Guarda unilateral e síndrome da alienação parental

Resumo: A guarda dos filhos incapazes cabe aos pais. O instituto da guarda possui caráter protetivo para viabilizar a execução de direitos dos filhos. Permanece ainda após a separação dos companheiros ou o divórcio dos pais casados. A partir daí optarão por um modo diferente de exercer a guarda já que cessa o dever de coabitar. O Código Civil elenca dois tipos: guarda unilateral e compartilhada. A doutrina acrescenta a guarda alternada. Alguns estudiosos da temática apontam no sentido de que a escolha da guarda pode ou não enfraquecer a convivência familiar. Ainda relatam crescentes casos de alienação parental. Nesse cenário de escolha da guarda pode surgir um processo de manipulação dos filhos. Um dos genitores o provoca para que o outro seja afastado do convívio. Da análise do material de pesquisa pode-se estabelecer uma relação entre os tipos de guarda e a alienação parental. A guarda unilateral apresenta um cenário propício ao surgimento da alienação. A metodologia consiste em revisão de fontes doutrinárias, jurisprudência e reportagens jornalísticas.

Palavras-chave: Alienação parental. Guarda unilateral. Síndrome da alienação parental.

Abstract: Parents have custody of minor children in order to provide for their needs. After the end of the marriage or stable relationship the obligation remains. What changes is how it will be exercised. The Civil Code indicates the possibility of two guards: unilateral and shared. The second allows children to remain in contact with parents more intensely. The doctrine also mentions custody alternate (rarely used). In this scenario of divorce or end of a stable union can arise parental alienation. Occurs when a parent tries to prevent the children get along with each other. The parental alienation syndrome is the most severe stage of this separation. Here the children refuse to coexistence for being manipulated. The objective of this work is to verify the relation between unilateral custody and the emergence of syndrome of parental alienation. The first chapter discusses the institute's guard. The second brings the types. The third explains the parental alienation and your syndrome. The last chapter serves the main objective. It is concluded that the guard unilateral favors the onset of the syndrome. The methodology consists of consulting the doctrine, case law and reports (print or internet).

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Keywords: Parental alienation. Unilateral custody. Syndrome of parental alienation.

Sumário: Introdução. 1 O instituto da guarda: evolução histórica e disciplinamento jurídico atual. 1.1 Evolução histórica: a guarda e o poder familiar até a constituição federal de 1988. 1.2 A guarda e o poder familiar após a constituição de 1988. 1.3 O exercício da guarda durante a união estável ou o casamento conforme o atual código civil. 2 A guarda após o fim da união estável ou do casamento. 2.1 A guarda unilateral. 2.2 A guarda compartilhada ou conjunta. 2.3 A guarda alternada. 2.4 Comparações entre a guarda unilateral e a guarda compartilhada. 2.5 Principais disposições do código civil de 2002 sobre a guarda. 3 Alienação parental e sua respectiva síndrome: considerações iniciais. 3.1 Conceito de alienação parental e sua respectiva síndrome. 3.2 Motivos e atitudes típicas do genitor alienador. 3.3 O mecanismo que instala a síndrome da alienação parental e os seus estágios. 3.4 Falsas acusações de abuso sexual e o uso do poder judiciário. 3.5 Sequelas perniciosas da síndrome da alienação parental. 4 Relacionando a guarda unilateral e a síndrome da alienação parental. 4.1 Contexto do divórcio ou do fim da união estável. 4.2 A guarda unilateral e a síndrome da alienação parental: teorias e pesquisas. 4.3 A guarda unilateral e a síndrome da alienação parental: exemplos na jurisprudência pátria.  Considerações finais.  

Introdução

O Código Civil dispõe que cabe aos pais a guarda dos filhos menores. Segundo a melhor doutrina guardar corresponde a ter estes em companhia daqueles para que tanto o direito à convivência familiar como outras necessidades infanto-juvenis possam ser atendidas.

Durante o casamento ou a união estável os pais exercem a guarda simultaneamente. Após a ruptura do vínculo conjugal os pais permanecem com a guarda, pois este dever não desaparece exceto se também findo o poder familiar, pois a guarda é instituto a bem dos interesses dos filhos. O exercício desta se modificará através das opções trazidas pela lei civil: guarda unilateral ou compartilhada. A doutrina acrescenta a guarda alternada.

O primeiro tipo é a mais tradicional e adotada ainda hoje. Um dos genitores segue residindo com os filhos e acompanhando suas atividades intensamente enquanto ao outro cabem seguir horários de visitas e fiscalizar a educação da prole. O segundo modelo permite que os pais convivam com os filhos e tomem decisões de modo mais parecido ao que faziam durante a união conjugal. O terceiro tipo apontado é raro.

Neste cenário de divórcio ou fim da união estável pode surgir a alienação parental. Consiste em um processo empreendido por um dos progenitores (progenitor alienante) tendo como alvo o outro (progenitor alienado). O alienante manipula seus filhos para que odeiem o alienado e o evitem. Quando os filhos se negam a conviver com o alienado está instalada a síndrome da alienação parental.

O primeiro capítulo aborda a evolução do instituto da guarda até a atual legislação. O segundo trata dos tipos de guarda. O terceiro explica a alienação parental e sua síndrome. O último capítulo atende ao objetivo principal: verificar qual a relação entre guarda unilateral e o surgimento da alienação (e sua respectiva síndrome).

Este trabalho é relevante por trazer dois temas bastante discutidos atualmente: guarda de filhos e síndrome da alienação parental. A metodologia consiste em revisão da bibliografia correspondente: doutrinas, jurisprudências e reportagens em fontes impressas ou na internet.

O instituto da guarda: evolução histórica e disciplinamento jurídico atual

Antes de se abordar diretamente o instituto da guarda de filhos menores pelos seus genitores é necessário se explicar de que forma se compreende o alcance da autoridade que estes pais podem ter em relação à prole. É em virtude deste poder conferido ao pai e à mãe que estes possuem a prerrogativa de terem a guarda de seus filhos. A guarda, portanto, está intrinsecamente ligada à autoridade exercida pelos pais, atualmente denominada poder familiar.

Será mostrada a origem da regulamentação deste poder pelo direito romano, que é o germe de parte da legislação civil brasileira. No tocante a esta, será abordada a partir das ordenações coloniais, passando pelo Código Civil de 1916 e leis posteriores: Estatuto da Mulher Casada e lei do Divórcio. Os assuntos “poder familiar” e “guarda” andarão paralelamente no presente capítulo, até a abordagem específica deste último tema, já sob a ótica do direito atual, compreendendo a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002.

1.1 Evolução histórica: a guarda e o poder familiar até a constituição federal de 1988

A origem da regulamentação jurídica do poder familiar funda-se no direito romano, que, contudo, concebia este poder como uma autoridade completamente diversa da que é exercida atualmente pelos pais em relação a seus filhos. Em primeiro lugar, a própria denominação desta autoridade parental era diferente: chamava-se pátrio poder, e estava concentrado na figura de um paterfamilias.

Em Roma reconhecia-se que o indivíduo do sexo masculino poderia tornar-se chefe de família, ou paterfamilias, sendo o ancestral mais antigo de todo um núcleo familiar extenso. A família romana, de fato, excedia os limites do núcleo formado pelos pais e seus filhos:

“Em nossos dias, em sentido estrito, família é a unidade formada pelo casal e filhos. Cada filho que se casa constitui nova família, da qual se torna chefe, de tal modo que os netos não estão subordinados ao avô, mas ao pai. Em Roma, ao contrário, família é o complexo de pessoas colocadas sob a patria potestas de um chefe – o paterfamilias. A patria potestas não se extingue pelo casamento dos filhos que, tendo a idade que tiverem, sejam casados ou não, continuam a pertencer à família do chefe. Daí, o grande número de membros da família romana (CRETELLA JR, 2000, p. 77).”

Percebe-se que a patria potestas não se restringia ao exercício da função paterna, porque também abarcava o poder de comando de um extenso clã formado por pessoas que compartilhavam com o paterfamílias não apenas laços sanguíneos. Além da abrangência deste poder, salta aos olhos de todo o estudioso do direito a sua intensidade, tendo em vista a peculiar prerrogativa de decisão sobre a vida e a morte dos filhos, o denominado ius vitae ac necis.

“O paterfamilias poderia dispor da vida dos filhos, vende-los, abandoná-los e puni-los. Quanto à esposa, o paterfamílias exercia o manus, ou potestas maritalis, que era análogo ao pátria potestas, não permitindo à mulher nenhum poder sobre seus filhos, vez que, estaria sob a tutela de seus filhos homens quando da morte do marido (QUINTAS, 2010, p.10).”

No direito romano, portanto, conclui-se que havia a outorga de poderes absolutos a um único indivíduo e que este não poderia ser do sexo feminino, caracterizando assim o embrião de um modelo de família patriarcal e hierarquizado (DIAS, 2010).

Inspiradas neste ordenamento jurídico da antiguidade é que surge, no Brasil colônia, a primeira legislação tratando do pátrio poder: ordenações, leis e decretos promulgados em Portugal, legitimadores da exclusividade do homem em possuir a pátria potestade. Mas haviam deveres expressamente previstos que o pai deveria cumprir, por exemplo: educar os filhos de acordo com suas posses e condições; nomear-lhes tutor testamentário; defendê-los em juízo ou fora dele e reclamá-los de quem ilegitimamente os detenha (COMEL, 2003). 

 Frise-se que tais incumbências somente recaiam sobre os filhos legítimos, excluindo-se aqueles classificados como incestuosos, espúrios ou adulterinos, já que a legislação brasileira ainda distinguia a prole conforme se originasse de relações dentro do casamento ou não (DIAS, 2010). O único modelo de família que merecia tratamento do legislador era aquela formada por homem, mulher e filhos, oriunda do matrimônio religioso católico.

De regra a mulher não chegava a exercer a pátria potestade propriamente dita; quando muito apenas se reconhecia que os filhos lhe deviam respeito e obediência. Caso fosse viúva, pela ausência do marido é que deveria ocupar o lugar deste último, mas só continuaria nesta posição até que se casasse novamente, quando perderia o poder familiar sobre os filhos do primeiro leito (COMEL, 2003).

O Código Civil de 1916 repetiu a ideia de que o papel de chefe da família cabia ao homem, sendo que a mulher ganhava ainda posição secundária, conforme o art. 380: “Durante o casamento, exerce o pátrio poder o marido, como chefe de família (art. 233), e, na falta ou impedimento seu, sua mulher.” Até então o ordenamento jurídico brasileiro, por consagrar a supremacia dos interesses do pai, obviamente não concebia a autoridade parental como um conjunto pura e simplesmente de deveres. Ressalta Silvio Baptista (2000) que os doutrinadores da época conceituavam o pátrio poder como o conjunto de direitos subjetivos do chefe de família. As obrigações que lhe cabiam frente aos filhos (como o dever de sustento e educação) na verdade decorriam de imperativos de ordem moral, subprodutos da sua própria autoridade naturalmente emanada da figura paterna.

Como a questão da guarda está relacionada ao poder de direção exercido sobre os filhos menores, à época as regras que definiam o exercício da guarda levavam em conta o direito do pai, ou o direito da mãe, não havendo preponderância dos interesses da prole. Prova disto eram as disposições do Código que cuidavam do assunto.  Se o fim do matrimônio ocorresse por “culpa” da mãe, por exemplo, caberia ao pai obter a guarda. A discussão acerca da quebra dos deveres conjugais era decisiva para o estabelecimento da nova dinâmica familiar pós-separação. E caso a mãe obtivesse a guarda os filhos do sexo masculino só ficariam com ela até os seis anos de idade, restando-lhe a guarda das filhas (QUINTAS, 2010).

O Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) não chegou a alterar substancialmente o Código de 1916, pois manteve a prevalência masculina no exercício do pátrio poder, embora de início se tenha a impressão de que houve a primeira tentativa em atribuir também à mulher parcela idêntica do referido poder (DIAS, 2010), conforme a nova redação dada ao art. 380:

“Durante o casamento, compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução da divergência (grifo nosso).”

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Até este ponto nenhuma modificação radical foi percebida, exceto em relação à viúva que contraía novas núpcias. O art. 393 passaria a dispor que ela não perderia mais os direitos decorrentes do pátrio poder sobre os filhos do matrimônio anterior (COMEL, 2003). Embora não tenha sido suficiente para revolucionar o panorama jurídico referente ao exercício da patria potestas, percebe-se que nesta época o legislador já entrava em contato com ideais atenuantes da rígida noção hierarquizada e patriarcal de família, que até então vinha sendo consagrada de modo absoluto nas leis civis.

Em 1.977 a Lei do Divórcio trouxe verdadeiras inovações no tocante à guarda de filhos. Extinguiu-se a antiga regra que determinava limite de idade para que os filhos permanecessem sob a guarda da mãe e foi ainda mais explícito do que o Código de 1916 na situação em que se verificasse a inépcia de ambos os pais para serem guardiões. A nova lei estabelecia expressamente que o juiz, convencido da falta de condições propícias ao exercício da guarda por parte dos pais, poderia colocar os filhos do ex-casal sob a guarda de outro familiar levando-se em conta do grau de parentesco e proximidade (BAPTISTA, 2000).

Ressalte-se que, até então o ordenamento brasileiro não alterou a regra de que caberia o estabelecimento de comum acordo acerca da guarda sempre que a separação fosse consensual.

 Também se deve atentar para outra modificação trazida pela Lei do Divórcio: a fundamentação da sentença não deveria mais restringir-se ao conjunto de mandamentos estáticos que regiam a guarda; o juiz estaria autorizado a levar em consideração o interesse dos filhos, conforme se infere da expressão contida no final do § 1º do art. 10: “Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.” Expressamente esta prerrogativa do magistrado surge mais adiante, no art. 13: “Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais.” (BAPTISTA, 2000).

Pela primeira vez a lei delimitou as obrigações do ex-cônjuge que não dispunha da guarda, regulando que a este (genitor visitante) caberiam as atribuições de fiscalizar a manutenção e educação dadas aos filhos pelo guardião, bem como estabeleceu a expressão “direito de visitas”, correspondente à prerrogativa que o genitor visitante possuiria de manter contato com a prole conforme acordado judicialmente (DIAS, 2010).

Outras disposições de cunho menos inovador também trazia a lei: quando houvesse separação de fato, a guarda caberia preferencialmente ao cônjuge com quem os filhos já estavam à época da ruptura matrimonial. Quando a separação fosse motivada por doença mental de um dos consortes, o magistrado conferia o dever de assumir a guarda e a educação dos filhos ao cônjuge que tivesse melhores condições. Em qualquer hipótese, sempre que o juiz verificasse a existência de sérios motivos para não deferir a guarda a nenhum dos pais, poderia o filho ficar sob a responsabilidade de pessoa idônea da família.

Até aqui, de maneira significativa o modo de exercício do pátrio poder não se modificou, devido à tradicional concepção de família que ainda se achava arraigada na mentalidade do brasileiro, devido à enorme influência do direito romano na elaboração das primeiras leis e nos costumes vigentes no Brasil: um homem e uma mulher, que através do casamento se uniam e procriavam. Sobre a regência da vida conjugal e dos filhos, prevaleceria a vontade final do marido, por força do modelo patriarcal que a lei expressamente não chegava a vedar.

Apesar disto, em outro aspecto do pátrio poder já se observa o início de uma sensível e gradativa modificação: aos direitos inerentes à patria potestas se contrapunham deveres, pois o exercício do pátrio poder não se resumia à autoridade, à voz de mando; também passava a compreender o respeito aos direitos do filho, sobretudo à sua integridade moral e física, conforme se denota na lei do Divórcio, ao permitir que o juiz relativizasse suas normas levando em conta os “interesses do filho”.

1.2 A guarda e o poder familiar após a constituição de 1988

Do exposto, pode-se afirmar que desde a época colonial a sociedade brasileira admitia que dentro da família houvesse apenas uma rígida divisão de papéis, dentro da qual cabia à mulher e aos filhos menores obediência ao chefe (marido):

“O elo familiar era voltado apenas para a coexistência, sendo imperioso para o “chefe” a manutenção da família como espelho de seu poder, como condutor ao êxito nas esferas política e econômica. O casamento e as filiações não se fundavam no afeto, mas na necessidade de exteriorização do poder, ao lado – e com a mesma conotação e relevância – da propriedade. O filho na família patriarcal era mais um elemento de força produtiva (SILVA, C. M., 2004, p. 128).”

Ao longo da história de nosso país, contudo, registrou-se gradual transformação nos cenários político, social e econômico, o que afetou substancialmente a tradicional configuração familiar.

“Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão-de-obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e à prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação de seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes (DIAS, 2010, p. 28, grifo do autor).”

De fato, a admissão da mão de obra feminina foi o germe de uma verdadeira revolução comportamental, seguida da invenção da pílula contraceptiva, tornando a mulher não mais um ser totalmente submisso ao homem. Ainda frise-se a lenta porém, significativa evolução legislativa pátria que culminou com a do divórcio em 1.977, atendendo aos anseios de uma sociedade que não desejava mais viver sob o dogma da necessidade de formação do núcleo familiar somente a partir do primeiro matrimônio (QUINTAS, 2010).

Outro fator se somaria a este cenário de transformações: o reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeito de direitos. Até a Constituição Federal de 1988 a legislação que tratava de menores se ocupava unicamente de disciplinar medidas repressivas em relação àqueles que delinquiam e maneiras de se minimizar os índices de crianças e jovens que estavam entregues ao abandono material e moral. Os juristas concebiam em um primeiro momento que a situação jurídica infanto-juvenil seria disciplinada pela Doutrina Penal do Menor, e a partir dos anos 20 pela Doutrina da Situação Irregular (QUINTANA, 2009).

Em ambos os casos o menor era considerado objeto da norma jurídica, pois sobre sua pessoa recaíam leis de cunho assistencialista ou penal, percebendo-se que, além de não ter direitos reconhecidos, não eram todos os menores que mereciam ser alvo da legislação (DELFINO, 2009). Esta situação foi sendo revertida, de início, no plano internacional, após a Segunda Grande Guerra com a consolidação da Organização das Nações Unidas, criada em 1948. Este órgão seria o responsável por editar tratados normativos nos quais se reconheciam garantias às crianças e adolescentes, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959. Inaugurou-se uma nova maneira de legislar sobre infância e adolescência, seguindo-se a Doutrina da Proteção Integral.

À época da promulgação da Carta Magna em 1988 o Brasil se encontrava em meio a este panorama, do qual resultou uma nova concepção de família, fundamentada desta vez em uma distribuição de prerrogativas menos desigual entre homens e mulheres, a facilitação para que os casais não permanecessem em matrimônios insatisfatórios e o prestígio que a Doutrina da Proteção Integral alcançava a nível externo, influenciando a legislação de vários países a reconhecerem em seus textos legais que crianças e adolescentes não eram mais simples destinatários de ações estatais ou objeto de uma autoridade paterna.

Em relação ao tratamento dispensado a homens e mulheres a Constituição de 1988 inovou ao consagrar a igualdade jurídica, eliminando o papel subsidiário feminino na direção da sociedade conjugal:

“Inicialmente, a Constituição Federal consagrou a igualdade entre o homem e a mulher como direito fundamental, no art. 5º, inc. I, nos seguintes termos: ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’. Depois, já de modo mais específico, no art. 226, § 5º, estabeleceu que ‘os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher’ (COMEL, 2003, p. 40).”

 Em consonância com a mencionada inovação a lei civil de 1916 restou obsoleta, dando lugar ao Código Civil de 2002 (CC/02), sem contar com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, juntos, consagraram o equânime exercício do poder familiar por homens e mulheres, em relação aos filhos menores de idade ou maiores incapazes. Vide o artigo 21 do estatuto:

“Art. 21 O poder familiar será exercido em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.” 

Após a promulgação do novo texto constitucional a doutrina passou a questionar o uso do termo “pátrio poder”. Era inevitável interpretar-se, antes mesmo do advento do mencionado estatuto, que a partir de então o poder conferido com supremacia ao pai seria igualmente outorgado à mãe. Mas a manutenção do termo “pátrio” seria inadequada, por referir-se exclusivamente à figura masculina (SILVA, C. M., 2004).

A mudança na expressão “pátrio poder” também ocorreu porque a autoridade naturalmente exercida pelos pais passou a ser alvo de uma nova compreensão, no tocante ao seu objetivo e ao seu exercício. Atualmente, a finalidade consiste em proteger os interesses daqueles sobre os quais os genitores exercerão sua autoridade, tornando-se, assim, um instrumento a serviço da criança e do adolescente. Deve ser “[…] exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores, advêm de uma necessidade natural de alguém que os crie, eduque, ampare, defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo suas pessoas e seus bens” (DINIZ, 2007, p. 515, v. 5).

Para corresponder de maneira exata ao novo conceito trazido pela CF/88 alguns autores defendem o uso de outro termo, no lugar de “poder familiar”. Preferem uma segunda expressão (autoridade parental), argumentando que a primeira tem uma carga implícita de “[…] supremacia e comando que não se coaduna com o verdadeiro sentido” (SILVA, C. M., 2004, p. 134). De fato, a lei não dispõe do poder familiar como se fosse um direito subjetivo dos pais, mas sim o regula nos moldes de um “poder-dever”. Aos titulares deste poder tão singular caberia somente o direito de cumprir as próprias obrigações (BAPTISTA, 2000). Como sintetiza Rachel Pacheco de Souza:

“Na esteira de tais alterações sociais, o direito cuidou de se adaptar aos novos modelos estabelecidos, alcançando à cogência constitucional várias alterações significativas, entre as quais a isonomia conjugal, que culminou por influenciar no surgimento de um instituto paritário de proteção dos filhos incapazes: o poder familiar. Em conformidade com o que dispõe o Código Civil, o poder familiar será exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe […] (2008, p. 09).”

Atualmente se concebe o poder familiar como instituto protetivo na medida em que, ao conferir prerrogativas aos pais em relação à pessoa e aos bens dos filhos menores, o faz para assegurar os direitos que estes últimos possuem. Como foi anteriormente explicado, crianças e adolescentes gradativamente passaram da condição de objetos da legislação a sujeitos de direitos, no plano internacional e, gradativamente, também no âmbito nacional dos países. Este reconhecimento está no caput do artigo 227 da CF:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Do exposto percebe-se que o poder familiar é um instrumento de preservação dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos menores de idade, e deve ser exercido nos limites dispostos dentro da lei, a exemplo do Novo Código Civil e do ECA. Do CC/02 extrai-se o artigo 1.634:

“Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e a educação;

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II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V – representá-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha,;

VII – exigir-lhes que prestem obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição.”

Maria Helena Diniz (2007, v.5) explica que a guarda diz respeito à prerrogativa dada aos genitores de terem os filhos em seu poder, com vistas ao cumprimento dos deveres de lhes prestar assistência material, moral e educacional. Para Denise Comel, aos pais cabe a guarda dos filhos para que seja formada uma

“[…] relação de tal proximidade que gere uma verdadeira comunidade de vida e interesses, em que haja constante troca de experiência, sentimentos e informações. Não fosse assim, não teria sentido algum a convivência dos filhos com os pais, posto que não é função com fim em si mesmo, se não que se constitui em meio para alcançar o objetivo maior de […] assistir, criar e educar o filho que exige estreito relacionamento para troca de afetos, sentimentos, idéias, experiências e promover o desenvolvimento pleno e sadio do filho. Outrossim, a própria convivência familiar está alçada à categoria de direito fundamental da criança e do adolescente, conforme dispõe o art. 227 da CF, tão grande a sua importância na formação do filho (2003, p. 111).”

A prerrogativa de ter a guarda dos filhos, portanto, faz parte do poder familiar, mas não serve aos interesses dos detentores deste poder, muito pelo contrário: demonstra que estes possuem, no mínimo, a responsabilidade de manutenção material dos filhos, e também a obrigação de zelar por eles na esfera moral, propiciando assim o gozo do direito à convivência familiar.

O artigo 227 consagra que crianças e adolescentes têm este direito erigido à categoria de fundamental.  A importância da família para a formação biopsicossocial do ser humano é inconteste, à proporção em que funciona como o primeiro espaço dentro do qual a criança e o adolescente incorporarão os valores que fundamentarão, no futuro, suas atitudes em relação à comunidade que o rodeia e a si próprio. No seio do grupo familiar reside o locus nascendi de “[…] experiências afetivas, representações, juízos e expectativas” (SILVA, C. M., 2004, p. 132).

“Realmente, a família é condição indispensável para que a vida se desenvolva, para que a alimentação seja assimilada pelo organismo e a saúde se manifeste. Desabrochar para o mundo inclui um movimento de dentro para fora, o que é garantido pelos impulsos vitais vinculados à hereditariedade e à energia próprias do ser vivo. […] A família é o lugar normal e natural de se efetuar a educação, de se aprender o uso adequado da liberdade, e onde há a iniciação gradativa no mundo do trabalho. É onde o ser humano em desenvolvimento se sente protegido e de onde ele é lançado para a sociedade e para o universo (CINTRA, In: CURY, 2006, p. 100).”

Pode-se afirmar que a família representa o núcleo em que o indivíduo primeiro descobrirá quais são as suas características e potencialidades, através da convivência com outras pessoas que a ele se vinculam por laços sanguíneos e/ou afetivos. Esses vínculos, exercitados no dia-a-dia, mostrarão como o indivíduo deverá portar-se diante dos seus semelhantes, ao ser lançado no meio social. Além de toda essa “herança cultural”, não se pode olvidar que a família tem o papel de mantenedora e transmissora de bens materiais e valores a eles referentes.

À primeira vista a convivência familiar estaria restrita ao contato cotidiano que a criança e do adolescente manteria com seus genitores e irmãos. Ainda hoje, o termo família “[…] traz à mente o modelo convencional: um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos.” (DIAS, 2010, p. 40). Mas, em consonância com os ditames constitucionais, tanto a doutrina como a jurisprudência entendem que a criança e o adolescente devem ter assegurado o direito de conviver também com parentes, vizinhos e amigos, observando-se o grau de afetividade vivenciado pelo menor em relação a estes. Logo, aos detentores da guarda cabe respeitar o direito de convivência a ser usufruído por seus filhos. (NÓBREGA, 2008).

1.3 O exercício da guarda durante a união estável ou o casamento conforme o atual código civil

Ao visualizar-se a tradicional situação em que um casal mora com os filhos, naturalmente percebe-se que o dever de guarda é exercido tanto pelo pai como pela mãe concomitantemente. A convivência sob o mesmo teto torna quase que inseparável as noções de ter a guarda e ter a companhia da prole, mas na verdade a doutrina divide a guarda em dois tipos: jurídica ou legal e física, diferenciadas a seguir:

“A guarda legal ou jurídica, isto é, aquela atribuída por lei como elemento do poder familiar, refere-se à responsabilidade dos pais de decidir o futuro dos filhos, direcionando-os, vigiando-os e protegendo-os. Já a guarda física (ou material) é a presença do menor na mesma residência dos pais (QUINTAS, 2010, p. 23).”

No exemplo dado acima os pais possuem, cada um, os dois tipos de guarda. Logicamente a guarda jurídica é aquela da qual irão dispor automaticamente, pois decorre de lei. Mas no momento em que se analisa a mesma família sob o ponto de vista de ruptura do casamento, seja em razão de divórcio, seja pelo antigo procedimento de separação judicial, a configuração do exercício da guarda física sofrerá mudanças, conforme aduz Maria Berenice Dias:

“A guarda de filhos é, implicitamente, conjunta, apenas se individualizando quando ocorre a separação de fato ou de direito dos pais […] com o rompimento da convivência dos pais, há a fragmentação de um dos componentes da autoridade parental. Ambos continuam detentores do poder familiar, mas, em regra, o filho ficava sob a guarda de um, e ao outro era assegurado o direito de visitas […] (2010, p. 434-435).”

A autora quer dizer que enquanto dura a coabitação, o exercício do poder familiar é igualmente exercido por ambos, o que implica dizer que os dois detêm ao mesmo tempo guarda jurídica e guarda física (ou material). Mas a partir do rompimento deste casamento ou união estável inevitavelmente a guarda deverá sofrer modificações pelo fato de que o casal não habitará mais sob o mesmo teto. A jurista cita um exemplo de uma possibilidade de exercício da guarda após o fim da ruptura conjugal: a guarda unilateral. Este tipo foi adotado historicamente em nosso direito, conforme anteriormente explicado, sendo a regra a seguir desde o Código Civil de 1916: ao cônjuge inocente caberia residir com os filhos e prover suas necessidades, enquanto que ao outro sobraria o encargo de arcar com despesas e visitar a prole.

Com a nova ordem constitucional e o advento do Código Civil de 2002, contudo, a guarda passou a ser tratada sobre outra perspectiva, sobretudo no tocante ao seu exercício por pais que se separaram.

2. A guarda após o fim da união estável ou do casamento

Por disposição expressa do Código Civil atual “[…] o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.” O artigo 1.632 reforça a manutenção do poder familiar nas mãos de ambos os genitores, mas o que se modifica é a maneira de se exercitá-lo no tocante à guarda.

Neste diapasão o próprio CC/02 vem estabelecer duas modalidades de exercício da guarda, pelo artigo 1583: unilateral ou compartilhada. A doutrina, a despeito da omissão legislativa, ainda elenca a modalidade de guarda alternada. Cada uma possui características que revelam diferenças quanto à distribuição de deveres e direitos parentais, à atribuição da guarda material e à qualidade de convivência entre os filhos e seus genitores.

2.1 A guarda unilateral

É o tipo de exercício da guarda que possui raízes profundas em nosso ordenamento jurídico, posto que, durante décadas chegou a ser o único admitido pelo direito (PERES, 2002). Segundo dados do IBGE, a guarda unilateral ainda é predominante, correspondendo ao tipo de guarda escolhido em 87,6% dos divórcios e separações judiciais que tramitavam no Judiciário em 2009 conforme a última pesquisa do órgão (JORDÃO; RUBIN, 2011).

Um dos genitores estará incumbido de ser o “guardião”, exercendo tanto a guarda jurídica como a física, pois permanecerá no mesmo residindo com a prole. O outro genitor é denominado pela doutrina como “visitante” ou “não guardião” justamente por gozar de forma menos frequente do contato com os filhos, deixando de ter efetivamente a guarda física. Assim define o Código Civil em seu artigo 1.583, § 1º: “Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) […]”.

 A escolha referente a tal espécie de guarda cabe, primordialmente, ao ex-casal, por força do artigo 1.584, inciso I do CC/02, ou, não havendo consenso, será determinado pelo juiz (inciso II do mencionado dispositivo). Os critérios para a escolha do genitor guardião, à época do Código Civil de 1916 diziam respeito à “inocência” do cônjuge que não deu causa à separação. Somente a este caberia deter a guarda material dos filhos, o que foi, ao longo das décadas, abrandado até chegar à atual disposição do § 2º do artigo 1.584 do CC/02:

“§ 2o  A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: 

 I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; 

 II – saúde e segurança; 

 III – educação.”

O atual Código, ao contrário do anterior, consagra a relevância do interesse do menor na determinação de qual genitor deterá a sua guarda, pois os incisos referem-se a necessidades infanto-juvenis que devem ser supridas. Para Silvio Neves Baptista o guardião será aquele “[…] em cuja companhia o menor se sinta mais feliz e seguro […]” (2000, p. 43), sendo recomendável, pois, que a guarda seja do genitor que dispuser de maior tempo para estar em companhia do filho. O autor acrescenta outros requisitos: o menor deve ficar com o genitor que continuar residindo no antigo lar do casal, para que não haja perda de relacionamentos com vizinhos, parentes e amigos de escola, e além disso, esteja desprovido do intuito de obstaculizar o convívio dos filhos com o genitor visitante (2000).

O guardião ainda deve ser aquele capaz de dar

“[…] à criança o cuidado no dia-a-dia, tais como higiene, preparação e planejamento das refeições, cuidados médicos, incluindo enfermagem e transporte para o médico, planos para interação social com amigos depois da escola, deitar a criança na cama, disciplina e educação (religiosa, moral, social e cultural), etc (SILVA, D. M. P. da, 2009, p.104).”

Resta notória a concentração de encargos na pessoa do genitor guardião, situação que, à época do casamento, não seria permitida, pois a legislação preceitua que os cônjuges exercerão deveres e direitos de forma igualitária. Para Denise Comel “É possível concluir que, o que se se atribui é o exercício deste poder, ainda que de forma não exclusiva, mas com relativa autonomia e independência diante do outro pai (2003, p. 249).

Ainda no tocante à escolha do genitor que exercerá de fato a guarda prevalece o entendimento de que a mãe é a melhor capacitada para tal responsabilidade. Em que pese a isonomia constitucional, está arraigada na cultura brasileira o pensamento de que à mulher é dada naturalmente a habilidade para cuidar, o que, por sua vez, é fruto da histórica divisão  tradicional de papéis dentro da família (PERES, 2000).

O papel destinado ao genitor visitante é resumido no § 3º do artigo 1.583 do CC/02: “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos.” Enquanto um dos genitores efetivamente cria, educa e cuida da prole, ao outro resta o dever de fiscalizar em que sentido é dirigida esta criação, e caso discorde da maneira como age o guardião, deve socorrer-se do Poder Judiciário. Na prática o não guardião também fica obrigado a prestar alimentos aos filhos que com ele não residem (DIAS, 2000).

A convivência entre o genitor visitante e seus filhos é mantida através do sistema de visitas, consistindo este em prévia estipulação (pelo próprio ex-casal ou pelo juiz) de quantos e quais dias na semana, no mês e no ano, inclusive dentro de quais horários se darão encontros de crianças e adolescentes com os não guardiões.

A doutrina, ao longo de muitos anos, tem utilizado as expressões “direito de guarda” e “direito de visitas” como se fossem duas prerrogativas contrapostas: a primeira pertencente ao guardião e a segunda ao visitante. Alguns autores, analisando modificações legislativas em torno do direito de família, apresentam posicionamento diferenciado.

“A nosso ver esta é uma visão equivocada do fenômeno, pois enquanto a guarda é um poder-dever do pai, cujo beneficiário da norma é o filho, a visita é um direito de personalidade do filho de ser visitado não só pelos pais, como por qualquer pessoa que lhe tenha afeto (BAPTISTA, 2000, p. 44).”

Atualmente mesmo os juristas que ainda utilizam a expressão “direito de visitas” como sendo prerrogativa dos genitores reconhecem que o objetivo maior do seu exercício é a concretização do direito infanto-juvenil à convivência familiar:

“O novo paradigma legal, privilegiando o interesse dos filhos, hierarquizado superlativamente na ordem constitucional como prioridade absoluta, deverá nortear todas as questões de direito de família envolvendo os filhos, inclusive quanto ao direito de visitas (COSTA, 2001, p. 85, grifo do autor).”

Desta forma, atualmente pode-se falar em “direito à visitação” do filho menor tendo em vista e efetivação do direito fundamental à convivência familiar. Como antes explicado, esta convivência não se restringe ao círculo formado pelos genitores e pelo filho, e por isso o parágrafo único do artigo 1.589 permite que a visitação também seja estabelecida entre netos e avós, observados, em qualquer caso, o interesse infanto-juvenil.

2.2 A guarda compartilhada ou conjunta

A segunda modalidade de guarda foi inicialmente prevista em 1960 pelo direito inglês, tendo se expandido para países europeus, pelo Canadá e alcançado popularidade nos Estados Unidos, vindo a tornar-se a regra neste último país (PERES, 2000). No Brasil, contudo, este tipo de guarda só foi introduzido na legislação a partir de 2008, sendo definido no § 1º do artigo 1.583 como “[…] a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

A principal característica da guarda compartilhada é justamente a quebra do padrão tradicional de repartição das responsabilidades parentais. Até a previsão deste novo tipo de guarda compreendia-se que as funções do pai e da mãe, após o fim de sua união, deveriam ser assim divididas: a um deles, geralmente à mulher, caberia a obrigação de fazer (educar, criar e assistir) e ao outro a obrigação de dar (pagamento de pensão alimentícia por ser o genitor visitante) (PERES, 2000). Como resume Denise Perissini da Silva:

“A guarda compartilhada consiste em uma modalidade de guarda […] que estabelece uma co-responsabilização igualitária e conjunta de ambos os pais nas decisões importantes acerca dos filhos comuns. Nela, não há a figura de um guardião único e o não guardião secundário e periférico; não há divisões rígidas de papéis […] mas sim o compartilhamento de tarefas referentes à manutenção e cuidado com os filhos menores; nenhuma atitude poderá ser tomada sem o conhecimento e o consentimento do outro pai/mãe; ambos se tornam cientes dos acontecimentos escolares, médicos e sociais dos filhos comuns […] (2009, p. 111).”

Ao compartilharem a guarda os pais irão permanecer exercendo o poder familiar em moldes muito semelhantes àqueles que vigoravam na constância da sua união. Nessa esteira o contato com a prole se verificará bem mais intenso, mesmo com a ruptura conjugal, pois não se tolhe a autoridade de nenhum dos pais em detrimento do outro. Aqui os genitores “[…] têm períodos de convivência igualitários e não mais restritos a meras ‘visitas’ quinzenais, em horários rigidamente estipulados por sentença judicial […]” (SILVA, D.M.P. da, 2009, p. 111).

 Com o fito de atender à manutenção desta convivência peculiar às separações e divórcios onde se adota a guarda conjunta, existem pelo menos três espécies de ajustes no tocante à residência dos filhos: podem continuar no mesmo domicílio em que já moravam; deverão alternar períodos entre os domicílios do pai e da mãe ou ainda poderão morar conforme o sistema de aninhamento.

A primeira forma de arranjo da guarda compartilhada consiste em fixar um domicílio para a prole, inicialmente a exemplo do que ocorre na guarda unilateral, com a diferença de que o outro genitor que não reside mais no mesmo endereço manteria diariamente contato com os menores, sem a necessidade de obedecer a ordem judicial alguma (DINIZ, 2007, v. 5). Existe uma flexibilidade, na qual os pais poderão acordar como as crianças e adolescentes irão conviver em seu cotidiano com ambos.

É possível que os filhos tenham dois domicílios, alternando os dias em que passarão na casa do pai ou da mãe, conforme o relato abaixo publicado na Revista Isto é:

“Há cinco anos o cotidiano dos irmãos Gabriela, 14 anos, Carolina, 12, e Gustavo, 10, é dividido em duas casas. Eles mantêm quartos, computadores, roupas e objetos pessoais num apartamento na Vila Mariana, bairro paulistano onde moram com a mãe, a juíza Fernanda Pernambuco, e no Morumbi, onde está o pai, o empresário Roberto Moron. Dormem cada dia na residência de um e alternam os fins de semana entre eles. Um motorista particular, contratado pelos pais, é responsável pelo transporte da prole. À primeira vista inusitada e confusa, a rotina – muito bem organizada, por sinal, – desse trio tem se tornado cada vez mais comum entre filhos de pais separados que optaram por acabar com o casamento, mas não com a família. Para isso, adotaram a guarda compartilhada ou conjunta […] (JORDÃO; RUBIN, 2011, p. 68).”

Ainda é possível encontrar na doutrina a definição da guarda compartilhada desta vez por aninhamento: “O filho permanece na residência e são os genitores que se revezam, mudando-se periodicamente cada um deles para a casa em que o filho permanece.” (DIAS, 2010, p. 437). Neste caso, contudo, existe a necessidade de manutenção de três residências, o que demanda situação econômica favorável de ambos os pais.

A escolha por este tipo de guarda obedece à regra do consenso do casal, a mesma que vale para a opção pela guarda unilateral (art. 1.584, inciso I do CC/02). Mas percebe-se que o legislador dá prioridade à guarda conjunta, vide a redação do § 1º do art. 1584: “Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.”

Ainda deve-se ressaltar um fenômeno chamado “guarda compartilhada de fato”, que não consta nos números oficiais, mas pode se verificar em casos de guarda unilateral: os pais acordam sozinhos, a despeito da estipulação do sistema de visitas, que a repartição de responsabilidades e a convivência entre eles e a prole será semelhante ao sistema de guarda conjunta (QUINTAS, 2010).

2.3 A guarda alternada

A legislação não a prevê expressamente mas a doutrina a elenca como um dos possíveis tipos de guarda por estar presente em legislações estrangeiras. Neste caso o menor passará um período preestabelecido de tempo, geralmente longo (um mês, um semestre ou um ano) residindo com a mãe, e outro período equivalente residindo com o pai. Quem detiver a guarda física da criança e do adolescente também deverá incumbir-se dos deveres de educa-lo, vigiá-lo, enfim, suprir todas as suas necessidades, enquanto que o outro genitor poderá, até ser a sua vez que ter a guarda física, contribuir financeiramente.

O exercício efetivo do poder familiar alterna-se, encontrando-se ora nas mãos maternas, ora concentrado na figura paterna. Quando a mãe, por exemplo, detiver a guarda, ao pai caberá visitar o filho, e a situação inverte-se, quando ao pai couber deter a guarda. É um sistema de revezamento, portanto, da autoridade parental.

A guarda alternada assemelha-se ao tipo unilateral, “[…] com a diferença de que neste, a guarda é exercida por um único genitor indefinidamente, enquanto naquele ocorre alternância de guarda entre os pais por períodos equitativos.” (SILVA, D. M. P. da, 2009, p. 115). Também não se deve confundir a alternada com a guarda conjunta:

“A ideia principal de compartilhar a guarda é tomar decisões e assumir responsabilidades em conjunto, o que não ocorre se a guarda for alternada, em que cada um dos pais assume os deveres para com seu filho sozinho, enquanto estiverem em sua companhia […] (QUINTAS, 2010, p.30).”

Na jurisprudência não se costuma verificar julgados favoráveis à adoção deste tipo de guarda, como no exemplo abaixo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – FILHO MENOR (5 ANOS DE IDADE) – REGULAMENTAÇÃO DE VISITA – GUARDA ALTERNADA INDEFERIDA – INTERESSE DO MENOR DEVE SOBRESSAIR AO DOS PAIS – AGRAVO DESPROVIDO. Nos casos que envolvem guarda de filho e direito de visita, é imperioso ater-se sempre ao interesse do menor. A guarda alternada, permanecendo o filho uma semana com cada um dos pais, não é aconselhável pois as repetidas quebras na continuidade das relações e ambivalência afetiva, o elevado número de separações e reaproximações provocam no menor instabilidade emocional e psíquica, prejudicando seu normal desenvolvimento, por vezes retrocessos irrecuperáveis, a não recomendar o modelo alternado, uma caricata divisão pela metade em que os pais são obrigados por lei a dividir pela metade o tempo passado com os filhos (Agravo de Instrumento nº 00.000236-4, Tribunal de Justiça de SC,   Relator: Alcides Aguiar, Julgado em 26.06.2000).”

A doutrina majoritária percebe que este tipo de guarda apresenta mais problemas do que vantagens. Primeiro, a criança como ser em fase de formação da personalidade necessitaria criar vínculos mais firmes e constantes com os pais, a comunidade, os amigos de escola, e as constantes mudanças por tempo prolongamento acarretariam a perda de um referencial de comportamento (DIAS, 2010). Também haveria um terreno fértil para contendas entre os pais, pois cada um educaria o filho à sua maneira quando detivesse a guarda, e o outro ver-se-ia obrigado a modificar todo o sistema implantado na residência do genitor que antes deteve a guarda (PERES, 2000).

2.4 Comparações entre a guarda unilateral e a guarda compartilhada

Com a previsão de dois tipos de guarda em nossa lei civil iniciou-se um debate em várias áreas do conhecimento ligadas à questão da guarda (psiquiatria, psicologia, serviço social, etc.). Tanto juristas como outros profissionais que lidavam com o direito de família começaram a traçar paralelos entre a guarda unilateral e a compartilhada, percebendo as vantagens e prejuízos de cada uma.

A guarda compartilhada seria aquela que mais atenderia ao melhor interesse infanto-juvenil, segundo significativa parcela da doutrina. Embora dificilmente algum autor defina em que consiste tal interesse, a explicação de Maria Helena Diniz esclarece em que sentido uma decisão tomada pelos genitores pode atender a este interesse:

“Atenderá ao superior interesse do menor se levar em conta todos os elementos conducentes ao seu bom desenvolvimento educacional, à sua saúde física e psíquica, à sua realização pessoal, ao respeito à sua dignidade como ser humano, etc (2007, p. 303, v. 5).”

Inegavelmente a manutenção da convivência familiar é imprescindível ao atendimento deste interesse, tendo em vista que a necessidade que o menor possui de estar em companhia de ambos os pais:

“A estrutura emocional de uma criança deve ser bem cuidada e ao mesmo tempo, esta deve ter o direito de tecer suas próprias impressões sobre o par parental que deve neste lugar. O que finda é a relação conjugal do casal. A relação enquanto ‘pais’, essa é para sempre (SILVA, D. M. P. da, 2009, p. 128).”

Nesse diapasão percebe-se que a guarda compartilhada, por conferir aos pais um período de tempo mais igualitário de contato com a prole, é a mais indicada para a efetivação do direito fundamental à convivência familiar insculpido no artigo 227 da Constituição Federal.

Outro ponto em que a guarda unilateral se revela menos benéfica relaciona-se com a distribuição de responsabilidades entre o pai e a mãe. Antes da atual Constituição os papéis desempenhados pelos genitores eram nitidamente distintos, pois a cultura brasileira tradicionalmente confere à mulher o papel de cuidadora, e ao homem o de provedor (VALENTE, In: PAULINO, 2008, p. 82). Tais funções engessadas encontram-se em desacordo com a isonomia entre os sexos consagrada na Carta Magna de 1988:

“A igualdade entre homem e mulher e sua consequente atribuição de direitos e responsabilidades encontra na expressão compartilhar uma solução quando se trata de guarda de filhos. […] a guarda compartilhada é a que melhor se adequará à realidade atual, na maioria dos casos. Afinal, se distribui de forma mais justa aos pais os poderes e deveres em relação aos filhos, não permitindo a criação de estereótipos rígidos entre os sexos, proporcionando à criança a visão real do mundo de hoje (QUINTAS, 2010, p.55).”

Ao se compartilhar a guarda este tratamento isonômico restará efetivado pois a escolha pelo tipo unilateral invariavelmente leva a uma sobrecarga de obrigações nas mãos do genitor guardião, enquanto que confere ao outro genitor o papel de mero expectador da criação de seus filhos (PERES, 2000).

Apesar dos inconvenientes apontados quando da opção pela guarda unilateral alguns autores defendem que este tipo será o único passível de verificar, na prática, em função do grau de animosidade que por ventura exista na relação que se estabeleceu entre o casal: “[…] para que os pais possam compartilhar a guarda dos filhos é importante que tenham maturidade emocional, que possam separar suas questões conjugais de suas questões parentais […]” (FÉRES-CARNEIRO, In: Paulino, 2008, p.67). Em sede de jurisprudência existem aqueles que adotam tal pensamento:

“EMENTA:  GUARDA COMPARTILHADA. LITÍGIO ENTRE OS PAIS. DESCABIMENTO. […] 3. Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos. 4. Quando o litígio é uma constante, a guarda compartilhada é descabida. Recurso desprovido (Apelação Cível Nº 70031179252, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 28/04/2010).”

Contrapondo-se a tal posição existem os que defendem que o imperativo a ser obedecido é o melhor interesse da criança, que, por sua vez, é atendido na medida em que a separação dos pais não prejudicar o seu direito de conviver com ambos. A simples existência de desacordos entre os pais não ensejaria a opção pela guarda unilateral, tendo em vista que o cenário no qual se desenrola a ruptura conjugal quase sempre é desfavorável ao diálogo entre os genitores (DIAS, 2010). Decisão da ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça é nesse sentido:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. […] 3. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 4. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 5. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole […] (REsp 1251000/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 31/08/2011).”

Outro aspecto que desperta opiniões contrárias diz respeito à necessidade de, após a ruptura conjugal, os genitores morarem na mesma cidade para possibilitar a adoção da guarda compartilhada, já que é característica deste modelo o contato intenso com ambos os pais (PERES, 2000; QUINTAS, 2010). Para Rodrigo da Cunha Pereira a distância por si só não é impedimento para que a guarda conjunta seja efetivada pois acima de qualquer obstáculo deve estar o respeito ao direito infanto-juvenil à convivência familiar (JORDÃO; RUBIN, 2011). Dependendo dos casos concretos verifica-se que a disponibilidade de horários, a condição financeira dos ex-cônjuges e a disponibilidade de meios de transporte suplanta este eventual empecilho (DIAS, 2010).

Apesar de tais aspectos polêmicos e da tradição pela escolha da guarda unilateral, nota-se um crescimento, em termos estatísticos, da adoção da modalidade conjunta em separações e divórcios ocorridos no país, segundo o IBGE. Do ano de 2004 ao ano de 2009 a opção por este tipo de guarda subiu de 2,4% para 4,7%. (JORDÃO; RUBIN, 2011).

2.5 Principais disposições do código civil de 2002 sobre a guarda

Consoante já mencionado, pela regra do inciso I do art. 1.584 do CC/02 o consenso entre os pais deve ser respeitado, no tocante à escolha da modalidade de guarda. Em caso de divergência cabe ao magistrado determinar o tipo de guarda “[…] em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.” (inciso II do art. 1.584). Aqui alguns juristas, conforme também já visto, afirmam que, mesmo diante da discórdia entre os pais deve o magistrado impor que a guarda seja conjunta, posição esta que não é expressamente acolhida pela lei.

Mesmo diante de consenso entre os genitores, o que for acordado deverá passar pelo crivo do juiz. Considerando que a avença não respeita os interesses dos menores (parágrafo único do art. 1.574), a dissolução da sociedade conjugal não poderá ser homologada.

A doutrina elenca alguns critérios cuja observação pelo magistrado se faz imperiosa na determinação ou aceitação do que os cônjuges resolverem acerca da guarda: a idade do filho menor, a existência de irmãos, a oitiva do menor e a conduta dos pais (SILVA, D. M. P. da, 2009). Enquanto a criança contar com até 24 meses é recomendável que a mãe detenha a guarda, conforme entendimento pacífico da jurisprudência. Também é solidamente firmada pelos tribunais a opinião de que irmãos não devem ser separados, ou seja, devem todos estar sob o mesmo modelo de guarda (se for unilateral, todos devem estar sob a guarda da mesma pessoa) (DIAS, 2010). Quanto à oitiva do menor, a legislação silencia a respeito de qual a faixa etária em que tal prática deve ser permitida. Se for constatado que o menor possui uma certa maturidade, o juiz certamente levará em conta a sua vontade ao prolatar a sentença. (FÉRES-CARNEIRO, In: Paulino, 2008).

Verificado algum comportamento que implique em desconsideração aos deveres inerentes ao poder familiar, o exercício deste último poderá ser limitado ou mesmo suprimido pelo Estado, através do Poder Judiciário. O CC/02 e o ECA apresentam dispositivos referentes à suspensão e à perda do poder familiar, que são espécies de sanções aplicadas àqueles que descumprirem as obrigações parentais.

A suspensão pode ser resumida em medida de limitação de todas ou somente algumas das prerrogativas da autoridade parental, alcançando todos ou somente alguns dos filhos. Suas causas estão elencadas no art. 1.637 do Código Civil de 2002: quando os genitores abusam de sua autoridade ou forem condenados criminalmente, por crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. Na primeira hipótese, o próprio texto legal configura como abuso, o ato de faltar com os deveres inerentes ao poder familiar ou arruinar os bens dos filhos. Os referidos deveres não se limitam àqueles elencados no Código Civil em seu art. 1634, a exemplo da obrigação de criar e educar os filhos. Também é incumbência dos pais “[…] assegurar aos filhos o direito à vida, à saúde, lazer, profissionalização, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária […]” (GONÇALVES, 2005, p. 376, v. 6, grifo nosso).

A perda constitui a destituição do poder familiar, em relação a todos os filhos, sendo justificada por razões de maior gravidade. O art. 1.638 cuida das situações que justificam a sanção mais severa direcionada aos titulares do poder familiar:

“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.”

Em quaisquer dos dois casos, observa-se que um ou ambos os pais poderão ser privados de prerrogativas inerentes ao poder familiar, dentre elas a guarda e companhia da prole. O juiz pode restringir ou proibir a convivência familiar quando imprescindível à preservação do “[…] interesse dos filhos, afastando-os de influências nocivas” (DIAS, 2010, p. 427).  A doutrina admite a “[…] adoção de qualquer medida restritiva necessária para proteger os interesses do incapaz, coibindo o comportamento abusivo do pai que seja faltoso aos deveres paternos ou ruinoso aos bens do filho” (COMEL, 2003, p. 280, grifo da autora). Voltará a gozar da guarda e da companhia da prole aquele genitor que comprovar em juízo a cessação das causas que provocaram a perda, desde que atendido o superior interesse do menor (GONÇALVES, 2005, v. 6).

Imaginando-se que nem o pai nem a mãe podem exercer em sua plenitude o poder familiar (afetando diretamente a guarda dos filhos) por meio de suspensão ou por perderem tal poder, o § 5º do art. 1.584 prevê que será escolhida outra pessoa, de preferência da família, para exercer o guarda do menor. A legislação, percebe-se, mantêm dispositivos que regulam a guarda de modo a não permitir que o exercício do poder familiar comprometa o saudável desenvolvimento de crianças e adolescentes, inclusive prevendo que o juiz não está adstrito à escolha consensual feita pelo casal que se divorcia, nem deve possibilitar que a guarda permaneça nas mãos de pais negligentes e abusadores.

3 Alienação parental e sua respectiva síndrome: considerações iniciais

A convivência familiar é direito da criança e do adolescente que merece ser respeitado, sobretudo, diante da dissolução do casamento ou da união estável de seus genitores. Para tanto, o ordenamento jurídico disciplina como serão exercidas a guarda e a visitação, ressalvando que a interrupção do convívio familiar, mesmo após o divórcio do casal ou o fim da união estável, é medida de exceção. Somente cabível, como anteriormente visto, nos casos expressamente previstos em lei para proteger a integridade físico-psíquica do menor.

Apesar disto vislumbra-se uma hipótese em que concretamente o direito à convivência familiar é desrespeitado. É o caso de atitudes tomadas por um dos genitores com o objetivo de romper o contato do outro com a prole sem merecer nenhum respaldo legal, e, por vezes, através de falsas denúncias que ensejam, no âmbito do judiciário, disputas de guarda. Fala-se então na existência de alienação parental, caso em que ilegalmente a convivência familiar poderá cessar.

 3.1 Conceito de alienação parental e sua respectiva síndrome

O psiquiatra americano Richard Gardner foi o precursor dos estudos relacionados à síndrome da alienação parental. Seu estudo focou-se no acompanhamento de filhos menores de pais e mães que enfrentavam separações judiciais. Gardner reparou que “[…] as crianças mantinham um bom relacionamento com ambos os pais, desde que o progenitor com a guarda não manifestasse a intenção de eliminar o outro progenitor da relação.” (CALÇADA, 2008, P.15). Alguns dos pais que exerciam a tarefa de guardar poderiam estar afastando indevidamente seus filhos daquele genitor ao qual coube a função de visitar.

Gardner ainda apontou que crianças e adolescentes, submetidos à convivência com o genitor guardião, apresentariam com o passar do tempo comportamento semelhante, aparentando não desejarem de livre e espontânea vontade a companhia do genitor visitante.  Este até então não vinha merecendo pesquisas ou qualquer tipo de estudo acadêmico, pois o que frequentemente chamava a atenção eram os casos drásticos em que um dos pais fugiria raptando o menor (PINHO, 2009).

“A definição de alienação parental surge para enunciar o processo que consiste em manter uma criança ou adolescente afastado do convívio de um ou ambos os genitores. O psiquiatra Richard Gardner descreveu os efeitos deste processo como síndrome da alienação parental, em seus estudos, conduzidos nos EUA, a partir da década de 80. Esses efeitos referem-se às reações emocionais negativas de crianças/adolescentes em seu relacionamento com genitores visitantes. Tais emoções não estariam vinculadas a atitudes inadequadas ou abusivas do genitor visitante, porém demonstravam estar vinculadas ao litígio entre os genitores (GOLDRAJCH; MACIEL;VALENTE, 2006, p. 07).”

O termo “síndrome” designa em psiquiatria um conjunto de sintomas, e neste caso, o comportamento da criança ou do adolescente daria indícios de que estariam sendo vítimas de práticas de alienação parental (CALÇADA, 2008). Por sua vez a palavra “alienação” vem do latim alienatio, relacionando-se à atitude de arrebatamento, separação, desligamento, e é por isso que este vocábulo foi designado para identificar as atitudes que o genitor guardião toma, de maneira contínua e por vezes sutil, com a finalidade de incutir em seus filhos aversão ao contato com o genitor visitante. Este último recebe então a alcunha de “genitor alienado” ou “genitor alvo” enquanto que o outro é denominado de “alienante” ou “alienador”.

A Lei nº 12.318/10 trata especificamente sobre a alienação parental e assim a descreve:

“Art. 2o  Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.” 

Pelo que se compreende no artigo acima o processo de alienação não é apenas desencadeado pela figura do pai ou da mãe. Não se pode negar que o legislador obedeceu à doutrina especializada no assunto, que, por sua vez, frisa a participação de outros familiares como uma possibilidade. (CALÇADA, 2009; DIAS, 2010). Os avós, por exemplo, podem substituir a figura de um pai ou uma mãe alienadores. Geralmente esta situação ocorre quando a criança ou o adolescente é fruto de um envolvimento entre genitores muito jovens, e passa a ser cuidadas, na prática, pelos pais destes. Ou quando a mãe ou o pai falecem, e o neto passa a ser criado pelos pais do falecido (a). Os avós podem desenvolver um sentimento de posse que, aliado ao fato de se sentirem solitários, podem desencadear atitudes típicas de um genitor alienador (VALENTE, In: PAULINO, 2008).

3.2 Motivos e atitudes típicas do genitor alienador

De maneira breve, pode-se dizer que as razões determinantes ao desencadeamento de um processo alienatório estão relacionadas à ruptura conjugal. As perdas inerentes ao divórcio são de várias categoriais: perda de bens, de domicílio, de status, como exemplos, o que pode desencadear desejo de vingar-se do outro através dos filhos (FONSECA, 2006). Tal anseio por retaliação chega a ser descrito no bojo de um clássico do escritor grego Eurípedes, quando conta sobre a história do herói Jasão. Surge no mito a personagem Medéia, que casa-se com ele mas é abandonada depois de lhe dar filhos, e os mata, ao perceber que o marido irá se casar com outra (SILVA, D. M. P. da, 2009).

Comparando mito e realidade, Andreia Calçada (2008, p. 14) conclui que as “Medéias atuais” não chegam a este ponto tão drástico, mas para vingar-se dos ex-esposos “[…] o fazem destruindo, impedindo e obstruindo a relação do progenitor sem convívio com o filho.”. E ainda acrescenta que, justamente com base na história narrada alguns autores preferem denominar “Síndrome de Medéia” ou “Síndrome da Mãe Maldosa Associada ao Divórcio”. O próximo capítulo, visando atender ao objetivo principal deste trabalho, tratará de maneira mais abrangente o contexto em que a alienação se inicia. Maria Berenice Dias acrescenta que estas denominações da síndrome também levam em conta dados estatísticos de países estrangeiros onde se comprova que a mãe exerce o papel de alienadora com mais frequência (2010).

 Estudiosos da alienação parental elencam diversas atitudes que, cotidianamente, são tomadas por um dos genitores com vistas a promover o processo de alienação. Algumas delas podem parecer, à primeira vista, um simples “esquecimento”, um “desleixo” por parte do alienador, mas que, com o tempo, acabam por reduzir drasticamente a presença do alienado em momentos significativos para seus filhos. Alexandra Ullmann (2008) fornece alguns exemplos: é típico do genitor alienador “esquecer” de informar o alienado sobre consultas médicas ou reuniões escolares dos filhos; de informar sobre festas escolares ou em casa de amigos, e de repassar ao filho os recados por ventura deixados pelo genitor alienado. A referida autora ressalta que este comportamento ainda pode ser tido como manifestação “branda” da alienação parental, pois estas condutas podem evoluir em grau de nocividade.

O pai ou a mãe que promovem a alienação costumam organizar, no dia e horário coincidentes com o das visitas, atividades que sabem ser de interesse dos filhos; inventam justificativas para impedir que a criança ou o adolescente falem com o genitor alienado através da internet ou de telefonemas, dizendo a este último, por exemplo, que os filhos se encontram doentes e acamados; controlam excessivamente a duração das visitas; telefonam constantemente para os filhos enquanto estes desfrutam da presença do genitor alienado, ou utilizam-se de quaisquer outros artifícios para impedir o contato entre este e a prole (MOTTA, In: PAULINO, 2008).

Não é incomum observar a tentativa, por parte do alienador, de esconder ou destruir os presentes enviados aos filhos pelo genitor alienado; sugerir à prole que este possui qualquer tipo de vício que põe à prova sua idoneidade moral (ex: vício em entorpecentes); agredir a figura do genitor “alvo” de qualquer maneira, inclusive por meio de palavrões; imputar a este último fatos desonrosos ou mesmo criminosos; tratar de maneira descortês o cônjuge ou companheiro do genitor alienado; estender à família e aos amigos deste último toda a sorte de insultos que lhe são dirigidos; sair de férias sem os filhos e deixá-los com pessoas estranhas ao círculo de parentes a amigos do genitor alienado, “esquecendo-se” de avisar a este quem é a pessoa responsável, neste período, pelo cuidado com os filhos (MOTTA, In: PAULINO, 2008).

 Priscila Fonseca (2006) ainda relata outra medida, de cunho mais drástico, que pode ser tomada no auge do processo de alienação: a transferência de domicílio, seja para outra cidade, seja para outro Estado, ou, em alguns casos, para outro país. O genitor alienador e seu filho se mudam abruptamente, em nome de justificativas que, mediante investigação, se revelam incoerentes com a realidade.

A própria Lei nº12.318/10 acrescenta um parágrafo ao mencionado artigo 2º contendo um rol não taxativo para nortear a identificação de atos alienantes:

“Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:  

I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 

II – dificultar o exercício da autoridade parental; 

III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 

IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 

V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; 

VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 

VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.” 

 Todos os métodos que estiverem à disposição do alienante poderão ser utilizados, inclusive de forma simultânea. Em qualquer situação, percebe-se que o comportamento da criança ou do adolescente não deve ser levado em consideração de maneira isolada, e sim analisado conjuntamente com as atitudes de seu genitor guardião, e que o legislador conseguiu listar condutas tidas pelos especialistas como as mais comuns em relatos de casos concretos.

Justamente algumas destas situações foram relatadas na reportagem “Famílias Dilaceradas”, também realizada pela Revista Isto É. A jornalista Cláudia Jordão (2008) apresenta a coleta de depoimentos de pais e filhos vítimas da atuação de genitores alienadores, mostrando a variada gama de estratégias utilizadas por estes. Uma das entrevistadas, de nome Karla, conta que tinha oito anos, em 1978, e há seis não via o pai. Naquele ano receberia a visita deste último, o que a deixou esperançosa em reaver o contato diário com o genitor. Sua mãe informou-lhe de que o local do encontro seria em um restaurante, e para lá seguiu com a filha, mas o pai, entretanto, não apareceu. A mãe repetia que o pai era descompromissado, e nunca haveria de comparecer a uma visita porque não se importava com a filha. Onze anos depois deste episódio, Karla recebeu uma ligação inesperada de seu pai, na qual descobriu que sua mãe havia informado a este que o encontro seria em uma praia da mesma cidade. Seu pai também se frustrou, concluindo que a filha não desejava contato com ele.

A referida reportagem também a história do publicitário Paulo Martins. Este alega que, por ocasião das visitas, seus dois filhos (uma adolescente de quinze anos e um menino de dez) frequentemente apresentam desculpas para faltar ao compromisso, ou mudam de comportamento enquanto estavam na presença da mãe (ex-cônjuge do publicitário). Paulo narrou episódio em que contou à filha mais velha o plano de promover festa de aniversário em comemoração aos quinze anos desta. A adolescente teria aceitado, manifestando expectativa e animação diante da ideia. Ao comunicá-la à mãe, esta tomou a decisão de que a filha estaria proibida de ir caso o pai levasse a atual esposa à festa. Como Paulo não quis ceder, sua filha anunciou que não iria comparecer às vésperas do evento.

3.3 O mecanismo que instala a síndrome da alienação parental e os seus estágios

Pela reiteração de práticas alienantes a criança ou o adolescente serão induzidos a experimentar um conflito de lealdade. Se insistirem na manutenção de vínculos com o genitor “alvo”, sofrerão uma chantagem emocional por parte do outro genitor alienante. “A criança é posta em uma situação de dependência e fica submetida regularmente a provas de lealdade. Este procedimento atua sobre a emoção mais fundamental do ser humano: o medo de ser abandonado” (MOTTA, In: PAULINO, 2008, p. 49). Este mecanismo do conflito surte efeito de maneira cada vez mais eficaz à medida que o filho passa a ser submetido desde a mais tenra idade. Isto porque crianças muito pequenas dependem dos adultos para discriminar entre sentimentos e fatos, para construir a percepção da realidade, e até uma noção adequada de si mesma. (FÉRES-CARNEIRO, In: PAULINO, 2008).

Por temor de que tais ameaças se concretizem, o filho passa a manifestar, aparentemente por livre e espontânea vontade, o desejo de interromper os contatos com o genitor alienado. Gozando de mais tempo livre com seu filho, o genitor alienante intensifica sua cruzada difamatória contra o outro, programando a criança ou o adolescente para que odeie de modo crescente o outro genitor, e assim suas recusas em visitá-lo pareçam cada vez mais espontâneas e justificadas. Chega um ponto em que o filho demonstra completo desinteresse na manutenção da convivência familiar por acreditar, cabalmente, que todas as ações e argumentos do alienador procedem. Não é mais a chantagem que lhe incute medo, e sim a “lavagem cerebral” que finalmente obteve êxito (SILVA, D. M. P. da, 2009).

Segundo François Podevyn (2001), desde o seu início a síndrome da alienação parental apresenta três estágios de desenvolvimento, considerados a partir do comportamento verificado na criança ou no adolescente. No estágio leve o filho ainda não apresenta nenhum tipo de recusa ou mesmo culpa em estar na companhia do genitor alienado, que, por sua vez, não encontra sérios obstáculos à visitação.

À medida, contudo, que o alienador intensifica sua campanha de desmoralização, a síndrome encaminha-se para o grau médio. Neste caso o filho começa a se sentir culpado pelas demonstrações de satisfação em estar na companhia do genitor alienado, e para não desagradar o outro, concorda em cancelar visitas por motivos diversos. Quando a visitação tem de ocorrer, a criança ou o adolescente mostra resistência em seguir com o genitor “alvo”, por temer a ira do genitor alienante. Durante o tempo de convívio com o visitante, o filho tem comportamento hostil e até provocador, pois já tende a reproduzir as queixas fantasiosas do alienante (SILVA, I. J. O. da, 2009).

No último estágio (grave) a criança ou o adolescente não sentem culpa em resistir ao convívio com o genitor alienado, por estarem plenamente convencidos da veracidade das acusações promovidas pelo alienador. Os momentos de visitação se tornam raros, pois o próprio filho se recusa terminantemente a manter contato com o genitor alienado, demonstrando resistência ou através de desculpas inventadas de última hora. Os sentimentos daquele são de raiva e temor em relação tanto à figura do alienado como às pessoas que fazem parte da família deste último (PODEVYN, 2001).

Gardner (2002) explica que, anterior ao encontro com o genitor alienado, o filho experimenta uma ansiedade crescente caso desenvolva um sentimento de culpa por estar desagradando o genitor alienante. Esta ansiedade evolui para um transtorno, que o especialista denominou “Transtorno de ansiedade de separação”. É perceptível a aflição excessiva que o filho experimenta diante da separação da figura do genitor alienante, inclusive revertendo-se em sintomas físicos: dores de cabeça, de estômago, náuseas e vômitos.

Evandro Luis Silva e Márcio Resende (In: PAULINO, 2008, p. 28) concluem que a síndrome está instalada quando a criança ou o adolescente apresentam desapego total em relação ao genitor ausente “[…] substituindo todos os sentimentos que tinham da época que conviveram, pelos de quem detém a guarda.”.

3.4 Falsas acusações de abuso sexual e o uso do poder judiciário

A guarda a ser definida a partir da ruptura conjugal deveria obedecer a parâmetros consensuais dos pais e servir ao desempenho máximo de suas funções para com os filhos, obviamente respeitando-se as peculiaridades do caso concreto. Como não cabe ao magistrado simplesmente impor de forma automática como se dará a convivência familiar pós-divórcio, existe o risco de que um processo de alienação parental, bem conduzido, possa influenciar na escolha do tipo de guarda e de quem será o guardião.

Se o genitor alienador, no âmbito doméstico, consegue empreender o afastamento da prole em relação ao outro, poderá utilizar-se da lei para o escuso fim de definitivamente cortar os laços que ainda restam da antiga convivência. A manipulação de crianças e adolescentes contribuirá para convencer magistrados, advogados e ministério público acerca da “inocência” do alienador”, pois os filhos reproduzirão o seu discurso: o genitor alienado é uma ameaça em vários aspectos e por isso a ele não cabe sequer compartilhar a guarda, no máximo visitas:

“Nesse aspecto, os Tribunais de Família desde há muito, têm assistido a disputas em custódia de crianças que se recusam terminantemente a conviver com um dos genitores, as quais apresentam doenças psicossomáticas, crises emocionais, ou de birra, às vésperas do encontro com o genitor que rejeitam; relatam acontecimentos inexistentes atribuídos a ele […] (SILVA, I. J. O. da, 2009, p. 62).”

As alegações partem do alienador e são reproduzidas por seus filhos, referindo-se a diversos assuntos: o alienado poderia estar apresentando comportamento perigoso, abandonou intelectual ou moralmente o filho, deixou de pagar alimentos, entre outras. Como ressalta Maria Pisano Motta:

“É importante que se observe a diferença entre o real desamparo e algum limite eventualmente imposto pelo genitor alienado, negando-se, por exemplo a pagar vultosos montantes exigidos pelo genitor alienador que faz as exigências descabidas como fruto do desejo de vingança, como desejo de ser ressarcido pelo “abandono” e assim por diante (In: PAULINO, 2008, p. 43).” 

O alienador pode contar inclusive com o apoio de familiares e amigos para reforçar a sua versão (DIAS, 2010). Além disso, no caso das mulheres, estas contam com o pensamento tradicional de que são mais capacitadas naturalmente para educarem e criarem a prole, pois ao homem não foi dado este potencial (VALENTE, In: PAULINO, 2008). Municiado de tais “armas” não é difícil conseguir o deferimento judicial de guarda unilateral colocando o genitor alienado como visitante, ou, o mais grave, tentando obter a chancela do juiz para suspender ou decretar a perda do poder familiar deste último.

Tais medidas extremas serão conseguidas através da forma mais agressiva de alienação parental, aquela que rapidamente leva ao surgimento da síndrome: com acusações de abuso sexual, supostamente praticados pelo genitor alienado, contra os filhos.

Tais são os elementos caracterizadores de tal abuso: a ameaça física ou psíquica direcionada a uma pessoa com a finalidade de satisfazer as necessidades sexuais de outrem, não importando o grau de perversão da conduta sexual deste último (2009). De um lado existe desejo, do outro haverá repúdio, e, principalmente, ladeados pelo medo. A situação acima pode ser inventada pelo genitor alienador, e o que é mais grave, pode levar o filho ao convencimento de que realmente foi molestado, pela implantação de falsas memórias (DIAS, 2010).

Significa que fatos passados podem ser relembrados de maneira completamente diferente daquela em que se operaram. Não importa a idade que se tenha, a memória não é completamente confiável: “[…] lembranças do passado não reconstroem literalmente os eventos e, sim, se constroem influenciadas por expectativas e crenças da pessoa, e pela informação do presente.” (CALÇADA, 2008, p. 35). As pessoas mais suscetíveis à isto são as crianças (para o ECA, indivíduos com até doze anos incompletos):

“A compreensão cognitiva e a visão que elas têm do mundo e das pessoas é moldada por um conglomerado de percepções imediatas, combinadas com percepções que os adultos que delas cuidam, compartilham com elas. (MOTTA, In: PAULINO, 2008, p. 48).”

Deturpando fatos verídicos a criança ou mesmo um adolescente, por depositarem confiança no genitor alienador, poderão acreditar que foram vítimas de um abuso inexistente, partindo de uma deturpação da realidade:

“[…] as circunstâncias são distorcidas, sejam quais forem: uma fala da criança, o surgimento de um problema genital por falta de higiene, ou um gesto afetivo do pai/mãe acusado, tornam-se motivo para interpretações equivocadas. […] Observa-se com o passar do tempo que a própria criança se torna cúmplice e/ou passa a acreditar na história forjada pelo(a) falso(a) acusador(a), pois dele depende em vários setores, desde o afetivo até o financeiro […] (SILVA, D. M. P., 2009, p. 158).”

Diante de qualquer tipo de denuncia, resta ao alienado buscar sua defesa, mas nos casos de suposto abuso sexual a situação ensejará, provavelmente, uma ordem judicial suspendendo o seu poder familiar, com vistas à averiguação da verossimilhança das acusações e a proteção do “molestado”:

“[…] em quase 100% das falsas acusações de abuso sexual o juízo, em atenção ao princípio do “melhor interesse da criança”, afasta o acusado sem que ele tenha, a princípio, o menor direito de defesa, e o submete a um cem número de procedimentos judiciais e extrajudiciais para provar a existência ou não do abuso […] (ULLMANN, 2010, p. 65).”

De fato, após a denúncia seguir-se-ão exames laboratoriais e realizados por psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras, todos com o fito de atestar ou não o abuso físico ou, como meio de defesa do acusado, concluir pela não existência da violência e um possível desencadeamento da síndrome da alienação parental, pois a suposta “vítima” provavelmente confirmará a versão do alienador. A Lei nº 12.318/10 dispõe neste sentido:

“Art. 5o  Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. 

§ 1o  O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. 

§ 2o  A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.  

§ 3o  O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.” 

Imaginando-se que, ao cabo de todos os possíveis testes, seja negada a alegação feita pelo alienador, especialistas na dinâmica familiar alertam para o grave dano que já pode estar instaurado: durante a disputa de guarda, onde as visitas foram obstaculizadas ou enquanto se investigava o suposto abuso, os filhos se mantiveram completamente afastados de um dos pais, e o retorno ao convívio obviamente não será pacífico em termos emocionais:

“O que mais importa com a detecção da síndrome da alienação parental é a reconstrução do vínculo familiar da criança e do ente alienado. Esta reconstrução do vínculo se dará de forma lenta, e, infelizmente, de forma dolorosa para o filho, pois partirá da premissa de que a pessoa em quem ele mais confiava manipulou, mentiu e enganou para satisfazer seu desejo doentio de afastar o ente alienado de sua existência. A desconstrução de uma verdade inquestionável trará para a criança sofrimento, mas também grande alegria e alívio, posto que ela não sentirá mais de gostar ou de conviver com o outro, que jamais deveria ter sido emocional e fisicamente extirpado da sua rotina (ULLMANN, 2010, p.63-64).”

Autores ainda lembram que, embora se instaure um clima mais ameno entre o filho e o genitor vítima das acusações a elaboração de uma intimidade entre essas figuras necessita ser refeita. É mais fácil seguir a ordem do magistrado no tocante à reversão da guarda em favor do alienado ou em aumento das visitas deste, mas na prática a afetividade precisa lentamente ser restaurada, o que pode demandar um acompanhamento terapêutico de toda a família (SILVA, I. J. O. da, 2009).

3.5 Sequelas perniciosas da síndrome da alienação parental

De forma mais imediata podem ser enumerados alguns sinais demonstrados e danos experimentados pelos menores vítimas da síndrome:

“São crianças que, por exemplo, costumavam ser ótimas alunas e repentinamente, ante a ausência do pai ou da mãe, apresentam uma queda no rendimento escolar, muitas vezes levando a reprovação; outras passam a ter insônia; outras ficam ansiosas, agressivas, deprimidas, enfim, marcadas por algum sofrimento (SILVA, E. L.; RESENDE, In: PAULINO, 2008, p. 29).”

Ao longo dos estágios de agravamento da síndrome a criança ou o adolescente, à proporção que experimentam a ausência do genitor alienado, sentem a sua falta como uma perda de grande vulto, comparável à dor advinda da morte física. As semanas ou meses sem haver nenhum contato podem transformar-se em anos, e aqui uma observação se faz pertinente: as noções de tempo que a criança ou o adolescente possuem os conduzirão à sensação de que muito mais tempo se passou do que o cronologicamente marcado (FÉRES-CARNEIRO, In: PAULINO, 2008), aumentando a sua sensação de abandono.

Em virtude deste sentimento, o filho do genitor alienado aprenderá que as relações interpessoais são completamente instáveis, gerando um medo constante de ser abandonado pelas pessoas com quem convive (MOTTA, In: PAULINO, 2008). Tenderá ainda a repetir o padrão de conduta do genitor alienante, “[…] aprendendo a manipular situações, desenvolvendo um egocentrismo, uma dificuldade de relacionamento e uma grande incapacidade de adaptação.” (SILVA, E. L.; RESENDE, In: PAULINO, 2008, p. 28).

Márcio Pinho aponta dados colhidos pelo Departamento de Serviços Humanos e Sociais dos Estados Unidos, que há dez anos realizou pesquisa focada nos efeitos que a ausência da figura paterna provoca nos filhos. Foi constatado que as meninas teriam quase 3 (três) vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 50% (cinqüenta por cento) mais chances de se suicidarem. Os meninos teriam 60% (sessenta por cento) mais chances de fugirem de casa e 40% (quarenta por cento) mais chances de utilizarem drogas e álcool. Ainda segundo a pesquisa, não importando o sexo, estas crianças e adolescentes teriam 2 (duas) vezes mais chances de abandonarem os estudos, 2 (duas) vezes mais chances de serem presos e aproximadamente 4 (quatro) vezes mais chances de necessitarem de cuidados profissionais para graves problemas emocionais e comportamentais (2009).

A síndrome da alienação parental, uma vez instaurada, acarreta baixa estima em suas vítimas, fazendo com que no futuro venham a adotar comportamentos autodestrutivos, a exemplo do vício em entorpecentes e álcool. As crianças e adolescentes vítimas da síndrome ainda apresentam grande probabilidade de desenvolvimento de depressão, ansiedade, pânico, transtornos de identidade e de imagem, transtornos de conduta e dupla personalidade (CALÇADA, 2008).Quando são elaboradas falsas acusações de abuso sexual contra o genitor alienado, as consequências manifestadas nos filhos tendem a ser idênticas àquelas observadas em crianças e adolescentes que realmente foram abusados:

“Assim como no abuso sexual real, nos casos falsos a auto-estima, autoconfiança e confiança no outro ficam fortemente abaladas, abrindo caminho para que patologias graves se instalem. Na prática clínica, na avaliação de crianças vítimas de falsas acusações de abuso, observa-se, no curto prazo, conseqüências como depressão infantil, angústia, sentimento de culpa, rigidez e inflexibilidade diante das situações cotidianas, insegurança, medos e fobias, choro compulsivo, sem motivo aparente, mostrando as alterações afetivas. Já nos aspectos interpessoal observa-se dificuldade em confiar no outro, fazer amizades, estabelecer relações com pessoas mais velhas, apego excessivo à figura “acusadora” e mudança das características habituais da sexualidade manifestas em vergonha em trocar de roupa na frente de outras pessoas, não querer mostrar o corpo ou tomar banho com colegas e recusa anormal a exames médicos e ginecológicos (CALÇADA, 2008, p. 62).”

Diante da necessidade de provar que as alegações feitas pelo alienante são inverídicas, o genitor alienado também sofre os efeitos nefastos advindos da síndrome. Cresce nele o sentimento de impotência, desânimo e raiva quando constata que seu filho e o Poder Judiciário podem ser levados a acreditar nas alegações do genitor alienante.

O medo de ter suspenso o poder familiar ou mesmo de perdê-lo invariavelmente acarreta, para o alienado, dificuldade de concentração e baixo rendimento em suas tarefas profissionais, motivos estes que já são suficientes para provocar desequilíbrio em sua vida financeira. Quando se vê envolvido em falsas acusações de abuso o genitor alienador experimenta o temor de se ver condenado criminalmente e perder o contato com seu filho por anos. Conforme Márcio Pinho, todo este quadro ao qual está submetido o genitor “alvo” pode acarretar-lhe depressão, perda da confiança em si mesmo, paranóia, isolamento, estresse, desvio de personalidade, delinquência e suicídio (2009).

4 Relacionando a guarda unilateral e a síndrome da alienação parental

A síndrome da alienação parental frequentemente se manifesta em filhos de pais que se divorciaram ou cuja união estável dissolveu-se. E no bojo desta separação geralmente ficou acordado, entre os pais, a fixação da guarda unilateral. Este tipo de guarda pode apresentar relação com o desencadeamento da síndrome, o que será o objeto de estudo deste capítulo.

Para desenvolver este raciocínio serão consideradas opiniões de autores respeitados, pesquisas realizadas com famílias que estão passando por situação semelhante e exemplos de julgados proferidos por tribunais pátrios.

4.1 Contexto do divórcio ou do fim da união estável

Do ponto de vista psicológico pode-se afirmar que, da separação conjugal, resulta um “luto a ser elaborado” semelhante àquele que ocorre em situação de morte de um dos parceiros (FÉRES-CARNEIRO, In: PAULINO, 2008). Mas para determinadas pessoas torna-se extremamente difícil vivenciar este luto e superá-lo, pois se sentem como “perdedoras” a partir do momento em que a união conjugal se desfaz, na medida em que perderam o status financeiro e social que possuíam durante a união ou por simples inconformismo com o fim desta (DIAS, 2010). Visando compensar esta situação desfavorável é que alguns genitores podem vir a desempenhar o papel de alienadores:

“Quando não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge. Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência com o filho quer vingar-se, afastando este do genitor (ROSA, 2008, p. 22).”

As razões, portanto, que levam um pai ou uma mãe a utilizarem seus filhos como instrumentos de vingança repousam na própria conjuntura do casal, ao invés de relacionar-se verdadeiramente com a figura da criança ou do adolescente:

“Os motivos para que o genitor alienador inicie a instalação da síndrome em seus filhos podem ser os mais variados. Alguns podem estar cegos por sua raiva, ou ciumentos ao constatar que seu ex-cônjuge encontra-se em nova relação amorosa. Se ele não tiver também um par, pode sentir que os filhos são as únicas coisas que lhe restam. A sua cólera também pode ser provocada por fatores econômicos que envolvem inveja do genitor ‘alienante’ em relação à condição do genitor alvo ou ressentimentos por ter perdido as benesses de que usufruía na vigência do casamento, e não propriamente um desatendimento deste às necessidades dos filhos. (MOTTA, In: PAULINO, 2008, p. 38).”

Além de não conseguir se conformar com a separação, percebe-se que o genitor alienador tende a não conseguir diferenciar o exercício das funções parentais e a manutenção do estado conjugal. “Confundindo conjugalidade com parentalidade, acreditam que os problemas do relacionamento conjugal se estendem à criança […]” (FÉRES-CARNEIRO, In: PAULINO, 2008, p. 65). São indivíduos que acreditam que as duas funções estão estreitamente vinculadas.

4.2 A guarda unilateral e a síndrome da alienação parental: teorias e pesquisas

Conforme Denise Perissini da Silva (2009, p. 79) tanto nas ações que visam discutir a guarda como naquelas em que se debate sobre a visitação a filhos menores nem sempre as partes envolvidas são sinceras em suas intenções:

“A mudança de guarda é o processo no qual ambos os genitores estão em litígio, ou mesmo os avós, brigando pelo direito de residir com a criança ou adolescente; enquanto que a regulamentação de visitas é o processo proposto por aquele que não detém a guarda da criança, para assegurar o direito (e o desejo) de visitar a criança. Ambos visam o bem estar da criança, mas revelam conflitos familiares inconscientes, muitas vezes anteriores à própria ação pretendida.”

Quando o casal possui filhos e decide separar-se inevitavelmente deverá discutir sobre a guarda destes, e justamente nesse ponto um dos genitores pode sugerir ou, diante da resistência do outro, insistir na guarda unilateral. Já se percebe no âmbito do judiciário que o não estabelecimento da guarda compartilhada facilita a futura ação do genitor que visa alienar os filhos:

“Após separações complicadas, os pais, por quererem mostrar superioridade ao outro genitor, transformam a consciência dos seus filhos, com formas de agir muito específicas, muitas vezes por estratégia com desejo de obstruir e tirar todo o vínculo da criança para o outro pai e obter a guarda definitiva somente para si (ROSA, 2008, p. 14).”

Alexandra Ullmann (2008) reforça esta conclusão afirmando que aparentemente o genitor que propõe o exercício unilateral da guarda estará de acordo com as condições em que a visitação será realizada, mas não concorda, posteriormente, em modificar tal arranjo de guarda por quaisquer motivos. Ao ser deferida judicialmente a guarda nos moldes em que deseja, o genitor guardião poderá iniciar o processo de afastamento, conforme relatado no trecho a seguir:

“Infelizmente o cotidiano das Varas de Família revela que poucos genitores não guardiões conseguem manter hígidos os vínculos afetivos com seus filhos, depois de uma separação conflituosa. Muitas vezes porque as mães, quase sempre guardiãs das crianças, criam empecilhos ao convívio dos filhos com os genitores […] (SOUZA, In: PAULINO, 2008, p.8).”

Em primeiro lugar, observa-se que a guarda unilateral é um cenário que favorece o surgimento da alienação na medida em que já foi instituída, em sua origem, desobedecendo à necessária separação entre as funções parentais e conjugais. Desde os primórdios da nossa legislação civil o critério norteador para definir quem seria o genitor guardião referia-se ao “cônjuge inocente”. Ficaria com a prole aquele que não houvesse dado causa à separação.

Embora o atual Código Civil não traga mais esta regra, culturalmente se tem que a finalidade de se estabelecer um genitor guardião é para “premiar a figura deste”, cabendo ao outro genitor a alcunha de “perdedor” nas ações judiciais que discutem a situação da prole pós-divórcio. Obviamente isto vai de encontro à necessidade de priorizar os interesses infanto-juvenis em detrimento do capricho dos adultos (DIAS, 2010).

Além de trazer consigo essa histórica finalidade que se tem, hoje, por desvirtuada, a guarda unilateral apresenta outro fator que auxilia quem pretende alienar. Sendo a alienação parental vista como um “processo”, composto pela reiteração de diversos tipos de práticas alienantes, percebe-se que a ausência, na maior parte do tempo, do genitor alvo propicia ao genitor alienante tempo para atuar em prol de seus nefastos desígnios. “A alienação parental é obtida por meio de um trabalho incessante levado a efeito pelo genitor alienante, muitas vezes, até mesmo, de modo silencioso ou não explícito.”, explica Priscila Fonseca (2006, p. 55).

“Geralmente é a mãe quem fica mais tempo com as crianças, o que permite com exerça influência e “programe” os filhos para evitar contatos com o pai. O afastamento físico do homem para prover o sustento da família, e mais tarde a pensão alimentícia, também contribui para o afastamento emocional – terreno fértil para a instalação da síndrome (SILVA, D. M. P. da, 2009, p. 150).”

Pesquisas realizadas em países estrangeiros, sobretudo nos Estados Unidos (berço dos estudos sobre a alienação parental), revelam a possibilidade de a guarda unilateral “[…] contribuir com o estreitamento de vínculos entre os filhos e o guardião, conduzindo ao afastamento daquele pai que não permaneceu com a guarda” (BRITO; SOUSA, 2011, p. 272).

“No Brasil não há dados oficiais sobre crianças e adolescentes que sofrem interferência do guardião na visita à figura parental não guardiã. Nos Estados Unidos, o Children´s Right Council estima que seis milhões de crianças no país têm suas visitas interceptadas. Segundo Arditti(1992, p.24), aproximadamente 50 % dos pais divorciados relatam que sua ex-esposa interferiu na visitação da prole. Em contrapartida, aproximadamente 40% das mães guardiãs admitem negar visitação ao ex-marido para puni-lo (GOLDRAJCH; MACIEL; VALENTE, 2006, p. 07).”

É mais fácil que o genitor alienador, após iniciar suas práticas alienantes, venha a conseguir a participação dos filhos através do sistema de guarda unilateral. Isto porque na visão das próprias crianças e adolescentes o exercício da guarda, por este modelo, não atende às suas necessidades:

“Só a visita não basta. É preciso, para o filho, saber que o pai e a mãe participam ativamente de sua vida, interessam-se por ele, o que também corresponde a um valor importante para os pais de verem aplicados os seus princípios e crenças sobre o que seja melhor para seu filho. Ver o filho e fiscalizar sua criação não é ser pai ou ser mãe. Para Goldestein, Freud e Solnit (1987, p. 27-33): “Um pai ou uma mãe que visita ou é visitado tem pouca chance de servir como verdadeiro objeto de amor, confiança e identificação, já que esse papel se baseia em estar presente de modo ininterrupto no dia-a-dia.” (QUINTAS, 2010, p. 48).”

Nessa esteira, pesquisas realizadas por profissionais brasileiros ligados à área da família, infância e adolescência apontam no sentido de que o genitor visitante tende a ser visto pelos próprios filhos com uma pessoa com a qual perdem gradativamente a intimidade, e sentem cada vez menos o afeto que lhes é direcionado em poucos períodos destinados à visitação.

“Brito (2008), em investigação que desenvolveu com filhos de pais separados, relata que, ao serem questionados a respeito de como era o contato com o genitor que não permaneceu com a guarda, foi expressiva a parcela dos entrevistados que considerou o contato insuficiente, com prejuízos para o relacionamento. Nas entrevistas realizadas, a autora observou que muitos filhos demonstravam não se sentir à vontade para abordar uma série de questões – como escolha profissional, futebol e namoros – com o pai que não permaneceu com a guarda. Os jovens ressaltaram que não havia naturalidade no relacionamento com este, não existindo, por exemplo, o hábito de fazer ligações telefônicas para conversar ou comentar a respeito de qualquer assunto na medida em que, com a guarda unilateral, sentiam que o genitor não guardião deixava de acompanhar seu cotidiano. Não havia clareza, por parte dos filhos entrevistados, de que, embora separados, tanto o pai quanto a mãe continuavam responsáveis por sua educação (BRITO; SOUSA, 2011, p. 272).”

É perceptível a preocupação de juristas, psicólogos, assistentes sociais e demais pesquisadores da síndrome da alienação parental em relação ao tipo de guarda que ainda predomina em nosso meio: a guarda unilateral. Nos moldes em que foi pensada, e mesmo depois das significativas transformações pelas quais passou no âmbito legislativo, propicia um natural distanciamento entre a prole e o visitante, o que por si só favorece o guardião que deseje alienar e por fim instaurar a síndrome.

4.3 A guarda unilateral e a síndrome da alienação parental: exemplos na jurisprudência pátria

O primeiro caso a ser abordado por este estudo trata-se de uma apelação cível julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina julgada em 16.06.2011. A apelante, cujas iniciais são F.W.M mostra-se inconformada com a decisão judicial que, em sede de ação revisional de guarda, inverteu a guarda da menor N.W.M.G. em favor de seu pai, A. G. J..

A mãe originariamente ocupava o posto de genitor guardião e, por sentença proferida em primeiro grau, perdeu este posto para ocupar o de genitora visitante, ficando a filha sob os cuidados do pai. O fundamento da ação de revisão da guarda residia na suspeita de que a mãe estivesse praticando atos de alienação parental, pois impedia a visitação do outro genitor, consoante consta do acórdão:

“O apelado formulou a presente demanda de revisão de guarda sob o fundamento de que a recorrente impossibilitava seu contato com a filha, impedindo as visitas acordadas na ação de oferta de alimentos n.039.07.012624-9 e o acesso da família paterna à escola da menina (fl. 4).”

Para a devida averiguação de um suposto processo de alienação em curso foi determinada a perícia, por ordem da justiça da comarca de Lages, seguindo-se abaixo trecho extraído dos autos da ação revisional de guarda:

“O estudo social realizado entre 10 e 14 de dezembro de 2009, em visitas domiciliares e entrevistas com os genitores e com a criança, as assistentes sociais apontaram "[…] que a situação de conflito não é recente e que N. vem sendo a maior vítima da mesma, pois está com evidente prejuízo psicológico. Quanto ao desejo do requerente constata-se que mesmo com determinação judicial em mãos para visita à filha não está conseguindo efetivá-la. […]" (fls. 127/134).”

Já se percebe que as assistentes sociais observaram o contexto, neste caso concreto, em que favoravelmente se inicia a instalação da síndrome da alienação parental: no bojo da discussão de guarda de filhos menores quando o casal está passando por uma situação conflituosa e a esta se segue a concessão de guarda unilateral. Mais exemplificador ainda é o laudo realizado pela perícia de cunho psicológico:

“Fabrícia tenta provar, tanto para a justiça quanto para a única filha, que Almir não tem interesse por Natalia, e que era agressivo com a menina quando ainda viviam juntos. Natalia traz esse discurso, e mostra-se confusa frente à contradição daquilo que escuta da mãe e daquilo que vê, que vivencia com a família paterna. Durante a avaliação ficou clara a tentativa de Fabrícia em controlar o discurso e as atitudes da filha, conforme explicitado no item 4.5 deste documento, o que pôde ser contornado através das técnicas e instrumentos utilizados. Segundo a própria avó materna, figura neutra frente à situação, com bom relacionamento com todos os envolvidos, não há motivos para impedir o contato de Natalia com o pai e os avós paternos, pelo contrário, tal convivência é de fundamental importância para o desenvolvimento da criança. Natalia precisa e quer estar com o pai regularmente, para que o distanciamento entre eles não se concretize, com consequências mais prejudiciais a todos (fl. 153).”

Até aqui não restou comprovado que a menor realmente sofria de algum tipo de abuso físico ou psicológico. Diante da insistência por parte do genitor visitante em manter a convivência com a filha, a mãe buscou enganar assistentes sociais e psicólogos por meio da própria criança ao convencer esta de que foi vítima de alguma espécie de mau trato. Em virtude disso o genitor, antes visitante, passou à condição de guardião, situação esta que é prevista pela Lei nº 12.318/10, vide o artigo 6º:

 “Art. 6o  Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: 

I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; 

II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; 

III – estipular multa ao alienador; 

IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; 

V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; 

VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; 

VII – declarar a suspensão da autoridade parental.” 

O recurso impetrado pela mãe ao mencionado tribunal foi declarado improvido, mantendo-se a apelante na condição de visitante, o que se compreende pela ementa do acórdão:

“AÇÃO DE REVISÃO DE GUARDA. SENTENÇA QUE INVERTEU A GUARDA DA MENINA EM FAVOR DO PAI SOB FUNDAMENTO DE ALIENAÇÃO PARENTAL POR PARTE DA GENITORA. […] ACERVO PROBATÓRIO QUE INDICA A PRÁTICA DE ALIENAÇÃO PARENTAL PELA MÃE. ESTUDOS SOCIAIS E LAUDOS PSICOLÓGICOS QUE DEMONSTRAM A POSSIBILIDADE DO GENITOR DE EXERCER A GUARDA DA FILHA.  PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO MENOR. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ART. 227. MANUTENÇÃO DA GUARDA DEFERIDA EM FAVOR DO PAI. DETERMINAÇÃO, DE OFÍCIO, PARA QUE OS GENITORES SEJAM SUBMETIDOS A ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ART. 129, III. RECURSO DESPROVIDO (Apelação cível nº 2010.053411-7, Segunda Câmara de Direito Civil, Tribunal de Justiça de SC, Relator: Nelson Schaefer Martins, Julgado em: 16.06.2011).”

Caso semelhante no qual se discutiu a obstrução das visitas paternas por parte da genitora guardiã se encontra no bojo do julgamento de um agravo de instrumento julgado em 2008 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A agravante é Linara R. P., e o agravado é Mário L. M. Z., que havia movido contra a agravante uma ação de execução de obrigação de fazer, alegando que Linara R. P. não comparecia juntamente o filho do agravado às sessões de tratamento terapêutico que lhe foram determinadas em decisão proferida no juízo de primeiro grau. Fora detectada a síndrome da alienação parental na criança, o que acarretou a busca de auxílio junto ao CATES (Centro de Apoio Terapêutico e Social) para avaliação e acompanhamento da integridade psíquica do menor e de sua mãe. Esta, contudo, não cumpriu com sua obrigação, o que ensejou a referida ação de execução. A genitora não logrou êxito com o recurso interposto, consoante ementa da decisão do Tribunal:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER. IMPOSIÇÃO À MÃE/GUARDIÃ DE CONDUZIR O FILHO À VISITAÇÃO PATERNA, COMO ACORDADO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. INDÍCIOS DE SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL POR PARTE DA GUARDIÃ QUE RESPALDA A PENA IMPOSTA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO (Agravo de instrumento nº 70023276330, Sétima Câmara Cível, Tribunal de justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em: 18/06/2008).”

Percebe-se que, uma vez diagnosticado um quadro de síndrome da alienação parental, caberão medidas de cunho punitivo e também de cunho protetivo, listadas na Lei nº 12.318/10, conforme as aplicadas neste relato: a mãe poderia ser multada e deveria, juntamente com o filho, submeter-se a tratamento para a reversão do quadro de afastamento que ela própria fomentou entre o filho e o genitor visitante.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também julgou este ano caso em que a disputa pela guarda unilateral revelava o início da alienação parental engendrada pela mãe:

“AGRAVO REGIMENTAL APELAÇÃO CIVEL DIREITO DE FAMILIA GUARDA DE MENOR MODIFICAÇÃO DE CLAUSULA APELAÇÃO CÍVEL. Guarda de menor. Disputa entre os genitores. Sentença de procedência determinando a inversão da guarda, retirando-a da mãe e entregando ao pai, em razão de atitudes praticadas pela genitora que indicam um processo de alienação parental praticado pela genitora, que já não administrava com zelo os interesses e necessidades da criança. Acerto da sentença prolatada em sintonia com o posicionamento Ministerial colhido tanto em primeiro como em segundo graus de jurisdição. IMPROVIMENTO DO RECURSO (Processo nº: 0142612-80.2005.8.19.0001, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RJ, Relator: Marco Aurelio Froes, Julgado em: 15/02/2011).”

Ao poder judiciário infelizmente não é raro que cheguem pedidos de suspensão ou mesmo destituição do poder familiar do genitor visitante por denúncias de que este haveria abusado sexualmente dos filhos menores. A próxima decisão refere-se a agravo de instrumento apreciado em 2006 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A agravante é Miriam S.S., e o agravado é Sidnei D. A., pais de uma menor de idade. A mãe acusa o genitor de ter praticado atos libidinosos com a filha no momento em que esta o visitava, ensejando assim a propositura de ação para destituí-lo do poder familiar e também correspondente ação penal. A perícia foi realizada, mas não coletou nenhum indício que indicasse de maneira inequívoca a existência do abuso sexual alegado pela mãe da criança. Segue trecho do parecer confeccionado pelos profissionais que atenderam a infante no Departamento Médico Legal e que está transcrito na íntegra da decisão:

“Durante o relato Vanessa além de verbalizar, demonstra com gestos as atitudes atribuídas ao pai. Seu falar e agir são naturais, e mesmo que esteja sendo influenciada pela mãe, parece realmente ter vivenciado o que relata. O conflito afetivo da mãe com o pai pode ter influenciado a opinião dela sobre o pai quando ela diz não gostar do pai porque ele faz maldade. Porém, esta influência não parece estar presente no discurso de Vanessa no tocante à descrição das atitudes atribuídas por ela ao pai. (sem grifo no original).”

O psiquiatra Hélvio Carpim Correa, designado como perito, emite parecer no qual ressalta o elevado grau de beligerância entre os genitores:

“(…) há um intenso ódio mútuo entre o réu e a autora, é imprescindível monitorar as mensagens que poderão surgir (e que já foram dadas para a menor no passado), no sentido de denegrir a imagem materna e paterna (fl. 113).”

A referida animosidade que permeia a relação entre a mãe e o pai da menor supostamente abusada é verificada ainda em duas ações anteriores àquela que visa destituir o genitor do poder familiar. Já tramitavam duas ações, uma visando à guarda da criança, e outra a regulamentação de visitas, promovidas pelo pai, o que revela a dificuldade que este encontrara para manter contato com a filha. Suspeitando de um processo de alienação já bastante desenvolvido, a justiça de primeiro grau determinou um local para que as visitas ocorram de forma monitorada, no Núcleo de Atendimento à Família do Foro Central, para evitar que o contato entre pai e filha fosse completamente interrompido, mas ao mesmo tempo a criança fosse preservada, para o caso de eventual confirmação da ocorrência do abuso.

Quando os laudos periciais foram emitidos sem conseguir atestá-lo, a ação de destituição foi julgada improcedente, e a mãe recorreu, contudo, sem sucesso. Vide ementa do agravo:

“DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ABUSO SEXUAL. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. Estando as visitas do genitor à filha sendo realizadas junto a serviço especializado, não há justificativa para que se proceda a destituição do poder familiar. A denúncia de abuso sexual levada a efeito pela genitora, não está evidenciada, havendo a possibilidade de se estar frente à hipótese da chamada síndrome da alienação parental. Negado provimento (Apelação cível nº 70015224140, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator (a): Maria Berenice Dias, Julgado em: 12/06/2006).”

Neste julgamento vale ressaltar a necessidade de prova robusta da ocorrência do abuso pra ensejar aplicação de medida tão grave quanto a destituição do poder familiar. Outro ponto de destaque foi a permissão judicial para que, durante o trâmite do processo, o contato entre pai e filha não fosse completamente rompido. Nem sempre, contudo, os magistrados consentem com as visitas monitoradas, desde logo determinando o afastamento do suposto abusador. Durante o tempo em que transcorre a perícia, contudo, esse afastamento só contribui para a instalação da síndrome, aumentando as dificuldades de uma futura convivência sadia entre o filho e o genitor alienado (DIAS, 2010).

Considerações finais

A guarda compartilhada é a que mais se coaduna, sob o ponto de vista deste estudo, com a finalidade atual do instituto da guarda: a proteção dos interesses infanto-juvenis. Dentre eles, a convivência familiar sem dúvida é o direito mais respeitado, na medida em que se preserva, ao máximo possível, o contato entre a prole e ambos os genitores. Estes desempenharão seus papéis efetivamente dentro dos moldes ditados pela nova ordem constitucional, ao passo que não restará sobrecarga de deveres nem ao homem nem à mulher, um exemplo de efetivação do princípio da isonomia.

Contudo, as estatísticas ainda apontam a predominância da guarda unilateral, apesar do próprio Código Civil estabelecer que o magistrado deve esclarecer os benefícios da guarda compartilhada. E é justamente neste primeiro tipo de guarda que o genitor alienador encontra cenário propício para engendrar a alienação, podendo, posteriormente, culminar na instalação da síndrome.

Conclusões extraídas tanto de juristas como de outros profissionais que lidam com o direito das famílias apontam que a escolha pela guarda unilateral já pode ser produto de uma animosidade existente entre o casal, que, ao se divorciar, projeta o conflito na figura dos filhos. Quem obtem a guarda, durante um longo período de tempo na história brasileira, era o cônjuge “inocente”, o que lhe dava ares de “vencedor”. Tal pensamento não encontra respaldo na nova concepção de família, onde os filhos não são moedas de troca nem prêmios, e sim pessoas que devem ser protegidas acima de qualquer outro membro do núcleo familiar.

É inerente à guarda unilateral, por arte dos filhos, insatisfação no tocante à visitação, pois evidentemente o tempo do qual dispõe o genitor visitante é insuficiente. Isto aliado ao contato mais frequente que haverá entre a prole e o genitor guardião favorecerá que este inicie atos de alienação parental e que esta se desenvolva de forma a culminar na instalação da síndrome. Aqui o instituto da guarda já foi desvirtuado em sua finalidade de modo visível.

Os julgados que enfrentam diretamente o tema da alienação parental e sua síndrome apontam para uma anterior situação de existência da guarda unilateral, onde progressivamente a visitação buscou ser interrompida, chegando-se ao ponto de se registrar um caso emblemático de falsas denúncias de abuso sexual. Interessante notar que mesmo antes da Lei nº 12.318/10 os tribunais já se utilizavam de perícias feitas por psicólogos e assistentes sociais, e, uma vez diagnosticada a síndrome, eram tomadas medidas de punição ao alienador e que assegurariam o direito à convivência familiar. Isto indica a preocupação dos juristas pátrios em se enfrentar a síndrome da alienação parental tendo em vista os efeitos destrutivos que podem advir sobre a família.

Embora não caiba generalizar que em todos os casos de guarda unilateral os filhos serão vítimas da síndrome da alienação parental, sem dúvida, no mínimo, percebe-se que a adoção deste tipo de guarda facilita a realização do desígnio do genitor que busca alienar, e também favorece que a criança ou o adolescente esteja propenso a acreditar neste genitor, contribuindo para o processo alienatório, o que, como já visto, indica a instalação da síndrome.

 

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Informações Sobre o Autor

Aniêgela Sampaio Clarindo

Advogada. Pós graduada latu sensu em direito das famílias pela Universidade Regional do Cariri – URCA


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