Resumo: O Brasil à um país em que as crianças e os jovens sempre foram tratados como mera propriedade de seus pais não possuindo qualquer garantia real e jurídica para seu desenvolvimento pleno. O Estado sempre olhou para criança e para o adolescente como uma problemática nacional que deveria ser repelida inicialmente pelos pais caso a intervenção paterna não surtisse o efeito desejado deveria o poder estatal intervir diretamente e repelir através de duras penas qualquer tipo de desordem. Somente na década de 1980 com o fim do regime militar o jovem brasileiro começou a ganhar vez e voz os grupos sociais e de direitos humanos consoantes com as reivindicações internacionais foram fundamentais para que os jovens pudessem ter garantido seu pleno desenvolvimento e se para que se tornassem cidadão de pleno direito. No ano de 1990 depois de sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente os jovens brasileiros por fim passaram a ser detentores de direitos e garantias reais.
Palavras-chave: Criança – Adolescente – Estatuto Direitos
Abstract: Brazil is a country where children and young people have always been treated as mere property of their parents having no real and legal guarantee for their full development. The State always looked at child and adolescent as a national issue that should be rebuffed initially by parents if the parental intervention not surtisse the desired effect should the state be able to intervene directly and repel through great difficulty any kind of disorder. Only in the 1980s with the end of military rule the young Brazilian started to gain time and voice social and human rights groups consonant with international claims were essential so that young people could have guaranteed their full development and is to become the full-fledged citizen. In 1990 after sanctioned the Statute of Children and Adolescents young Brazilians finally became real rights and guarantees holders.
Keywords: Child – Adolescent – Law Rights
Sumário: 1. Histórico das códificações penais brasileiras e sua relação com a maioridade penal. 1.2. O primeiro código penal e a Lei do Ventre Livre. 1.3. O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. 1.4. O Código de Menores de 1927. 1.5. O Código Penal de 1940 e a primeira revisão do Código de Menores Mello Mattos. 1.6. O menor durante o regime militar e a Constituição Cidadã de 1988. 1.7. A Convenção Internacional sobre o Direito das Crianças como base para o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. 1.7.1 O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.
1. Histórico das códificações penais brasileiras e sua relação com a maioridade penal.
O principal conjunto de leis que vigorava no Brasil colonial teve como marco de efetiva aplicabilidade o momento exato em que a família real portuguesa aportou em solo brasileiro fugindo das tramas de Napoleão Bonaparte no ano de 1808. Anteriormente a esse marco, as leis aplicadas nas terras tupiniquins visavam somente à arrecadação tributária da corte portuguesa em solo brasileiro. As denominadas “Ordenações Filipinas”, eram um conjunto de Leis reais portuguesas que começavam a ser aplicadas no Brasil Colônia de maneira efetiva, como exemplifica o Advogado e Historiador do Direito José Fábio Rodrigues Maciel (2006):
“O sistema jurídico que vigorou durante todo o período do Brasil-Colônia foi o mesmo que existia em Portugal, ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas Ordenações Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e, por último, fruto da união das Ordenações Manuelinas com as leis extravagantes em vigência, as Ordenações Filipinas, que surgiram como resultado do domínio castelhano. Ficaram prontas ainda durante o reinado de Filipe I, em 1595, mas entraram efetivamente em vigor em 1603, no período de governo de Filipe II.” [1]
As “Ordenações Filipinas” traziam dentre as demais diretrizes jurídicas, um livro dedicado a área penal, que norteava, dentre outros, o trato para com jovens e crianças que infringiam as leis reais. A responsabilidade penal no período do Brasil Colônia tinha início aos sete anos de idade, onde a criança estava eximida da pena capital e poderia ter uma redução em sua pena em decorrência da sua pouca idade, já para aqueles que possuíam entre 16 e 21 anos, existia a possibilidade de responsabilização como imputáveis, incorrendo inclusive às penas capitas, dependendo do crime praticado. E como marco para imputabilidade plena no Brasil Colonial, a idade era de 21 anos completos, idade onde os jovens já estavam sujeitos a todas cruéis penas previstas, como aborda o artigo da Promotora de Justiça, Janine Borges Soares:
“De acordo com as Ordenações Filipinas I, a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe redução da pena. Entre dezessete e vinte e um anos havia um sistema de "jovem adulto", o qual poderia até mesmo ser condenado à morte, ou, dependendo de certas circunstâncias, ter sua pena diminuída. A imputabilidade penal plena ficava para os maiores de vinte e um anos, a quem se cominava, inclusive, a pena de morte para certos delitos”. [2]
1.2 O primeiro código penal e a Lei do Ventre Livre.
No ano de 1822 foi proclamada a independência do Brasil perante a corte portuguesa, momento em que as leis lusitanas que eram aplicadas em território brasileiro deveriam ser revistas e revogadas, foi assim que no ano de 1824 foi promulgada pelo Imperador do Brasil a primeira Constituição nacional, e seis anos após, em 1830, foi sancionado o primeiro Código Penal brasileiro.
O Código Penal do Império apontava uma nova idade para imputabilidade criminal, que era de 14 anos, bem como uma nova faixa etária para responsabilizar de uma maneira psicológica e subjetiva aqueles menores de 14 anos em desacordo com as leis imperiais, que mesmo considerados inimputáveis poderiam ser punidos pela jurisdição imperial, sofrendo sanções ao serem recolhidos em “Casas de Correção” por tempo determinado em juízo, caso comprovados a ciência e o discernimento do ato praticado:
“Art. 10. Tambem não se julgarão criminosos:
1º Os menores de quatorze annos. […]
Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dezasete annos.”[3]
A primeira lei com base na problemática da infância e da juventude no Brasil, ocorreu durante o período imperial e foi sancionada no ano de 1871. Na tentativa de libertar os escravos nascidos após sua promulgação, foi sancionada a Lei do Ventre Livre, que acabou incorrendo como uma problemática para o Estado ao invés de uma melhora para o escravo, pois o jovem negro embora liberto, não possuía qualquer amparo estatal ou liberdade jurídica, e caso o proprietário permitisse sua permanência ao lado da mãe, não lhe dava qualquer tipo de amparo. O que culminou com um grande número de crianças abandonadas e jogadas à própria sorte nas cidades brasileiras, ocasionando assim, uma grande quantidade de jovens e crianças marginalizados e em situação de rua.
1.3 O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil.
Com a decadência da monarquia frente à necessidade de um novo sistema político que acompanhasse os avanços da sociedade brasileira e alavancasse o crescimento social, econômico e político do Brasil, no ano de 1889 foi proclamada a República, sendo implantado um sistema político baseado no federalismo, com isso, o Império do Brasil mudou de nome para Estados Unidos do Brasil, dando uma ideia de união para as antigas províncias que, agora, tinham status de Estados brasileiros.
Pouco antes de ser sancionada a Constituição Republicana no ano de 1891, foi promulgado o Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890, conhecido como “Código Penal Republicano dos Estados Unidos do Brasil”. O novo código penal que vigorava na nova república mantinha a maioridade penal em 14 anos completos, onde deveriam ser imputados como adultos aqueles que ultrapassassem essa idade, mas o novo código alterava no quesito de responsabilização penal, que passava a ser de nove anos de idade:
“Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º Os menores de 9 anos completos;
§ 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento; […]” [4]
Aqueles com idades entre 9 e 14 anos poderiam sofrer sanções estatais, através de um sistema psicológico e subjetivo de discernimento, como no código anterior, podendo ser recolhidos para “Estabelecimentos Disciplinares Industriais” por tempo determinado em juízo, desde que a pana não excedesse aos 17 anos de idade:
“Art. 30. Os maiores de 9 anos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 anos”. [5]
Com a proclamação da república foi possível observar uma preocupação maior por parte da sociedade brasileira com a temática da criança e do adolescente, já que as desastrosas leis como a Lei do Ventre Livre, tinham proporcionado um grande número de pessoas que tiveram como uma saída para sobrevivência a marginalização. Assim, foi identificada uma maior necessidade da intervenção estatal perante à criança e ao adolescente, onde o Estado deveria educar e punir o jovem para que pudesse se tornar um cidadão útil e produtivo para a sociedade.
1.4 O Código de Menores de 1927.
Em 12 de outubro de 1927 foi sancionado o Decreto número 17.923-A, que ficou conhecido como o “Código de Menores Mello Matos”, em homenagem ao seu idealizador José Cândido de Albuquerque Mello Matos. O código foi considerado a primeira legislação dedicada exclusivamente à criança e ao adolescente do Brasil, ficando vigente até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente no ano de 1990. A nova legislação tinha por objetivo principal coibir a delinquência juvenil e tratar das crianças em situação de abandono ou órfãs, devendo ser dado tratamento para aqueles menores de 18 anos de idade através de medidas assistencialistas e de proteção. A inovadora legislação trouxe à tona um novo protecionismo por parte do poder público, apontando mudanças no entendimento da relação entre o Estado e o menor. A nova legislação deu poderes controlados para que o maquinário estatal passasse a intervir na organização familiar de forma mais efetiva, tendo como objetivo principal, observar se as necessidades dos filhos eram supridas pelos pais e se os jovens eram devidamente controlados para que não perturbassem a ordem pública, sob pena de retirada da autoridade paterna.
Uma das atribuições estatais trazidas pelo novo código, perante o desamparado do menor abandonado ou órfão, era a aplicação de medidas protetivas e de assistência de acordo com a fase de desenvolvimento do jovem, que deveria ser do seu nascimento até que completasse 18 anos de idade. A primeira fase elencada no decreto trata daquelas crianças de até dois anos de idade, onde sua tutela deveria ser transferida para o Estado, que atuaria como garantidor da sua integridade. Entre as idades de dois a sete anos, o Código trazia um tratamento como “Infantes”, onde deveriam ser recolhidos em instituições dedicadas a tal ou entregues a tutores registrados pelo Estado e, por fim, o código tratava do menor abandonado, que eram aqueles que figuravam entre as idades de sete à dezoito anos incompletos. Os menores abandonados também eram classificados de acordo com suas ações, bem como indicava os artigos 28 a 30, podendo o jovem ser considerados pelo Estado como “Vadio”, “Mendigo” ou “Libertino”:
“Art. 28. São vadios os menores que:
a) vivem em casa dos pais ou tutor ou guarda, porém, se mostram refratários a receber instrução ou entregar-se a trabalho sério e útil, vagando habitualmente pelas ruas e logradouros públicos;
b) tendo deixado sem causa legitima o domicilio do pai, mãe ou tutor ou guarda, ou os lugares onde se achavam colocados por aquele a cuja autoridade estavam submetidos ou confiados, ou não tendo domicilio nem aluguem por si, são encontrados habitualmente a vagar pelas ruas ou logradouros públicos, sem que tenham meio de vida regular, ou tirando seus recursos de ocupação imoral ou proibida.
Art. 29. São mendigos os menores que habitualmente pedem esmola para si ou para outrem, ainda que este seja seu pai ou sua mãe, ou pedem donativo sob pretexto de venda ou oferecimento de objetos.
Art. 30. São libertinos os menores que habitualmente:
a) na via publica perseguem ou convidam companheiros ou transeuntes para a pratica de atos obscenos;
b) se entregam á prostituição em seu próprio domicilio, ou vivem em casa de prostituta, ou frequentam casa de tolerância, para praticar atos obscenos
c) forem encontrados em qualquer casa, ou lugar não destinado á prostituição, praticando atos obscenos com outrem;
d) vivem da prostituição de outrem.” [6]
A codificação trazia, também, uma secção exclusiva para os “Menores Delinquentes”, onde foi fixado pelo caput do artigo 68, a responsabilização penal a partir de 14 anos e a imputabilidade plena a partir de 18 anos, fixado pelo artigo 70, sendo passíveis de processos especiais todos aqueles que se encontrassem na faixa etária de 14 a 18 anos, onde deveria ser levado em conta a situação física, mental e moral, bem como a situação de atenuante de pena para aqueles que estavam na faixa etária de 18 a 21 anos de idade.
1.5 O Código Penal de 1940 e a primeira revisão do Código de Menores Mello Mattos.
No sétimo dia do mês de dezembro de 1940, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, foi sancionado o vigente Código Penal através do Decreto Lei número 2.848. No novo código penal foi previsto a maioridade penal em 18 anos e, diferentemente das legislações anteriores, aqueles com idade inferior a 18 anos deveriam sofrer sanções diferenciadas por legislação especial, sendo considerados penalmente irresponsáveis.
O critério utilizado, pelos legisladores e estudiosos, para fixação da maioridade penal no Artigo 23 do código, posteriormente tendo seu texto reformulado pela reforma penal com base no Decreto Lei número 7.209 de 11 de julho de 1984, foi puramente biológico, onde ficou entendido que aquele que tivesse idade inferior à prevista, não possuía maturidade suficiente em face da não interiorização, de maneira plena, das regras impostas pela sociedade.
No ano de 1941 foi criada a “S.A.M”, Serviço de Assistência a Menores, vinculada ao Ministério da Justiça, que tinha por objetivo, através de um atendimento diferenciado, a repressão do menor infrator e do menor abandonado.
Buscando uma revisão no Código do menor de 1927, foi criada no ano de 1943, uma Comissão Revisora. Foi entendido que o código deveria perder seu caráter essencialmente jurídico, e começasse a figurar em um âmbito social de assistencialismo, pois ficou percebido que a maior causadora de marginalidade entre os jovens era a não intervenção e assistência por parte do Estado.
1.6 O menor durante o regime militar e a Constituição Cidadã de 1988.
No primeiro dia do mês de abril do ano de 1964, os militares chegam ao poder da nação, amparados por um possível golpe comunista em terras tupiniquins. Com a ascensão dos militares ao poder, os debates em curso sobre a revisão do código de menores foram interrompidos e o jovem passou a ser visto como um problema de segurança nacional que precisava ser repelido.
Ainda em 1964, através do decreto Lei Número 4.513 de 1 de dezembro, ficava autorizada a criação da “F.U.N.A.B.E.M”, Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, que foi criado como substituto à “S.A.M”. A nova entidade tinha por objetivo criar e implantar a política nacional do bem-estar do menor em território brasileiro. Buscando a expansão do projeto de forma precisa, a lei previu a implantação de comissões regionais chamadas “F.E.B.E.M”, Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, que tinham como objetivo adequar as políticas de bem-estar as peculiaridades locais. Em 1967, fora instaurada a Lei 5.258 de 10 de abril, que trazia as diretrizes para as medidas que deveriam ser aplicadas aos menores de 18 anos e maiores de 14 anos envolvidos em contravenções penais.
Somente em 1979, o “Código de menores Mello Mattos” foi reformulado pela Lei 6.697 de 1979, que tinha como objetivo a intervenção, através dos juizados de menores, daqueles menores de 18 anos em desacordo com a lei ou abandonados, sendo considerados como em situação irregular. No ano de 1984, ainda no período militar, a parte geral do Código Penal sofreu uma reformulação em seu texto, trazendo em seu Artigo 27 uma pequena alteração na nomenclatura na ideia de incapacidade do menor de 18 anos responder por conduta delituosa, mantendo a maioridade penal em 18 anos com um critério puramente biológico, como aponta Janine Borges Soares:
“Acolhendo o critério puramente biológico (a idade do agente), o art. 27 do Código Penal trouxe apenas uma única alteração redacional: ao invés de menores "irresponsáveis', referiu-se coerentemente a menores "inimputáveis". O déficit de idade torna o menor de dezoito anos inimputável, presumindo-se, de modo absoluto, que não possui o desenvolvimento mental indispensável para ser responsabilizado nos termos da lei penal”.[7]
Em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves, o Brasil assistia ao fim do Regime Militar. Já no ano de 1988 foi sancionada a nova e vigente Constituição Federal Brasileira, considerada como Constituição Cidadã, teve como bases principais: a liberdade, que fora colhida nos 21 anos anteriores, e a luta de movimentos sociais que alcançaram grandes feitos, como a inclusão do Capítulo VII na Constituição Federal, reservado exclusivamente para a proteção da criança; do adolescente; do jovem e do idoso. Em seu Artigo 288 a constituição traz uma cópia do artigo 27 do Código Penal, ratificando, assim, o conceito de inimputabilidade penal para os menores de 18 anos, trazido pela reformulação no texto do Código Penal de 1940.
1.7 A Convenção Internacional sobre o Direito das Crianças como base para o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Em 1989 a ONU consolidou o Tratado Internacional sobre o Direito das Crianças, considerado o tratado de maior aceitação entre as nações, sendo ratificado por 193 países, onde o Brasil o primeiro a ratificá-lo, apenas seis meses após consolidação. O tratado visa à assistência especial a todas as crianças das nações, com o objetivo de garantir o desenvolvimento para uma vida independente e plena perante a sociedade, tendo como base a estruturação das famílias.
No seu artigo primeiro, a convenção trata como criança todos aqueles que estão na faixa etária de até 18 anos de idade, salvo se não implicar em problemática com a maioridade indicada pelo país em que se encontra, ficando consoante com a Constituição brasileira.
O ponto crucial da convenção é a Doutrina de Proteção Integral à Criança, onde ficou apontado que todas as crianças devem ser consideradas cidadãs de plenos direitos, mas, diferente dos outros grupos, possuidoras de necessidades individuais e prioritárias de proteção, levando em conta as suas necessidades de desenvolvimento pleno.
1.7.1 O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.
O Brasil pós regime militar, vivia uma grande mobilização social pautada na situação de desrespeito aos direitos das crianças e dos adolescentes, principalmente daqueles em desacordo com a lei ou desamparados que se encontravam nas F.E.B.E.Ms, onde a pratica de tortura e violência eram frequentes. Ficava mais claro a necessidade de uma legislação que, não somente visasse à punição e isolamento dos jovens, mas que pudesse garantir sua formação moral e social.
Consoante com os debates internacionais e as mobilizações sociais brasileiras pautadas nos direitos e proteções das crianças, no ano de 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, através da Lei 8.069, conhecido popularmente como E.C.A.
Com base fundamentada na doutrina de proteção integral à criança apontada pela ONU, o ECA é reconhecido internacionalmente como a legislação dedicada exclusivamente ao jovem mais moderna e abrangente. Idealizado com o intuito de amparar e preparar os jovens, principalmente aqueles em situação de risco, para a vida adulta em sociedade, estabeleceu um novo e exclusivo ordenamento sem qualquer tipo de distinção, na tentativa de proporcionar aos jovens um desenvolvimento físico, mental, moral e social condizente com os princípios fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988 e na convenção da ONU, como parafraseia o Procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto (2013):
“Formulado com o objetivo de intervir positivamente na tragédia de exclusão experimentada pela nossa infância e juventude, o Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta duas propostas fundamentais, quais sejam: a) garantir que as crianças e adolescentes brasileiros, até então reconhecidos como meros objetos de intervenção da família e do Estado, passem a ser tratados como sujeitos de direitos; b) o desenvolvimento de uma nova política de atendimento à infância e juventude, informada pelos princípios constitucionais da descentralização político-administrativa (com a consequente municipalização das ações) e da participação da sociedade civil”. [8]
A primeira parte do código traz as diretrizes para um desenvolvimento adequado dos jovens brasileiros, garantido a todos os direitos básicos para uma formação completa com base na convivência e amparo familiar. Ainda na primeira parte, o estatuto traz em seu texto tratamentos diferenciados para crianças e adolescentes, o que fez necessário uma diferenciação objetiva para cada fase, sendo crianças aqueles que estão na faixa etária de até 12 anos incompletos, faixa essa que não será responsabilizada perante juízo, e os adolescentes são aqueles que se encontram na faixa etária entre 12 e 18 anos incompletos, podendo a lei ser aplicada de forma excepcional para aqueles com até 21 anos de idade, como explica Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (2013):
“Este artigo tem relação direta com duas disposições estatutárias: a) o art. 40, do ECA, que prevê a aplicação da adoção estatutária em se tratando de jovens entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade que à época do pedido respectivo já se encontravam sob a guarda ou tutela dos adotantes (ou melhor, que ao completarem 18 anos de idade se encontravam sob a guarda ou tutela dos pretendentes à adoção, vez que aquelas se extinguem pleno jure com o advento da maioridade civil). Em tais casos, o procedimento a ser adotado é o regido por esta Lei Especial (arts. 165 a 170, do ECA), e a competência para o processo e julgamento será da Justiça da Infância e da Juventude (conforme art. 148, inciso III, do ECA), tendo ainda como importante reflexo a isenção do pagamento de custas e emolumentos (art. 141, §2º, do ECA), e b) o art. 121, §5º, do ECA, que fixa em 21 (vinte e um) anos o limite etário da aplicação da medida socioeducativa de internação (que como melhor veremos adiante, em comentários ao art. 104, par. único, do ECA, também se estende às demais 5 Parte Geral medidas socioeducativas, e ainda se encontra em pleno vigor, apesar da redução da idade da plena capacidade civil pelo art. 5º, caput, do CC). Excluídas as hipóteses acima referidas, a Lei nº 8.069/1990 somente se aplica a crianças e adolescentes, estejam ou não emancipados, embora as políticas públicas e os programas de atendimento a serem desenvolvidos (vide arts. 87, 88, inciso III e 90, do ECA), devam também contemplar o atendimento de jovens adultos, de modo a evitar que o puro e simples fato de o indivíduo completar 18 (dezoito) anos, acarrete seu “desligamento automático” dos programas de proteção e promoção social aos quais estava vinculado enquanto adolescente (sendo certo que, a partir da Emenda Constitucional nº 65/2010, o “jovem” maior de 18 anos passou a ser também destinatário da “absoluta prioridade” por parte do Estado (lato sensu) na defesa/promoção de seus direitos fundamentais) […]” [9]
Além da ampla proteção à criança e ao adolescente, o estatuto trouxe medidas punitivas e socioeducativas para o adolescente. Ao menor de 18 anos, não é atribuída à justiça criminal tal como se impõe ao adulto, não significando a não responsabilização penal desse adolescente, pois inimputabilidade não implica em impunidade.
O ECA instituiu a responsabilização penal para aqueles que se encontram na faixa etária entre as idades de 12 e 18 anos mediante devido processo legal, dando aos infratores um tratamento diferenciado dos adultos em face do processo de formação apontado pela constituição federal e convenções internacionais. Com intuito de deixar claro o caráter diferenciado do adolescente, a lei traz como ato infracional toda conduta praticada por um tutelado pelo ECA considerada como crime e contravenção penal pelo ordenamento jurídico. As medidas sancionadoras elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente são taxativas, possuindo caráter socioeducativo, com objetivo de primar pela integração do adolescente na família e na sociedade, conforme aponta o Artigo 112:
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semi-liberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.” [10]
As penas devem ser aplicadas pelo Juiz da vara da Infância e juventude de cada Estado, devendo observar os critérios apontados na legislação, onde deve ser levado em conta: a capacidade psicossocial do adolescente em cumprir a medida, as circunstâncias em que aconteceram os fatos e, por fim, a medida que deve ser aplicada proporcionalmente a gravidade da infração, ficando vedada a aplicação de trabalhos forçados.
No ano de 2012 foi aprovada a criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, conhecido como SINASE. O órgão é responsável por gerir as diretrizes das medidas socioeducativas em todos o Estado e em seus órgãos que atendam aos menores em desacordo com a lei, como explica Murillo José Digiácomo(2012):
“O objetivo do SINASE, enfim, é a efetiva implementação de uma política pública especificamente destinada ao atendimento de adolescentes autores de ato infracional e suas respectivas famílias, de cunho eminentemente intersetorial, que ofereça alternativas de abordagem e atendimento junto aos mais diversos órgãos e "equipamentos" públicos (com a possibilidade de atuação, em caráter suplementar, de entidades não governamentais), acabando de uma vez por todas com o "isolamento" do Poder Judiciário quando do atendimento desta demanda, assim como com a "aplicação de medidas" apenas "no papel", sem o devido respaldo em programas e serviços capazes de apurar as causas da conduta infracional e proporcionar – de maneira concreta – seu tratamento e efetiva solução, como seria de rigor. O SINASE, enfim, deixa claro que a aplicação e execução das medidas socioeducativas a adolescentes autores de ato infracional, por ser norteada, antes e acima de tudo, pelo "princípio da proteção integral à criança e ao adolescente", deve observar uma "lógica" completamente diversa da que orienta a aplicação e execução de penas a imputáveis (sem prejuízo, logicamente, do "garantismo" que, tanto na forma da lei quanto da Constituição Federal é assegurado indistintamente em qualquer dos casos), e que a verdadeira solução para o problema da violência infanto-juvenil, tanto no plano individual quanto coletivo, demanda o engajamento dos mais diversos órgãos, serviços e setores da Administração Pública, que não mais podem se omitir em assumir suas responsabilidades para com esta importante demanda”. [11]
A medida mais gravosa apontada na legislação, é a que prever a privação de liberdade através da internação do adolescente em estabelecimentos educacionais em um prazo máximo de até três anos. Com base no princípio da Condição Peculiar da Pessoa em Desenvolvimento, o juiz é impedido de fixar um prazo máximo para a privação de liberdade, devendo ser fundamentada a manutenção do infrator em regime de internação mediante reavaliações periódicas do adolescente, em prazos de até seis meses, podendo o adolescente ficar em estado de internação até os 21 anos de idade, quando deverá ser liberado compulsoriamente. O adolescente pode ter sua liberdade colhida provisoriamente em um prazo de no máximo 45 dias perante prova concreta da materialidade do ato.
Só terá a liberdade cerceada caso o adolescente pratique ato infracional perante grave violência à vítima; em caso de reincidência ou se não tiver cumprido de forma reiterada e injustificada medida se essa não alcançar os três meses.
Os estabelecimentos educacionais apontados pelo estatuto devem ser locais exclusivos para o acolhimento do adolescente em desacordo com a lei, devendo os internos ficarem separados por idade, sexo, características físicas e pela gravidade do ato infracional praticado. O ordenamento prevê que todos os internos, provisórios ou não, devem ser incentivados e obrigados a praticar atividades pedagógicas.
Com a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente o jovem brasileiro passou a ter direito de “vez e voz”, deixando de ser apenas uma problemática história a ser repelida pelo Estado, passando a ser detentor de direitos e garantias reais, possuindo uma saída jurídica pautadas em uma legislação própria para repelir qualquer agressão aos seus direitos e ao seu pleno desenvolvimento, mesmo quando sua conduta não estiver de acordo com a lei
Informações Sobre o Autor
Igor Leite Luz
Acadêmico de Direito na Instituição de ensino Faculdade Farias Brito em Fortaleza- CE