Sumário: Introdução; 1. Aspectos Gerais da Fecundação “in vitro”; 2. A Controvérsia das “Barrigas de Aluguel”; 3.O Direito Sucessório dos Embriões Crio conservados; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
Introdução.
A reprodução humana sempre foi um tema além de apaixonante, repleto de grande polêmica. Dogmas de conduta ética e moral, desde a antiguidade mais remota, sempre buscaram normatizar este assunto. Basta uma consulta aos relatos bíblicos, em particular ao Pentateuco, para serem encontrados uma infinidade de preceitos que atravessaram os séculos e ainda hoje estão presentes, principalmente, nos paradigmas que regem grande parte das sociedades.
Em contrapartida, a evolução do conhecimento científico sobre a reprodução humana vem garantindo às pessoas a possibilidade de controle consciente de suas reproduções. Em parte pelo surgimento dos métodos contraceptivos, (que além de ficarem mais eficazes, se popularizaram, graças à diminuição dos seus custos, e da maior divulgação por meio da mídia e das entidades educacionais), em parte, porque este mesmo conhecimento, tem permitido que muitos casais solucionem dificuldades biológicas para alcançarem à procriação. Mas se esta benéficie de um lado tem trazido conquista e satisfação para muitos dos estéries, por outro lado tem levantado celeumas que desafiam a Ética, a Moral, a Teologia e mais profundamente o Direito.
Diante disto os operadores do Direito tem cada vez mais enfrentado situações em que se faz necessário o conhecimento dos fundamentos da reprodução humana, tanto para adequarem as normas jurídicas já existentes na busca de soluções justas para os casos concretos, quanto para promoverem a criação de novas leis que atualizem o ordenamento jurídico já existente, uma vez que a sociedade evolui, e com ela aumentam a complexidade dos casos concretos, o que impõe aos juristas mais profundas reflexões e melhor desenvoltura.
I-ASPÉCTOS GERAIS DA FERTILIZAÇÃO “IN VITRO”
Como já dito, a evolução das técnicas de fertilização viabilizaram o propósito de procriação para muitos casais, que de forma natural não teriam concretizado seu intento de gerar filhos e constituir família. Os tratamentos aceptivos variam desde “injeções de hormônios e correção cirúrgica de órgãos genitais até a fecundação em laboratório e implantação de embriões no útero[1]”. Sendo que esta última técnica, conhecida por inseminação “in vitro”, talvez seja hoje a mais difundida e a que mais gera discussões, (muitas vezes acaloradas) pois como já observado, pode defrontar princípios éticos, culturais, filosóficos e religiosos.
Na inseminação “in vitro” o embrião é formado em laboratório e depois é introduzido no útero. Ou seja, há primeiramente uma coleta dos gametas femininos (óvulos maduros que são retirados dos ovários) e masculinos (espermatozóides retirados do sêmen). Os óvulos são colocados num recipiente, onde cada um deles é fertilizado por uma micro agulha com um único espermatozóide, dando origem a um zigoto.
Após a fecundação, se dará início às divisões celulares, e, aproximadamente dois dias após, cada ovo se tornará em um embrião de oito a dezesseis células. Estes embriões são transportados e introduzidos no útero com um instrumento especial, e, caso a nidação (fixação do embrião nas paredes do endométrio) se concretize, um novo ser humano virá ao mundo alguns meses depois.
Deve-se aqui ser frisado que a inseminação poderá ser proveniente do sêmen do marido ou do companheiro da mulher, sendo denominada então de homóloga. Caso seja proveniente de sêmen de um estranho à relação conjugal, será denominada de heteróloga.
Outro ponto que deve ser destacado, é o fato, de que nem todos os óvulos fecundados serão utilizados numa mesma gestação. Assim, um número excedente de embriões se formará, e possivelmente será depositado e congelado em clínicas especializadas, podendo ou não no futuro ser utilizado, tanto na viabilização de uma nova gravidez, quanto, como quer grande parte do meio científico, em pesquisas científicas sobre “células-tronco”, capazes de gerar todas as demais células especializadas do organismo humano[2].
II – A CONTROVÉRSIA DAS “BARRIGAS DE ALUGUEL”
Recentemente a mídia trouxe a público uma notícia no mínimo surpreendente. Uma senhora casada, que de forma natural não poderia ter filhos, junto com seu marido, submeteu-se a procedimentos de inseminação artificial ou fecundação “in vitro”. Esta notícia torna-se impressionante, pelo fato, de que o material genético reprodutor do casal ter sido implantado no útero da mãe da referida mulher. Resumindo, uma segunda senhora ficou grávida e deu à luz de netos.
“A mãe aceitou ‘emprestar’ o útero à filha porque o Conselho Federal de Medicina só admite procedimentos desse tipo envolvendo parentes diretos da doadora de óvulos”. [3]
Este é apenas um exemplo de muitos outros casos que têm surgido à tona. Implicações jurídicas importantes poderiam ser levantadas, mas pelo menos no que diz respeito à determinação da filiação dos indivíduos assim gerados, a Doutrina tem chegado a quase uma unanimidade. Para os doutrinadores eles têm sido considerados filhos da doadora do material genético, e não da que veio à parir. Sobre isto observa Venosa:
“Quanto à maternidade, deve ser considerada mãe aquela que teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de família é irrenunciável e não admite transação”.[4]
Deve-se observar que este tipo de gestação em substituição deverá ocorrer apenas por finalidades altruístas e nunca por interesses comerciais ou lucrativos, o que seria no mínimo repugnante. No que diz respeito à sucessão, os indivíduos nascidos por gestação em substituição sucederão aquela que foi a doadora do material genético.
III – O DIREITO SUCESSÓRIO DOS EMBRIÕES CRIOCONSERVADOS.
Se há no Ordenamento jurídico um instituto que ‘meche’ com o íntimo das pessoas este é o da Sucessão “mortis causa”. Não raramente, verdadeiras batalhas entre herdeiros se travam nos tribunais, quando os litigantes buscam, de maneira quase sempre fervorosa, defender com ‘unhas e dentes’ os seus pontos de vista. E se no decorrer do inventário surgem dificuldades para a determinação do quinhão respectivo de cada herdeiro que litiga, quão maior será a dificuldade de se aferir direitos sucessórios a um propenso herdeiro que ainda não nasceu, ou o que é pior, de um ser que no momento da sucessão não passa de um conjunto de células embrionárias congeladas em uma clínica de fertilização humana.
Talvez para alguém, a observação que agora é levantada não passa de um “floreio acadêmico”sem aplicação prática no cotidiano jurídico. Mas quem pode garantir que uma mulher viúva, que outrora veio a ser mãe por meio de fecundação “in vitro” não venha a utilizar os embriões excedentes, que lhe pertencem, numa segunda gestação após o falecimento de seu marido.
Para solução deste dilema, poder-se-ia inicialmente, fazer uma consulta à legislação (fonte primária de todo jurista), mas esta é lacunosa sobre este assunto, como adverte Venosa:
“Nas inseminações após a morte o Código Civil não focou diretamente no Direito Hereditário dos seres assim gerados, pois para a sucessão continuam sendo herdeiros aqueles vivos ou concebidos quando da morte”. [5]
Com relação ao nascituro (aquele que já está em pleno desenvolvimento embrionário no ventre materno, no momento do falecimento do “de cujus”) as dúvidas sucessórias são de menor monta, uma vez que tanto a Legislação[6] é clara, quanto a Doutrina[7] é unânime na preservação de seu Direito hereditário, desde que o mesmo ‘venha ao mundo’ com vida[8]. Pois se o concebido ‘nasce morto’ não há do que se falar em existência de Direito Hereditário pois não existiu herdeiro, pois o natimorto não foi pessoa, e por isso a herança passa diretamente do “de cujus” para os herdeiros.
Mas, com relação aos concebidos “post mortem” não há unanimidade na Doutrina. Na opinião se Sílvio Venosa [9]para a sucessão, continuam sendo herdeiros apenas aqueles vivos ou concebidos quando da morte do “de cujus”. E o mesmo doutrinador afirma enfaticamente que: “os filhos concebidos ‘post mortem’, sob qualquer técnica, não serão herdeiros”.[10]É bem verdade que este mesmo autor comenta que o Código Civil de 2002 abre uma exceção :
“Permitindo que unicamente na sucessão testamentária possam ser chamados a suceder o filho esperado de pessoa indicada, mas não concebido, aguardando-se até dois anos sua concepção e nascimento, após a abertura da sucessão, com reserva de bens da herança”.[11]
Opinião aparentemente contrária tem Maria Helena Dinis que contempla por um prisma bastante interessante esta questão. A referida autora observa:
“Se, por ocasião do óbito do autor da herança, já existia embrião crioconservado, gerado com material germinativo do ‘de cujus’, terá capacidade sucessória, se, implantado num útero, vier a nascer com vida e, por meio de ação de petição da herança, que prescreve em dez anos após a sua maioridade, poderá pleitear sua parte no acervo hereditário”.[12]
Voltando um pouco para a Legislação, mais precisamente no Art. 1798 do Código Civil de 2002, o exegeta deparar-se-á com uma verdadeira ‘espada de dois gumes’. O citado artigo reza que: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Ora, se o intérprete entender que a expressão “já concebidas” abrange os embriões crioconservados, como defende parte da doutrina, estes poderiam, no seu ponto de vista, vir a suceder. Caso o intérprete entenda que esta expressão em destaque tenha alcance apenas para os embriões já presentes no ventre materno no momento do passamento do “de cujus”, como parece ser o entendimento majoritário da Doutrina, os embriões crioconservados, desta feita, ficariam de fora da sucessão. Diga-se de passagem que o segundo ponto de vista aqui apresentado, aponta para um desenrolar de fatos muito menos complexos do que o primeiro. Ora se pelo princípio da Saisine têm os herdeiroe o direito de entrar na posse dos bens que constituem a herança, quer diretamente como os plenamente capazes, quer representados ou assistidos como os que ainda não alcançaram plena capacidade, dificultosa seria a forma de estendimento deste direito aos embriões crioconservados.
Ainda sobre este tema, deve-se destacar a Jornada de Direito Civil que foi realizada no Superior Tribunal de Justiça em Junho de 2002, onde foi aprovada uma proposição que trouxe orientação para que quando o intérprete se deparar com o inciso III do artigo 1597 do Código Civil de 2002 (que presume como concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido ), interprete no sentido de ser obrigatório, para que se presuma a paternidade do “de cujus”,
“Que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja ainda na condição de viúva, devendo haver ainda autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”.[13]
Concluindo, tudo leva a crer que está se formando um consenso no sentido de só se denegar direitos sucessórios aqueles já com formação intra-uterina. Contudo deve-se afirmar que as futuras legislações devem ser mais detalhadas e precisas, desobstruindo as inúmeras obscuridades que ainda cercam o tema em questão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
“Diz um velho ditado que ‘mudam-se os tempos, mudam-se as vontades’. Em princípio, isto é verdade. Cada época traz ao homem as suas exigências. Cada nova geração traz à vida algo próprio, pois de contrário não haverá avanço na sociedade”.[14]
Neste ínterim a sociedade se depara com uma avalanche de novas descobertas. O que era impensável no passado torna-se parte do cotidiano das pessoas nos dias atuais. Os conceitos inéditos que surgem, somados aos já existentes aumentam consideravelmente a complexidade da Sociedade e das relações entre as pessoas.
Diante disto, as ciências sociais precisam ampliar suas fronteiras. Recentes desafios surgem e precisam ser vencidos. Novos obstáculos se levantam e necessitam ser ultrapassados. E como o Direito é sem dúvida uma das mais importantes ciências sociais (ou talvez quem sabe a mais importante) e como também não existe Sociedade sem o Direito, faz-se necessário uma maior interação deste com ‘os novos tempos’ e com ‘as novas vontades’.
Não restam dúvidas que o ordenamento jurídico precisa de atualização constante. Novas Leis, com maior sintonia com os ‘novos tempos’, mais precisas e detalhadas, precisam surgir. Contudo não só a técnica jurídica na formação das Leis deve ser levada em conta, mas principalmente que estas Leis expressem os anseios da Sociedade e resguardem princípios e valores históricos, relacionados à ética e a moral.
Licenciado em Ciências com habilitação em Biologia pela UPE; Bacharel em Teologia e Licenciado em Educação Religiosa pela FATEFI; Acadêmico em Direito pela Faculdade de Timbaúba
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