Garantismo penal ameaçado – Uma abordagem sobre o clamor público gerado pelo sensacionalismo da mídia e sua influência na garantia dos direitos fundamentais

Resumo: O garantismo penal é a proteção dos direitos fundamentais do cidadão, mesmo que contra os interesses da maioria, evitando, assim, as arbitrariedades dos castigos, das proibições e dos processos, mediante a imposição de regras iguais para todos e em respeito à dignidade da pessoa humana. Assim, o garantismo penal, como poder mínimo que não viola direitos do cidadão, não pode ser ameaçado por influências geradas no sentimento popular principalmente pelo sensacionalismo da mídia.


Palavras-chave: Garantismo, Direitos Fundamentais, Mídia.


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Abstract: The penal guarantees is to protect the fundamental rights of citizens, even against the interests of the majority, thus avoiding the arbitrariness of punishment, the prohibitions and processes, by imposing the same rules for everyone and respect for human dignity human. Thus the penal guarantees, minimal power does not violate citizens’ rights, can not be threatened by influences in popular sentiment generated mainly by the sensationalism of the media


Keywords: Guaranteeism, Rights, Media


1. Introdução


A repercussão negativa de fatos, envolvendo indignação, revolta e clamor público, todos gerados pelo sensacionalismo e exposição intensa de diversos casos de crimes bárbaros na mídia não é razão determinante para influenciar decisões judiciais e bem assim a trajetória do processo penal.


O problema se cria a partir do momento em que os direitos e garantias fundamentais insertos na Constituição Federal se tornam ameçados, pois a população boçal que acusa, julga e condena o suspeito ou réu é incapaz de entender os fundamentos do direito.


Infelizmente, o que se vê, é que o sensacionalismo da mídia gera uma influência na sistemática de formação do sentimento social ameaçando os direitos e garantias fundamentais insertos na Constituição Federal.


2. As razões do modelo garantista face ao sensacionalismo da mídia


O garantismo penal é a proteção dos direitos fundamentais do cidadão, mesmo que contra os interesses da maioria, evitando, assim, as arbitrariedades dos castigos, das proibições e dos processos, mediante a imposição de regras iguais para todos e em respeito à dignidade da pessoa humana.


Assim, o garantismo penal, como poder mínimo que não viola direitos do cidadão, não pode ser ameaçado por influências geradas no sentimento popular principalmente pelo sensacionalismo da mídia.


3. Importância dos direitos e garantias fundamentais no sentimento social


A questão central, por óbvio, é que nós brasileiros ainda não acordamos para uma análise correta e eficaz da defesa social frente a diversas condutas tidas como criminosas. Nos dias atuais vemos a vingança desregrada e arbitrária, e ainda o linchamento virtual todos realizados pela população. Tais acontecimentos são afrontas aos direitos e garantias do cidadão, que precisam entender o significado de garantismo penal como fruto da evolução do direito e analisá-lo como importante para o processo penal.


Existe uma necessidade no anseio social de que os direitos constitucionais sejam garantidos de forma eficaz quando da ocasião de exploração de fatos criminosos pela mídia.


O atendimento a essa necessidade revela o respeito aos direitos fundamentais e ao processo de formação de um Estado de Direito ideal e pleno, visando reverter o quadro alarmante de acusação sem provas, julgamento e condenação feitos pela grande maioria da população brasileira.


4. Clamor público insulflado pela mídia


O problema do clamor público gerado pelo sensacionalismo da mídia não se trata de mera tecnicidade jurídica, pois os direitos e garantias constitucionais que fundamentam o Direito é que protegem o homem do autoritarismo e do arbítrio estatal influenciados pela televisão.


Tais direitos foram conquistados graças à coragem e o despreendimento de sucessivas gerações que nos antecederam e que dispuseram a derramar o próprio sangue para alcançar tais objetivos.


Não fosse tamanho despreendimento, estaríamos ainda sob o domínio do senhor feudal, que detinha poderes de vida e morte sobre seus vassalos, sem dever satisfação a ninguém. Nesse sentido, temos, hoje, como máxima, o irretocável preceito de que “ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.


Ora, se a lei é comando abstrato e genérico, justamente porque visa alcançar a todos, indistintamente, não há modo nem razão para que se proceda diferentemente neste ou naquele caso, sob pena de estarmos todos, também indistintamente, sujeitos ao mesmo tratamento diferenciado.


Desse modo é que se deve sustentar que a voz do povo soando como crucificação, que na maioria das vezes é impulsionada pelo desejo ardente de justiça inflamado pela mídia, não pode condenar sumariamente pessoas envolvidas em fatos criminosos, sob pena de desobedecer preceitos como o do devido processo legal e do sagrado direito ao contraditório.


5. Garantismo Penal ameaçado


É preciso dizer que o homem, por ter necessidades e vontades diversas das dos seus semelhantes, sempre estará sujeito a entrar em conflito social. Quando isso ocorre, há que se assegurar a proteção aos direitos do lesado, mesmo que em detrimento dos direitos do ofensor.


Conflitos existem, entretanto, como fontes geradores da violência, e, antes de condená-la de uma maneira rápida demais com base nas informações fornecidas pela mídia, é melhor ver de que maneira se posicionar perante ela. Assim, surge o direito penal garantista, quando o conflito entre o ofensor e o ofendido passa a ser solucionado pelo poder estatal, que, para tanto, utiliza-se das penas, das proibições e dos processos como forma de controle do desvio social.


Por outro enfoque, inverossímil notarmos que as violações tem início no contexto no processo de investigação, cujo homem, autor do fato dissonante, deverá ter assegurada a preservação de sua liberdade, integridade física e moral, pelo Estado, na visão de Humberto Maia, (MAIA, Humberto Ibiapina Maia. A mídia versus o direito de imagem na investigação policial. www.pgj.ce.gov.br, 02/01/2002.) sendo “responsável por cada Ser social, devendo, mesmo que este Ser, seja a escória da humanidade, respeitá-lo e zelá-lo, sem, no entanto, desobrigá-lo da pena que, por ventura, mereça. Implicando isso, em dizer que “a ordem jurídica em geral, e muito especialmente o Direito Penal, não pode nunca esquecer, desde sua elaboração normativa até a sua aplicação e execução, que o homem não pode ser considerado e tratado como coisa – res – mas permanentemente, visto na sua condição de pessoa, que, ainda, na escala mais baixa de degradação, o homem conserva, por lhe ser inerente”.


Mas o que tem a Mídia, sob o modelo de uma força crepuscular capaz de influenciar na dicotomia apresentada, com nítida ressonância no sistema penal como um todo?


Ora, nesse contexto é inegável o papel da mídia na adoção de medidas emergenciais, otimizando o emprego promocional e simbólico do sistema eminentemente repressivo, jamais reeducador ou ressocializador, com distribuição igualitária de direitos e deveres. Com efeito, a notícia sobre o crime fascina a humanidade desde os primórdios. Trata-se de um fascínio sobre o que motiva o crime e principalmente sobre a pessoa do criminoso, diferenciando-o do homem de bem.


O que se alardeia, ainda, que muito de nossa legislação penal é irracional, portanto, obsoleta, tornando o público moralmente indignado e atenua suas emoções em vinganças localizadas. Na elaboração da notícia do crime e do que motivou o criminoso, não seria a imprensa como um todo e a mídia mais precisamente, representantes de um poder que na verdade não mostra suas garras, alegando sempre a “liberdade de imprensa”.


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Sobre o tema assim se manifestou Di Franco (DI FRANCO, Carlos Alberto. A síndrome da censura. www.masteremjornalismo.com.br, 23/07/2001.), quando asseverou sua preocupação com o crescente exercício de um jornalismo sem jornalistas, exarando que “há uma grave crise de reportagem. Repórteres já não saem às ruas. Fontes interessadas, sem dúvida, conhecedoras das debilidades provocadas pela síndrome da concorrência, têm encaminhado algumas denúncias consistentes. Outras, no entanto, não se sustentam em pé. Duram o que dura uma chuva de verão. Como chegam, vão embora. Curiosamente, quem as publica não se sente obrigado a dar nenhuma satisfação ao leitor. Grandes são os riscos de manipulação informativa que se ocultam sob o brilho de certos dossiês que têm batido às portas das redações. Precisamos, por isso, desenvolver um redobrado esforço de qualificação das matérias que chegam às nossas mãos. Tais cuidados éticos, importantes e necessários, não podem ser indevidamente interpretados como uma manifestação de apoio às renovadas tentativas de controle externo da imprensa. Sou contra a censura. Minha defesa da ética passa, necessariamente, por uma imprensa livre”.


É inegável que a liberdade de imprensa deve prevalecer sobre a censura, mas jamais ser confundida com “libertinagem de imprensa”, impregnada numa condenação imediata de quem quer que esteja relacionado como suspeito da prática de uma conduta criminosa, num verdadeiro espetáculo.


Dificilmente, neste tom, poucos não acompanharam o desenrolar dos fatos relacionados aos profissionais da área da educação infantil, sobre os quais recaíram denúncias de que praticaram ou teriam praticado diversos crimes contra a liberdade sexual, vitimando seus alunos e alunas, quando receberam o rótulo da mídia intitulado “Os Monstros da Escola Base”, tudo após uma precipitação na fase persecutória em anunciar culpados, antes mesmo do devido processo legal, maculando o direito a intimidade de qualquer cidadão.


Sobre o tema, já que os “Monstros da Escola Base”, em tese, teriam cometido delitos tipificados dentre os hediondos, asseverou com clareza sobre a questão Marco Antônio Cardoso de Souza (SOUZA, Marcos Antônio Cardoso de, Os monstros da escola base – responsabilidade da imprensa. www.direitocriminal.com.br, 28.05.2001.), sobre o papel consciente que deve ter a imprensa, no sentido de que “nem todos os meios de comunicação veicularam as denúncias sobre as supostas moléstias aos impúberes da escola”.


6. Conclusão


Por iguais razões, averiguamos ver ressaltada a pressão da mídia, resultando que sem exame sério, pode agravar o problema ora enfocado como um todo, no passo que “a opinião pública é facilmente manipulada pelos meios de comunicação; os meios de comunicação propagam uma espécie de terrorismo penal; há um incentivo à industria da segurança particular; diminui o interesse pela manutenção do status quo”.


É importante dizer em remate que o clamor público insulflado pela mídia influenciou e muito na aplicação de garantias básicas – no decorrer do processo – nos julgamentos que foram marcantes recentemente, tais como o caso da menina Izabella Nardoni, do menino João Hélio, e ainda o caso de tortura no Estado de Goiás conhecido como ‘caso calabresi’.


Dessa forma, o conjunto de informações a respeito dos direitos e garantias fundamentais, além dos aspectos pertinentes ao garantismo penal nos dá uma base para sustentar os pormenores do fenômeno existente no sentimento social que julga e condena as pessoas envolvidas em fatos criminosos.


Atento a essa realidade, o garantismo busca uma justificação para não intervir, maximinizar a liberdade, minimizar a violência e vinculação do poder punitivo ao respeito dos direitos fundamentais, e ainda suprimir qualquer juízo de valor antecipado sobre fatos criminosos e acerca da personalidade do réu.


Por todo o exposto, é nosso dever sustentar que o clamor público gerado pelo sensacionalismo da mídia não pode influenciar as decisões judiciais, ameaçar direitos e garantias aos réus em processos criminais, tampouco na trajetória legal de um processo.


 


Referências bibliográficas:

CHOUKR, Fauze Hassan. Bases para compreensão e crítica do direito emergencial. São Paulo: Método, 2001, p. 135-153.

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito penal parte geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001, p. 23.

DI FRANCO, Carlos Alberto. A síndrome da censura. www.masteremjornalismo.com.br, 23/07/2001.

MAIA, Humberto Ibiapina Maia. A mídia versus o direito de imagem na investigação policial. www.pgj.ce.gov.br, 02/01/2002.

MATOZINHOS, Dea Rita. A lei de crimes hediondos e a execução penal in estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1995, p. 11-25.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Mídia e crime – estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva. São Paulo: Método, 2001, p. 353 – 367.

SOUZA, Marcos Antônio Cardoso de, Os monstros da escola base – responsabilidade da imprensa. www.direitocriminal.com.br, 28.05.2001.

SYKES, Ghresman. Crimes e sociedade. Trad. Walter Pinto. Rio de Janeiro: Unibloch, 1969, p.69.

SCHMIDT, Andrei Zenkner. As razões do Direito Penal segundo o modelo garantista.. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre :

AJURIS, v. 75, p. 136-156, 2000

VEJA Revista, Edição 2060, ano 41 – nº 19, pg. 102/104 J.R Guzzo, Juliana Linhares.


Informações Sobre o Autor

Hebert Mendes de Araújo Schütz

Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás analista judiciário do Tribunal de Justiça de Goiás e professor da FAR – Faculdade Almeida Rodrigues em Rio Verde-GO


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