Gestão tributária municipal como desenlace à crise

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Autora: Mirela Reis Caldas

Resumo: O presente artigo objetivou discorrer sobre a gestão tributária municipal como meio para diminuir prováveis impactos devido à pandemia de Coronavírus, tendo-se como base o Direito Tributário. Inicialmente, analisa-se a possibilidade de instituição de um tribunal administrativo tributário municipal; a arbitragem tributária, inclusive o Projeto de Lei n° 4257/2019; a gestão compartilhada de tributos e informações e a atualização da base de cálculo do IPTU pelo sistema de georreferenciamento. Posteriormente, examina-se a visão do pagamento de tributos, objetivando ampliar o pensamento crítico, para que a boa-fé seja presumida. A partir disso, ao longo do artigo são trazidos conceitos e discussões sobre como melhorar a gestão municipal, não apenas para melhorar a arrecadação, mas também a estrutura administrativa e processual municipal.

Palavras-chave: Gestão tributária municipal. Direito Tributário. Impactos econômicos. Coronavírus.

 

Abstract: This article aimed to discuss municipal tax management as a means to reduce probable impacts caused by the Coronavirus pandemic, based on Tax Law. At first, it is
analyze the possibility of establishing a municipal tax administrative court is analyzed; tax arbitration, including Bill No. 4257/2019; the shared management of taxes and information and the updating of the IPTU calculation base by the georeferencing system. Subsequently, the view of paying taxes is examined, aiming to expand critical thinking, so that good faith is assumed. Based on this, concepts and discussions on how to improve municipal management are brought throughout the article, not only to improve tax collection, but also the municipal administrative and procedural structure.

Keywords: Municipal tax management. Tax law. Economic impacts. Coronavirus.

 

Sumário: Introdução. I. Abordagem teórica. I.I. Do tribunal administrativo. I.II. Da arbitragem tributária. II.III. Da gestão compartilhada. I.IV. Da atualização da base de cálculo do IPTU. I.V. Da mudança de visão. Conclusão. Referências

 

Introdução

Na busca por um novo Estado, Getúlio Vargas buscou um aparelho estatal mais eficiente, implantando uma maior racionalidade na Administração Pública com a simplificação, padronização e compra racional de materiais, revisão da estrutura e aplicação de métodos e procedimentos. Junto com demais reformas de 1930, iniciamos o modelo burocrático weberiano no Brasil, supostamente a “melhor maneira” para aumentar a eficiência, eliminar o nepotismo e reduzir a corrupção (BRESSER-PEREIRA, 2009).

Possivelmente, experimentamos, no Estado brasileiro, muito mais as disfunções da burocracia do que a burocracia em si. Surge, então, posteriormente, o modelo gerencial, preenchendo um vácuo teórico e prático (ABRUCIO, 1997).

A Administração Pública tradicional tem sido desacreditada teórica e praticamente, por isso a adoção de novas formas de gestão pública significou a surgimento de um novo paradigma no setor público (HUGHES, 2003).

O gerencialismo (managerialism ou public management) apresenta a Nova Gestão Pública (New Public Management) através de reformas na estrutura do Estado, ocorrendo em países como Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido, há um contraponto a Administração Pública Burocrática.

Nesse sentido, podemos diferenciar Administração Pública e gerenciamento público.   O primeiro se refere à forma de administração organizada em níveis hierárquicos (top down), representado pelo formalismo, cumprimento de procedimentos e massificação nos serviços; preocupa-se com o processo, conhecido popularmente como “burocracia”. O segundo, à visão gerencial da Administração Pública, envolvendo o compartilhamento de competências (botton up), metas e serviços customizados, entre outros; preocupa-se como resultado.

Destarte, sem pretensão senão a de introduzir o tema, o gerenciamento tributário será analisado como mecanismo de organização da Administração tributária municipal em meio à pandemia.

Nessa linha, a gestão tributária considera todo o ambiente, isto é, a ecologia tributária, que envolve as atividades de fiscalização, arrecadação, restituição e atendimento tributários. Como fator externo (exógeno), a Covid-19 influencia fatores internos (endógenos).

Como é incerta consequência da pandemia na economia, seja a nível mundial ou nacional, pensar racionalmente a gestão do Estado parece um caminho.

Evitam-se casos como o de um Município de Santa Catariana em 2018, em que o ente moveu execução fiscal contra si por uma dívida de IPTU, mas não conseguiu localizar o devedor (o próprio município) nem seus bens[1].

O Município não localizado certamente carece de gerência tributária, pois até a fase de execução fiscal, há um trâmite constituído pelo lançamento, inscrição do devedor em dívida ativa etc. e, ainda assim, houve o ajuizamento e localização “ineficaz” de bens do devedor.

Posto isso, a gestão tributária em âmbito municipal, por representar o ente com menor extensão territorial, nos permite analisar de forma quase microscópica seus efeitos.

 

I. Abordagem teórica

Existem vários modelos para medir a eficiência e eficácia da Administração Tributária. A finalidade da Ferramenta de Avaliação e Diagnóstico da Administração Tributária – TADAT[2] é fornecer um meio padronizado de avaliação da situação dos principais componentes do sistema da Administração. São avaliadas áreas de desempenho como o (i) pagamento de tributos dentro do prazo, incluindo o uso de meios eletrônicos e (ii) resolução eficiente de litígios tributários, incluindo o tempo para resolução, entre outras (TADAT, 2019).

Avaliar desempenhos, na linha da TADAT, permite uma maior visualização da tributação. Não apenas em termos de arrecadação se consiste uma gestão tributária eficaz, visto se tratar de um “administrar”, não especificadamente uma ação ou um “fazer”.

A gestão fiscal responsável encontra no planejamento o principal instrumento para que o gestor público possa cumprir metas e outras determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, Lei Complementar nº 101/2000 (PALUDO, 2013).

Em outras palavras, o planejamento é inerente para o cumprimento do objetivo de responsabilidade na gestão fiscal contemplado pela LRF, vejamos:

Art. 1° Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

  • A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

Assim, o planejamento consiste em um estudo prévio à concretização dos fatos administrativos. Com efeito, podem ser previstos riscos, apontadas medidas caso os riscos se concretizem e corrigidas as distorções, assegurando uma maior possibilidade de sucesso dos objetivos determinados.

Posto isso, o planejamento tributário é um dos instrumentos mais seguros que um ente dispõe para organizar a administração orçamentária. Dentre as medidas que poderiam ser utilizadas em nível municipal, destacamos: o tribunal administrativo, arbitragem tributária, gestão compartilhada e atualização da base de cálculo do IPTU.

 

I.I. Do tribunal administrativo

É de amplo conhecimento a grande quantidade de processos no Poder Judiciário desencadeando diversos problemas. A digitalização de processos físicos ainda é uma questão delicada nos processos tributários, várias varas não digitalizaram seus processos ou estão caminhando lentamente, precisando inclusive de servidores disponibilizados[3].

Retirar o excesso de peso no Judiciário passa a ser também uma questão a ser revolvida na gestão.

Ao instituir um tribunal administrativo municipal, em termos de contencioso administrativo municipal, esperam-se resultados e diligências a fim de evitar processos judiciais, posto que a discussão findou, em tese, com êxito na seara administrativa.

Nessa linha, o tribunal estaria voltado a apreciar e julgar a pleitos dos pagadores de tributos contra exigências lançadas pela respectiva Administração Tributária, com o objetivo de reduzir litígios tributários.

Temos como exemplo o Tribunal Administrativo de Recursos Tributários – TART instituído pelo Município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O TART é um órgão com competência para decidir administrativamente, em segunda instância, as questões de natureza tributária envolvendo o Município de Porto Alegre e os pagadores de tributos.

Em direção semelhante, o Distrito Federal – DF, ente que acumula as competências tributárias dos Estados e dos Municípios (ALEXANDRE, 2017), possui o tribunal conhecido como Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais – TARF, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal, responsável pela revisão em segunda e última instância administrativa de tributos do DF, além de reconhecimento de benefícios fiscais, regimes especiais e restituição de impostos (HABLE, 2014).

A realidade de Porto Alegre e do Distrito Federal não é a mesma dos demais Municípios, talvez a minoria reconheça a necessidade de um tribunal específico.

Como pontos positivos da instituição de um tribunal específico, podemos citar a celeridade processual, a economicidade, o conhecimento técnico, a possível não obrigatoriedade da presença de um advogado e, inclusive, a coisa julgada formal nas decisões contrárias à Administração, sem esquecer o disposto no art. 5º, XXXV, da CF, também chamado de cláusula do acesso à justiça (MESQUITA, 2013), a respeito da não afastabilidade do Poder Judiciário.

A instituição do tribunal administrativo-tributário, a nosso ver, pode representar significativamente a diminuição de demandas do Judiciário e, principalmente, a celeridade e eficácia da decisão, posto que pouco prospera assegurar o princípio do razoável tempo do processo sem a conformação ou aceitação da decisão pelo contribuinte (DIDIER JUNIOR, 2017).

Sobre esse tema, destacamos que a irresignação é intrínseca a quase todo ser humano. Os recursos elencados no rol taxativo no Código de Processo Civil apenas corroboram com a ideia apresentada, não nos cabendo fazer juízos de valor.

Com isso, surge a necessidade de julgamento de segunda instância administrativa a ser adotado, a saber, um tribunal administrativo tributário. Se possível, a ser adotado por quase todos os Municípios ou, no mínimo, todas as capitais e cidades como Campinas – São Paulo, que é responsável pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região devido ao seu tamanho, tendo em vista o fracionamento da competência jurisdicional trabalhista (NASCIMENTO, A.; NASCIMENTO, S., 2014).

Por outro lado, em âmbito estadual, o processo de criação de um tribunal específico está mais avançado. Muitos Estados possuem um órgão colegiado de julgamento de segunda instância administrativa para solução dos litígios entre os contribuintes e o Fisco Estadual, conhecido como tribunal administrativo tributário, contando com variações no nome.

 

I.II. Da arbitragem tributária

Pela complexidade do sistema tributário brasileiro e da alta carga tributária que recai sobre as pessoas jurídicas, os processos duram anos para transitar em julgado. Abre-se, então, o debate a respeito de método alternativo para resolução de litígios em matéria tributária: a arbitragem.

A utilização da arbitragem tributária seria vetor de ampliação da justiça fiscal, no sentido em que haveria a resolução da demanda com isonomia e publicidade caso fossem respeitadas garantias constitucionais. Parece-nos uma alternativa para a gestão, mesmo sabendo que haveria a impossibilidade, ao menos em tese, de renúncia de receita, aspecto receoso para o orçamento.

O Projeto de Lei – PL n° 4257, de 2019, de autoria do Senador Antonio Anastasia (PSDB/MG), tem objetivo de modificar a Lei nº 6.830/1980, que dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, para instituir a execução fiscal administrativa e a arbitragem tributária, nas hipóteses que especifica.

O PL teve como justificativa os altíssimos gastos para tentar vencer o imenso volume de processos, tendo as execuções fiscais percentuais relevantes desse custo. No estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), feito em 2011, concluiu-se que o custo unitário médio total de uma ação de execução fiscal promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional junto à Justiça Federal é de R$ 5.606,67.

A recuperação do crédito público é um grande desafio para o Poder Judiciário. Diversos processos estão pendentes de baixa, sendo a execução fiscal fator relevante para a morosidade do Judiciário.

Conforme o relatório Justiça em Números[4], divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em 2019, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2018, apenas 10 foram baixados. E, desconsiderando esses processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia em 8,5 pontos percentuais, passando de 71,2% para 62,7% em 2018.

Nessa linha, o processo judicial acaba por repetir etapas e providências já adotadas, com insucesso, pela administração fazendária ou pelo conselho de fiscalização profissional, para a localização do devedor ou do patrimônio a fim de satisfazer o crédito tributário.

Resta-se clara a relevância de novas formas para evitar o processo judicial, visto que o tempo de giro do acervo desses processos é de 8 anos e 8 meses.

Posto isso, é extremamente interessante que o Congresso Nacional passe a discutir e analisar soluções que levem à possível desjudicialização de demandas, em outras palavras: soluções que retirem alguns assuntos que hoje, em virtude da legislação vigente, são de certa forma desnecessariamente judicializados.

Passemos a comentar a necessidade ou não de participação do Poder Judiciário, levando em conta se há necessidade de intervenção do juiz para proteger direitos fundamentais do cidadão quando se trata de arbitragem.

Deveria a legislação apenas prever o processamento de uma ação caso a intervenção do juiz fosse considerada imprescindível à proteção a um direito fundamental de um cidadão? Em tese, sim.

Não obstante, esse não é o caso da execução fiscal dos tributos que são devidos em razão da propriedade, posse ou usufruto de bens imóveis passíveis de alienação ou da propriedade de veículos, previstos nos arts. 145, II e III, 153, VI, 155, III, 156, I, da CF. Além deles, inclui-se no PL a cobrança de contribuições de melhoria e de taxas devidas pela propriedade, posse ou usufruto de imóvel.

Para o PL, não há motivo para que a cobrança de tais tributos seja exclusivamente feita por meio da execução fiscal. Nesses processos de execução, não existe necessidade de localizar o bem do devedor, pois a obrigação tributária surge pelo fato deste ser proprietário, usufrutuário ou possuidor de certo bem.

A edição de lei autorizando a execução administrativa desses tributos não ofenderia ou retiraria direitos ou garantias fundamentais e procedimento similar, previsto no Decreto-Lei nº 70/1966, adotado por instituições financeiras, já foi declarado compatível com a Constituição pelo Supremo Tribunal Federal no RE 408224 AgR (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJe de 30.08.2007).

Ainda sobre o tema, a Lei nº 8.009/1990, conforme o art. 3º, IV, expressamente afasta a impenhorabilidade do bem de família em processos de execução fiscal movidos para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar. E, no mesmo caminho, exclui os veículos de transporte da característica de bem de família, perdendo a qualidade de impenhorável.

Ou seja, caso o devedor não quite os tributos, a solução legal, que não deve ser afastada pelo magistrado consoante a jurisprudência pátria à luz da legislação, é justamente a alienação dos imóveis ou veículo para quitação da dívida.

Como parte final, o PL não representa novidade no ordenamento jurídico brasileiro. O que se pretende, na verdade, é autorizar a Fazenda a optar pelo procedimento regulado nos arts. 31 a 38 do Decreto-Lei nº 70/1966 no qual as instituições financeiras já usam para cobrar dívidas hipotecárias.

Segundo o PL, o procedimento arbitral, após julgamento dos embargos, deve permitir a imediata satisfação do crédito. A circunstância de o devedor garantir a execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, possibilita que, caso a Fazenda vença o julgamento, possa logo levantar o valor, extinguir a execução e não terá o ônus de procurar bens ou se submeter a alienação de bens imóveis ou demais modalidades de garantia.

E, para evitar ônus adicional à Fazenda Pública, o projeto prevê que, se o executado optar pela arbitragem, que deverá ser autorizado pela lei de cada ente, deverá antecipar as custas. Sendo a Fazenda parte vencida, ressarcirá as despesas conforme legislação local e arcará com honorários advocatícios arbitrados em conformidade com o CPC, os quais serão, após definidos, reduzidos pela metade.

Os custos com o procedimento arbitral não poderão exceder esse valor. Tem-se, com isso, critério que não deve implicar ônus adicional para a Fazenda caso escolha o procedimento arbitral e seja parte vencida.

 

I.III. Da gestão compartilhada

A respeito da gestão compartilhada, trata-se de  método administrativo em que os colaboradores visam o pensamento estratégico nas tomadas de decisões, em termos tributários, volta-se ao compartilhamento de banco de dados, cadastros e inclusive sistemas, a exemplo do Simples Nacional.

A gestão pode ser um avançado meio de arrecadação, fiscalização e cobrança, devendo, por óbvio, ser respeitada a autonomia de cada ente para que não haja subordinação ou sentimento de inferioridade e superioridade, posto que há distribuição de competências.

Nessa linha, o compartilhamento de informações por parte das administrações públicas objetiva a maximização da eficácia das atividades (NOVAIS, 2018), dando valora a busca pelo crédito tributário.

A Lei municipal nº 14.133/2006 do Município de São Paulo, criou o programa de modernização da administração tributária, objetivando promover a responsabilidade na gestão fiscal através do aumento da eficiência e eficácia na arrecadação municipal.

No artigo 6°-A, § 1º, IV, restou reconhecida a atribuição da função federativa aos auditores fiscais municipais, considerando como função federativa o desenvolvimento da gestão compartilhada do cadastro fiscal de pessoas jurídicas de qualquer porte, atividade econômica ou composição societária.

Posteriormente, o inciso VI do mesmo artigo também considerou como função federativa o compartilhamento da arrecadação, fiscalização e cobrança de tributos de competência não exclusiva do Município. Tais incisos apenas corroboram o mérito da discussão sobre a gestão, podendo ser ampliado o banco de dados para demais Municípios.

O compartilhamento permite ao auditor, no caso, o auditor fiscal municipal, o melhor desempenho de suas atividades.

 

I.IV. Da atualização da base de cálculo do IPTU

Como último item a ser abordado na gestão tributária municipal, indica-se ao Fisco a atualização da base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU através do sistema de georreferenciamento.

A título de esclarecimento, por georreferenciamento, entende-se o sistema usado principalmente para padronizar a identificação de imóvel rural, sendo feito por meio de um processo de reconhecimento das coordenadas geográficas do local partindo de mapas ou imagens, conforme manual de normas técnicas para o georreferenciamento das propriedades rurais divulgado pelo INCRA em 2003.

A atualização em análise não se trata de majoração de tributo, uma vez que, conforme dispõe o Código Tributário Nacional em seu artigo 97, § 2º, não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II (majoração ou redução de tributos), a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

Ratificando o artigo, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 160: “É defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”.

Posto isso, sabendo que o imposto é calculado com base na propriedade e ela está passível de modificação (reformas/ampliação) com o decurso do tempo, surge à necessidade de fiscalização, a exemplo de drones, para que o Fisco municipal tenha seu sistema frequentemente atualizado e possa cobrar por uma base de cálculo justa e não por uma registrada na década passada.

É nessa linha que justificamos a relevância da atualização da base de cálculo do IPTU.

Além da atualização da base de cálculo, há um fator referente à alíquota do IPTU. O imposto, que em regra é fiscal, possui uma exceção facultativa relacionada à progressividade no tempo (HARADA, 2017).

Essa progressividade ocorre quando o particular não atende a função social da propriedade urbana, conforme o do art. 156,§ 1°, e do art. 182, § 4º, da CF, não promovendo o seu adequado aproveitamento. Resta, então, ao Município, em termos de gestão tributária, aumentar a carga tributária referente ao imóvel.

Contudo, a progressividade não deve exceder duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitando a alíquota máxima de 15%, conforme artigo 7º, §1º do Estatuto da Cidade, a fim de não gerar efeito confiscatório previsto no artigo 150, IV, da CF.

 

I.V. Da mudança de visão

Além das medidas apontadas, existe uma visão ou linha de pensamento que deveria ser adotada, que não se restringe apenas ao âmbito municipal. A visão é a mudança da forma de visualizar o pagador de tributos ou o contribuinte.

Frequentemente, em uma execução fiscal, pensamos no pagador de tributos como enganador ou um mal a ser combatido. A visão do réu como “errado” se repete nos demais ramos do Direito, principalmente do Direito Penal (a ideia se semelha à do inquérito policial).

Nessa linha, os réus no processo penal são considerados inocentes e assim deve ser no processo tributário, uma presunção de “inocência”, que não necessariamente deve durar até o trânsito em julgado, mas que seja a condição inicial.

A presunção de boa-fé deveria ser posta em primeiro lugar, afastando a possibilidade enrustida de não colaboração com a Fazenda, especialmente pela situação econômica que será encontrada após a pandemia.

Certamente, não serão todos os futuros executados que tiveram a intenção de não pagar, a título de evasão fiscal. Pelo contrário, o não pagamento pode ter sido causado efetivamente pela falta de dinheiro, o superendividamento tem grande probabilidade de estar presente na vida de muitos brasileiros nos meses seguintes.

A título de aprofundamento, por essa razão, acertadamente, a União prorrogou o prazo para a entrega da declaração do Imposto de Renda referente ao exercício de 2020, exercício de 2019, conforme Instrução Normativa RFB n° 1930/2020.

Com a prorrogação, a declaração pode ter sido feita com mais calma, colocando em segurança, além do contribuinte, os profissionais envolvidos, como contadores. Por dedução, ela também se baseou na estabilidade emocional/financeira do pagador de tributos, visto que vários empregados foram demitidos e obviamente foram pegos de surpresa.

Com isso, a prorrogação pode ser uma linha a ser adotada pelos Municípios, por exemplo, no IPTU ou IPVA a ser pago em 2021, por exemplo.

Já que citamos o IPVA, os motoristas de aplicativo são (talvez sempre foram) uma categoria formada por pessoas transitórias, entre idas e vindas. Ao realizar buscas pelo RENAJUD, sistema on-line de restrição judicial de veículos criado pelo Conselho Nacional de Justiça, e determinar a proibição de circulação, poderá significar perder a única fonte de renda de um núcleo familiar.

Não estamos falando sobre anistia, mas uma visão individual e sensível. Cuida-se, portanto, de uma nova visão a ser adotada tendo em vista a situação atual vivida e a que virá.

 

Conclusão

A Administração não é puramente uma máquina arrecadatória, mesmo durante a pandemia de Coronavírus. O objetivo não é arrecadar mais, porém, tecnicamente falando, arrecadar melhor; podendo ser justificado pela gestão tributária não se preocupar, em fase inicial, em estudar criação de tributos e, sim, administrar os já existentes. Entendemos que a maior tarefa é prestação de serviços ao pagador de tributos.

O aumento da arrecadação deve ser um processo contínuo, consistindo pela eficácia dos meios de cobrança e investimento tecnológicos necessários. Para tanto, o investimento financeiro é imprescindível, e o impacto nos cofres públicos, aparentemente, mínimo quando comparado ao dinheiro que será revertido.

Cabe-nos ressaltar que as adaptações e soluções para a gestão variam para cada Município, pois a situação econômica varia conforme a região do país e a forma como eles lidarão economicamente após a pandemia é singular.

Não há recursos tecnológicos ou técnicas de gestão que farão a arrecadação aumentar imediatamente e essa não é a proposta. A população é a primeira camada a sofrer com o recesso econômico e uma alta carga tributária pouco ajudaria a lidar da melhor forma.

É nessa linha que a definição da base imponível deve buscar uma justa exação, sem exagero ou transbordamento, não obstante sem reduzir ou suprimir para não desvirtuar o tributo e gerar injustiça fiscal (SILVA; PEREIRA, 2016).

Deve-se ter em mente que uma inconsistente gestão tributária possibilita inadimplências, informalidades, fraudes e até sonegações fiscais, refletindo na falta de receitas necessárias para a concretização de políticas pública.

 

Referências

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BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado republicano: democracia e reforma da gestão pública. 1° ed. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

 

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[1] Para demais informações sobre o caso, acessar: https://www.conjur.com.br/2020-jun-19/municipio-sc-move-execucao-si-proprio-nao-localiza. Acesso em: 22/06/2020.

[2] Tradução de Tax Administration Diagnostic Assessment Tool.

[3] Iniciado em 2020 no Mato Grosso, o trabalho de digitalização dos processos Execução Fiscal da Comarca de Cuiabá, além de ser realizado pelos servidores da Vara de Execução Fiscal, foram disponibilizados cerca de 70 servidores pela Presidência, Vice-Presidência, Corregedoria-Geral e pela Diretoria do Foro da Capital. Disponível em: http://www.tjmt.jus.br/Noticias/58649#.XwoY2G1KjIU, acesso em 11/07/2020.

[4]Para demais informações, acessar: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf. Acesso em 11/07/2020.