou que o Salário mínimo necessário às demandas sociais seria de R$ 3.377,62, enquanto que o salário mínimo nominal aplicado é de R$ 788,00. Em agosto de 1994, durante o segundo mês da implantação do REAL, o salário mínimo necessário calculado era de R$ 645,53, enquanto que o valor nominal praticado era de R$ 64,79. Num cálculo simples destes valores, teríamos em 1994 a população vivendo com um salário mínimo que supriria apenas 10,03% da necessidade de um trabalhador, baseado nos custos de vida nacionais, enquanto que em 2015 o salário mínimo passaria a supriria 23,33% da necessidade de um trabalhador.

Descumprimento das Normas constitucionais pelo próprio Estado

O Portal “A Gazeta do Povo[13] apontou o INSS como maior réu do Brasil, citado em cerca de 5,8 milhões de ações judiciárias em todo o Brasil. O Sindicato Nacional dos aposentados e pensionistas da Força Sindical estima a existência de 150 mil processos somente no Paraná, sendo que por volta de 50% a 70% desses processos por conflitos para obtenção de benefícios, segundo os calcula aproximadamente do procurador federal e professor de Direito Previdenciário da PUC-SP Miguel Horvath Júnior. O procurador aponta ainda que após a instituição da “alta programada” em 2005, em que o sistema de computadores da previdência corta automaticamente o benefício: “Muitas vezes, o trabalhador não consegue marcar nova perícia antes do prazo vencer. Ou ele tenta voltar à empresa e não é aceito, por ainda ser considerado doente. Com isso, o resultado é uma verdadeira avalanche de ações.”

Em matéria virtual, o portal “O Estado de São Paulo[14], destacou através de declarações do próprio o Ministro Barroso do STF, que em 2012 as ações contra o INSS, representaram 34% da totalidade dos processos analisados pela Justiça Federal de primeiro grau e até 79% dos processos dos juizados especiais federais. 

Uso da máquina do Estado para privilegiar interesses de grupos influentes.

Em Março de 2015, o portal “O GLOBO[15] noticiou que o governo federal, através de medida provisória, concedeu um incoerente prazo de vinte (20) anos para o pagamento da dívida previdenciária e tributária dos clubes de futebol (que se arrasta por décadas), já atingiu o montante de 4,1 Bilhões de Reais. Este prazo se mostra ainda mais incoerente quando o futebol brasileiro está prestes a adotar o sistema de fiscalização “fair play financeiro”, (em vigor na Europa desde 2010) que prevê severas penalidades e restrição aos clubes que apresentarem irregularidades nas suas contas a despeito de dívidas em atraso em relação a outros clubes, jogadores de futebol, segurança social e autoridades fiscais (no caso a receita federal).

Aqui temos outro grave contrassenso, pois já é sabido que esse déficit se arrasta por décadas e o governo federal não apresenta o mesmo empenho que tem demonstrado ao restringir de todas as formas, o acesso ao segurado da previdência social. Este tratamento superficial também vai contra as recentes medidas adotadas pelos órgãos internacionais competentes. Vale lembrar que além dos clubes de futebol, temos outros grupos de devedores da previdência, cuja responsabilização se mostra muito mais grave à integridade e à reputação da Federação que os próprios segurados, tratando-se no caso da dívida do próprio distrito federal, dos estados e dos municípios, cujo tratamento recentemente foi editado pela MP 589/2012[16] prevendo desconto de 60% nas multas de mora, 25% nos juros e 100% nos encargos legais, conforme publicado pelo portal o Globo em 2012. Posteriormente[17], uma série de sugestões elaboradas por diversos prefeitos foi acatada pelo presidente da comissão     que analisou a MP, o deputado Márcio Macêdo (PT-SE), que à época comemorou a isenção do compromisso com a previdência:O texto original da MP previa uma redução de 60% das multas e de 25% dos juros de mora. Conseguimos aprovar uma redução de 100% das multas e de 50% dos juros”.

4 – DESMISTIFICANDO O DÉFCIT DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

4.1 Argumentos maquiados pela ramificação do sistema

 No intuito de mascarar as origens de sua fonte de custeio, a previdência social é apresentada como uma instituição isolada, situação bastante divergente à sua real colocação, ao fazer parte da tripartição da seguridade social: saúde; assistência social e previdência social. Considerando os dados supracitados acerca da condição ultra arrecadadora do Governo Federal, fica fácil pensar que não é interessante à população descobrir que a previdência social, recebe por diversas fontes, verbas próprias, além de generosos repasses das verbas destinadas à Seguridade Social, estando este sustentado através dos impostos pagos pela população pelas demais instituições civis e empresariais. Assim sendo, chegamos a uma situação bastante inusitada: a ação de uma entidade incumbida de fiscalizar o financiamento previdenciário de seus segurados obrigatórios, (auxiliada pela declaração de renda obtida pelos seus mesmos segurados à Receita Federal), agindo como a maior agenda sonegadora de informações acerca de sua própria fonte de renda, assim é o INSS.

Os cálculos apresentados pela previdência anualmente apresentam uma variação negativa entre a arrecadação líquida adquirida e a quantia distribuída pelos benefícios pelo Regime Geral da Previdência Social. O “pequeno porém”, é que o cálculo se “esquece” de incluir no funcionamento dos caixas da previdência toda a imensa arrecadação de verbas governamentais mensais, ou seja, suas demais fontes de custeio . ARAÚJO (op.cit) faz a ressalva que Tais receitas são provenientes de contribuições incidentes sobre a folha de salários, o faturamento, o lucro e os concursos de prognósticos, assim como de recursos dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”(p.33)

Embora pouco divulgados, diversos autores já demonstram a previdência social como um órgão que funciona em superávit, como MADALOZZO (2012), SOUZA (2011), GENTIL(2007); ARAÚJO (2005), entre outros.

Na sequência deste raciocínio LINS APUD GENTIL(2015) demonstra que: “O superávit da Seguridade Social brasileira, que tem a finalidade de abranger, a assistência social, previdência e o conjunto da saúde”.(p.11)

Além de não apresentar déficits, a grande quantidade que sobra dos caixas da previdência se tornaram um alvo fácil e crônico para desvio de recursos para outros fins:

… no ano de 2006 o excedente do recurso previdenciário alcançou um superávit de 72,2 bilhões de reais, sendo que uma parte no montante de 38 bilhões de reais foram desvinculados da Seguridade Social onde a desvinculação da receita da união permite um limite de apenas 20%, e o total desviado no ano de 2006 foi de 52,6%…(p.11-12)

Desta forma o autora chega à fatídica conclusão que a previdência “Possui grandes valores que excedem os recursos da Seguridade Social que são desviados para outros fins, que deveriam ser financiados por outra fonte de arrecadação de imposto”(p.12)., provando por fim que “… a contribuição social não é a única fonte de custeio da seguridade, se for necessários as doações deveriam vir de doações orçamentarias da união, entretanto tem ocorrido o inverso onde o orçamento da seguridade tem custeado o orçamento fiscal.”(p.12)

A ANFIP (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil). Através de seu presidente Álvaro Sólon de Franca, declarou[18] ainda em 2012 à imprensa: “Não há que se falar em falta de recursos para a Seguridade Social. Recursos há, se estão sendo aplicados ou se estão constituindo superávit primário, aí é outra discussão que precisa ser enfrentada”. A organização apresentou dados que comprovam um superávit de R$ 78 bilhões na Seguridade Social em 2012 (contabilizando, portanto o tripé Assistência Social, Previdência e Saúde).

Outro elemento bastante interessante pode ser contemplado pelos escritos de MADALOZZO(op.cit), cujos dados além de confirmarem com clareza o superávit previdenciário, aponta que o saldo positivo se manteve mesmo após  o fim do recolhimento da CPMF:

 

5.CONCLUSÕES

Como se pôde observar, as reformas recentemente propostas pela MP 664/2014, mais uma vez se lançam de uma covarde penalização imposta pelos governos ao segurado da previdência social, baseada em argumentos suspeitos que há tempos vem sendo utilizados. A previdência Social, conforme exposto, trabalha há anos em superávit, e apresenta no balanceio de suas contas, porções excedentes significativas obtidas com sucesso por suas reais fontes de custeio. Esse excedente, no entanto, fica mensalmente exposto ao desvio de sua real destinação. Somando-se a todo esse processo, já é sabido que os governos dispõem de diversos artifícios para ocultar sua real condição orçamentária, se valendo politicamente de seus próprios instrumentos de fiscalização, favorecendo a corrupção em nível municipal; estadual e federal. Os governos federais também se resguardam através de uma burocrática e confusa metodologia de arrecadação à união, que proporciona uma distribuição desproporcional das verbas, e a omissão o real valor dos investimentos realizados nos diversos setores da sociedade.

Associado a esta triste “herança” no cenário político nacional, temos a ação um Estado agindo favorecendo diretrizes Neoliberais, atuando incessantemente na capitalização dos investimentos sociais, isentando-se de sua responsabilidade, ao “vender” à população uma falsa imagem dos prejuízos à economia brasileira, imputados pelas diretrizes orçamentarias previstas na constituição Federal. Desta Forma temos consolidado governos federais cada vez mais aparelhados pela máquina estatal, favorecendo monstruosos contrassensos entre a sua captação de recursos e o injusto retorno oferecido à sua população. Por fim, observamos que as diversas reformas realizadas pela previdência social, não passam de manobras a fim de favorecer a interesses esguios de grupos interessados pelo poder.  Neste contexto de um desserviço à população brasileira, pode-se concluir que a administração pública federal, se vale de recorrentes e desnecessárias reformas na previdência social, calcadas em interesses meramente políticos, sob a égide de um déficit de recursos que não existe.

 

Referências
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Notas:
[1] Projeto de pesquisa apresentado na especialização na modalidade artigo como requisito para a obtenção do Título de especialista em Direito da Seguridade Social. Orientador: Ms Carlos Alberto Vieira de Gouveia
[3] Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=285637>   Acesso em 05/07/2015.
[7] Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/tributos.htm>  Acesso em: 02/07/2015
[12] Disponível em:  <http://www.dieese.org.br/>  Acesso em 04/07/2015
[14] Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/supremo-em-pauta/stf-e-os-filtros-ao-acesso-a-justica-gestao-processual-ou-vantagem-ao-grande-litigante/36/48> Acesso em 12/07/2015
[15] Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/em-cerimonia-dilma-assina-mp-da-renegociacao-das-dividas-dos-clubes.html>Acesso em 12/07/2015
[17] Disponível em: <http://www.ptnacamara.org.br/index.php/inicio/noticias/item/12750-comissao-aprova-relatorio-sobre-dividas-dos-municipios-com-inss> Acesso em 12/07/2015

Informações Sobre o Autor

Felipe Ruggero de Oliveira Dimitrov Meneghel

Acadêmico de Direito na Universidade Paulista Unip de Sorocaba


Equipe Âmbito Jurídico

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