Procuraremos em breves considerações examinar essa questão à luz da Constituição Federal e da legislação vigente.
Em julgado anterior o STJ havia decidido que o produto industrializado furtado enseja a cobrança do IPI porque o furto ocorre após consumação do fato gerador. No caso, a mercadoria furtada não se destinava ao exterior.
Agora, em julgado recente, a 2ª Turma do STJ decidiu em sentido contrário, isto é, que não há incidência do IPI sobre mercadorias roubadas que seriam destinadas ao exterior.[1]
Embora não haja, ainda, a publicação do Acórdão é possível verificar que dois foram os fundamentos do julgado:
a) a segurança que cabe ao Estado oferecer a todos;
b) a imunidade do produto industrializado destinado ao exterior.
Tudo indica tratar-se de mercadoria destinada ao exterior, pois o roubo ocorreu no percurso entre Uberlândia (MG) e o Porto de Santos (SP).
Dessa forma, a mercadoria estava sendo transportada sem a incidência do imposto, por força da imunidade tributária prevista no inciso III, do § 3°, do art. 153, da CF.
Como se sabe, a imunidade é forma de limitação do poder de tributar dirigida ao legislador ordinário. Ao contrário da isenção ela atua no plano da definição de competência tributária.
Portanto, se a União em face da imunidade não tinha competência impositiva, por óbvio, não se pode cogitar de ocorrência ou não do fato gerador.
A pergunta que se impõe é a seguinte: operação imune de IPI pode ser convolada em operação tributada porque roubada a mercadoria representativa dessa operação?
A resposta é negativa mesmo porque não há que se falar em obrigação tributária sem que estejam presentes os sujeitos dessa operação de compra e venda.
Portanto, a decisão do STJ é incensurável. Na decisão anterior, a hipótese não cuidava de caso de imunidade, pelo que o furto ocorrido após a ocorrência do fato gerador era irrelevante.
Recorde-se que o fato gerador do IPI é a industrialização, assim entendida o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo (parágrafo único do art. 46, do CTN). Esse fato gerador tem-se por ocorrido no momento da saída do produto industrializado do estabelecimento industrial, comercial ou do importador (art. 46, II, do CTN).
Daí a tributação da mercadoria furtada ou roubada se ela não se destinava ao exterior.
O que traz certa dificuldade na compreensão desse novo julgado é a introdução do fator segurança que, data vênia, não tem pertinência com a incidência ou não do IPI.
A omissão do Estado no setor de segurança pública nada tem a ver com a obrigação tributária. Ela pode, quando muito, ensejar a responsabilidade objetiva do Estado para o efeito de pleitear a indenização pelos danos sofridos pelo particular.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.