Resumo: Centra-se o presente artigo no estudo dos princípios que norteiam Procedimento Especial de Controle Aduaneiro na hipótese de suspeita de irregularidades em Operações de Importação passíveis de pena de perdimento, bem como a possibilidade de cerceamento de defesa durante o mesmo. Procura-se balizar o tema estudando as normas que disciplinam o instituto do Procedimento Especial de Controle Aduaneiro. Consequentemente, são analisados princípios constitucionais que servem de base para o andamento do Procedimento de Fiscalização, bem como a possível inobservância dos mesmos. Ainda, aponta-se a necessidade de uma pré-defesa administrativa, em face dos princípios que podem ser burlados. O desdobramento deste artigo baseia-se em doutrinas, leis e jurisprudências. Desta forma, a pesquisa é bibliográfica, baseada em doutrinas, bem como em posicionamentos jurisprudenciais do Poder Judiciário Brasileiro.
Palavras-chave: Procedimento Especial de Controle Aduaneiro. Princípios.
Abstract: This article focuses on the study of the principles that guide the Special Customs Control Procedure in the event of suspected irregularities in Import Operations subject to a penalty of forfeiture, as well as the possibility of a defense restraint during the same. The aim is to study the subject by studying the rules that govern the Special Customs Control Procedure institute. Consequently, constitutional principles that serve as a basis for the progress of the Inspection Procedure, as well as possible non-compliance, are analyzed. Also, it is pointed out the need for an administrative pre-defense, in view of the principles that can be circumvented. The unfolding of this article is based on doctrines, laws and jurisprudence. In this way, the research is bibliographical, based on doctrines, as well as on jurisprudential positions of the Brazilian Judiciary.
Keywords: Special Customs Control Procedure. Principles.
Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre o Procedimento Especial de Controle Aduaneiro. 2. Princípios que orientam o Processo Administrativo. 2.1 Princípio da proporcionalidade. 2.2 Princípio do contraditório e ampla defesa. 2.3 Princípio do devido processo legal. 2.4 Princípio da boa-fé objetiva. 2.5 Princípio da legalidade. 3. Princípios constitucionais burlados: aspectos contraditórios. 3.1 O Princípio Supremacia Da Constituição Federal E O Princípio Da Hierarquia Das Leis. 3.2 Da necessidade de uma pré-defesa administrativa no PECA para fins de observância dos princípios constitucionais. Conclusão.
Introdução
A realização de troca de mercadorias provém desde os prelúdios da sociedade. Antigamente os mercadores unicamente aumentavam a ocorrência do comércio internacional, criando um âmbito propício ao desenvolvimento dos países em conjunto, cada qual com a sua especialidade. No decorrer do tempo a atividade mercantil deixou de ter caráter meramente artesanal, onde a sociedade necessitava apenas de preenchimento de suas necessidades com a troca de mercadorias, e passou a ser uma atividade economicamente importante não só para complementar as necessidades básicas, mas para o crescimento econômico.
A partir da deficiência econômica é possível compreender que o comércio internacional é o meio mais rápido de gerar crescimento econômico, desta forma aumentando as riquezas de um País. O desenvolvimento econômico que passa logicamente pelo comércio exterior tem grande movimentação e importância na liberação de mercadorias importadas.
Este processo de evolução trouxe diversas consequências, de forma que modificou a relevância jurídica dada ao comércio internacional. Neste sentido, a cada dia esse processo de crescimento aumenta, tornando as relações entre os importadores e os Órgãos Fiscalizadores muito maior, e consequentemente as controvérsias são cotidianamente instauradas.
As importações acontecem constantemente, e é atividade repleta de minúcias, que se não forem estritamente colocadas em prática, geram divergências entre o Órgão Fiscalizador e o importador. Em razão dessas divergências e do atual grau de crescimento, a fiscalização das mercadorias provenientes do exterior é constante, e é realizada por intermédio do Despacho Aduaneiro, que posteriormente será encaminhado para os Canais de Parametrização. Em consequência de um dos canais da parametrização, em específico o cinza, é instaurado um Procedimento Especial de Controle Aduaneiro, com o propósito de verificar as irregularidades da operação de importação.
Diante da complexidade dessas relações, este ramo econômico, que na seara jurídica denomina-se Direito Aduaneiro, é muito pouco explorado, tanto didaticamente como profissionalmente. Com o propósito de explicitar a matéria proposta, o presente artigo tem como problema: Pode haver cerceamento de defesa no Procedimento Especial de Controle Aduaneiro em que há suspeita de irregularidades puníveis com pena de perdimento? Com o cerceamento de defesa comprovado, também é possível identificar a inobservância de direitos fundamentais, quais sejam, o direito ao contraditório e ampla defesa. Preliminarmente sustenta-se que a possibilidade dessa inobservância ocorre, pois as normas infralegais que regulamentam o Procedimento Especial de Controle Aduaneiro possuem diversas lacunas e contradições, possibilitando à autoridade aduaneira a execução de atos arbitrários, que obviamente não são revestidos de constitucionalidade.
E é a partir desta ótica, da importância de explorar esse ramo em grande ascendência, que o presente trabalho tem como objetivo geral analisar os princípios constitucionais aplicados ao Procedimento Especial de Controle Aduaneiro.
1. Breves considerações sobre O Procedimento Especial De Controle Aduaneiro (PECA)
O direito aduaneiro detém dois procedimentos especiais de fiscalização aduaneira, que fornecem ao fisco a mais abrangente e inteira fiscalização das operações de comércio exterior, são elas: IN RFB nº 228/02 e a IN RFB nº 1.169/11. A primeira trata do procedimento especial de verificação da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior e combate à interposição fraudulenta de pessoas, e a segunda, objeto do presente trabalho, estabelece procedimentos especiais de controle, na importação ou exportação de bens e mercadorias, diante da suspeita de irregularidade punível com pena de perdimento. A IN RFB nº 1.169/11 em seu artigo 1º dispõe: “Art. 1º O procedimento especial de controle aduaneiro estabelecido nesta Instrução Normativa aplica-se a toda operação de importação ou de exportação de bens ou de mercadorias sobre a qual recaia suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento, independentemente de ter sido iniciado o despacho aduaneiro ou de que o mesmo tenha sido concluído.” (BRASIL, IN RFB Nº 1.169/11, art. 1º, online)
As ocasiões em que pode haver suspeita de irregularidades, mencionadas no artigo 1º da referida IN, compreendem outras possibilidades, elencadas no artigo 2º da mesma IN. São
algumas delas:” Art. 2º As situações de irregularidade mencionadas no art. 1º compreendem, entre outras hipóteses, os casos de suspeita quanto à: I – autenticidade, decorrente de falsidade material ou ideológica, de qualquer documento comprobatório apresentado, tanto na importação quanto na exportação, inclusive quanto à origem da mercadoria, ao preço pago ou a pagar, recebido ou a receber; II – falsidade ou adulteração de característica essencial da mercadoria; III – importação proibida, atentatória à moral, aos bons costumes e à saúde ou ordem públicas; IV – ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiro; V – existência de fato do estabelecimento importador, exportador ou de qualquer pessoa envolvida na transação comercial; ou VI – falsa declaração de conteúdo, inclusive nos documentos de transporte. […]”(BRASIL, IN RFB Nº 1.169/11, art. 2º, online)
O procedimento especial de controle aduaneiro deverá será instaurado pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB), através de termo de início, com a ciência da pessoa fiscalizada, contendo as informações especificadas nos incisos do artigo 4º da IN RFB nº 1.169/11: “I – as possíveis irregularidades que motivaram sua instauração; e II – as mercadorias ou declarações objeto do procedimento.”. Vale ressaltar que o Termo de Início deve ser criteriosamente preenchido, com todas as informações necessárias, e para corroborar, segue abaixo jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4º Região: “ADMINISTRATIVO. IMPORTAÇÃO. DESPACHO ADUANEIRO. TERMO DE INÍCIO. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE CONTROLE ADUANEIRO – PECA. AUSÊNCIA DE REQUISITOS. 1. Não atendidos os requisitos para instauração do Procedimento Especial de Controle Aduaneiro (PECA), posto que o Termo de Início foi expedido sem conter as informações necessárias quanto às possíveis irregularidades que motivavam sua instauração. Ou seja, não apontado claramente fato concreto apto a caracterizar indícios de fraude na importação. 2. Apelação e remessa oficial improvidas. (3º Turma do Tribunal Regional Federal da 4º Região, Apelação/Reexame Necessário nº 5001088-26.2012.404.7208/SC. Relator Des. Roger Raupp Rios. Data da decisão 23/09/2013)”
Além 0na necessidade do correto preenchimento do Termo de Início, o PECA não pode ser instaurado sem fundamento, com isso, segue jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4º Região que aborda o assunto: “TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. REEXAME NECESSÁRIO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO VÁLIDO A EMBASAR O PROCEDIMENTO ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. PROSSEGUIMENTO DO DESPACHO DE IMPORTAÇÃO SEM A NECESSIDADE DE CAUÇÃO.
A ausência de cadastro prévio do exportador no Programa de Conformidade da RFB, único fundamento utilizado pela autoridade aduaneira para a instauração do procedimento especial de controle aduaneiro, não encontra amparo legal. As normas de execução devem apenas regulamentar os serviços ou procedimentos complementares previstos em instruções normativas. No entanto, a Norma de Execução Coana nº 2/2011 contraria frontalmente a IN RFB nº 1.169/2011, que dispõe a sujeição de mercadorias importadas a procedimento especial de controle aduaneiro somente quando recair suspeita de irregularidade punível com pena de perdimento. (1º Turma do Tribunal Regional Federal da 4º Região, Apelação Reexame Necessário nº 5007580-68.2011.404.7208, Relator Des. Maria de Fátima Freitas Labarrère, Data da decisão: 08/06/2012)”.
O fundamento para instauração do PECA deve possuir amparo legal, bem como a devida necessidade. É essencial que a autoridade aduaneira demonstre os motivos para aplicar o PECA, de forma que seja possível controlar a legalidade dos atos administrativos, pelo importador e também pelo Poder Judiciário. Toda instauração de procedimento de controle aduaneiro que não possuir motivações, ou então que possua motivações insuficientes ou falsas, é viciada e suscetível de anulação.
Assim que instaurado o procedimento, as mercadorias submetidas ao mesmo ficarão retidas até a conclusão da correspondente fiscalização, conforme disciplina o artigo 5º da IN. O prazo estabelecido para conclusão do procedimento está previsto no artigo 9º da IN, que é de 90 (noventa) dias, prorrogáveis por período igual. Após a instauração do procedimento, a IN autoriza que o AFRFB realize as seguintes providências:“Art. 6º O Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo procedimento especial de que trata esta Instrução Normativa poderá adotar as seguintes providências, dentre outras que considerar indispensáveis, nos termos da legislação em vigor: I – realizar diligência ou fiscalização no estabelecimento do interveniente, ou solicitar a sua realização, em caráter prioritário, à unidade de jurisdição aduaneira de zona secundária; II – encaminhar à Coordenação-Geral de Relações Internacionais (Corin) pedido de requisição de informações à administração aduaneira do país do fornecedor ou ao adido aduaneiro e tributário nele localizado; III – solicitar laudo técnico para identificar a mercadoria, inclusive suas matérias-primas constitutivas e obter cotações de preços no mercado internacional; IV – iniciar procedimento para apurar a veracidade da declaração e autenticidade do certificado de origem das mercadorias, inclusive intimando o importador ou o exportador a apresentar documentação comprobatória sobre a localização, capacidade operacional e processo de fabricação para a produção dos bens importados; V – solicitar a movimentação financeira do importador, exportador, ou outro interveniente da operação e, se necessário, emitir a correspondente Requisição de Informação sobre a Movimentação Financeira (RMF); e VI – intimar o importador, exportador, ou outro interveniente na operação, a apresentar informações e documentos adicionais que se mostrem necessários ao andamento dos trabalhos, inclusive os relativos a outras operações de comércio exterior que tenha realizado, observado o disposto na legislação específica e o prazo decadencial.”( BRASIL, IN RFB nº 1.169/11, art. 6º, online)
Concluído o procedimento, e constados os ilícitos, a autoridade competente irá lavrar o Auto de Infração, com oferecimento de pena de perdimento das mercadorias que foram objeto das operações, conforme dispõe o artigo 10 da IN RFB nº 1.169/11. O comércio exterior, bem como o direito aduaneiro, tem como regra basilar o disposto o artigo 237, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988: “A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.”.
A partir da leitura do dispositivo constitucional, compreendemos que a matéria do comércio exterior e do direito aduaneiro está submetida ao exercício regular da competência do Poder Executivo, representado pelo Ministério da Fazenda. O Ministro da Fazenda, fazendo uso de suas atribuições, aprovou através da Portaria MF nº 203/12, o Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, que se deu na forma de anexo na referida Portaria. O inciso XVII, do artigo 1º do referido anexo, dispõe o seguinte:“Art. 1º A Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB, órgão específico singular, diretamente subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda, tem por finalidade:[…] XVII – dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar os serviços de administração, fiscalização e controle aduaneiros, inclusive no que diz respeito a alfandegamento de áreas e recintos;[…]”.( BRASIL, ANEXO, PORTARIA MF Nº 203/12, art 1º, anexo, online)
No que se refere à propositura de procedimentos especiais de fiscalização aduaneira, na ceara do comércio exterior, a Medida Provisória nº 2.158-35/01, em seu artigo 68 preceitua:“Art. 68. Quando houver indícios de infração punível com a pena de perdimento, a mercadoria importada será retida pela Secretaria da Receita Federal, até que seja concluído o correspondente procedimento de fiscalização. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplicar-se-á na forma a ser disciplinada pela Secretaria da Receita Federal, que disporá sobre o prazo máximo de retenção, bem assim as situações em que as mercadorias poderão ser entregues ao importador, antes da conclusão do procedimento de fiscalização, mediante a adoção das necessárias medidas de cautela fiscal.”(BRASIL, MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.158-35/01)
Desta forma, a referida Medida Provisória facultou autorização e competência à Receita Federal, para disciplinar os procedimentos especiais de controle aduaneiro. Compreendido o procedimento especial instaurado pela autoridade fiscal, bem como suas competências, passa-se ao estudo dos princípios constitucionais que devem ser observados.
2. Princípios que orientam o processo administrativo
Atualmente, dentre todos os ramos em que se vislumbra a atuação estatal, a seara fiscal é a que mais suporta a exorbitância desta atuação, da mesma forma que constata-se com frequência o desvio do interesse público para o interesse do Estado. Logo, vedar esta mistura de interesses e encontrar respaldo constitucional para o interesse público é de suma importância. Desta forma faz-se necessário para este trabalho evidenciar os princípios constitucionais aplicáveis tanto no PAF como no PECA.
A partir da Constituição podem-se entender as normas que disciplinam o poder estatal, e ainda a criação dos componentes que o constituem, seus limites e obrigações. Corroborando com os cânones constitucionais, a Lei nº 9.784/99, no parágrafo único do artigo 2º aborda os critérios que devem ser observados nos processos administrativos, in verbis: “Art. 2º […] Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I – atuação conforme a lei e o Direito; II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei; III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades; IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé; V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição; VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão; VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei; XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados; XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”( BRASIL, LEI nº 9.784/99)
Desta forma podem-se observar diversos aspectos a serem seguidos pela Administração Pública que corroboram com os princípios constitucionais a seguir.
2.1 Princípio da proporcionalidade
O Princípio da Proporcionalidade não está positivado na Constituição, porém é encontrado no artigo 2º, da Lei nº 9.784/99, in verbis: “'Art.2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”( BRASIL, LEI nº 9.784/99)
Este princípio exige que a autoridade exerça suas funções sem excessos em relação ao objetivo vislumbrado, ajustando proporcionalidade entre os meios e o fim esperado. É necessário balizar a adequação e a necessidade das práticas administrativas para a devida aplicação deste princípio nos atos processuais. Sobre essa proporção e razoabilidade, Mattos afirma que: “A regra da proporcionalidade é uma regra de interpretação e aplicação do direito – no que diz respeito ao objeto do presente estudo, de interpretação e aplicação dos direitos fundamen1tais -, empregada especialmente nos casos em que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outro ou de outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais toma dimensões desproporcionais. É, para usar uma expressão consagrada, uma ‘restrição às restrições’. Para alcançar esse objetivo, o ato estatal deve passar pelos exames de adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Esses três exames são, por isso, considerados como sub-regras da regra da proporcionalidade.”(MATTOS, 2007, online)
A Administração é vedada em razão deste princípio de cometer excessos no devido cumprimento de suas funções, ou então uma possível arbitrariedade nas suas decisões, uma vez que este princípio também representa os limites de atuação da Administração. Os atos executados pela autoridade estão intimamente ligados com o princípio em questão, na medida em que os poderes proporcionados à Administração configuram meios para a materialização de seus deveres. No que tange aos deveres, pode-se destacar a boa administração, onde os atos não destacam só a ética, mas também sua consequência jurídica, que não podem promover a desproporção nas práticas dos atos.
Se em razão desta desproporcionalidade, for constatado desvio de poder, este ato iria a confronto da lei, que sempre prevê, e também impõe bons comportamentos para a Administração, visando à satisfação na finalidade dos atos legais.
Para fins conceituais e elucidativos, expõem-se os ensinamentos de Moreira: “O princípio da proporcionalidade, que se identifica com a razoabilidade, tem três elementos ou subprincípios: a) adequação: o ato administrativo deve ser efetivamente capaz de atingir os objetivos pretendidos; b) necessidade: o ato administrativo utilizado deve ser, de todos os meios existentes, o menos restritivo aos direitos individuais; c) proporcionalidade em sentido estrito: deve haver uma proporção adequada entre os meios utilizados e os fins desejados. Proíbe não só o excesso (exagerada utilização de meios em relação ao objetivo almejado), mas também a insuficiência de proteção (os meios utilizados estão aquém do necessário para alcançar a finalidade do ato”. (2011, online)
Sobre esses elementos que fazem parte deste princípio, o doutrinador Lenza, assim esclarece:“- necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir os direitos só se legitimas se indispensável para o caso concreto e se não puder substituí-la por outra menos gravosa; – adequação: também chamado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido; – proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima efetividade e mínima restrição.”(LENZA, 2011)
Sendo assim, pode-se dizer que este princípio tem a intenção de balizar a proporção e a necessidade dos atos administrativos, bem como estabelecer os momentos que se pode vislumbrar a atuação arbitrária da Administração Pública. A ideia de proporcionalidade do ato administrativo acrescenta razoabilidade nas decisões administrativas.
2.2 Princípio do contraditório e ampla defesa
Este princípio está previsto no Artigo 5º, inciso LV, da CF, in verbis: “Art. 5º […]
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; […]”(BRASIL, CRFB/88). É consequência do Princípio do Devido Processo Legal, e define-se como a possibilidade de resposta, bem como a utilização de todos os meios de defesa admitidos no Direito. Segundo Castardo, “o princípio traduz a nulidade do processo, ou atos subsequentes, havendo o cerceamento de defesa em qualquer fase.” (CASTARDO, 2011, p.78).
É encontrado especificamente no âmbito probatório da fase processual, oportunizando aos litigantes a manifestação de produção de provas, a realização, bem como pronunciamento a respeito do resultado que as provas podem produzir. Neste sentido Castardo reforça: “Ampla defesa refere-se à opção do acusado de utilizar todos os meios admitidos para compor o material probatório e contraditório, é a oportunidade de exercício de defesa, de manifestação, quanto aos fatos e provas constantes no processo.( CASTARDO, 2011, p. 79)
Este princípio atende todos os tipos de processo e procedimento, judicial ou extrajudicial, garantindo às partes a ampla defesa e o contraditório, estando presentes em qualquer forma de acusação, ainda que não existam formalidades, ou seja, mesmo em fase procedimental. Neste ponto, a Constituição é bastante explícita, afirmando que seja em processo judicial, ou em procedimento administrativo, deve ser assegurado o contraditório e a ampla defesa.
A composição de uma garantia constitucional está acima de qualquer lei, e no que se refere ao princípio em questão, a parte acusada tem o direito de pronunciar-se sobre tudo que for produzido, dando-lhe a oportunidade de opor-se ou dar a versão que lhe convenha, ou ainda, apresentar uma apreciação diversa daquilo que foi exposto. A extensão deste princípio é ampla e significativa, legitimando a jurisdição em diversas áreas do direito, como civil, penal e inclusive nos procedimentos administrativos.
A aplicação deste princípio deve acontecer em qualquer tipo de processo ou procedimento que esteja relacionado com o poder sancionatório do Estado. Os princípios são positivados justamente com o intuito de fazer jus a tais direitos, e como destaque o contraditório e a ampla defesa, estampados na Constituição Federal, dando garantias aos cidadãos de que todo processo ou procedimento deverá ocorrer de maneira justa e eficaz, e possuem como principal escopo assegurar o direito de informação e manifestação de todos os atos processuais ou procedimentais.
Juntamente com o contraditório e a ampla defesa, corre o Princípio do Devido Processo Legal, que é um escape regulador entre a liberdade dos indivíduos e as exigências arbitrárias das autoridades. Este princípio pode garantir um processo correto e justo, ressaltando a competência do Judiciário em proteger a Constituição, e afastando a aplicação de leis ou de atos normativos que sejam arbitrários. Desta forma, pode-se compreender um controle jurisdicional sobre a discricionariedade administrativa.
O fundamento do devido processo legal é a necessidade de proteger direitos e liberdades contra as peculiaridades de legislações que se mostram opressivas ou que são desprovidas de razoabilidade. Estas garantias constitucionais explicam que no âmbito da possibilidade de desvio de poder das atividades normativas do Estado, este não possui competência para agir de forma ilimitada, podendo até mesmo gerar alteração nas finalidades que compõe o desempenho das funções estatais.
Para complementar segue jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4º Região, que assegura o direito ao contraditório e a ampla defesa: “AGRAVO REGIMENTAL. AUTORIDADE ADUANEIRA. RETENÇÃO DE MERCADORIA. IN Nº 228/02 – SRF. OFERECIMENTO DE GARANTIA. EMPRESA REGULAR. DESNECESSIDADE. 1. As leis (Lei nº 9.430/96) e medidas provisórias (MP nº 2.158-35/2001 e MP nº 66/2002) referidas na IN nº 228/2002 da SRF regulam providências voltadas para o cancelamento de inscrição da pessoa jurídica no CNPJ; não aludem a nenhum prejuízo de natureza fiscal; sua expressa finalidade é identificar e coibir a ação fraudulenta de interpostas pessoas em operações de comércio exterior, como meio de dificultar a verificação da origem dos recursos aplicados, ou dos responsáveis por infração à legislação em vigor, bem como apurar eventuais irregularidades na existência da pessoa jurídica importadora.
2. Verifica-se, na verdade, que o procedimento instituído prende-se a todo um contexto investigativo com repercussão restrita a sanções administrativas, eventualmente municiando uma representação criminal, nunca de cunho fiscal, pelo que não parece justificável a adoção de uma medida com sérios reflexos no desempenho de atividades de uma empresa regular no CNPJ. Ademais, é de estatura constitucional o direito ao regular processo administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV). 3. Antes disso, é fora de dúvida que o contribuinte (in casu, isento) não deverá sofrer qualquer consequência na sua esfera jurídico-patrimonial até que haja conclusão segura acerca da irregularidade da empresa, sendo de repudiar-se qualquer restrição a esta condição. De outra finta, na eventualidade de procedência da imputação de irregularidade jurídica da empresa, a decisão da autoridade fazendária não ostenta efeitos retrooperantes, em homenagem ao direito adquirido e à segurança das relações jurídicas, como, mais uma vez, preceituou o legislador constitucional (art. 5º, XXVI). (1º Turma do Tribunal Regional Federal da 4º Região, Agravo de Instrumento nº 2003.04.01.012167-6, Relator: Des. Luiz Carlos de Castro Lugon, Data da Decisão: 17/09/2003)”.
Neste julgado pode-se observar a observância de vários princípios constitucionais, e em questão o contraditório e a ampla defesa, como forma de prevalecer sempre os direitos fundamentais dos cidadãos.
2.3 Princípio do devido processo legal
Este princípio está previsto no inciso LIV, do artigo 5º da CF, in verbis: “Art. 5º […] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;” (BRASIL, CRFB/88). É princípio que vincula todos os procedimentos administrativos, e alcança um aglomerado de fundamentos jurídicos que garantem os direitos fundamentais não sejam ameaçados, prejudicados ou até mesmo indagados, como exemplo o direito ao contraditório e a ampla defesa. Também atua como aparelho que legitima a ação administrativa.
Segundo Catardo este princípio é matéria do Direito Constitucional, e uma vez aplicado ao Direito Administrativo totaliza diversas garantias, são elas: “1. direito de ser ouvido; 2. direito ao oferecimento e produção de provas; 3. direito a uma decisão fundamentada; 4. direito ao juiz natural; 5. direito à indeclinabilidade de pretensão jurisdicional quando solicitada; 6. direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; 7. direito a um rápido e público julgamento; 8. direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais;
9. direito ao procedimento contraditório; 10. direito de não sei processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; 11. direito à plena igualdade entre acusação e defesa; 12. direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; 13. direito de ser julgado mediante provas e evidência legal e legitimamente obtida; 14. direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; 15. direito ao recurso (duplo grau de jurisdição); 16. direito à decisão com eficácia de coisa julgada; 17. privilégio contra a autoincriminação.”. (CASTARDO, 2011, p. 82)
Diversos são os direitos que são ligados à eficácia do devido processo legal. Atendendo também aos outros princípios, os critérios de proporcionalidade e razoabilidade devem ser observados em todos os atos e decisões administrativas, no que se refere ao seu conteúdo, bem como a forma das decisões. O princípio do contraditório se confunde com o instituto do devido processo legal, dando ciência às partes interessadas dos atos concernentes aos procedimentos efetuados, especificamente sobre aqueles que podem interferir nas decisões do final do processo.
O doutrinador Castardo ao mencionar os princípios que decorrem do devido processo legal, menciona também o da ampla defesa, explicando assim: “Outra decorrência imediata do devido processo legal é a ampla defesa, pois é por meio dela que o administrado tem o direito de manifestar-se com os argumentos a tecer o arrazoado necessário, de forma oportuna e tempestividade, referente às alegações contra ele, obrigando a Administração a conhecer as razões por ele apresentadas. Aperfeiçoa o exercício dessa garantia o encaminhamento, ao interessado, de todos os elementos e dados quantos se ponham contra ele, pela intimação e a notificação regular.” (CASTARDO, 2011, p. 83.)
Quando se fala em qualquer tipo de procedimento administrativo, sendo punitivo ou não, é obrigatória a observação das garantias fundamentais, principalmente no que se refere ao contraditório e a ampla defesa, ainda que não haja a figura de acusado. A doutrina, quando disserta ensinamentos sobre a importância e o valor do devido processo legal, assim se posiciona: “[…] o devido processo legal, como princípio constitucional, significa o conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional.” (CINTRA, 1993. p. 56 In: CASTARDO, 2011, p. 84.)
O princípio do devido processo legal é o norte que regula a liberdade individual e as determinações das autoridades administrativas, garantindo aos contribuintes um processo justo e a possibilidade da competência exercida pelo Judiciário de aplicar a supremacia da Constituição, de forma que afasta as arestas que podem levar à aplicação das leis e normas que podem vir a ser arbitrárias.
2.4 Princípio da boa-fé objetiva
Este princípio é dos essenciais ao nosso ordenamento jurídico, sendo que é aplicável em todas as áreas do direito. Tem o objetivo de criar uma conduta ética uniforme nas relações jurídicas. A boa-fé extrapola os limites do Direito, se fazendo presente não só no âmbito jurídico, mas também nas relações pessoais cotidianas, conduzindo as ações e a decisões. A Carta Magna procurou através do princípio da boa-fé objetiva uniformizar essa conduta ética, sendo ela interpretada como padrão, que é refletida na boa maneira de viver, baseando as atitudes, relações e decisões nos valores morais.
Trazendo este princípio para a área aduaneira, uma vez que evidenciado a boa-fé do importador pode ser afastada a decretação de pena de perdimento, como demonstra a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4º Região: “ADMINISTRATIVO – ADUANEIRO – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONHECIMENTO DE CARGA – BOA-FÉ DO IMPORTADOR – RELEVAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO – RAZOABILIDADE. 1 -Tratando-se de infração aduaneira cometida sem má-fé, decorrente de erro escusável sanado pelo infrator, revela-se desproporcional a pena de perdimento. 2 – O pedido de apropriação do DISC ao MAWB e a sua inclusão no Termo de Entrada, ainda que extemporaneamente, demonstram a ausência de intenção da Impetrante em burlar a fiscalização aduaneira e causar dano ao erário. 3 – Não pode a Autoridade Coatora, ao argumento de apresentação extemporânea do manifesto de carga ou do “documento equivalente”, aplicar a pena de perdimento das mercadorias importadas pelo impetrante, por acarretar violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 4 – A pena de perdimento só é aplicável se desfeita a presunção de boa-fé que opera a favor do importador, restando evidenciado o dolo de sua conduta. 5 – A declaração, ainda que intempestiva, dos bens embarcados/importados, demonstra que a Impetrante não se furtou à fiscalização, donde é descabida a aplicação da pena de perdimento. 6- Apelação e remessa desprovidas. Sentença mantida. (6º Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2º Região, Apelação Reexame Necessário nº 2008. 51.01.019548-5. Des. Federal Frederico Gueiros. Data da decisão: 14/02/2011)”.
A partir da análise doutrinária e jurisprudencial fica evidente o erro ao aplicar pena de perdimento sem analisar a boa-fé do importador. Este princípio deve ser sempre aplicado como forma de afastar as imposições desnecessárias e excessivas.
2.5 Princípio da legalidade
Este princípio preceitua que a Administração Pública só poderá atuar dentro das legalidades que a lei permite. O administrador não pode agir, ou deixar de agir, senão em virtude da lei.
Neste diapasão, Cabral explica: “[…] a Administração só poderá exigir alguma coisa de alguém se essa exigência estiver contida em lei. Se ninguém é obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa senão em virtude de lei é óbvio que a primeira entidade a obedecer tal comendo deverá ser a Administração, não podendo exigir tributo, impor obrigações a qualquer contribuinte, ou exigir que ele se abstenha de praticar algum ato se não existe lei prevendo tal exigência ou abstenção.” (CASTARDO, 2011, p. 53 In: CABRAL, 1993, p.50.)
Para complementar segue jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4º Região: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. PORTARIA MF Nº 156/99 e IN SRF 96/99. ILEGALIDADE. 1. Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º, II, as remessas de até cem dólares, quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto de Importação. 2. A Portaria MF 156/99 e a IN 096/99, ao exigir que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas, restringiram o disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80. 3. Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo (portaria), extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, pois está vinculada ao princípio da legalidade.(1º Turma Tribunal Regional Federal da 4º Região, Apelação Reexame Necessário nº 2005.71.00.006870-8. Relator: Des. Álvaro Eduardo Junqueira. Data da decisão: 04/05/2014)”.
Desta forma observa-se que a Administração só poderá atuar dentro dos parâmetros estabelecidos em lei, e observando sempre o princípio da legalidade.
3. Princípios Constitucionais Burlados: Aspectos Contraditórios
No que tange aos aspectos contraditórios em relação ao PECA e ao PAF, diversos pontos podem ser destacados. A começar pela Súmula 323 do Supremo Tributal Federal (STF) in verbis: “STF Súmula nº 323 – 13/12/1963 – É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.” (1963, online). Como já explicado anteriormente, as mercadorias não são desembraçadas no Despacho Aduaneiro de Importação sem o pagamento dos tributos incidentes, a princípio constata-se o conflito com a referida súmula.
Sabe-se que na importação de mercadorias há a incidência de diversos tributos, e a legislação aduaneira exige que esses tributos sejam recolhidos na data do registro da DI. Em contraponto com a aludida súmula, a SRFB ao constatar a insuficiência dos tributos que deveriam ter sido recolhidos, trava o despacho, impondo como condição de liberação o recolhimento da exigência tributária.
Ainda, o artigo 47, do Decreto nº 37/66, estabelece que o andamento do despacho fique sujeito à satisfação de exigências de depósito ou pagamento de qualquer ônus, tanto cambiais como financeiros. Junto com este dispositivo o artigo 51 do mesmo Decreto, segue a mesma direção, determinando que após a conferência aduaneira, em que não haja a exigência fiscal de qualquer espécie, a mercadoria será desembaraçada.
E é neste sentido que o artigo 570, do Regulamento Aduaneiro versa, in verbis: “Art. 570. Constatada, durante a conferência aduaneira, ocorrência que impeça o prosseguimento do despacho, este terá seu curso interrompido após o registro da exigência correspondente, pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável. § 1º-A. Quando for constatado extravio ou avaria, a autoridade aduaneira poderá, não havendo inconveniente, permitir o prosseguimento do despacho da mercadoria avariada ou da partida com extravio, observado o disposto nos arts. 89 e 660. § 2º Na hipótese de a exigência referir-se a crédito tributário ou a direito antidumping ou compensatório, o importador poderá efetuar o pagamento correspondente, independente de processo. § 3 o Havendo manifestação de inconformidade, por parte do importador, em relação à exigência de que trata o § 2 o , o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil deverá efetuar o respectivo lançamento, na forma prevista no Decreto n o 70.235, de 6 de março de 1972. § 4 o Quando exigível o depósito ou o pagamento de quaisquer ônus financeiros ou cambiais ou o cumprimento de obrigações semelhantes, o despacho será interrompido até a satisfação da exigência.” (BRASIL, DECRETO nº 6.759/09)
Desta forma, constata-se que em consonância com os outros dispositivos mencionados, o Regulamento Aduaneiro determina também que havendo qualquer condição de natureza tributária o Despacho Aduaneiro deverá ser interrompido. O importador concordando com a exigência poderá realizar o recolhimento sem a necessidade de formalizar processo administrativo.
Todavia, caso o importador não concorde com a imposição tributária, a autoridade aduaneira formalizará o lançamento, lavrando o auto de infração, que poderá ser impugnado pelo importador, dando início ao PAF. Na mesma linha de pensamento segue diversas decisões dos Tribunais Regionais Federais, sendo assim, para corroborar, transcreve-se abaixo uma das diversas decisões: “EMENTA. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. COMPLEMENTAÇÃO. EXIGÊNCIA DE GARANTIA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. SUSPENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não pode o Fisco exigir garantia do valor que entende deva ser complementado como condição para o prosseguimento do desembaraço aduaneiro, em interpretação analógica dada à Súmula 323/STF. 2. O desembaraço é direito do contribuinte e dever do Fisco. Tendo sido recolhidos os tributos que entendia devidos, não pode a Administração Pública suspender o despacho exigindo pagamento de importâncias controversas, objeto de discussão em procedimento administrativo. 3. Apelação provida. (1ª Turma do TRF da 4ª Região, por unanimidade – Apelação em Mandado de Segurança nº 2000.72.08.000489-7/SC – Relator: Des. Federal Wellington M. de Almeida – Data da decisão: 20/08/2003)”
Diante do exposto destaca-se o uso analógico da Súmula 323 do STF nos casos que há exigência de recolhimento de tributos como condição para desembaraço aduaneiro. Para complementar ainda mais a matéria supracitada, segue outra jurisprudência do Tribunal Regional Federa da 4º Região: “DESEMBARAÇO ADUANEIRO – RETENÇÃO DE MERCADORIAS – LIBERAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE MULTA E TRIBUTOS COMPLEMENTARES – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 323 DO STF. 1 – O Supremo Tribunal Federal sumulou entendimento contrário à retenção de bens como instrumento de cobrança de tributos (Súmula nº 323). 2 – 2. O não recolhimento da multa e da diferença de tributos oriundos da imposição de reclassificação fiscal não tem o condão de obstar o desembaraço aduaneiro, mormente porque a liberação das mercadorias não impede o prosseguimento do Fisco na autuação e na futura cobrança das diferenças de tributos e multas apuradas, se for o caso. (3º Turma Tribunal Regional da 4º Região, Apelação Reexame Necessário nº 5009183-24.2011.404.7000, Relator: Fernando Quadros da Silva, Data da decisão: 31/05/2012).”
É neste viés que se encontra a contradição sobre a liberação das mercadorias, uma vez que a legislação condiciona o desembaraço ao devido recolhimento dos tributos, e a Súmula aludida repele essa condição. Outro ponto muito contraditório é em questão às atribuições do AFRFB.
Para uma melhor compreensão, segue abaixo o artigo 2º do Decreto nº 6.641, de 10 de novembro de 2008, in verbis:”Art. 2o São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil:I – no exercício da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil e em caráter privativo:a) constituir, mediante lançamento, o crédito tributário e de contribuições; b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em processo administrativo-fiscal, bem como em processos de consulta, restituição ou compensação de tributos e contribuições e de reconhecimento de benefícios fiscais; c) executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de mercadorias, livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados d) examinar a contabilidade de sociedades empresariais, empresários, órgãos, entidades, fundos e demais contribuintes, não se lhes aplicando as restrições previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e observado o disposto no art. 1.193 do mesmo diploma legal; e) proceder à orientação do sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação tributária; e f) supervisionar as demais atividades de orientação ao contribuinte; e II – em caráter geral, exercer as demais atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil.” (BRASIL, DECRETO nº 6.641/08.)
Atente-se para as alíneas ‘b’ e ‘c’, no inciso I, onde as atribuições do AFRFB são, além de proferir decisões acerca do PAF, executar os procedimentos de fiscalização que ensejam no referido processo administrativo. Neste sentido, o mesmo órgão que investiga, é o mesmo que julga, assim a propensão à parcialidade torna-se evidente, trazendo como consequência o abuso ou desvio de poder. Portanto é compreensível identificar que a ideia de delegar a Administração como juiz do próprio contencioso, é sem dúvida um ponto muito contraditório.
Dentre essas contradições, o fato da mesma autoridade que controla as práticas aduaneiras é encarregado de julgar as lides em plano administrativo, redunda em uma explícita incoerência entre as funções delegadas. De maneira que não é possível exigir imparcialidade, uma vez que ao mesmo agente público são conferidas duas funções antagônicas, que são as de representar o fisco, e ser juiz dos litígios em que o próprio fisco é parte.
Sendo assim, pode-se completar dizendo que não se pode esperar um processo sem privilégios e límpido, onde a Fazenda atua como parte e julgadora. Um outro ponto bastante comum no cotidiano aduaneiro, e que é alvo de diversas divergências, e a retenção de mercadorias. O artigo 5º da IN RFB nº 1.169/11, dispõe o seguinte: “Art. 5º A mercadoria submetida ao procedimento especial de controle de que trata esta Instrução Normativa ficará retida até a conclusão do correspondente procedimento de fiscalização.” (BRASIL, IN RFB nº 1.169/11, art. 5º, online)
Nestes termos, a RFB retém a mercadoria do importador, instaurando o PECA. Na grande parte das retenções, a justificativa é que as suspeitas que levaram à instauração do procedimento de fiscalização ensejariam em pena de perdimento. É visível a desproporcionalidade do ato baseado em suspeitas, indícios e presunções. Para o início do PECA, o ato administrativo deve ser motivado por uma causa plausível e concreta de fraude, para só assim, no fim da fiscalização decretar o perdimento, no mais, seria um ato inválido e ilegal.
Além de toda ilegalidade do ato administrativo fundado em presunções, a IN RFB 1.169/11 carece da previsão de liberação de mercadorias no curso do PECA. No entanto o artigo 68, em seu parágrafo único da Medida Provisória 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, prevê o seguinte: “Art. 68. Quando houver indícios de infração punível com a pena de perdimento, a mercadoria importada será retida pela Secretaria da Receita Federal, até que seja concluído o correspondente procedimento de fiscalização. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplicar-se-á na forma a ser disciplinada pela Secretaria da Receita Federal, que disporá sobre o prazo máximo de retenção, bem assim as situações em que as mercadorias poderão ser entregues ao importador, antes da conclusão do procedimento de fiscalização, mediante a adoção das necessárias medidas de cautela fiscal.”( BRASIL, MP 2.158-35/01)
Posto isso, verifica-se a contradição no que tange a liberação de mercadorias, visto que uma norma prevê a liberação das mercadorias no PECA, e a própria IN que cuida desse procedimento é omissa. Tratando-se sobre a pena de perdimento e a boa-fé-objetiva do importador, também há contradições na aplicação deste instituto. A pena de perdimento é a apreensão de mercadorias importadas que possam conter alguma irregularidade no processo de importação.
As hipóteses legais passíveis de pena de perdimento estão elencadas no artigo 689, no Regulamento Aduaneiro, ou seja Decreto nº 6.759/09. Por sua vez o artigo nº 673 e seu parágrafo único do Decreto nº 6.759/09, bem como o Decreto-lei nº 37/66, de regulam:”Art. 673. Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida ou disciplinada neste Decreto ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-lo.” (Decreto-Lei n o 37, de 1966, art. 94, caput) “Parágrafo único. Salvo disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, da natureza e da extensão dos efeitos do ato”.( Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 94, caput)
A partir disto, nota-se que qualquer omissão que acarrete inobservância da legislação estabelecida no Decreto, configura infração aduaneira, garantindo à RFB o direito de reter as mercadorias, que por sua vez, usa o artifício de aplicar a pena de perdimento. Vale destacar que até mesmo a omissão voluntária incide em infração aduaneira. Quando trata-se da natureza da omissão, esta tem natureza muito abrangente, podendo ser apenas rotinas procedimentais, ou então não cumprir o prazo para dar entrada no Despacho Aduaneiro, ainda que constatada a boa-fé do importador.
Diversas são as vezes que o perdimento é decretado com alicerce a falta de documentos capazes de completar a exigência para o desembaraço aduaneiro. Isto significa que, caso o importador não cumpra todas as exigências documentais da RBF, que é extensa, a mercadoria pode ser encaminhada para perdimento. É pertinente salientar o trecho do artigo que fala sobre “toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária”, com uma simples análise pode-se verificar o total descumprimento ao princípio da boa-fé objetiva.
Sabe-se que em uma escala de prevalência de normas e leis, a legislação aduaneira está abaixo da Constituição Federal, que por seu conteúdo é a lei máxima, e a partir dela todas as outras leis emanam, e só possuem eficácia se atenderem os pressupostos da CF. Desta forma percebe-se o claro descumprimento da legislação aduaneira sobre o que está expresso da Carta Magna.
Com sorte, os Tribunais Superiores seguem a ideia de que a presunção da boa-fé retira o reconhecimento de infração aduaneira, tendo o confisco dos bens como um excesso da autoridade aduaneira.
No sentido das alegações supracitadas, segue jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4º Região: “TRIBUTÁRIO. PENA DE PERDIMENTO. MERCADORIA EXPORTADA. TROCA DE DOCUMENTAÇÃO. Inexistindo qualquer indício de intenção do contribuinte em fraudar a fiscalização, o simples fato de, por mero equívoco, ter ocorrido troca da documentação relativa a mercadorias exportadas não é, por si só, suficiente a fundamentar a aplicação da pena de perdimento, sob pena de flagrante afronta aos princípios da razoabilidade/proporcionalidade. (2º Turma do TRF da 4º Região, Apelação Cível nº 5002263-16.2011.404.7103/RS, Relatora Des. Luciane Amaral Corrêa Munch. Data da decisão: 18/09/2012)”.
A decisão acima é bastante clara ao confirmar o afastamento da infração aduaneira por simples equívoco em relação à documentação. O fisco ao decretar a pena de perdimento não pode basear-se em meras presunções e suposições, e sim em provas capazes de provar a má-fé do importador. Sendo assim, nos casos em que o Fisco não lograr êxito em comprovar as irregularidades, baseando-se em presunções injustificáveis, os direitos do importador não poderão ser restringidos.
Ainda que o Fisco encontre irregularidades, e as mesmas consistam em erros contábeis ou então insuficiência documental, as sanções deverão ser proporcionais, ponderando sempre a boa-fé do contribuinte.
Para complementar a matéria exposta faz-se necessário trazer outra jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4º Região: “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERDIMENTO. INEXISTÊNCIA DE FATO DA EXPORTADORA. IMPOSSIBILIDADE.
1. A pena de perdimento só tem lugar quando comprovada, através de procedimento fiscal investigatório ultimado, garantida a defesa administrativa e os princípios a ela inerentes, a intenção dolosa do importador ou eventual benefício por ele auferido no negócio inquinado de irregular. 2. Não cabe à importadora verificar de forma acurada e definitiva sobre a regularidade global da empresa exportadora, porque as relações comerciais se baseiam na confiança, sendo, ademais, avesso ao dinamismo da economia que se procedesse, antes de toda operação de importação, a uma investigação profunda sobre o outro partícipe do vínculo negocial. 3. A regularidade jurídica da empresa exportadora é suficiente para criar uma expectativa de legitimidade e de capacidade para a importadora, eis que compete à autoridade responsável zelar pela regularidade das empresas de seu país que se lançam à atividade mercantil internacional. 4. Apelação provida.. (1º Turma do Tribunal Regional da 4º Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.72.08.002150-8/SC. Relator: De. Juiz Wellington Mendes de Almeida. Data da Decisão: 05/11/2003).”
Desta forma, pode-se afirmar que aceitar presunções para condenar o contribuinte, compromete diversos princípios constitucionais, como o da boa-fé objetiva. A Lei nº 9.784/99 foi decretada justamente para regular os atos administrativos do PAF na esfera Federal, afastando o arbítrio administrativo, livrando os direitos do contribuinte da discricionariedade dos atos administrativos infundados. Analisados os princípios constitucionais aplicáveis ao PECA e ao PAF, bem como as diversas contradições que cercam esses institutos, acarretando na não leitura de direitos constitucionais, é importante dissertar sobre a o princípio da supremacia da Constituição Federal e o princípio da hierarquia das leis.
3.1 O princípio supremacia da constituição federal e o princípio da hierarquia das leis
No nosso ordenamento jurídico prevalece o Princípio da Supremacia da Constituição, o qual as normas constitucionais, estão em um grau superior em relação às outras leis, de forma que essas outras leis devem basear-se nas normas constitucionais para possuírem validade. Desta forma, as normas estão divididas em 3 (três) grupos, normas constitucionais, normas infraconstitucionais e normas infralegais. Lembrando que não existe hierarquia entre normas do mesmo grupo, e sim hierarquia entre grupos, onde as normas constitucionais são superiores a todas as outras.
No que tange à hierarquia que as Instruções Normativas se encaixam, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3º Região explica suas restrições: “ADMINISTRATIVO. CADASTRO NACIONAL DE PESSOAS JURÍDICAS – CNPJ. Inscrição. Indeferimento. IN/RFB 27 e 54/1988. 1. Constituindo a instrução normativa ato inferior à lei, no que tange à hierarquia das normas, lhe é defeso contrariar, restringir ou ampliar sus disposições, cabendo-lhes tão somente explicitar a lei, nos contornos por estes definidos, visto o seu caráter acessório […] (6º Turma do Tribunal Regional Federal da 3º Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 20000399038231-8, Relator: Des. Federal Marli Ferreira, Data da decisão:02/05/2011)”.
Esta sequência de hierarquia faz nosso ordenamento jurídico assemelhar-se a uma pirâmide, na medida em que toda norma tem seu fundamento e eficácia baseada em uma norma hierarquicamente superior, ou seja, na Constituição. A supremacia da Constituição é qualidade que dispõe a CF em postura de comando, bem como referência para estruturar nosso Estado.
Neste sentido, as normas inferiores só terão legitimidade se a CF conferir-lhes validade, bem como delimitar até que ponto suas regras podem atuar. Do mesmo modo, as normas de caráter inferior à CF não podem contradizer, ou ir contra ao que está esculpido na Carta Magna. Conforme esclarecem os apontamentos de Lenza, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. (LENZA, 2010, p. 743)
Assim pode-se afirmar que a supremacia da Constituição Federal é relacionada com a sua força normativa, preconizando que todos os atos de cunho normativo devem obedecer à hierarquia das normas. Sobre esse tema o Tribunal Regional da 3º Região tem o seguinte posicionamento: “MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CADASTRO NACIONAL DE PESSOA JURÍDICA. CNPJ INSCRIÇÃO. INSTRUÇÕES NORMATIVAS/SRF Nºs 27 E 54/1998. ILEGALIDADE. APELAÇÃO E REMESSA OFICIA IMPROVIDAS. I- A instrução normativa, mero ato administrativo, deve ater-se à função que lhe é própria, ancilar à lei, desbordando de seus limites de impor restrições ao livre exercício profissional consagrado na Carta de 1988. II- Inadmissível a utilização, pela Administração, de meios coercitivos indiretos para a satisfação de créditos de natureza jurídicos previstos na legislação, cogente. III- Precedentes. Súmulas nºs. 70, 323 e 547 do STF. IV- Apelação e remessa oficial improvidas. (6º Turma do Tribunal Regional Federal da 3º Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 19990399070815-3, Relator Des. Salette Nascimento, Data da decisão:10/04/2002)”.
Sendo assim, é possível verificar a consolidação da força normativa dos princípios constitucionais, uma vez que a correta interpretação e aplicação deles acarretam na soberania constitucional. Diante do exposto até aqui se passa para a análise de uma pré-defesa administrativa, com o intuito de fazer prevalecer as normas constitucionais.
3.2 Da necessidade de uma pré-defesa administrativa no PECA para fins de observância dos princípios constitucionais
O direito ao contraditório e a ampla defesa só é concedido a partir da instauração do litígio, todavia, com tudo exposto até o presente momento é visível que esse condicionamento é inconstitucional. Sabe-se que o PECA é o movimento constante de atos administrativos, que buscam ordenar a relação Fisco e contribuinte, bem como obter o pronunciamento da autoridade administrativa acerca do que foi fiscalizado. Por sua vez o PAF tem o escopo de compor a lide, que tem como fundamento da relação jurídica tributária.
Pode-se dizer que o PECA é construído em torno de uma divergência entre o Fisco e o contribuinte, sobre a obrigação tributária, ou até mesmo sobre a presunção de ato ilícito. A partir desta divergência, a autoridade administrativa fiscaliza, e por fim lavra o auto de infração. O contribuinte possui duas opções, pagar o tributo lançado, se for o caso de exigência tributária, e assim findando o PECA, ou então impugnar o auto de infração dando início à fase contenciosa, que pode ter como objeto central a obrigação tributária, decorrente de meros descuidos procedimentais, ou de infração aduaneira. O momento contencioso só acontece quando é materializado o conflito de interesses, assim que o contribuinte formaliza sua inconformidade com o ato realizado pelo Fisco.
Ainda que o contraditório e a ampla defesa não sejam aplicados no PECA, é importante perceber que o contribuinte deveria ter a oportunidade de participar mais dos procedimentos, desta forma, tendo o direito de conhecer as vias que a investigação está tomando, bem como o direito de ser ouvido, até mesmo para contribuir com o andamento da fiscalização. A CF não admite qualquer cerceamento, sendo assim, o contraditório e a ampla defesa devem ser aplicados na fase investigatória, fazendo com que o PEFA esteja em consonância com os princípios constitucionais.
Diante do discorrido faz-se necessária uma defesa no curso do PECA, para que nenhum princípio constitucional seja violado.
Conclusão
Diante do exposto no curso deste artigo, e após o estudo dos temas abordados, conclui-se que há a violação de direitos fundamentais em fase procedimental, uma vez que não são atendidos os princípios do contraditório e ampla defesa. Em razão da abrangência da competência infralegal delegada à RFB, para a regulamentação do PECA, que possui embasamento da legislação aduaneira, em inúmeras instruções normativas, portarias, etc., entende-se que essa disciplina não pode criar obstáculos aos direitos fundamentais dos contribuintes, desta forma, estariam em confronto com a CF. Desta maneira, todas as exigências que os importadores são submetidos através da fiscalização aduaneira, que possuem base nas suas próprias Instruções Normativas, e que criam conflitos entre Fisco e contribuinte, estão em confronto com a CF, cabendo ao Poder Judiciário banir os excessos.
Desta maneira, através dos princípios que consolidam a força normativa da Constituição, a observância dos princípios constitucionais deve acontecer em todas as fases, seja ela procedimental ou processual, uma vez que a correta utilização deles é a materialização da soberania constitucional, já que todo o fundamento das normas infralegais advém da Constituição. O simples fato de esses princípios estarem esculpidos na Constituição não valem se não tiverem eficácia jurídica, e para essa devida eficácia todos os tipos de confronto aos direitos fundamentais devem ser afastados.
Lembrando que é a observância desses princípios que constitui a pilastra da Democracia, e o ato administrativo, independente da fase, deve estar revestido de todos os princípios da Administração Pública. Certamente que nem todos os atos do Fisco são impróprios, mas trata-se de cuidar sempre pra que os Órgãos Fiscalizadores não afrontem os direitos fundamentais dos contribuintes, e com isso, efetivar a devida aplicação da Constituição Federal.
Referência:
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______. Decreto nº 6.641, de 10 de novembro de 2008. Regulamenta as atribuições da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, composta pelos cargos de nível superior de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, conforme previsão contida no § 3º do art. 6º da Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002. Disponível em: < http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Decretos/2008/dec6641.htm > Acessado em 18 de junho de 2018.
______. Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Disponível em: < http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Decretos/2009/dec6759.htm> Acessado em: 20 de maio de 2018.
______. Instrução Normativa RFB nº 1.169, de 29 de junho de 2011. Estabelece procedimentos especiais de controle, na importação ou na exportação de bens e mercadorias, diante de suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Ins/2011/in11692011.htm> Acessado em 05 de maio de 2018.
______. Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012. Aprova o Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB. Disponível em: < http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Portarias/2012/MinisteriodaFazenda/portmf203.htm> Acessado em 18 de junho de 2018.
______. Medida Provisória nº 2.158-35/01, de 24 de agosto de 2001.
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Informações Sobre os Autores
Adriele da Silva Ferraro
Advogada, Advogada Residente vinculado ao Escritório Modelo de Assessoria Jurídica (EMAJ) da Universidade Federal de Rio Grande (FURG).
Rafael Wyse Rodrigues dos Santos
Advogado, Advogado Residente vinculado ao Escritório Modelo de Assessoria Jurídica (EMAJ) da Universidade Federal de Rio Grande (FURG)
Luize Lima da Rosa
Advogado, Advogado Residente vinculado ao Escritório Modelo de Assessoria Jurídica (EMAJ) da Universidade Federal de Rio Grande (FURG)
Jorge Brum Soares
Advogado, Advogado Residente vinculado ao Escritório Modelo de Assessoria Jurídica (EMAJ) da Universidade Federal de Rio Grande (FURG)