Resumo: Em março de 2013, o Brasil depositou o seu instrumento de adesão à Convenção das Nações Unidas sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias (Viena, 1980), vigorando para o País em 1º de abril de 2014 no plano jurídico externo e em 17 de outubro de 2014 no plano interno, com a publicação do Decreto n. 8.327/2014. Assim, passam a coexistir no Ordenamento Jurídico brasileiro dois regramentos aplicáveis aos contratos empresariais de compra e venda de mercadorias: um aos contratos internos e outro aos contratos internacionais. O objetivo do presente trabalho é analisar comparativamente a formação do contrato de compra e venda de mercadorias, consoante as disposições do Código Civil e da Convenção das Nações Unidas sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias. *
Palavras-chave: formação do contrato; contratos internacionais; contrato de compra e venda de mercadorias.
Abstract: In March 2013, Brazil deposited its instrument of accession to the United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (Vienna, 1980), which became effective for the country on April 1, 2014 on the international law legal system, and on October 17, 2014 on the municipal legal system, with the publication of Decree n. 8327/2014. Thus, two specific norms applicable to business contracts of sale of goods began coexisting in the Brazilian legal system: one to domestic contracts and the other to international agreements. The aim of this study is to analyse the formation of the contract of sale of goods, pursuant to the provisions of the Brazilian Civil Code and the United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods.
Keywords: contract formation; international contracts; contracts for sales of goods.
Sumário: 1. Introdução; 2. Análise Comparativa Dos Dispositivos Do Código Civil Brasileiro (Ccb) E Da Convenção Das Nações Unidas Sobre Compra E Venda Internacional De Mercadorias (Cisg) Acerca Da Formação Do Contrato; 2.1. Oferta; 2.2. Aceitação; 2.3. Eficácia, retratação e revogação da Oferta e da Aceitação – momento da formação do contrato; 2.4. Local de formação do contrato; 2.5. Requisitos formais; 3. Considerações Finais.
1. INTRODUÇÃO
A revivescência do comércio e o reflorescimento urbano, consideradas pelos historiadores como diretamente relacionados à revolução agrícola que marca o período entre 1050 e 1300, fez surgir uma nova classe social – a dos mercadores – em geral menosprezada pela aristocracia e, portanto, preocupada com a sua proteção rápida e efetiva, à margem das regras emanadas pela nobreza local e pelo clero.
É nesse contexto que surge a chamada Lex Mercatoria, ou seja, um conjunto de regras consuetudinárias e princípios desenvolvidos pelos mercadores para regular a atividade comercial. O escopo fundamental da Lex Mercatoria era um regramento derivado das práticas comerciais, que atendesse às necessidades dos mercadores e que, portanto, fosse compreendido e aceito pelos comerciantes que se submetessem à sua jurisdição.
O progressivo fortalecimento das monarquias deu ensejo à igualmente progressiva incorporação dos regramentos mercantis às ordenações emanadas pelos monarcas, passando o direito verdadeiramente mercantil – no sentido de ser diretamente proveniente da atividade comercial – a ser rejeitado com a consolidação do Estado Moderno e o monopólio estatal da produção jurídica, uma vez que a sua transcendência a limitações territoriais era considerada uma ameaça à Soberania do príncipe.
O direito estatal moderno, centralizado e soberano, não consegue acompanhar o ritmo do comércio internacional contemporâneo, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, restando ineficaz para atender aos anseios dos agentes envolvidos. Um dos principais entraves ao comércio internacional moderno/contemporâneo está, justamente, na diversidade de ordenamentos jurídicos – por vezes conflitantes – aptos a regular uma mesma relação jurídica, causando controvérsias quanto à regulamentação normativa de aspectos essenciais às relações jurídicas que transpassam as fronteiras estatais. E, no âmago das relações jurídicas entre os agentes do comércio, como expressão da concepção moderna de autonomia privada e liberdade, está o contrato.
Contrato internacional é, na expressão de Irineu Strenger (1986, p. 4), consequência do intercâmbio entre Estados e pessoas. Com efeito, sob o ponto de vista do direito interno, o contrato será considerado internacional quando houver vinculação, por algum dos elementos de estraneidade pertinentes, a um ou mais sistemas jurídicos estrangeiros, o que pode gerar conflitos quanto à delimitação do direito aplicável à relação obrigacional. Entretanto, é necessário estudá-lo – e interpretá-lo – inserido no contexto jurídico, econômico e social plural do mercado globalizado, e em suas especificidades.
Assim ressurge a Lex Mercatoria, a partir de estudos, sistematizações e compilações realizadas por entidades privadas[1] dos costumes e práticas recorrentes do comércio, de forma a complementar o direito estatal – quer no âmbito interno ou no do sistema multilateral de comércio internacional – na regulamentação do comércio internacional, buscando maior segurança jurídica das operações.
Dentre os esforços para a sistematização e harmonização normativa de regras aplicáveis ao comércio internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional editou em 1980 a Convenção das Nações Unidas sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias[2]. A Convenção propõe uma abordagem uniforme para os contratos de venda de mercadorias entre as partes cujos estabelecimentos comerciais estão em Estados diferentes, promovendo a previsibilidade em direito do comércio internacional através de definições dos direitos e obrigações das partes, reduzindo assim os custos de transação.
Apesar da crescente participação do Brasil no comércio internacional[3], e de ter participado ativamente das conferências que levaram à elaboração do projeto final da Convenção[4], a aprovação da CISG pelo Congresso Nacional só ocorreu em outubro de 2012. Em 04 de março de 2013, o Brasil finalmente depositou o seu instrumento de adesão à Convenção vigorando para o País, no plano jurídico externo, em 1º de abril de 2014. A efetiva internalização da norma internacional ao ordenamento interno ocorreu em outubro de 2014, com a publicação do Decreto n. 8.327/2014[5].
Assim, passaram a coexistir no Ordenamento Jurídico brasileiro dois regimes jurídicos aplicáveis aos contratos de compra e venda (empresarial) de mercadorias: um aplicável aos contratos internos – ou seja, aquele que não se vincula a qualquer outro ordenamento jurídico que não o brasileiro – e outro, aplicável aos contratos internacionais – aqueles em que se verifica conexão com ordenamento jurídico alienígena.
Neste contexto, importa registrar que nem todo contrato internacional de compra e venda de bens será, necessariamente, regido pela CISG. O escopo da CISG é limitado aos contratos de compra e venda de mercadorias que obedeçam aos seguintes critérios: que as partes tenham, no momento da formação do contrato, domicílio empresarial em diferentes Estados e; (a) que os Estados sejam signatários da Convenção; ou (b) que as regras de direito internacional privado conduzam à aplicação da lei de um Estado-parte da convenção[6].
Operadores do Direto – em especial advogados, juízes e árbitros – e empresários que atuem com contratos de comércio exterior devem, portanto, atentar aos possíveis conflitos entre a norma geral de direito contratual, até então aplicável a estes contratos – o Código Civil Brasileiro – e as recém vigentes regras específicas aos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias, constantes da Convenção de Viena de 1980.
Pretende-se, com o presente trabalho, a análise comparativa da formação do contrato empresarial[7] de compra e venda de mercadorias sob a ótica do Código Civil Brasileiro, consoante os artigos 427 a 435 e demais dispositivos aplicáveis aos contratos de compra e venda, e os artigos 14 a 24 da Convenção das Nações Unidas sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias.
2. ANÁLISE COMPARATIVA DOS DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO (CCB) E DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS (CISG) ACERCA DA FORMAÇÃO DO CONTRATO.
Pressuposto essencial à formação do contrato é a manifestação de vontade dos agentes. Com efeito, o contrato se forma quando duas partes manifestam, de forma convergente, sua vontade em estabelecer vínculos obrigacionais, formando um acordo. Trata-se de processo composto por três momentos: a oferta, a aceitação e o consenso. No contratos de compra e venda, as declarações de vontade estão relacionadas à transferência de propriedade de um determinado bem de uma parte à outra, mediante uma contraprestação pecuniária.
2.1. Oferta
A oferta, como dito, é o primeiro momento da formação do contrato, na qual um dos sujeitos exterioriza sua vontade de contratar, incitando a contraparte a manifestar sua vontade quanto à proposta de contrato. Diferencia-se das tratativas na medida em que, ao contrário destas, como já citado, expressa a vontade de contratar em tal grau de certeza e especificidade que para a formação do vínculo obrigacional bastará o “sim” da contraparte.
Segundo o art. 427 do Código Civil, “a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”. Como negócio jurídico unilateral, vincula o ofertante, obrigando-o à conclusão do contrato em caso de aceitação válida e tempestiva pela contraparte, desde que presentes dois requisitos: o primeiro, que contenha os dados essenciais para a conclusão do negócio sendo, pois, completa; e, o segundo, que seja séria e certa (RIZZARDO, 2005, p. 47), ou seja, que expresse a real intenção do agente em obrigar-se pelo proposto. Há de se destacar, contudo, que na falta daquele que se manifesta (propõe) em ressalvar que não pretende obrigar-se ao proposto, a oferta presumir-se-á vinculante, salvo a hipótese do destinatário ter conhecimento da ressalva, consoante se extrai do art. 110, do Código Civil.
No mesmo sentido, é o regramento da Convenção de Viena de 1980, quando, em seu art. 14(1), dispõe que para que a proposta seja vinculante, deverá ser “suficientemente precisa e indicar a intenção do proponente de obrigar-se em caso de aceitação”. Numa primeira leitura do dispositivo, poder-se-ia depreender que a indicação da intenção do proponente deva ser expressa. Contudo, vontade do proponente pode ser externada por uma declaração (manifestação expressa) ou pela conduta do policitante (tácita), consoante interpretação do art. 8º da Convenção[8]. Nesse contexto, já foram consideradas como manifestação da vontade de contratar, por exemplo, caso em que houve envio de ordem de compra, pelo comprador ao vendedor, com expressões denotando pedido de compra e especificações de entrega imediata; quando vendedor e comprador assinaram conjuntamente um documento especificando determinado programa de computador e preço (UNCITRAL, 2012, p. 91).
No caso específico dos contratos de compra e venda de mercadorias, tanto no âmbito do CCB quanto no da CISG, os requisitos essenciais à conclusão do contrato e que, portanto, devem constar da proposta, são objeto e preço.[9] A Convenção de Viena, igualmente, na segunda parte do parágrafo (1) do artigo 14, determina que a proposta será “suficientemente precisa quando designa as mercadorias e, expressa ou implicitamente, fixa a quantidade e o preço, ou prevê meio para determiná-los”, embora já haja precedente no sentido de que, se a intenção de se vincular à aceitação houver sido estabelecida, a proposta será válida mesmo que não se verifique a especificação do preço (UNCITRAL, 2012, p. 92).[10][11]
Em ambas as normas, a análise do que pode ou não ser considerada uma proposta completa, em seus requisitos essenciais, é casuística, na medida em que deverão ser levados em conta os usos e costumes do nicho de mercado específico da operação ou mesmo a prática usual das partes, em caso de relacionamento comercial contínuo. Nesse sentido, cumpre ressaltar as regras de interpretação dos negócios jurídicos trazidas no Código Civil Brasileiro, notadamente nos artigos 112 e 113, com base na boa-fé objetiva, usos, costumes; no âmbito da Convenção das Nações Unidas, o assunto é abordado nos artigos 8 e 9.[12]
A Boa-Fé, como se sabe, é princípio basilar a todas as relações contratuais e dele depende a segurança das relações jurídicas, pelo qual todos devem agir de forma clara e autêntica, de acordo com padrões éticos de confiança e lealdade. Enfim, é um dever de conduta contratual ativo. Aliás, mais do que princípio expresso, a boa-fé deve ser entendida como princípio geral norteador de todos os contratos, indistintamente.
A primeira divergência entre o CCB e a CISG pode ser percebida na abordagem da oferta a pessoas indeterminadas (ou Oferta ao Público). Enquanto a norma geral do Código Civil determina que a oferta ao público, quando apresenta os requisitos essenciais do contrato, é obrigatória ao ofertante (art. 429), salvo ressalva do proponente ou o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos, a Convenção UNCITRAL, em seu art. 14(2), trata do assunto como convite à ofertas (invitation to make offers, no texto original), determinando que a oferta dirigida a pessoas indeterminadas será considerada apenas um convite para apresentação de propostas, salvo se o autor da oferta houver indicado claramente o contrário. Percebe-se que o tratamento dado pelas normas é diametralmente oposto, sendo o que é a regra geral do CCB a exceção na CISG, e vice-versa. A sistemática da Convenção UNCITRAL, parece-nos, melhor se adequa às rotinas da contratação internacional entre empresários, na medida em que lhes confere maior segurança e liberdade nas operações.
Em todo caso, não se pode perder de vista que, ainda no que tange ao convite à oferta, a interpretação da intenção das partes deverá levar em conta o sentido que lhes teria dado uma pessoa razoável, com a mesma qualificação e nas mesmas circunstâncias da outra parte (art. 8(2), da CISG), assim como todas as circunstâncias pertinentes ao caso, especialmente negociações, práticas adotadas pelas partes entre si, usos e costumes e qualquer conduta subsequente das partes (art. 8(3), da CISG).
2.2. Aceitação
No outro lado da moeda da formação do vínculo obrigacional está a aceitação, ato pelo qual o destinatário da oferta manifesta sua vontade em aceitá-la, criando o vínculo obrigacional. De igual sorte à proposta, a manifestação da aceitação pode ser expressa ou tácita, dependendo dos usos, costumes ou das circunstâncias concretas.
Embora em disposições textuais bastantes distintas, as normas tratam o silêncio como aceitação tácita. No Código Civil Brasileiro, encontramos os dispositivos dos art. 111 e 432, que tratam sobre a aceitação do silêncio como manifestação de vontade, desde que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tenha dispensado. Deve-se ter em conta, em verdade, que nem todo silêncio determina aceitação. Nem sempre quem cala consente. A aceitação pelo silêncio deve vir acompanhada de circunstâncias fáticas que pressuponham a aceitação tácita. Trata-se do silêncio circunstanciado.
Nesse sentido, a Convenção de Viena de 1980, na parte final do art. 18(1), aponta que o silêncio ou inatividade, em si considerados, não necessariamente significam aceitação, contudo, as partes se vinculam pelos usos e costumes em que tiverem consentido e pelas práticas que tiverem estabelecido entre si (artigo 9(1)) e sempre tendo-se em conta a boa-fé objetiva, como já discorrido em relação à oferta.
Em complementação, no tocante à aceitação tácita, o parágrafo (3) do mesmo artigo 18 destaca que, se em decorrência da proposta, ou de práticas estabelecidas entre as partes, ou ainda dos usos e costumes, o destinatário da proposta puder manifestar seu consentimento através da prática de ato relacionado, por exemplo, com a remessa das mercadorias ou com o pagamento do preço, ainda que sem comunicação ao proponente, a aceitação produzirá efeitos no momento em que esse ato for praticado, desde que observados os prazos previstos no parágrafo anterior.
Sendo o segundo momento na formação do consenso ou, como dissemos, o outro lado da moeda em relação à oferta, a proposta não deve conter adições, restrições ou modificações em relação ao originalmente proposto. Nesta hipótese, muito embora a resposta possa estar capitulada como “aceitação”, trata-se em verdade, de nova proposta ou contraproposta. É o que dispõe o artigo 431 do CCB e o art. 19(1) da CISG.
Interessante destacar, ainda, a norma contida no art. 19(2) e (3) da CISG, onde verificamos o tratamento das modificações ou adições à proposta original no âmbito da suposta aceitação (contraproposta) como modificações substanciais ou não substanciais. Segundo o dispositivo do parágrafo (2), se a resposta que pretender constituir aceitação contiver elementos complementares ou diferentes mas que não alterem substancialmente as condições da proposta, tal resposta constituirá aceitação, salvo se o proponente (original), sem demora injustificada, objetar verbalmente às diferenças ou envie uma comunicação a respeito delas. Não o fazendo, as condições do contrato serão as constantes da proposta, com as modificações contidas na aceitação. O dispositivo em comento visa adequar a regra geral, conforme constante no parágrafo (1) do art. 19 (Mirror Image Rule), à realidade da práxis dos contratos internacionais, em que o tratamento da aceitação com pequenas alterações nos termos gerais da proposta (modificações não substanciais) como “contraproposta” tornaria o processo moroso e contraproducente.
No parágrafo (3), a norma traz um rol não exaustivo de alterações que, a priori, devem ser entendidas como alterações substanciais e, consequentemente, afastam a aplicação da exceção contida no parágrafo antecedente. São elas: preço, pagamento, qualidade e quantidade das mercadorias, lugar e momento da entrega, extensão da responsabilidade de uma das partes perante a outra ou o meio de solução de controvérsias. Contudo, a análise do que é ou não “modificação substancial” deve ser feita no caso concreto, na medida em que deverá ser interpretada conforme os costumes de mercado e práticas usuais das partes[13]. (UNCITRAL, 2012, p. 103)
Diferente é o tratamento dado, pelos regimes jurídicos em análise, à aceitação tardia. O Código Civil estabelece que a aceitação expedida tempestivamente, mas que por circunstância imprevista, houver chegado tarde ao conhecimento do proponente, este deverá comunicar imediatamente ao aceitante a expiração da proposta e, consequentemente, a não conclusão do contrato, sob pena de responder por perdas e danos. Isso porque a Lei 10.406/2022 adota a teoria da expedição para determinar a eficácia da manifestação de vontade (LÔBO, 2011, p. 83), consoante se infere do caput do art. 434, como explicaremos em tópico adiante. Assim, na medida em que o “aceitante” presume-se vinculado e, portanto, assume concluído o contrato, deverá ser prontamente cientificado da recepção extemporânea pelo policitante que, por seu turno, viu-se desobrigado em razão de não ter recebido uma resposta.
A Convenção das Nações Unidas, por seu turno, trata a aceitação tardia como ineficaz, uma vez que adota a teoria da recepção da manifestação de vontade. Contudo, pode tornar-se eficaz por anuência do ofertante originário (destinatário da aceitação tardia) ou se a carta ou outra comunicação escrita contendo aceitação tardia revelar ter sido expedida em condições tais que chegaria a tempo ao proponente caso a transmissão fosse regular, a manifestação tardia produzirá efeito de aceitação, salvo se o proponente, sem demora, informar ao destinatário que considera expirada sua proposta, ou enviar comunicação para este efeito, como se extrai do artigo 21(1) e (2).
2.3. Eficácia, retratação e revogação da Oferta e da Aceitação – Momento da formação do contrato.
Para que se possa verificar se uma proposta é vinculante ou se a aceitação enseja o consenso para a formação do contrato, importa estudar o momento em que a manifestação da vontade torna-se eficaz.
A doutrina clássica divide-se em quatro teorias acerca do momento em que a manifestação de vontade torna-se eficaz e, portanto, passa a vincular o agente: (a) teoria da exteriorização: em que a manifestação é eficaz desde o momento em é exteriorizada; (b) teoria da expedição: segundo a qual a manifestação é eficaz desde o momento em que é enviada ao destinatário; (c) teoria da recepção: quando chega ao destinatário; (d) teoria do conhecimento ou da informação: quando o destinatário efetivamente toma conhecimento da vontade manifestada pelo remetente.
O Código Civil Brasileiro, quando trata da formação do contrato, diferencia o consenso formado entre presentes e entre ausentes. “Entre presentes”, quando as partes estão diante uma da outra ou utilizam de meio que permita a comunicação imediata, como telefone, videoconferência, chat, e-mail, entre outros. Quando a formação do acordo se dá entre presentes, não há maiores dúvidas de que o ofertante vincula-se à proposta apenas naquele momento, devendo a aceitação ser manifestada de forma imediata, salvo se o policitante concedeu ao destinatário prazo de resposta. Se não há pronta aceitação, nem foi concedido prazo especial para fazê-lo, caduca a proposta e o proponente estará liberado (PEREIRA, 1999, p. 22).
Consoante destaca Paulo Lôbo (2011, p.79), a identificação da oferta e da aceitação, como negócios jurídicos autônomos, mostra-se especialmente importante quando o contrato não se conclui de modo instantâneo, ou seja, quando “ausentes” as partes, porquanto far-se-á necessário identificar o momento em que cada manifestação de vontade tornou-se eficaz.
A proposta, como já explicitado, vincula o proponente desde a sua expedição mas, tratando-se de manifestação “entre ausentes”, é impossível ao destinatário apresentar sua resposta de forma imediata. Assim, na mesma medida em que o proponente não pode esperar uma resposta instantânea do ofertado, também não poderá aguardar indefinidamente. Desta feita, deverá a proposta direcionada a pessoa ausente especificar um prazo determinado para que seja expedida a aceitação (art. 428, III) ou deverá o proponente aguardar prazo suficiente para que a contraparte possa analisar cuidadosamente a proposta e expedir sua aceitação (art. 428, II).
Ademais, muito embora a proposta vincule o ofertante desde o momento de sua expedição, o CCB traz, no inciso IV do art. 428, uma hipótese em que poderá haver a retratação da proposta sem que a retratação acarrete em ato ilícito pelo policitante. Para tal, a retratação deverá chegar ao conhecimento da contraparte antes ou simultaneamente à proposta.
Para além da hipótese de retirada da proposta constante no inciso IV, do art. 428, não se admite a revogação ou retirada injustificada da proposta sem que se sujeite o proponente ao pagamento de perdas e danos que o ofertado possa ter incorrido.
A eficácia da aceitação, por seu turno, mostra-se crucial para a formação do contrato pois é, em regra, neste momento em que se verifica a conclusão do contrato. Segundo o artigo 434 do Código Civil, o contrato torna-se perfeito com a expedição da aceitação, embora admita exceções, a saber: (i) se o proposto retirar a aceitação e a retratação chegar ao proponente antes ou simultaneamente à aceitação; (ii) se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; ou (iii) se a aceitação não chegar ao proponente no prazo convencionado.
Em relação à terceira exceção, já apontamos no item anterior que o Código Civil diferencia aceitação tardia e aceitação fora do prazo. Tardia é a aceitação expedida tempestivamente, mas que por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, conforme disposto no art. 430; fora do prazo é a resposta expedida quando já caduca a oferta, por ter decorrido o prazo esperado para a resposta. Neste último caso, a resposta em forma de aceitação ensejará contraproposta.
Nesse contexto, tem-se o posicionamento doutrinário clássico de que o Código Civil Brasileiro adotaria a teoria da expedição, por designação expressa no caput do art. 434, mitigada pelas exceções contidas nos incisos do art. 434, que admitem ora a teoria da recepção, ora a teoria da informação, repetindo a imprecisão doutrinária na fixação do conceito, já trazida desde o Código Civil de 1916, tornando confusa a aplicação dos princípios (PEREIRA, 1999, p. 25).
Diferentemente do Código Civil Brasileiro, a Convenção de Viena não faz qualquer distinção se a contratação se dá entre presentes ou ausentes, levando em conta mais o lapso entre proposta e aceitação do que o meio de comunicação ou a posição geográfica das partes. Assim, adota, de forma generalizada, a teoria da recepção para determinar o início da eficácia das manifestações unilaterais de vontades no âmbito dos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias e, da mesma forma, para determinar o momento da formação do acordo.
Conforme artigo 24 da CISG, a manifestação alcança o destinatário imediatamente quando feita de forma oral ou quando lhe seja entregue pessoalmente, quando seja entregue no seu estabelecimento comercial (domicílio professional), endereço postal, ou, na falta destes, na sua residência habitual. Logo, se é possível a resposta imediata, imediata deverá ser a aceitação da contraparte, salvo se as circunstâncias determinarem que se estabeleceu ou que seria esperado um prazo para a manifestação da aceitação.
Tem-se, portanto, que a proposta se torna vinculante (eficaz) quando recepcionada pelo destinatário. Em consequência, e de forma idêntica ao que estabelece o CCB, no já citado art. 428, IV, a CISG dispõe, em seu art. 15(2), que a oferta não se torna eficaz se a retratação do ofertante chega ao ofertado antes ao mesmo tempo que a oferta.
A proposta eficaz e vinculante pode, ainda segundo a Convenção Internacional, ser revogada pelo ofertante antes da conclusão do contrato, como estabelece o Art. 16. Para tal, a revogação deverá ser recepcionada pelo destinatário antes que a manifestação da aceitação tenha sido remetida pela contraparte. Não poderá ser revogada, contudo, quando houver estabelecido um prazo para aceitação, quando indicada como irrevogável ou quando razoável que o destinatário a entendesse como irrevogável e tiver agido na confiança da proposta recebida.
O tratamento da possibilidade de revogação da oferta é outro caso em que, parece-nos, a regra geral do CCB consubstancia a exceção no sistema da CISG, e vice-versa. Isso porque, como já vimos, na sistemática da Lei. 10.406/2002, a oferta é irrevogável, salvo se declarada como revogável em seus próprios termos, conquanto no regime jurídico da Convenção das Nações Unidas, a proposta, embora vinculante, é revogável, salvo se o ofertante a tiver declarado como irrevogável ou se for razoável ao destinatário considerar a proposta recebida como irrevogável, em razão dos costumes e dos usos das partes[14].
Igualmente, a aceitação da proposta torna-se efetiva no momento em que chega ao proponente, conforme artigo 18(2), momento em que se tem como concluído o contrato (artigo 23). Logo, e corolário da teoria da recepção, a aceitação expedida poderá ser retirada, se a retratação chega ao proponente antes ou mesmo tempo que a aceitação. A solução, nota-se, é idêntica àquela estabelecida no art. 433 do Código Civil Brasileiro.
Ainda, a Convenção das Nações Unidas, como já vimos no tópico anterior, trata a aceitação tardia como ineficaz. Contudo, pode tornar-se eficaz por anuência do ofertante originário (destinatário da aceitação tardia), hipótese que o Código Civil Brasileiro trata como aceitação “fora do prazo” e, portanto, verdadeira contraproposta. A CISG mantém, em relação à aceitação fora do prazo, sua característica de aceitação, entendendo como contraproposta apenas a resposta que de qualquer forma modifica a proposta original. A sutil diferença entre os dispositivos mostra-se relevante, contudo, para a determinação do local da formação do contrato. A aceitação tardia também se tona eficaz na hipótese do artigo 21(1) e (2), já demonstrado no tópico antecedente.
Por fim, a sistemática da formação do contrato de acordo com a CISG, parece-nos, não apenas se adequa melhor à dinâmica dos contratos internacionais como também se adapta mais à dinâmica contemporânea das contratações, em que se utiliza, cada vez mais, meios eletrônicos de comunicação. Isso porque o critério de análise do lapso temporal entre proposta e aceitação elimina a necessidade de vinculação categórica entre determinado meio de comunicação[15] e a caracterização como contrato “entre presentes” ou “entre ausentes” (CUNHA, 2011), adaptando-se melhor à continua inovação nos meios de comunicação.
A citada autora exemplifica com um contrato celebrado através de programa de conversação instantânea, nos quais normalmente não há intervalo considerável entre as declarações. Utilizando-se categorizações, tal contrato seria considerado “entre presentes”. Contudo, na hipótese do destinatário ausentar-se por alguns momentos antes da proposta alcança-lo, apenas tomando conhecimento da declaração minutos mais tarde, dando oportunidade, inclusive, de o proponente retirar a proposta. Neste caso, seria considerado entre presentes ou entre ausentes? Considerando-se que em um programa de comunicação instantânea poucos minutos podem ser considerados um intervalo significativo, a conclusão, pela dicotomia clássica, seria a da contratação entre ausentes (CUNHA, 2011).
2.4. Local da conclusão do contrato
O fato de que o contrato reputa-se formado, segundo o Código Civil, no momento em que a parte expede sua aceitação, leva-nos a crer que o local do contrato seria o domicílio do proposto. Contudo, a regra do art. 435 contradiz a lógica, estabelecendo que reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto. Assim, o contrato será considerado celebrado no local de em que foi expedida a proposta, ou seja, no domicílio do proponente.
A Convenção de Viena, por seu turno, não dispõe expressamente quanto ao local da formação do contrato, muito embora o dispositivo do art. 23 (momento da formação do contrato) nos possa levar à interpretação de que o contrato estaria formado no domicilio comercial onde a aceitação foi recebida pelo proponente. Entretanto, o tema deverá ser tratado de acordo com o que dispuser a regra da lei aplicável ao contrato, segundo as regras de Direito Internacional Privado (art. 7(2), da CISG).
2.5. Requisitos formais
Nenhuma das duas normas ora analisadas determinem a necessidade de forma específica para a instrumentalização do contrato. Contudo, importa apontar uma pequena divergência entre os diplomas quanto à admissibilidade da prova exclusivamente testemunhal em relação à existência do contrato.
A CISG estabelece, na parte final do artigo 11, que “o contrato pode ser provado por qualquer meio, incluindo a prova testemunhal”. O Código Civil Brasileiro, por seu turno, relativiza a prova testemunhal, notadamente quanto à prova de negócios jurídicos que ultrapassam o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados. Nestes casos, a prova testemunhal será admitida como subsidiária ou complementar da prova por escrito.[16]
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Convenção das Nações Unidas sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias é instrumento fundamental para o comércio internacional, harmonizando divergências entre os diversos ordenamentos jurídicos eventualmente aplicáveis à relação contratual no âmbito do comércio internacional e, consequentemente, uniformizando as matérias relacionadas à compra e venda internacional de mercadorias. Com isso, possibilita maior segurança jurídica e redução de custos nas operações internacionais de compra e venda de mercadorias.
Da análise comparativa dos dispositivos do Código Civil e da Convenção UNCITRAL sobre a formação do contrato extraímos que, embora existam algumas divergências entre as normas, notadamente quanto ao tratamento da oferta ao público, da revogabilidade da oferta e do momento da formação do contrato, não se percebe nenhum conflito de regras que torne insustentável a coexistência dos dois regimes.
Ademais, há de se ter em conta que o âmbito de aplicação da Convenção de Viena limita-se aos contratos empresariais internacionais de compra e venda de mercadorias. Nesse contexto, as vicissitudes da norma internacional que divergem das disposições do Código Civil mostram-se mais adequadas à dinâmica dos contratos internacionais entre empresários, tonando mais segura, do ponto de vista jurídico, a atuação de agentes brasileiros no comércio internacional. Assim, os empresários e operadores do Direito deverão ficar atentos às sutilezas de um ou outro regime.
De qualquer sorte, a interpretação dos negócios jurídicos deve buscar a real intenção das partes, que deverão sempre usar de clareza e da boa-fé nas suas operações comerciais, desde as tratativas preliminares até após a execução do contrato, com vistas ao sucesso de suas atividades.
Informações Sobre o Autor
Camila Vasques Mellet
Advogada especialista em Direito Contratual e estudante de Relações Internacionais