Hermenêutica dogmática e hermenêutica crítica: uma comparação antitética para as interpretações do direito na atualidade

Resumo: Este artigo trata das divergências centrais existentes entre a hermenêutica dogmática e a hermenêutica crítica com o objetivo de realizar uma análise sintética entre os pensamentos antagônicos de seus principais representantes, atualmente em destaque no consenso doutrinário. Destarte vale-se desta comparação para uma reflexão à respeito do direito na atualidade. Com isso tem-se como principal alicerce o método comparativo entre os principais autores de cada corrente que após analise demonstraram vertiginosa antítese o qual evidenciou como resultado que posições extremadas a respeito da interpretação e aplicação da lei por parte de seus e operadores ou interpretes do direito não se enquadra em uma conduta adequada aos atuais subsídios teóricos do século XXI. Contudo ainda é possível, como nos ensina a experiência, que de acordo com a conveniência e necessidade existam casos jurídicos aonde se evidencia uma tendência a uma destas correntes de posição. Algumas vezes extremante dogmático supervalorizando a lei ou outras vezes altamente flexível, ou seja, uma visão crítica, assim sendo, se demonstra de fundamental importância o entendimento destas correntes hermenêuticas para a formação de futuros operadores do direito.

Palavras-chave: Hermenêutica Dogmática, Hermenêutica Crítica, Interpretação do Direito, Comparação Sintética.

Abstract: This article deals with the central divergences between dogmatic hermeneutics and critical hermeneutics in order to carry out a synthetic analysis between the antagonistic thoughts of its main representatives, currently highlighted in the doctrinal consensus, so this comparison is worth to a reflection About current law. With this, the main basis of the comparative method among the main authors of each chain is that, after analyzing the antithesis, they have shown that extreme positions on the interpretation and application of the law by their interpreters and operators of the law do not fit into a Adequate or even expected behavior with the current theoretical subsidies of the 21st century. However, it is still possible, according to the convenience and necessity, to have cases in which one has dogmatic or highly flexible positions, that is, a critical view, thus demonstrating of fundamental importance the understanding of these hermeneutical currents for the formation of future operators of the right.

Keywords: Dogmatic Hermeneutics, Critical Hermeneutics, Interpretation of Law, Synthetic Comparison.

Sumário: Introdução. 1. Hermenêutica jurídica. 1.1. Hermenêutica dogmática. 1.2. Hermenêutica critica. 2. Diálogo antitético: hermenêutica na atualidade. Conclusão. Referências

INTRODUÇÃO

O conhecimento da ciência hermenêutica se faz através de seu entendimento histórico passando por todas as suas fases que a compreendam desde a sua gênese de formação até o seu estágio de desenvolvimento atual.

O presente trabalho propõe realizar uma comparação antitética entre a hermenêutica dogmática e a hermenêutica critica (em seu sentido contemporâneo) e se faz por meio de uma considerável reconstrução histórica que tenta explicar o sentido contemporâneo de uma perspectiva hermenêutica, bem como uma espécie de arqueologia das teorias hermenêuticas do direito, mostrando os modos da sua formação, suas influências recíprocas e suas relações com os contextos sociais em que elas surgiram.

Com esse objetivo, este trabalho visa uma reconstrução histórica da hermenêutica dogmática, exegese ou jurídico tradicional enquanto, por outro lado, traça uma narrativa acerca da hermenêutica jurídica, desde o início do século XIX até os dias de hoje, que, de modo geral, contempla a expressão “Hermenêutica Crítica” uma vez que foram vários momentos na história dessa ciência que houve movimentos/correntes contrárias à hermenêutica dogmática dessa forma não deixando de ser uma critica ao sistema original.

Deste modo, entende-se que esses dois sistemas hermenêuticos lançam as bases, ainda hoje, das principais nuances interpretativas como também dos principais métodos. Não obstante, é impossível ignorar a importância da hermenêutica e da interpretação para o direito, sem as quais é impossível definir o próprio direito. Ademais, a corrente hermenêutica que o interprete assume para si pode implicar em uma interpretação diametralmente inversa de outro interprete. Levando em conta o clamor social por justiça crescente só esclarece a importância do assunto discutido.

1 HERMENÊUTICA JURÍDICA

A hermenêutica é em sua essência a própria maneira do homem compreender o mundo, não se limitando a um método de interpretação. É uma ciência de interpretação, o conjunto de princípios e normas que direcionam a interpretação é a hermenêutica (MENDES, 2008).

A linguagem, as normas, as leis dependem de uma correta interpretação, pois é sabido que toda linguagem possui certo gral de incerteza e é inevitável que o interprete produza ou ajude a produzir o sentido daquilo que interpreta. Dessa forma, a “hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito.” (MAXIMILIANO, 2001, p. 1). 

 Porém deve-se levar em conta as possibilidades de desenvolvimento e mutação da ciência a qual está sujeita às próprias variantes potenciais de sua utilização. Magalhães afirma:

“A interpretação do direito acompanhou-lhe o desenvolvimento, a evolução, sofrendo na sua longa trilha influência das diversas doutrinas filosóficas, jurídicas, políticas e sociais, até atingir um estado de sistematização, quando passou a trabalhar com um método.” (MAGALHÃES, 1989, p. 19).

As consequências destas transformações resultaram logo no inicio da corrente hermenêutica dogmática, os primeiros parâmetros hermenêuticos daí sugiram.

 1.1 HERMENÊUTICA DOGMÁTICA

 A escola Dogmática, Exegese ou Clássica surgiu na França em torno do ano de 1804, juntamente com o Código Civil Francês de Napoleão. Também conhecido como o Código de Napoleão esta compilação de ditames do direito da época foi um conjunto notavelmente estruturado contando com regras de dedução que se impunha com a tentativa de uniformização através de um corpo sistemático de normas com o objetivo de evitar a obscuridade e a ambiguidade do direito da época.

A hermenêutica tradicional ou clássica manifestou-se na França, com a Escola da Exegese, e na Alemanha, com a Escola Dogmática. Vigeu a era da “jurisprudência dos conceitos”, valendo-se os juízes, meros aplicadores do Direito, de processos lógicos para desvelar o sentido da norma.” (MAGALHÃES, 1989, p. 35-39)

Fazendo-se uma pequena digressão temporal, pode-se aferir que somente por volta do século XV um Estado centralizador começou a ceder à descentralização política da idade média, se conformando com a estrutura capitalista nascente que não se coadunava com o direito local e protético do sistema feudal.

Necessitava-se de um direito que fosse fundado em princípios gerais, válido para qualquer tempo e espaço, devendo tais princípios ser deduzidos da razão humana, numa concepção individualista que preponderava na filosofia social da época, baseada na igualdade e liberdade do homem no estado de natureza, de onde os indivíduos, livres e iguais entre si, teriam partido para as formas de convivência política, que a noção de Estado comporta.

Destarte, as bases do direto natural (antes de origem teológica) passam a ser colocadas no indivíduo, evoluindo, posteriormente para uma concepção positivista do direito, que reduz a noção de justiça à noção de validade, quando da transição do Estado Absolutista para o Estado liberal.

A partir de então se observa um positivismo exacerbado que proibia cegamente a interferência do Judiciário no campo do Legislativo, principalmente por qualquer que seja o meio ou método interpretativo que não o literal. Dentro dessa dinâmica verifica-se que o pensamento dogmático se dividiu em: Extremado e Moderado.

Sobre essa divisão, Limogi de França afirma:

“Dentro da Escola Exegética podemos proceder à distinção de duas orientações: a) Escola Exegética Extremada: aqui o pressuposto geral é sempre de que a lei é clara e que, portanto, seus termos correspondem ao pensamento do legislador. b) Escola Exegética Moderada: aqui há a recomendação da consulta às fontes que propiciaram o texto ao legislador, o exame dos trabalhos preparatórios, a ponderação das consequências das interpretações possíveis e, finalmente, a indagação do espírito da lei.” (FRANÇA, 1988, p. 28)

Entretanto, a escola dogmática, apesar de suas subdivisões, foi permeada pelo apego a lei escrita, considerando como fator de longe mais importante e em último caso era a única realidade que deveria ser levada em conta no momento de extração do sentido da lei.

1.2 HERMENÊUTICA CÍTICA

Como uma resposta ao exagerado legalismo dos sistemas tradicionais os quais consideravam a lei a única fonte do direito, surgiram inúmeras críticas e reações em diversos países, dando, assim, origem aos chamados “sistemas modernos de interpretação”, que nada mais são senão correntes de pensamento crítico a escola Exegese.

É importante notar que em resposta ao dogmatismo cingido pelo positivismo surgiram inúmeros teóricos. Todavia, todos tinham em comum o fato de rejeitarem a idolatria à lei, afirmando que a lei positivada por si só nem sempre é suficiente para atingir seu ideal de justiça. Gény versa:

“As fontes formais do direito privado positivo, das quais procurei, no capítulo precedente, precisar o justo alcance e determinar o uso legítimo, dotam seguramente, no limite permitido em sua esfera de ação, da mais segura direção ao intérprete. Mas não pode ocultar-nos que, por penetrante e sutil que possa ser a interpretação dessas manifestações positivas do Direito, não se pode desconhecer sua natureza, e seria exceder seu próprio poder pretender que somente ela satisfizesse todas as aspirações da vida jurídica. Sobretudo – para não falar aqui mais do que da perfeita e mais fecunda, atualmente, das fontes mencionadas, a lei escrita – é claro que examinando-a tal como devemos fazê-lo, como um ato da inteligência e da vontade humana necessariamente limitada em seus propósitos, restrita também em seu alcance efetivo, pode-se assegurar que, por maior que seja a profundidade a que se chegue e por mais engenho que se ponha em solicitar a fórmula, não se poderá deduzir a plena totalidade das soluções que reclamam imperiosamente a infinita complexidade das relações sociais.” (GÉNY, 1925, p. 520)                                         

Fica claro o argumento central defendido pela a escola hermenêutica crítica, em síntese é: buscar um sentido mais profundo, quando necessário, que a própria declaração da lei. Segundo essa visão, seria improvável chegar a justiça efetiva na sociedade por meio da doutrina exegeta já que a letra fria da lei não pode se relacionar a altura com a dinamicidade das próprias relações sociais. Ao extremo, a Escola Critica, com o Sistema do Direito Livre de Kantorowicz propunha a absoluta liberdade do Juiz, inclusive de decidir contra a lei:

“O sistema de livre indagação científica de Geny, Stammles e outros atribuía ao juiz , na falta de disposição escrita ou costumeira, competência para agir “além dos termos da lei” (praeter legem). Kantorowicz advoga a absoluta liberdade do juiz, inclusive a de decidir contra a disposição da lei (contra Legem), na procura do direito justo.” (MONTORO, 2011, p. 431)

 De modo enfático é possível notar discrepâncias dentro da escola que denominamos hermenêutica critica, são suas ramificações, porém, é inegável seu alinhamento na busca de maior liberdade em relação ao próprio positivismo jurídico.

2 DIALOGO ANTITÉTICO: HERMENEUTICA NA ATUALIDADE

 É incoerente discutir sistemas hermenêuticos na contemporaneidade sem conhecer seus históricos, seus principais defensores, suas principais vertentes. Tendo o já exposto é possível ir adiante e levantar o questionamento: qual sistema saciaria melhor as necessidades do direito atualmente?

Atualmente o debate continua a todo vapor, Azevedo afirma:

“O positivismo, com foros de cientificidade que se arroga, cumpre a função ideológica de congelar e petrificar as instituições e conceitos jurídicos. Consagra, a sombra da indiferença ética, a desconformidade entre direito e realidade histórica, perceptível tanto ao nível interno de tantos Estados quanto nas relações e trocas ao nível internacional, particularmente entre norte e sul, cujo diálogo frustrado vizinha o confronto. Menospreza o que há de inquietante nessa situação, em qualquer dos níveis apontados. Substitui de bom grado a realidade pelo jogo conceitual, na dança das abstrações jurídicas, terminando por negá-la mediante a circunscrição metodológica que se impõe, afirmando pronta e levianamente que, se o mundo vai mal, o problema e político e, portanto, alheio ao campo de trabalho e preocupação dos juristas.” (AZEVEDO, 1989, P.18-19)

Para Azevedo o positivismo petrifica a dinâmica social, reduzindo à normas cheias de abstratividade, tirando assim seu poderio de ordenador equitativo da sociedade, por outro lado, Arthur Kaufmann expõe:

“Direito Livre quer dizer, no fundo: livre da lei. É certo que os representantes desse movimento sempre se opuseram à ‘fábula-contra-legen’, à acusação de que eles queriam permitir ao juiz ignorar a lei (vigente) e até decidir contra ela. De fato, os juristas do direito livre nunca ensinaram tal coisa. Eles apenas queriam indicar qual o procedimento a adotar o juiz, quando a lei apresentasse lacunas. Contudo, e é este o busílis da questão, segundo a concepção da doutrina no direito livre, a lei não tem lacunas apenas quando não contenha, de todo em todo, uma regulamentação aplicável ao caso, mas já aí onde não resolve o caso de forma expressa e inequívoca. E naturalmente que isto é o que acontece quase sempre, pelos menos em todos os casos discutíveis.” (KAUFMANN, 2002, p. 175)

Para Kaufmann, o desenvolvimento da hermenêutica critica se deu como uma fuga da lei em nome de um fim social ou de uma maior eficácia da lei o que descaracteriza não só a lei, mas também o direito.

Dentro dessas análises muitos juristas têm deixado de lado os lados mais extremos do espectro aqui exposto, entretanto não é difícil encontrar posições frontalmente opostas quanto a função da hermenêutica, a função do interprete da lei, limites do próprio interprete, qual a melhor interpretação em determinados casos onde se encontram interesses escondidos atrás de sistemas hermenêuticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, fica expresso de maneira tácita que a hermenêutica desempenha um dos principais papeis dentro do ramo jurídico. Ademais, cada sistema exposto influencia totalmente em como se dará a interpretação de um caso concreto. É possível extrair do sumo das analises facilmente que os extremos não são posições apropriadas para se interpretar leis em pleno século 21, onde uma das marcas principais desse tempo é a relatividade em seus diversos âmbitos, seria incoerente ignorar isso e desenvolver-se longe da própria realidade onde o direito atua, por outro lado, não seria nem mais um pouco sano se deixar levar aos limites desta corrente filosófica, tendo que assim que negar, em ultimo caso a própria justiça.

Depreende-se que os conceitos são limitados, porque em essência esse é o seu objetivo e também ponto fraco. Assim, é necessário entender que em um sistema como o de Hermenêutica dogmática, seu limite será a própria ideia de que a lei é suficiente para tudo, sem necessitar de interpretação, pois o fato é que a lei positivada é transmitida através da linguagem e a mesma não pode ser depreendida sem interpretação, sendo linguagem em ultimo caso é uma construção da concepção linguística de cada individuo. No mesmo ponto a linha extrema da Escola Hermenêutica Critica tropeça, já que se a interpretação ultrapassar a lei preestabelecida, o que garante a justiça além da boa vontade do interprete?

Posto tudo isso, fica claro que o caminho para desenvolver mais a hermenêutica no sentido de servir ao direito e o direito a sociedade, não é evitando a tensão dos sistemas, nem se polarizando, mas estabelecendo um dialogo o mais próximo possível, onde a lei positivada, o costume, a jurisprudência e a doutrina têm tarefas bem definidas no ordenamento jurídico.

 

Referências
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
GÉNY, François. Método de Interpretación y Fuentes em Derecho Privado Positivo. Madrid: Editorial Réus, 1925.
KAUFMANN, Arthur. A problemática da filosofia do direito ao longo da história. In: KAUFMANN, Arthur; ACEDER, W. (Ufrgs.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Tradução Marcos Keel. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
MAGALHÃES. Maria da Conceição Ferreira. A hermenêutica jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1989
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 19 ed., Forense, 2001. RJ
MENDES, Gilmar F. et al. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais LTDA, 2011.

Informações Sobre o Autor

David Ariel Sousa Torres Araujo

Acadêmico de direito do Instituto de Educação Superior Raimundo Sá


logo Âmbito Jurídico