Resumo: Este trabalho apresenta um instituto de crescente utilidade no Direito Processual Civil Brasileiro, qual seja, a fungibilidade de meios, mormente no tocante à sua aplicação na Teoria Geral dos Recursos e nas tutelas de urgência. O texto ora apresentado baseia-se em posicionamentos doutrinários, jurisprudenciais, bem assim no espírito do sistema processual nacional, fundamentando-se também, como não poderia deixar de ser, na nova ordem constitucional trazida pela Constituição da República de 1988, que prima pela satisfação dos direitos fundamentais e resguarda o direito a um processo justo e razoável.
Palavras-chave: Fungibilidade. Aplicação. Recursos. Tutelas de urgência.
Sumário: 1. Introdução; 2. Fases de evolução científica do direito processual; 3. Considerações gerais tocantes à fungibilidade de meios; 4. Fungibilidade e sua aplicação na teoria geral dos recursos; 5. A fungibilidade na tutela de urgência: incidênia em mão dupla; 6. Conclusão. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Em primeiro lugar faz-se mister fixar o conceito de Direito Processual, tendo em conta que este ramo do Direito será o que servirá de norte nesse trabalho, iluminando o caminho que se deve percorrer para tratar de um tema crescente na ciência e prática processuais hodiernas, qual seja, a fungibilidade de meios.
Tarefa árdua, que esbarra em divergências, tanto na doutrina nacional como na alienígena, é a de conceituar o Direito Processual, na espécie, o Direito Processual Civil.
Nessa linha, serve de amparo a lição do ilustre processualista italiano Enrico Tullio Liebman, que grande influência exerce sobre o Direito Processual brasileiro, definindo o Direito Processual Civil como um “ramo do Direito destinado precisamente à tarefa de garantir a eficácia prática e efetiva do ordenamento jurídico, instruindo órgãos públicos com a incumbência de atuar em garantia e disciplinando as modalidades e formas de sua atividade” (LIEBMAN, apud CÂMARA, 2006, p. 4).
Pode-se afirmar, então, que o processo civil é, no que tange ao exercício da jurisdição, o principal instrumento do Estado, pois que cabe a este ramo do Direito ordenar o conjunto de regras que deverão ser acolhidas para a obtenção da prestação jurisdicional, ou seja, ao processo civil compete elaborar o roteiro a ser seguido pelos sujeitos do processo.
Ultrapassada a questão conceitual, vale, em segundo lugar, discorrer acerca da evolução pela qual passou, ao longo de sua construção científica, o Direito Processual. Destarte, pode-se dividir esta evolução científica em três grandes fases, bastante distintas umas das outras: a fase imanentista, a fase científica e, por fim, a fase instrumentalista. Assim, vejamos.
2 FASES DE EVOLUÇÃO CIENTÍFICA DO DIREITO PROCESSUAL
Na sua primeira fase, ao Direito Processual não era reconhecida uma importante característica, qual seja, a autonomia, sendo considerado mero adjetivo do direito material, pois que este era, para os estudiosos e operadores do direito daquele tempo, a essência, enquanto o processo apenas estabelecia as formalidades, ou seja, somente instituía “as regras do jogo”.
A fase imanentista é marcada por processualistas que preferiam (lembrando que muitos eram, em verdade, civilistas) – como infelizmente ainda hoje se vê em muitos operadores do direito – ater-se aos estudos das formas processuais, por demasiado amor ao direito material, atribuindo ao processo o simples caráter de direito adjetivo, servo do direito material.
Em respeito e tributo aos princípios que adotavam, os estudiosos do período imanentista também chamavam o direito material de direito substantivo, como sinal da sua superioridade. Em contraste, o direito processual, era, ao mesmo tempo, denominado adjetivo.
Já na segunda fase, chamada científica, o direito processual ainda não era considerado independente, porém, estabeleceram-se conceitos fundamentais a construção científica do processo, tais como os de ação e processo.
Por sua vez, a terceira fase – a fase instrumentalista –, já em boa hora, não mais nega a autonomia do Direito Processual. Agora, os trabalhos científicos são guiados no sentido de otimizar o exercício da função jurisdicional, tornando o processo um instrumento capaz de, efetivamente e de maneira livre, alcançar uma tutela jurisdicional próxima do ideal de Justiça que se vislumbra diante de cada caso concreto.
3 CONSIDERAÇÕES GERAIS TOCANTES À FUNGIBILIDADE DE MEIOS
Hodiernamente, nota-se que o processo deixou de ser considerado simples instrumento a serviço do direito material. Passa a ser considerado como o meio por meio do qual o Estado atinge seus fins primeiros, como a implementação dos direitos sociais, o alcance de uma maior igualdade material entre os indivíduos e a obtenção real dos direitos políticos, mediante o exercício da jurisdição.
Com efeito, o sistema processual atual estabelece, sistematicamente, como deve ser o proceder das partes envolvidas em uma demanda levada ao judiciário, atribuindo, como regra, a cada intento um meio específico para alcançá-lo.
Assim, o processo é cercado por diversas solenidades (sistematização das formas), sem a superveniência das quais, de maneira geral, o deslinde processual encontrar-se-ia prejudicado, fadado a interromper seu curso sem que se obtivesse a solução que se perseguia através do processo, ou seja, sem que houvesse a composição do conflito de interesses.
Seguindo essa linha, ao se pensar na sequência de atos que a cada parte incumbe realizar no decorrer de um processo, surge a questão da possibilidade de substituição de um ato equivocadamente praticado, ou realizado de forma errada, por outro considerado mais adequado ao que se pretendia. Assim, seria possível trocar um ato praticado equivocadamente por outro considerado propício?
Destas questões, surge o estudo, em nosso sistema jurídico, do que se denominou fungibilidade de meios, o que, pelo que o próprio nome sinaliza, significa troca, substituição de uma coisa por outra.
A fungibilidade é instituto que procura resguardar os direitos das partes em uma demanda judicial, no sentido de garantir que, caso um ato seja praticado de maneira falha, ou equivocada e, ainda assim, seja apto a atingir seu escopo, possa ele ser acatado e provocar os efeitos do ato considerado adequado para o que se desejava.
Em outros termos, a fungibilidade de meios procura preservar a primazia da finalidade do ato sobre sua forma, ou seja, oferta mais valor à finalidade do ato realizado, no sentido de que, mesmo que seja inadequado à espécie, se o objetivo da parte fora alcançado, e nenhum prejuízo causara, deverá ser aceito e considerado válido.
Nesse sentido, pode-se admitir, sem temores, que a fungibilidade – princípio processual implícito, tendo em conta que o nosso sistema processual não o prevê expressamente (como fazia o Código revogado, que o previa em seu art. 810[1]) – decorre do princípio da instrumentalidade das formas, albergado no artigo 244 do Código de Processo Civil, dispondo que: “Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”
Destarte, nota-se, sem necessidade de grandes dispêndios interpretativos, que a intenção da lei fora consumar a superioridade das finalidades, ou seja, dos escopos dos atos, em relação às suas formas.
Nessa linha, a fungibilidade vai ao encontro do que pretende a atual ordem constitucional, visto que ao colocar em posição elevada a finalidade do ato em relação a sua forma, garante uma maior efetivação dos fins do próprio processo. Afiançando direitos individuais como os previstos no art.5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República, que dispõe sobre os princípios da economia e celeridade processuais.
A fungibilidade de meios prevê a elasticidade das formas processuais, no sentido de impor o repúdio ao formalismo. Com a aplicação do princípio da fungibilidade, o que interessa não é o cumprimento do ato em si considerado, mas sim, alcançando-se os fins objetivados, atingir a alma do ato pretendido.
Devido ao risco de se acobertar uma odiosa litigância de má-fé, vale ressaltar que não se está aqui afirmando que a fungibilidade deva ser aplicada indiscriminadamente e sem prudência, o que poderia ser útil a indivíduos mal intencionados, que fariam uso do benefício para burlar as normas processuais. Assim, para que tal não ocorra, pugna-se pela aplicação racional da fungibilidade, com observância de uma série de requisitos que serão abordados mais adiante.
Assim, o princípio da fungibilidade ensina que, por mais que a norma processual indique um caminho a ser seguido para se chegar a determinado local, nada impede que, devido às precariedades da direção indicada, passando por estradas distintas, alcance-se o mesmo destino apontado na lei.
4 FUNGIBILIDADE E SUA APLICAÇÃO NA TEORIA GERAL DOS RECURSOS
Como é sabido, a fungibilidade, por meio do princípio da fungibilidade dos recursos, exerce grande influência no estudo da Teoria Geral dos Recursos, mais especificamente no tocante ao objeto do juízo de admissibilidade de cada recurso.
Pode-se afirmar que o princípio da fungibilidade dos recursos de certa forma relativiza um outro princípio aplicável à Teoria Geral dos Recursos, qual seja, o princípio da unirrecorribilidade.
Nesse sentido, o princípio da unirrecorribilidade indica que para cada ato judicial haverá um único recurso cabível. Assim, em regra, a interposição de recurso equivocado não deve ser admitida, pois, como ensinam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, se estaria violando a taxatividade disposta em lei, o princípio da unirrecorribilidade e, ainda mais, as regras específicas que disciplinam os recursos (Marinoni & Arenhart, 2008, p. 511-512).
Desta feita, na normalidade dos casos, um recurso utilizado erroneamente está fadado ao não conhecimento, pois que não será cabido. Todavia, devido às circunstâncias em que não se possa fazer um juízo de certeza acerca de qual recurso seria o adequado para impugnar determinado ato judicial, poder-se-á aproveitar o recurso interposto equivocadamente, substituindo o correto para a hipótese.
Nesse mister, como já se afirmou alhures, a fungibilidade encontra-se ligada às circunstâncias de cabimento dos recursos, influindo na admissibilidade dos mesmos.
Destarte, como lecionam Fredie Didier Jr. e Carneiro da Cunha,
“o objeto do juízo de admissibilidade dos recursos é composto dos chamados requisitos de admissibilidade, que se classificam em dois grupos: a) requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer): cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer; b) requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercício do direito de recorrer): preparo, tempestividade e regularidade formal.” (Didier Jr. & Cunha, 2008, p. 45).
A área de alcance do princípio da fungibilidade recursal está adstrita ao requisito do cabimento dos recursos, o qual, ainda conforme ensina os autores retro apontados, exige que “o ato impugnado seja suscetível, em tese, de ataque. No exame do cabimento, devem ser respondidas duas perguntas: a) a decisão é, em tese, recorrível? b) qual o recurso cabível contra esta decisão?” (Didier Jr. & Cunha, 2008, p. 45).
Assim, se a resposta à primeira pergunta for positiva, e o recurso for adequado para a espécie, não se terá outro caminho senão considerá-lo cabível.
O princípio da fungibilidade surge exatamente para, de certa forma, relativizar o exame de admissibilidade do recurso, no que compete ao seu cabimento, pois que, através da aplicação deste princípio, autoriza-se a troca de um recurso por outro, desde que não se trate de erro grosseiro da parte e ainda haja prazo para a interposição.
Para aproveitar o princípio da fungibilidade dos recursos, é necessária a observância de certos requisitos, elencados pela maioria da doutrina da seguinte forma:
a) Dúvida objetiva: quando não há certeza acerca de qual seria o recurso adequado para o caso, havendo, no espírito de quem utiliza a via recursal, séria dúvida a respeito de interpor esse ou aquele recurso. Aos mais desavisados, pode parecer estranho, e até equivocado, falar em dúvida considerável quanto a qual recurso utilizar em um sistema que prevê as hipóteses recursais e estabelece a relação destas com os atos impugnáveis (conforme se observa pela interação dos seguintes dispositivos: art. 162, art. 504, art.513 e art. 522, todos do Código de Processo Civil Brasileiro). Todavia, existem possibilidades de o recorrente se deparar com situações que gerem nele essa malfadada “dúvida objetiva”.
Nelson Nery Junior, em brilhante estudo sobre o tema, doutrina que a tal dúvida razoável pode se apresentar de três formas distintas:
“a) o próprio código designa uma decisão interlocutória como sentença ou vice-versa, fazendo-o obscura ou impropriamente; b) a doutrina e/ou a jurisprudência divergem quanto à classificação de determinados atos judiciais e, consequentemente, quanto à adequação do respectivo recurso para atacá-los; c) o juiz profere um pronunciamento em lugar de outro” (NERY JUNIOR, 2004, p. 146).
Essas hipóteses hão de vir acompanhadas do requisito da dúvida objetiva, que, por exemplo, poderá legitimar a interposição de um agravo quando, pelo entendimento do juiz da causa, o mais correto seria impugnar o ato por meio de uma apelação.
Vale lembrar que o requisito da dúvida objetiva não é imutável, em cada caso, na consciência de cada julgador, e a cada posicionamento defendido, serão encontradas hipóteses diversas que autorizam ou não a aplicação da fungibilidade aos recursos.
Ademais, a incidência da fungibilidade nos recursos deverá sempre vir acompanhada da dúvida razoável, a fim de não se coroar o mau profissional, ou o profissional desidioso, com a aplicação leviana da fungibilidade, e de não legitimar a atuação daqueles menos afetos aos estudos jurídicos e desinteressados pelos ensinamentos jurisprudenciais.
b) Inexistência de erro grosseiro: haverá erro grosseiro quando a interposição equivocada de um recurso por outro não vem acompanhada de alguma justificativa, ou seja, quando não há discussão alguma acerca de qual recurso seria o cabível – assim, nota-se que este requisito possui uma relação de dependência quanto ao requisito da dúvida objetiva, no sentido de apenas haver erro grosseiro se já se apontou a dúvida razoável.
c) Observância do prazo: o recurso inadequadamente interposto deverá ter obedecido o prazo para interposição do recurso considerado correto. Assim, caso o recorrente entenda a decisão impugnável por meio de apelação, quando, de acordo com o entendimento do tribunal, o recurso correto seria o de agravo, a observância do prazo exige que o recorrente tenha interposto a apelação dentro de dez dias (prazo para interposição de agravos).
Todavia, parece absurda a acolhida de tal requisito, tendo em conta que isso acarretaria a impossibilidade da incidência do princípio da fungibilidade em muitos casos, haja vista que se o recorrente interpõe erroneamente um recurso, acobertado por uma dúvida razoável, que em tese o escusaria de tal equívoco, não é digno exigir-lhe que, acreditando correta a impugnação mediante recurso com maior prazo (como hipótese, a apelação, na qual o prazo é de 15 dias), interponha-o com prazo menor (agravo interposto tempestivamente em 10 dias).
A imposição da observância do prazo do recurso que se descartou, em razão da polêmica sobre qual seria o recurso correto, é, como já se pugnou, um despautério.
E isso se diga, pois o recorrente, diante de razoável controvérsia, optou por um recurso e, por óbvio, tratou de respeitar as regras para interposição deste recurso, sem se preocupar com aquele outro, que fora por ele descartado. Assim, a partir do instante que, repita-se, a frente de difícil controvérsia, o recorrente escolhe um dos recursos, são os requisitos específicos deste recurso que deverá observar, exigir que respeite as regras de um recurso que acabara de rejeitar é demasiadamente gravoso e desarrazoado.
No entanto, por mais absurdo que possa parecer, vozes se levantam no sentido de batalhar pela inaplicabilidade do princípio da fungibilidade nos casos em que, sob o jugo de dúvida objetiva, o recorrente interpõe o recurso fora do prazo que se tomou por certo considerar oportuno para a hipótese, alicerçados no argumento de que a opção pelo recurso de maior prazo configuraria má-fé do recorrente.
Porém, como é cediço, a má-fé não se presume, enquanto que a boa-fé é presumível. E, não obstante, atualmente não se exige a observância de boa-fé para recorrer, em outros termos, não é a boa-fé requisito de admissibilidade dos recursos, assim, não deve ser óbice à incidência da fungibilidade nos recursos.
Desta feita, com base no real sentimento do princípio ora sob análise, resta considerar desimportante a questão do prazo no tocante à aplicação da fungibilidade, o que, como aponta o ilustre Nelson Nery Junior, “é uma das principais conseqüências da adoção do princípio: a troca em toda a sua plenitude, precipuamente no que concerne ao prazo” (NERY JUNIOR, 2004, p. 169).
Nessa linha, a fungibilidade deve servir como garantia ao recorrente de que não será prejudicado pelas falhas no sistema processual, ou por divergências doutrinárias e jurisprudenciais. Assim, o princípio da fungibilidade dos recursos deve diminuir as angústias dos litigantes e não lhe armar mais estratagemas.
Destarte, a aplicação da fungibilidade nos recursos oferta benefícios não apenas aos que dela fazem uso diretamente, mas também à todos aqueles que lutam por uma Justiça real, efetiva, tendo em conta que possibilita uma atividade jurisdicional mais célere e eficaz, propiciando um resultado ainda útil do processo, pois gera o aproveitamento do recurso.
5 A FUNGIBILIDADE NA TUTELA DE URGÊNCIA: INCIDÊNIA EM MÃO DUPLA
Como é patente, nosso ordenamento jurídico prevê como tutela de urgência, a tutela cautelar e a tutela antecipatória. Ambas as tutelas de urgência são caracterizadas, como instrui a melhor doutrina, pela provisoriedade, tendo em conta que o julgamento se dará por meio de cognição sumária, sem idoneidade para produzir coisa julgada material.
É necessário em primeiro lugar traçar a distinção entre as tutelas de urgência para que, somente depois de caracterizá-las, se possa adentrar ao tema ora testilhado, ou seja, se tenha condições de penetrar a seara da incidência da fungibilidade tanto na tutela antecipatória, como na cautelar.
Destarte, acerca dos desdobramentos da tutela de urgência, seguindo os ensinamentos do grande processualista mineiro Humberto Theodoro Junior, pode-se afirmar que:
“O direito processual moderno concebeu uma tutela jurisdicional diferenciada, que recebe o nome de tutela de urgência, desdobrada, no direito brasileiro, em duas espécies distintas: a) a tutela cautelar, que apenas preserva a utilidade e eficiência do futuro e eventual provimento; e b) a antecipação de tutela, que, por meio de liminares ou de medias incidentais, permite à parte, antes do julgamento definitivo de mérito, usufruir, provisoriamente, do direito subjetivo resistido pelo adversário” (THEODORO JÚNIOR, 2008, pág. 53).
Nesse sentido é que se achou por bem dizer que a tutela cautelar, de cunho meramente acautelatório, é garantidora de uma futura execução advinda da sentença de mérito, enquanto que a tutela antecipatória, ou antecipação de tutela, é satisfativa e, embora em caráter provisório, garante o resultado prático do processo. Feitas essas considerações preambulares, passemos ao estudo da fungibilidade na tutela de urgência.
Da mesma forma como dito a respeito da aplicação da fungibilidade na Teoria Geral dos Recursos, sua incidência na tutela de urgência exige a observância de uma série de fatores, pois que não se deve, jamais, aplicar tal instituto levianamente, ao arrepio das disposições legais.
Com o advento do §7º do artigo 273 do CPC – que prevê a possibilidade de fungibilidade quando, a título de antecipação de tutela, o autor requer providência de natureza cautelar, podendo o magistrado, caso presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar incidentalmente no processo ajuizado – muitas discussões surgiram acerca da amplitude de tal comando.
Assim, está claro que se poderá aplicar a fungibilidade para obtenção de uma medida cautelar – equivocadamente pedida pela parte com vestes de antecipação de tutela -, no âmbito do processo principal. Porém, será possível o contrário, ou seja, é válido afirmar que há possibilidade de substituição de um pedido cautelar por uma providência antecipatória?
Antes de se responder a tal indagação, deve-se sinalizar que, apesar das diferenças retro apontadas, a tutela cautelar e a antecipação de tutela não são institutos estanques, haja vista que apresentam relações entre si, mormente no tocante a suas finalidades. Destarte, ambas buscam garantir, primando pela urgência na medida, o direito material alegado pela parte.
Não se pode olvidar a existência de discussões acerca da possível substituição de um inadequado pedido cautelar por uma providência antecipatória, considerada correta para o caso.
Tentando esclarecer esse impasse, surgiu em doutrina a chamada fungibilidade de mão dupla, ou a denominada tese do “duplo sentido vetorial” acaudilhada pelo professor Cândido Rangel Dinamarco[2].
Com efeito, essa tese pugna pela aplicação da fungibilidade de mão dupla, considerando correta a substituição recíproca entre as tutelas de urgência, sem preocupação com o dilema da mudança do procedimento quando da hipótese de deferimento da tutela antecipada caso requerida a título cautelar, pois que aqui se defende a fungibilidade no seu sentido pleno, como aqui já se aludiu.
Seguindo por esse caminho, leia-se louvável posição de Francisco Montenegro Neto, tratando da fungibilidade nas tutelas de urgência:
“O que importa é a existência dos requisitos à concessão, não a forma como se requer essa concessão. À luz da instrumentalidade das formas, aqui os fins justificam os meios, para o bem do jurisdicionado que carece de remédio eficaz contra perecimento de direito” (MONTENEGRO, 2006, p. 59-66).
Assim, acatar a fungibilidade de mão dupla é primar pela efetivação da tutela jurisdicional, homenageando o sempre elogiável desapego ao formalismo, bem assim o princípio da instrumentalidade, segundo o qual as formas não devem existir por si mesmas, mas sim – e tão-somente – para permitir o alcance à finalidade pretendida.
Destarte, desde que demonstrados os requisitos legais exigidos à espécie (perigo na demora e fumaça do bom direito), é indiscutível a possibilidade da fungibilidade incidir em mão dupla, afirmando-se, desta maneira, a necessidade de uma flexibilização do procedimento cautelar e/ou antecipatório, pois quando se está diante de pedidos urgentes, que não podem mais esperar, a procrastinação da tutela jurisdicional poderá fazer com que o direito material chegue tarde demais, obstando que o processo atinja um resultado útil.
Em verdade, pouco importa a via escolhida pela parte para obter o direito alegado, ainda mais quando se trata de direito urgente. Assim, poderá optar por essa ou aquela tutela de urgência – se presentes, repita-se, os requisitos essenciais -, pois o que deverá ser observado é a finalidade buscada, o direito que a parte almeja ver realizado, e não a forma como esta encontrou, dentre tantas previstas para o caso, de excitar a prestação jurisdicional.
6 CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, não resta dúvida quanto à utilidade desse próspero, embora ainda incipiente, instrumento de nosso Direito Processual Civil, qual seja, a fungibilidade de meios.
Seguindo nessa linha, José Roberto dos Santos Bedaque afirma que “questões meramente formais não podem obstar a realização de valores constitucionalmente garantidos” (BEDAQUE, 2003, p. 307), ressaltando, assim, a evidência de que não se deve, por amor ao formalismo, impedir o acesso à prestação jurisdicional, obstar a efetivação do direito a um processo econômico – no sentido de se exigir das partes apenas o mínimo de atos para se chegar ao seu fim – e célere, que traga, efetivamente, um provimento que quando chegue ainda sirva para alguma coisa, ou seja, ainda seja útil.
Portanto, a fungibilidade de meios deve ter incidência garantida na prática forense de nosso país, pelo bem daqueles que, aflitos, temerosos em não verem satisfeitos seus direitos materiais, e agindo, na maioria das vezes, de boa-fé, vão ao judiciário lograr a solução para o seu caso concreto, não devendo se deparar com obstáculos meramente formais, ocasionados, como regra, ora pela deficiência legislativa, ora pelas divergências doutrinárias, bem assim pelas distintas maneiras pelas quais os magistrados aplicam a norma.
Notas:
* Trabalho orientado pelo professor: Rodrigo José Filiar
Informações Sobre o Autor
Gabriela Ferreira Gonçalves
Acadêmica de Direito na UFMS