Gestão de resíduos sólidos nas cidades e o modelo cooperativista: Estudo de caso da Cooperativa de Reciclagem Boa Esperança de Salto – CORBES

Resumo: O volume de lixo gerado e sua disposição é um dos problemas que as cidades enfrentam. Aterros lotados e a inexistência de locais para a deposição do lixo acabam exigindo que o depósito seja feito em áreas inadequadas ou extrapolando os limites que regulam a vida dos aterros. A coleta seletiva e a reciclagem mostram-se como uma das principais alternativas na gestão de resíduos sólidos, trazendo indiscutíveis vantagens do ponto de vista econômico e ambiental à sociedade. A prática da coleta seletiva está intrinsecamente ligada à preservação do meio ambiente, provocando mudanças nos hábitos da população e ao mesmo tempo alavancando o desenvolvimento de novas tecnologias ecologicamente saudáveis.


Palavras-chaves: meio ambiente; lixo; coleta seletiva; reciclagem; cooperativismo.


Abstract: The volume of garbage generated and its disposition it is one of problems that media and big cities have. Full landifills and the lack of sites for the disposal of garbage require that the deposit is made in areas unsuitable or beyond the limits that govern landfill’s life. The selective collection and recycling shows itself as a major alternative in management of solid wastes, bringing positive economic and environmental benefits to society. The practice of selective collection is intrinsically linked to environmental preservation, causing changes in population’s habits while leveraging  the development of new healthy ecologically technologies.


Key words: environment; garbage; selective collection; recycling; cooperativism.


Sumário: 1. Introdução. 2. Lixo e resíduo;. 3. Coleta seletiva e reciclagem. 4. Os catadores. 5. O município da estância turística de salto. 6. Estudo de caso. 7. Considerações finais

1. INTRODUÇÃO


Em algum momento, todas as coisas vivas vêem a morrer. Em termos ecológicos, os compostos químicos das quais as coisas vivas são feitas são emprestados da Terra, e, ao final, serão devolvidos. Todos os materiais que cada animal, desde o menor até o maior, ingere como alimento também retornará à Terra, na forma de resíduo.[1]


No início da vida humana no planeta, os primeiros grupos eram nômades, habitando em cavernas, sobrevivendo da caça e da pesca, vestindo-se com peles de animais e formando uma população minoritária sobre a Terra. Quando o alimento começava a ficar escasso os grupos mudavam-se para outra região, deixando seus resíduos sobre o meio ambiente, que logo eram decompostos pela ação do tempo.[2]


À medida em que foi civilizando-se a humanidade passou a produzir utensílios e ferramentas para seu próprio conforto, tais quais vasilhames de cerâmica, instrumentos para plantio e vestimentas. Iniciou também o hábito da construção de moradias, criação de animais e cultivo de alimentos, que possibilitaram a fixação de forma permanente em um lugar. Consequentemente a produção e acúmulo de resíduos foram aumentando.[3]


Naturalmente esse desenvolvimento ocorreu de forma acentuada ao longo de um grande período de tempo. Devido às facilidades alcançadas, a população humana foi aumentando e, com o advento da Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII, que possibilitou um salto na produção em série de bens de consumo, a problemática da geração e descarte dos resíduos teve um grande impulso. No entanto, tal fato não causou qualquer preocupação: o que estava em alta na época era o desenvolvimento, e não as suas conseqüências.[4] Impulsionado pela Revolução Industrial, o fenômeno das urbanizações intensificaram ainda mais a geração e acúmulo de resíduos. [5]


Foi somente a partir da segunda metade do século XX que a humanidade começou a se preocupar com o ambiente em que vive, mas não por acaso. Acontecimentos como buraco na camada de ozônio, contaminações pelo uso abusivo de pesticidas, desertificações, degradação das águas, solo e ar e as mudanças climáticas despertaram a população mundial sobre os acontecimentos ocorridos no ambiente em que vivemos. [6]


Dentro disso, a questão da geração e acúmulo de resíduos vem sendo apontada com grande urgência. O lixo mostra-se também como um indicador de desenvolvimento de uma nação: quanto mais vigorosa for a economia, maior volume de resíduos o país irá produzir. O volume de lixo gerado é um apontador de crescimento do país, que indica que a população está consumindo mais. [7]


E justamente com o aumento do consumo outro grande problema referente à destinação dos resíduos aparece: a mudança no perfil do lixo. Até a metade do século passado a composição do lixo doméstico era predominantemente de matéria orgânica. Com o avanço da tecnologia, materiais como plásticos, isopores, pilhas, baterias e lâmpadas são itens cada vez mais presentes na coleta. [8]


O lixo atinge de maneira direta e indireta valores relacionados com saúde, habitação, lazer, segurança, direito ao trabalho e diversos outros componentes de uma vida saudável e com qualidade. Além de agredir o meio ambiente urbano, o lixo é um fenômeno que atinge também o meio ambiente natural, contaminando o solo, a água e o ar. Agride também o meio cultural, desconfigurando valores estáticos do espaço. [9]


Um dos maiores problemas com o lixo é que a grande parte das pessoas acredita que basta jogá-lo na lata e o problema da sujeira estará resolvido. O que ocorre, no entanto, é o oposto: o problema começa aí. [10]


Aterros lotados e a inexistência de locais adequados para a deposição do lixo gerado nas zonas urbanas acabam exigindo que o depósito seja feito em áreas inadequadas ou extrapolando os limites que regulam a vida dos aterros. [11]


Nosso sistema econômico é linear: extrai, produz, consome e descarta. A natureza, no entanto, é circular. Nossa economia é degenerativa. A natureza é regenerativa. Acreditamos em um crescimento exponencial, infinito. Mas o planeta é finito! Enquanto não incorporarmos essas características, continuaremos caminhando para o precipício. [12]


Sabe-se que a coleta seletiva e a reciclagem do lixo urbano mostram-se como uma das principais alternativas na gestão de resíduos sólidos, trazendo indiscutíveis vantagens do ponto de vista econômico e ambiental à sociedade.


Assim, o objetivo desse trabalho é analisar o projeto de formação de uma cooperativa de catadores de material reciclável no Município de Salto, interior de São Paulo, procurando mostrar os principais benefícios trazidos para os catadores, a população e o meio ambiente municipal com a implantação do programa.


Todos os dados referentes à Cooperativa foram cedidos pela Prefeitura Municipal da Estância Turística de Salto, principal mantenedora do projeto, e pela própria Cooperativa de Reciclagem Boa Esperança de Salto – CORBES.


2. LIXO E RESÍDUO


Os termos lixo e resíduo tendem a ter o mesmo significado. Genericamente pode-se afirmar que constituem toda substância resultante da não interação entre o meio e aqueles que o habitam. Mais simplificadamente é o resto, a sobra não reaproveitada pelo sistema, oriunda de uma desarmonia ecológica. [13]


Do ponto de vista econômico, pode-se dizer que o lixo é todo o resto sem valor, enquanto que o resíduo é meramente o resto. Contudo, juridicamente os institutos não são tratados dessa mesma maneira.


A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente em seu artigo 3º conceitua o poluente como toda e qualquer forma de matéria ou energia que, direta ou indiretamente, causa poluição ao meio ambiente. Entram aqui substâncias sólidas, líquidas, gasosas ou em qualquer estado da matéria que geram poluição. [14]


Já como resíduo sólido pode ser entendido todos os resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades da comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços, de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis, em face da melhor tecnologia disponível.[15]


Assim, o lixo urbano possui a natureza jurídica de poluente, de acordo com o art. 3º, III da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, segundo o qual a poluição existe quando há degradação da qualidade ambiental resultante das atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criem condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetem desfavoravelmente a biota, afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente ou lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. [16]


Vimos que o volume de resíduos sólidos está crescendo com o incremento do consumo e com uma maior venda de produtos variados. Ainda, a toxidade dos resíduos sólidos está aumentando, com um maior uso de produtos químicos, pesticidas e com o advento da energia atômica. [17] Seus problemas encontram-se em fase de ampliação pelo crescimento da concentração das populações urbanas e pela diminuição ou encarecimento das áreas destinadas a aterros sanitários.[18]


3. COLETA SELETIVA E RECICLAGEM


A coleta seletiva e a reciclagem do lixo têm um papel muito importante para o meio ambiente, pois por meio delas recuperam-se matérias primas que de outro modo seria retiradas da natureza. A ameaça da exaustão dos recursos naturais não renováveis aumenta, ainda mais, a necessidade do reaproveitamento dos materiais recicláveis, separados na coleta seletiva do lixo. [19]


A coleta seletiva pode ser entendida como um sistema de recolhimento de materiais recicláveis, tais quais, papéis, plásticos, vidros, metais e orgânicos, previamente separados e que pode ser reutilizados ou reciclados. [20]


A coleta seletiva funciona também como um instrumento de educação ambiental na medida em que sensibiliza a comunidade sobre os problemas causados pelo desperdício dos recursos naturais e da poluição causada pelo lixo. [21]


Já a reciclagem em si refere-se ao processo de transformação de um material, cuja primeira utilidade já terminou, em outro produto. Dessa maneira, a reciclagem gera uma economia de matérias-primas, água e energia, sendo menos poluente e aliviando os aterros sanitários, cuja vida útil é aumentada, poupando espaços dos municípios para outras finalidades. [22]


Assim, reciclável é todo material que pode ser transformado em um outro material novo. Já reciclado indica que o material já foi transformado. Algumas vezes um material que já foi reciclado pode passar novamente por um processo de reciclagem. Contudo, certos materiais, embora recicláveis, não são aproveitados devido ao custo do processo ou à falta de mercado para o produto resultante. [23]


Portanto, o ato de reciclar consiste em transformar materiais já usados em outros novos, por meio de um processo que pode ser industrial ou artesanal. Para que haja a reciclagem é necessário, contudo, que se faça anteriormente uma separação dos resíduos. A separação pode ser feita em casa mesmo, na escola ou na empresa. Contudo, é importante ressaltar que a separação dos materiais de nada adianta se eles não forem coletados separadamente e encaminhados para a reciclagem. [24]


A coleta seletiva contribui para a melhoria do meio ambiente, na medida em que diminui a exploração dos recursos naturais, reduz o consumo de energia, diminui a poluição do solo, da água e do ar, prolonga a vida útil dos aterros sanitários, possibilita a reciclagem de materiais que iriam para o lixo, diminui os custos da produção com o aproveitamento de recicláveis pelas indústrias, diminui o desperdício, diminui os gastos com a limpeza urbana, cria oportunidades de fortalecer organizações comunitárias e gera emprego e renda pela comercialização dos recicláveis. [25]


4. OS CATADORES


Vítimas da exclusão social e da pobreza, diversas pessoas têm como única fonte de sobrevivência o lixo das grandes e médias cidades. A figura do catador de lixo, de uma maneira geral, é vista pela sociedade com certa distância. [26]


Existem praticamente dois tipos de catadores: aqueles que recolhem os rejeitos diretamente nas ruas ou dos usuários e aqueles que fazem nos lixões, em ambos os casos visando à comercialização dos resíduos recicláveis. [27]


Sabe-se que a reciclagem do lixo urbano traz indiscutíveis vantagens do ponto de vista econômico e ambiental à sociedade. Contudo, em relação aos catadores, além do preconceito e da exclusão social, existe também uma enorme precariedade nas relações de trabalho desses profissionais. [28]


Estima-se que no Brasil existam aproximadamente de 500 mil a 1 milhão de pessoas que vivem da coleta de lixo reciclável e sua venda, sendo que dois terços desses trabalhadores estão localizados dentro do Estado de São Paulo.[29]


Os catadores percorrem uma média de vinte quilômetros por dia, puxando carrinhos que chegam a transportar mais de 200 quilos de material reciclável, numa jornada cotidiana que chega a ultrapassar doze horas, com um ganho diário de R$ 2 a R$ 5.[30]


A maioria dos trabalhadores são analfabetos ou com baixa escolaridade, com idades variando entre 30 e 60 anos, na maioria dos casos. Aliás, a baixa escolaridade e a idade são frequentemente apontadas pelos catadores como fatores da exclusão do mercado formal. [31]


Outra característica comum entre os catadores é a ausência da efetividade dos direitos trabalhistas, o que implica uma total falta de proteção quando ocorrem problemas de saúde ou acidentes de trabalho. [32]


Ainda, devido ao trato direto com o lixo, a carga física e as longas jornadas de trabalho, as doenças mais comuns associadas à atividade são as dores corporais, os problemas osteoarticulares e a hipertensão. [33]


No Brasil é impensável falar em reciclagem sem citar os catadores. Dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis apontam que, no final de 2006, haviam 450 cooperativas formalizadas, com aproximadamente 35 mil catadores em seus cadastros. [34]


A população brasileira gera diariamente em torno de 126 mil toneladas de lixo de consumo, excluindo-se aqui dejetos industriais e empresariais. Não fosse o trabalho dos catadores, todo esse volume de material acabaria destinado integralmente aos aterros sanitários e lixões espalhados pelo país. [35]


Somente no município de São Paulo, cerca de duzentos mil catadores desviam dos lixões aproximadamente oito mil quilos de materiais diariamente, segundo dados de 2007. [36]


Contudo, como se viu anteriormente, a profissão do catador não é tão apreciada quanto o papel social e ambiental que esses exercem. É muito comum que sejam confundidos com mendigos ou marginais e, ainda, alguns municípios têm proibido as carroças de circular por vias e estacionar em locais públicos. [37]


Também é comum que os intermediários entre os catadores e os compradores de material reciclável aproveitem-se da frágil estrutura organizacional dos trabalhadores, ficando, em alguns casos, com cerca de 75% do faturamento gerado pela reciclagem. [38]


Como na maioria dos casos não se trata de escolha e sim de luta pela sobrevivência, aqueles que não conseguem empregos melhores acabam virando catadores, sujeitando-se a essa desvalorização. Apesar da insalubridade, do desprestígio social e da baixa remuneração, o dinheiro para atender as necessidades vem num curto espaço de tempo. [39]


Por esses motivos acima indicados é que se proliferam no país as cooperativas de catadores de materiais reciclados. Organizados, os catadores têm obtido resultados expressivos no sentido de melhorar suas condições de trabalho e remuneração. Ainda, contribuem para um ambiente mais limpo e o desafogamento dos aterros e lixões. [40]


5. O MUNICÍPIO DA ESTÂNCIA TURÍSTICA DE SALTO


Salto é um município brasileiro do Estado de São Paulo, localizado a cerca de 100 km da capital paulista. Possui uma área de 134,67 km², sendo os principais cursos d’água que cortam o município os rios Tietê e Jundiaí.


Integrante da Mesorregião Macro Metropolitana Paulista, e da Microrregião de Sorocaba, os municípios limítrofes são Indaiatuba, Itu e Elias Fausto. A cidade está localizada no eixo Sorocaba-Campinas, distando 35 km de cada uma, distando também 36 km de Jundiaí/SP e 70 km de Piracicaba/SP.


Sua população é de aproximadamente 106.000 habitantes (2005), com uma população economicamente ativa na ordem de 46.000 (2005). A densidade demográfica é em torno de 771 hab/km². O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Salto é de 0,809 (2000), o que coloca a cidade na 112ª colocação no ranking dos municípios brasileiros. [41]


Salto é uma das vinte e nove cidades paulistas consideradas Estâncias Turísticas pelo Estado de São Paulo, o que lhe garante uma maior verba por parte do Governo do Estado para a promoção do turismo regional.


Seus principais pontos turísticos são a Cachoeira do Rio Tietê, a Ponte Pênsil, a Concha Acústica, o Parque das Lavras, o Monumento à Padroeira, o Parque do Lago e o Parque da Rocha Moutonnée.


Dados apontam que havia no município, até 2001, mais de oitenta catadores de lixo que reviravam latões e contêineres à procura de produtos recicláveis misturados ao lixo orgânico, o que dificultava enormemente o trabalho.[42] A renda obtida era muito baixa, uma vez que a venda dos materiais era feita para intermediários e o trabalho muitas vezes realizado em condições subumanas.


6. ESTUDO DE CASO


O projeto de incubação e formação de uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis teve início no ano de 2001 envolvendo três parceiros: Prefeitura Municipal da Estância Turística de Salto, provendo metade do sustento da cooperativa, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE. Deu-se a cooperativa o nome de Cooperativa de Reciclagem Boa Esperança de Salto, que passou a ser conhecida municipalmente pela sigla de CORBES.


Os objetivos do projeto dividiam-se em quatro pilares específicos: social, que visava permitir a inclusão social dos catadores de rua no processo de gestão dos resíduos sólidos do município; econômico, visando geração de emprego e renda; ambiental, buscando pelo aumento da vida útil do aterro sanitário e melhoria da qualidade de vida e; cultural, com a introdução de novos hábitos de combate ao desperdício e uma maior conscientização da população referente à importância da reciclagem.


Assim, as metas incluíam uma diminuição do estado de pobreza no município por meio da criação de postos de trabalho e geração de renda, um desenvolvimento social, por meio de treinamentos e oportunidades de cooperativismo entre os participantes, e a implementação de um modelo de gestão ambiental objetivando uma redução nos níveis de poluição, um tratamento adequado dos resíduos e a conscientização dos consumidores.


As etapas de implementação do projeto envolveram a estruturação de um núcleo operacional, a identificação e organização dos catadores por meio de cadastros, o fomento visando a criação de uma cooperativa de reciclagem composta por catadores, a implementação de uma Central de Triagem e comercialização de materiais recicláveis, o despertar de novos hábitos e rotinas nos moradores com relação à destinação dos resíduos, a formação de um grupo gestor, a elaboração e desenvolvimento de um programa de Educação Ambiental, o desenvolvimento de um programa de capacitação para os catadores e a implementação, monitoramento e ajustes ao programa de coleta seletiva.


Como visto, anteriormente à implementação do projeto havia no município mais de oitenta catadores de lixo que reviravam latões e contêineres à procura de produtos recicláveis misturados ao lixo orgânico, o que dificultava enormemente o trabalho. A renda obtida era muito baixa, uma vez que a venda dos materiais eram feitas para intermediários e o trabalho muitas vezes era realizado em condições subumanas.


Com a finalidade de propiciar uma maior sustentabilidade ao projeto, diversos setores da sociedade civil envolveram-se na elaboração e implementação do mesmo, envolvendo empresas, instituições e o Poder Público. 


Com o efetivo funcionamento do programa, quarenta novos postos de trabalho foram criados, com uma renda média entre um e dois salários mínimos mensais. Além disso, um amplo trabalho de educação ambiental foi implantado por meio de panfletagem porta a porta, entrevistas em rádios locais, divulgação em jornais e revistas, palestras em escolas, condomínios, entidades e pastorais com a finalidade de sensibilizar a população, que aderiu de forma satisfatória à proposta.


Os principais problemas encontrados na implementação do projeto referem-se a desconfiança dos catadores quanto ao modelo proposto, a falta de recursos, a questão cultural da população, que não tinha o hábito de separar os resíduos, a superação do modelo assistencialista às vezes adotado pelas políticas públicas, o estigma da catação de lixo como atividade marginalizada, a falta de uma identidade profissional, a baixa auto estima e escolaridade dos catadores, os elevados índices de alcoolismo, a disputa do mercado do lixo com empreiteiras, a ausência de disciplina para o trabalho formal, a falta de documentação pessoal e a alta rotatividade de pessoal.


Diante disso buscou-se por novos parceiros para apoio financeiro e técnico para o projeto e pela troca de experiências com outras cooperativas, o que possibilitou um amplo processo de capacitação para os catadores, a regularização da documentação dos participantes, a inclusão em programas de alfabetização, saúde mental, recuperação de drogadictos e terapia em grupo.


Tais ações proporcionaram a acentuação dos valores difundidos pelo cooperativismo, uma distribuição de renda e agregação de valor ao trabalho, uma sensibilização da população para a reciclagem, e a validação do papel do catador como agente ambiental, primeiro elo da cadeia produtiva da reciclagem.


No entanto, alguns problemas ainda não foram totalmente erradicados como a alta taxa rotatividade de pessoal (30%) e de alcoolismo (25%).


Importante ressaltar a participação da população, das comunidades das organizações e das instituições no projeto. O grupo gestor, formado por representantes do Poder Público, do Ministério Público, da Câmara Municipal dos Vereadores, empresários, recicladores e Organizações Não-Governamentais definiu o modelo de coleta a ser adotado, realizaram uma análise do cenário do município, acompanharam e avaliaram as atividades e buscaram por aporte de recursos técnicos, financeiros e humanos.


Os catadores contribuíram com a sua experiência e prática na organização dos trabalhos, enquanto a população participou ativamente na separação dos materiais.


Ainda, por se tratar de uma prática inserida na filosofia cooperativista, cuidou-se para que a questão do gênero fosse contemplada, garantindo as mesmas oportunidades para homens e mulheres, assegurando a cidadania plena.


O projeto da criação de uma cooperativa de catadores continua em vigor no município, e os benefícios trazidos pela implementação do projeto são sentidos em diversas áreas, de acordo com os pilares objetivados.


Na área social e econômica, podemos citar a criação de novos postos de trabalho, a inclusão social dos catadores na gestão de resíduos, a o resgate da cidadania e da auto-estima dos trabalhadores, a redução do trabalho informal, a qualificação da mão de obra e a conseqüente valorização profissional, por meio da educação continuada.


Na área ambiental, podemos citar a coleta de 80 toneladas por mês de material reciclável, uma sobrevida do aterro sanitário do município em mais de três anos, a introdução de novos hábitos de combate ao desperdício e a minimização de resíduos, a economia dos recursos naturais e a implementação de um programa de educação ambiental. Ainda, no campo cultural podemos acrescentar a conscientização da população, que participa ativamente na separação do material.


Desde a concepção do projeto até o ano de 2008, constata-se que a CORBES já coletou aproximadamente três milhões e meio quilos de material reciclável, permitindo uma sobrevida do aterro sanitário de aproximadamente três anos, com um faturamento geral em torno de R$ 800.000,00, tendo uma taxa de rejeito que varia de 4 a 8%. Tais dados foram obtidos através de registros diários da coleta e venda dos materiais.


O município está mais limpo, havendo uma diminuição no volume de lixo reciclável que antes, eventualmente, tinha como seu destino final os rios Tietê e Jundiaí, pelas mãos da própria população.


Essa mesma população, que anteriormente despejava os recicláveis nos cursos d’água, está mais consciente da importância da separação dos resíduos domésticos, contribuindo assim para a preservação do meio ambiente. Ainda, foram firmadas parcerias entre a cooperativa e grandes geradores de resíduos sólidos no município, como empresas, rede de supermercados entre outros.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Vimos que a incubação da cooperativa por parte do Poder Público Municipal representa uma alternativa para a realização do serviço da coleta seletiva e reforça as políticas estaduais e nacionais de inclusão dos catadores na gestão dos resíduos.


O envolvimento da sociedade civil e as parcerias garantiram a sustentabilidade do projeto, com transparência e racionalização dos recursos e priorização das demandas sociais.


Ainda, o cooperativismo promove a democratização da gestão dos resíduos sólidos, além do crescimento pessoal e profissional dos agentes envolvidos.


O trabalho de sensibilização provocou o engajamento de homens e mulheres na sociedade e na estrutura organizacional da cooperativa, despertando posturas mais conscientes quanto à preservação do meio ambiente, consumo e destinação dos resíduos.


A prática da coleta seletiva está intrinsecamente ligada à preservação dos recursos naturais e do meio ambiente, provocando mudanças nos hábitos da população e ao mesmo tempo alavancando o desenvolvimento de novas tecnologias ecologicamente saudáveis.


Pelo fato da iniciativa tratar com público alvo com limitações e uma trajetória de exclusão, o desafio de construir um espaço de trabalho democrático deve necessariamente contar com o apoio do Poder Público municipal para que possa se desenvolver. Isso vale não somente para as questões relativas à gestão, mas também os aspectos financeiros, uma vez que os custos para operar a coleta seletiva são elevados e a simples venda dos materiais não é suficiente para manter uma cooperativa em fase inicial. Ainda, a coleta e a destinação dos resíduos são de obrigação do Poder Público.


A própria filosofia cooperativista defende os princípios da igualdade entre os gêneros, respeito à diversidade cultural, étnica, religiosa e política, distribuição de renda eqüitativa, proporcionando a inclusão social dessas pessoas, antes marginalizadas, aquecendo a economia e dinamizando todo o mercado produtivo.


Com o desenvolvimento da tecnologia, empregando cada vez menos mão de obra, exigindo maior qualificação profissional, faz-se necessário que se desenvolvam novas práticas que possibilitem a empregabilidade de parcelas significativas da população que não preenchem os requisitos do mercado.


Ainda, o modelo cooperativista, por estar centrado no processo de educação continuada, proporciona a mobilidade social interna e também cria a possibilidade de recolocação das pessoas.


Finalizando, o processo de educação continuada possibilita aos cooperados um enriquecimento cultural e uma qualificação profissional para a gestão dos negócio. As trocas de experiências com outras instituições e cooperativas enriquecem os participantes e mostram-se fundamentais para a motivação e desenvolvimento da prática.


 


Referências bibliográficas

CATADORES de lixo. Scielo Notícias. Pesquisa FAPESP. Sociedade. Nº. 133. Mar. 2007. Disponível em: < http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3789&bd=2&pg=1&lg= >. Acesso em: 10 jan. 2009.

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GIRARDI, Giovana. Atual matriz de produção pode levar a colapso. O Estado de São Paulo, 04 set. 2008, Especial Vida & Meio Ambiente. p. H8.

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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 1126 p.

MEDAUAR, Odete. Coletânea de Legislação de Direito Ambiental. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 1184 p.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a Gestão Ambiental em Foco. 5ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 1280 p.

PERFIL Estrutural. Prefeitura da Estância Turística de Salto. Disponível em: < http://www.salto.sp.gov.br/perfil_estrutural.html >. Acesso em: 10 jan. 2009.

POLLOCK, Steve. Ecology. 2 ed. New York: Dorling Kindersley Limited, 2005. 72 p.

PORTUGAL, Gil. O Catador. GPCA Ambiental. Volta Redonda: 1995. Disponível em: < http://www.gpca.com.br/gil/art127.htm > Acesso em: 10 jan. 2009.

SÃO PAULO. Secretaria do Meio Ambiente. Coleta Seletiva: na Escola, no Condomínio, na Empresa, na Comunidade, no Município. São Paulo. Disponível em: < http://www.lixo.com.br/documentos/coleta%20seletiva%20como%20fazer.pdf >. Acesso em: 23 jan. 2009.

 

Notas:

[1] POLLOCK, Steve. Ecology, 2005. P. 14.

[2] História do Lixo: Linhas Gerais. Veja. 17 mar. 1999.

[3] Idem.

[4] Idem.

[5] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 2008. P. 210.

[6] História do Lixo: Linhas Gerais. Veja. 17 mar. 1999.

[7] Idem.

[8] Idem.

[9] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 2008. P. 210.

[10] História do Lixo: Linhas Gerais. Veja. 17 mar. 1999.

[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 2008. P. 210.

[12] GIRARDI, Giovana. Atual matriz de produção pode levar a colapso. O Estado de São Paulo, 04 set. 2008, Especial Vida & Meio Ambiente. P. H8.

[13] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 2008. P. 208.

[14] Idem.

[15] Idem.

[16] Idem. P. 211.

[17] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 2008. P. 562.

[18] O aterro sanitário pode ser definido como um método de disposição de refugo na terra, sem criar prejuízos ou ameaças à saúde e segurança pública, pela utilização de princípios de engenharia que confinam o refugo ao menos volume possível, cobrindo-o com uma camada de terra na conclusão de cada dia de operação, ou mais frequentemente, de acordo com o necessário. Os resíduos são espalhados em camadas finas e compactados até o volume praticável. Assim, os aterros sanitários são locais especialmente criados para receber o lixo e projetados de forma a que seja reduzido o perigo para a saúde pública e para a segurança. A vida útil de um aterro sanitário varia entre três e cinco anos, uma vez que o local deve ser periodicamente recoberto por terra (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 2008. P. 564-565. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: a Gestão Ambiental em Foco, 2007. P. 1224. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 2008. P. 217).

[19] SÃO PAULO. Secretaria do Meio Ambiente. Coleta Seletiva: na Escola, no Condomínio, na Empresa, na Comunidade, no Município.

[20] Idem.

[21] Idem.

[22] Idem.

[23] Idem.

[24] Idem.

[25] Idem.

[26] PORTUGAL, Gil. O Catador. GPCA Ambiental. 1995.

[27] Idem.

[28] CATADORES de lixo. Scielo Notícias. Pesquisa FAPESP. Sociedade. Nº. 133. Mar. 2007

[29] Idem.

[30] Idem.

[31] Idem.

[32] Idem.

[33] Idem.

[34] Idem.

[35] Idem.

[36] Idem.

[37] Idem.

[38] Idem.

[39] Idem.

[40] Idem.

[41] PERFIL Estrutural. Prefeitura da Estância Turística de Salto.

[42] Dados obtidos junto à Prefeitura da Estância Turística de Salto.


Informações Sobre o Autor

Taisa Cristina Sibinelli de Oliveira

Advogada. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba. Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba.


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