Grampeamento de telefones

Há  alguns anos, enquanto dirigia
o “Jornal do Advogado”, fiz uma edição inteira sobre a interceptação
telefônica. As páginas levavam, no canto direito, o desenho de uma orelha presa
com um grampo. Pretendia-se, com aquilo, criar uma espécie de logotipo lembrando
o horror da espionagem eletrônica. Lembro-me de que tecia comentários, no
editorial, sobre o feio papel de juízes, promotores e policiais  que se
ajoelhavam, simbolicamente,  arregaçando  as  togas,  para
espionar o que se passava dentro das casas dos investigados. Coisa muito feia
sim, prevista em lei mas ilegalmente concretizada na
grande maioria das oportunidades, a espionagem eletrônica foi oficialmente
admitida a partir de legislação cuja origem (estudos preliminares, anteprojetos
etc) proveio de São Paulo. Depois daquilo,
paulatinamente, a espionagem acústica assumiu forma compulsiva. Não só
a  arte de ouvir disfarçadamente, veja-se bem, mas seu complemento, ou
seja, o visual, tomaram conta do relacionamento entre
o brasileiro, individualmente considerado, e o meio circundante. Virou
uma horrível  feitiçaria em que não se deixou espaço para a solidão. Havia
beleguins, munidos de aparelhos apreendidos,
encostados em “Kombis” postadas nas esquinas,
violentando  segredo de comunicações  verbais ou telefônicas,
sabendo-se, hoje, que  nem mesmo os  computadores  resistem ao tresmalhamento de informações. Podem ser  abertos
de  países  distantes, preservando-se a origem do  grampeamento.

Não há surpresa, portanto,  no
episódio envolvendo  Roseana Sarney e a apreensão de
documentos  na sede da “Lunus”. Há  “Arapongonas” (grandes arapongas?)  obrigatoriamente
metidas nisso: espionagem e contra-espionagem, tudo à moda do  “James
Bonde” brasileiro. O  chefe  do espiolhamento
oficial é parente do Presidente da República. Não pode,
a “inteligência” do Palácio, executar metodicamente as tarefas de
varredura.  Contrata-se, então, uma agência particular, sem licitação. O
argumento é Felliniano:  Se houver licitação,
todo mundo fica sabendo dos serviços encomendados. Concorrentes desonestos
oferecem  preço mais baixo e vendem  a informação a terceiros
.
Logo, a contratação deve ser feita em segredo. Nunca se viu justificativa mais doida. É
explicação que não impressionaria um promotor de justiça recém-entrado
na carreira. Além disso, qualquer estudante de  Direito em Faculdade
premiada com nota  “E” no Provão, mas que ainda  coloca analfabetos
no mercado de trabalho sob as vistas
benevolentes do Ministro Paulo Renato, daria parecer afirmando que se isso
acontecesse no município de Jurubeba o Prefeito ficaria em péssimos lençóis,
por evidente intromissão nos severíssimos dispositivos da Lei de
Licitações.  Consta, entretanto, que o dono da empresa contratada já atuou
no antigo  SNI, tendo, portanto, notória especialidade. Seus
serviços  abarcam o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de
Justiça, Ministérios diversos e, é claro, a Presidência da República. Infantil
seria, na hipótese, quem se atrevesse a afirmar que a atividade encomendada foi
a simples varredura. Quem usa a vassoura é tentado a espiar o que ocorre no vão
das portas. Sempre foi assim, desde o aparecimento da primeira empregada
doméstica ou  criado de quarto, ou serviçal. O patrão sempre pede um
serviço extra (e depois paga caro, a exemplo daquele que se vingou, escrevendo
um livro sobre um Lord inglês).

Não gosto de políticos. Meu pai dizia
que político honesto, se eleito fosse, teria imensa dificuldade em se manter
depois. Assim, as siglas, coligações, situações e adminículos
outros terminando em “ões” não me entusiasmam. Não se
diga, portanto, que aqui deste  humilde “site”, lido por muito poucos,
esteja a tentar proselitismo. Não gosto de Fernando Henrique Cardoso, I e
único, Rei do Brasil. Pisgo-me para o Serra, tenho
más lembranças da presidência do  Sarney, só  não desmereço o
Ciro Gomes  por causa da mulher, Patrícia Pillar
(moça corajosa, certamente) e tenho medo do que Lula pode encontrar se eleito.
No começo, achava que a esquerda trazia uma  dose perebenta de
totalitarismo. Vejo, agora, que ela e a direita vêm bailando a mesma valsa,
unindo-se paradoxalmente em abraço apertado. Como se vê, tenho todos os
atributos para falar mal do esmiuçamento no
guarda-roupa da empresa da moça Roseana. Episódio sujo, não em razão do mandado
de busca, levado a cumprimento à moda do período
autoritário, mas dos óbvios antecedentes de grampeamento dos meios de
comunicação da família. Nessa medida, Richelieu vira
bandido, o rei se transforma em  fornicador de
segredos alheios, e o médico da família, já que não é diplomado, vira
enfermeira de mentira tirando a pressão dos passantes  no Viaduto do Chá.
No entretempo, Fernando I e único, rei do Brasil, atribui
a espionagem a “tricas e futricas”. Futrica,
realmente, é a especialidade da tia esperta, sentada na cadeira de balanço,
recolhendo as mazelas e segredos da vizinhança. Portanto, quem pariu a tia que
a crie.

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Informações Sobre o Autor

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.

 


 

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