Resumo: O presente trabalho consiste na análise da questões envolvendo a homossexualidade e a homofobia, partindo-se das concepções de biopolítica de Michel Foucault, e da ética da responsabilidade de Emmanuel Lévinas. Chegou-se à conclusão de que as teorias de Foucault e Lévinas podem nos ajudar a compreender e interpretar, com focos diferentes, os problemas verificados na atualidade acerca do temas propostos.
Palavras chave: Homossexualidade. Homofobia. Biopolítica. Foucault. Ética da responsabilidade. Lévinas.
Sumário: 1. Introdução. 2. A biopolítica de Foucault frente à homossexualidade e a homofobia. 3. A ética da responsabilidade de Lévinas e a violência homofóbica. 4. Conclusões. 5. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho consiste na análise das questões envolvendo a homossexualidade e da homofobia, partindo-se das concepções de biopolítica de Michel Foucault, e da ética da responsabilidade de Emmanuel Lévinas. A justificativa para a escolha do tema reside não só no incremento das discussões que tratam da questão das diversas identidades baseadas em aspectos da sexualidade, do crescente aumento de casos de violência homofóbica, e da sua criminalização, mas também pela necessidade de se buscar compreender o problema utilizando-se instrumentais diversos. Nesse sentido, as citadas teorias, ao focarem a administração da vida pelo Estado, no caso de Foucault, e da responsabilidade pelo outro, conforme entendido por Lévinas, podem, senão nos trazer novas explicações e abordagens para os problemas, ao menos auxiliar a focar o tema com outros olhos.
A questão básica objeto de reflexão foi, com isso, a seguinte: adotando-se como pressuposto de análise a perspectiva de Foucault e de Lévinas, a que conclusões podemos chegar quanto aos problemas propostos. A fim de refletir sobre o assunto, o trabalho foi estruturado em duas partes principais, visando uma aproximação do tema à luz das teorias dos dois autores. A primeira parte é dedicada a uma breve apresentação da concepção de Foucault, direcionando-se a análise sobre as questões das sexualidades periféricas e do papel do direito, bem como da atualidade do seu entendimento. A ética da responsabilidade de Lévinas é tratada na segunda parte, com foco nas questões envolvendo a violência para com o outro, tão presente na homofobia. Ao final, apresentou-se as conclusões a que se chegou com a investigação proposta.
2. A Biopolítica de Foucault frente à homossexualidade e a homofobia
Nesta seção, trata-se brevemente da teoria da biopolítica tal como desenvolvida por Foucault, buscando-se uma aproximação da questão da homossexualidade e da homofobia ante esse entendimento.
No último capítulo do primeiro volume da História da Sexualidade, Foucault trata da passagem do direito de vida e morte como privilégio característico do poder soberano, para o poder sobre a vida, desenvolvido a partir do século XVII, por meio de duas formas principais: a) no corpo como máquina, envolvendo, entre outros, o seu adestramento, ampliação de aptidões, crescimento de sua utilidade e docilidade, e integração em sistemas de controle eficazes e econômicos; e b) no corpo-espécie, como mecânica do ser vivo e suporte dos processos biológicos, preocupando-se com a questão dos nascimentos, mortalidade, saúde, e condições que possam os alterar[1]. A biopolítica da população seria, justamente, a intervenção, controle e regulação de tais processos, com a gestão calculista da vida e sujeição dos corpos, por meio do desenvolvimento de instituições diversas visando a sua normalização, tais como: escolas, casernas, ateliês, hospitais, prisões, e proliferação de políticas que vão investir sobre o corpo, como as de natalidade, saúde pública, alimentação, migração, habitação, ou seja, a todo o espaço da existência[2].
Com o reflexo do biológico no político, a vida deixa de ser algo inacessível, passando, em parte, ao controle do saber e intervenção do poder, fazendo do “poder-saber um agente de transformação da vida humana”[3]. Para Foucault, esse processo foi um elemento indispensável ao desenvolvimento do capitalismo, garantindo-se a inserção controlada dos corpos no aparato de produção econômica, e ajustando-se os fenômenos populacionais às necessidades da economia[4]. Como conseqüência do desenvolvimento do biopoder, ou seja, do poder centrado na vida, tem-se o surgimento do que Foucault chama de sociedade normalizadora, onde a importância da lei, e da integração da instituição judiciária às de caráter regulador, como as médicas e administrativas, é cada vez maior[5].
Neste contexto, o sexo passa a ter importância como objeto de produção e controle do saber e disputa política, pois faz parte tanto da disciplina do corpo, quanto da regulação das populações, o que implica num micropoder sobre o corpo, com todo tipo de exames médicos, psicológicos, ordenações meticulosas, bem como medidas e intervenções gerais e estatísticas, a todo o corpo social[6]. Para Foucault, quatro foram as linhas em que a política do sexo avançou nos dois últimos séculos, cada uma delas compondo técnicas disciplinares com procedimentos reguladores, de modo a organizar o poder em torno da gestão da vida, mais do que na ameaça da morte: a) a sexualização da criança, como forma de campanha pela saúde da raça; b) a histerização das mulheres, com uma minuciosa medicalização de seus corpos, em nome da responsabilidade que teriam quanto à saúde dos filhos, solidez da família e salvação da sociedade; c) controle da natalidade; e d) psiquiatrização das perversões[7].
Neste último sentido, houve uma verdadeira caça às sexualidades periféricas, tornando-se o homossexual do século XIX um personagem, uma espécie da qual nada escapa à sua sexualidade[8]. Os homossexuais, que antes eram tidos como libertinos ou delinqüentes, passam a ser objeto de análise médica e de novas intervenções e controles, como o internamento em asilos e tratamentos visando a sua cura[9].
Ao se analisar a questão do poder tal qual desenvolvida por Foucault, não se deve perder de vista o seu objetivo em realizar tais análises. Em suas próprias palavras:
“O poder no Ocidente é o que mais se mostra, portanto o que melhor se esconde (…). Pesquisar o que pode haver de mais escondido nas relações de poder, apreende-las até nas infra-estruturas econômicas, segui-las em suas formas não somente estatais mais infra-estatais ou para-estatais, reencontrá-las em seu jogo material”[10].
Trata-se, assim, de investigar a própria hipocrisia da sociedade, que “fala prolixamente de seu próprio silêncio, obstina-se em detalhar o que não diz, denuncia os poderes que exerce e promete liberar-se das leis que a fazem funcionar”[11]. Neste sentido, “o interdito, a recusa, a proibição, longe de serem as formas essenciais do poder, são apenas seus limites, as formas frustradas ou extremas”[12], sendo a sexualidade um elemento que nenhum sistema moderno de poder pode dispensar, pois se exerce através dela[13], pelo que denomina de dispositivo da sexualidade. Quanto ao termo dispositivo, cabe destacar a sua definição para o autor, como explicitado no seguinte trecho da obra Microfísica do Poder:
“Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos.
Em segundo lugar, gostaria de demarcar a natureza da relação que pode existir entre estes elementos heterogêneos. Sendo assim, tal discurso pode aparecer como programa de uma instituição ou, ao contrário, como elemento que permite justificar e mascarar uma prática que permanece muda; pode ainda funcionar como reinterpretação desta prática, dando-lhe acesso a um novo campo de racionalidade. Em suma, entre estes elementos, discursivos ou não, existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de posição, modificações de funções, que também podem ser muito diferentes.
Em terceiro lugar, entendo dispositivo como um tipo de formação que, em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante. Este foi o caso, por exemplo, da absorção de uma massa da população flutuante que uma economia de tipo essencialmente mercantilista achava incômoda: existe aí um imperativo estratégico funcionando como matriz de um dispositivo, que pouco a pouco, tornou-se o dispositivo de controle-dominação da loucura, da doença mental, da neurose.”[14]
Ao propor analisar a loucura, a doença, a deliquência, a sexualidade, Foucault pretende, deste modo, buscar o dispositivo de saber-poder que os marcam, as interferências de uma série de práticas que fizeram com que tais produtos ideológicos pudessem se naturalizar, submetidos à demarcação do verdadeiro e do falso[15]. Especificamente com relação ao objeto sexualidade, ressalta o autor que o estudo de sua genealogia, através de instituições específicas, significa identificar, em práticas como a da confissão, do relatório médico, da direção da consciência, etc., o instante em que se estabeleceu a jurisdição das relações sexuais, definindo o permitido e o proibido, o regime de verdade, ou veridição do desejo, o aprisionamento do objeto sexualidade[16].
Nesta seara, o direito assume importância fundamental, pois a genealogia dos regimes veridicionais passa pela análise da relação direito/verdade, cuja manifestação encontra-se privilegiada no discurso em que se formula o verdadeiro e o falso, em que se formula o direito[17], funcionando a lei como agente regulador, normalizador, da sociedade baseada no biopoder, na tecnologia de poder centrada na vida[18]. Ademais, a vida como objeto político implicou que a própria vida, muito mais do que o direito, se tornasse objeto de lutas políticas, ainda que formuladas por meio do discurso jurídico, como o direito à vida, ao corpo, à saúde, à satisfação das necessidades, à felicidade, o que é incompreensível para o sistema jurídico clássico[19].
Quanto às sexualidades consideradas ilegítimas, resta a repressão como condenação ao desaparecimento e ao silêncio, pois o que não é regulado, não possui nem lei nem verbo, não existindo e não devendo existir e, caso necessário algumas concessões, que “vão incomodar noutro lugar: que incomodem lá onde possam ser reinscritas, senão nos circuitos da produção, pelo menos nos do lucro”, como as casas de prostituição e de saúde, fora das quais o “puritanismo moderno teria imposto seu tríplice decreto de interdição, inexistência e mutismo” [20].
Com relação aos movimentos de liberação sexual, como o homossexual, Foucault lembra que, em geral, partem da afirmação a partir da própria sexualidade, ou seja, do dispositivo da sexualidade no qual estão presos, ainda que o desafiando até o seu limite, tentando ultrapassá-lo[21], como respostas em forma de desafio: “está certo, nós somos o que vocês dizem, por natureza, perversão ou doença, como quiserem. E, se somos assim, sejamos assim e se vocês quiserem saber o que nós somos, nós mesmos diremos, melhor que vocês.”[22] Tal situação, contudo, é uma “inversão estratégica de uma mesma vontade de verdade”[23]. A questão identitária homossexual é também, nesse contexto, rejeitada por Foucault como forma de identificação do indivíduo à sexualidade, ainda que admita que em certos momentos pontuais e de curto prazo seja algo relevante, do ponto de vista tático, como meio de afirmação e assunção de direitos[24].
A reflexão de Foucault quanto ao tema da sexualidade, e das suas práticas consideradas periféricas, como a homossexualidade, importam, assim, em revelar as estruturas de poder, muitas vezes ocultas, que as interditaram, regularam, tornaram invisíveis, “buscando uma forma de dizer não ao ‘sexo rei’ e politizar a experiência da relação com pessoas do mesmo sexo recusando as armadilhas de sua época”[25]. A homofobia, nesse contexto, do mesmo modo que a negação do feminino, viria a marcar uma espécie de vigilância dos limites do poder frente ao dispositivo da sexualidade.
Como observa Bourdieu, a heterossexualidade, construída socialmente como padrão universal de toda prática sexual considerada “normal”, distanciada da “contranatureza”, impondo-se como efeito da dominação que se exerce em toda a ordem social, por meio das instituições que as realizam e reproduzem, como o Estado, a família, a igreja e a escola, somente pode ser exposta com a ação política que revele tal violência simbólica, visando impor novas categorias de percepção e avaliação[26]. Nesse sentido, a reflexão de Foucault quanto ao tema é de grande importância e atualidade, ao apontar as estratégias de legitimação heterossexual, do heterossexismo de nossa sociedade, pois “o sujeito do conhecimento universal não é apenas masculino e branco, mas também heterossexual”[27].
A “natureza” homossexual historicamente construída inexiste como algo além da invenção impessoal da sociedade heterossexista que a fabricou fora de uma normalidade que nada tem de natural, estigmatizando-se o outro para se justificar, da mesma forma, por exemplo, que o racismo, a xenofobia, e o antissemitismo[28]. A luta contra a homofobia exige, assim, uma ação pedagógica e uma tomada de consciência de sua gravidade[29], cuja compreensão da proposta de Foucault pode em muito contribuir.
Por fim, as reflexões de Foucault sobre a sexualidade, biopoder e biopolítica, podem auxiliar na análise do fenômeno da repatologização da homossexualidade ocorrida no início do descobrimento vírus HIV e da AIDS, o que o autor não chegou a vivenciar, pois vitimado pela própria doença, no início da década de 80[30]. A ideia de que a AIDS acometeria apenas os homossexuais, implicou num processo de controle ao argumento de perigo à saúde pública, criando-se a bioidentidade estigmatizada no aidético, com grande efeito normalizador da homossexualiade e impositivo da heteronormatividade[31]. A urgência do enfrentamento da epidemia, por outro lado, permitiu no Brasil uma aliança biopolítica entre Estado, movimento social e academia, ante uma harmonização circunstancial dos interesses recíprocos, implicando na criação de um dos mais bem sucedidos programas de combate aos efeitos da doença realizados no mundo[32].
3. A Ética da Responsabilidade de Lévinas e a violência homofóbica
Na presente seção, busca-se traçar uma breve aproximação entre a ética proposta por Lévinas e a questão da homofobia, e a violência que a envolve, chegando-se ao extremo do crescente número de assassinatos verificados no Brasil[33], o que seria contrário ao defendido pelo autor, para quem “estar em relação com o outrem face a face — é não poder matar”[34].
Lévinas funda a sua crítica da filosofia, e da própria civilização ocidental, na tendência de redução de tudo a condições de racionalidade e inteligibilidade[35], especialmente o que pareça fortuito, estranho e enigmático, fugindo-se do que não pode ser ordenado e manipulado racionalmente[36]. O conceito, a prefiguração sobre o outro, sobre si mesmo, sobre tudo, aprisionaria o homem, ao passo que “ao eu como ente não corresponde um conceito”[37], pois “a singularidade do eu decorre de sua vida”[38]. A domesticação do homem pela razão, o racionalismo como aprisionamento, invertem o cogito cartesiano, de que o pensar é condição de existir.
A existência para Lévinas é, assim, anterior ao pensamento, já que a totalidade e um ser particular só podem se confundir sem o pensamento, com a ausência de exterioridade do vivente, enquanto para o pensante, a interioridade se opõe à exterioridade[39]. O pensamento começaria, deste modo, com a consciência de si mesmo, da própria particularidade, da exterioridade além da natureza do vivente, com a possibilidade de se conceber uma liberdade exterior à do pensante, o que marca a sua própria presença no mundo[40].
O mundo da percepção é, com isso, o da relação com o outro, o mundo que manifesta um rosto, e no qual se pode escolher moralmente estar presente de modo inocente ou culpado[41], sendo nessa escolha moral que se funda a ética da responsabilidade, de uma responsabilidade “que ultrapassa e precede minha liberdade, a responsabilidade de um sim incondicional”[42]. A inocência pressuporia estar no mundo numa relação de liberdade, assumindo a liberdade do outro, que não conheço e não posso conceituar, ao contrário da culpabilidade que conceitua, se apropria e pré-figura o outro numa relação de poder.
Para Lévinas, somente na relação de inocência para com o outro, do qual o rosto é a sua presença, é que pode haver o perdão, a justiça, a renovação da liberdade, a instituição do humano, que “só se oferece a uma relação que não é poder”[43]. O terceiro não pode, com isso, perdoar ou trazer justiça, pois ao terceiro importa a ordem, enquanto a ideia de justiça só faz sentido entre dois entes singulares e livres. A violência para com o outro, ao tentar possuí-lo, apropriá-lo, dominá-lo, retirar dele a liberdade, que é a condição fundamental do homem, importa em retirar de si essa mesma condição, por isso, estar face a face com o outro é não poder matar, pois é matar a si mesmo, o que de humano nos constitui.
Da breve apresentação do pensamento de Lévinas, verifica-se quão distante da homofobia, e das outras formas de exclusão, como o racismo e a xenofobia, que consistem em designar o outro como inferior, contrário ou anormal, reduzindo-o a um conceito que o retira de sua singularidade, identificando-o num grupo, a exemplo do negro, do estrangeiro, da mulher, do homossexual, etc. Traça-se um retrato do adversário ao invés de combater seus argumentos, ao mesmo tempo em que se encerra no próprio retrato[44].
Ante a sacralização histórica da família, associada ao casamento e filhos, o homossexual é identificado como anormal, pois suas relações não estariam no padrão normal da relação heterossexual, na ilusão de que tudo pode ser nomeado, conhecido, de que o que é correto fazer e pensar já está estabelecido previamente[45]. A sexualidade, contudo, tal como se dá hoje, é de fato uma invenção histórica, estruturada de maneira progressiva, ao passo em que se diferenciavam os campos de dominação, com suas lógicas específicas[46]
Falar da homossexualidade é, deste modo, falar da sexualidade humana e da sua diversidade, ressaltando-se as dificuldades dos que não se enquadram na hegemonia heterossexual, e que tem o sexo como meio reprodutivo[47]. Na realidade, a orientação sexual parece um elemento pouco significante para a constituição de uma pretensão identitária de um indivíduo ou grupo de indivíduos[48] que, em sua singularidade, não se resumem à sua sexualidade, ao desejo sexual. Mais do que isso, a discriminação em razão da orientação sexual baseia-se no próprio sexo da pessoa que direciona o seu afeto a outrem, se igual ou distinto da pessoa escolhida[49], ou seja, da sua singularidade.
O estereótipo é utilizado, nesse contexto, para manter a minoria estigmatizada como parte de um suposto grupo homogêneo, modelando-se, pelo olhar da maioria dominante a maneira como os próprios homossexuais percebem si mesmos, integrando, muitas vezes, e geralmente de forma inconsciente, o padrão, características e atitudes predeterminadas pelo discurso heterossexista[50]. Ao viver em famílias heterossexuais e dentro de uma sociedade hostil, os homossexuais são vítimas do preconceito em searas nas quais outras minorias encontram acolhimento[51]. A falta de referencial, e a interiorização da violência cotidiana impele muitos homossexuais a lutar contra seus próprios desejos, o que pode provocar graves distúrbios psicológicos, como ansiedade e depressão, não estando os homossexuais imunes a sentimentos e reações homofóbicas[52], inclusive violentas contra si mesmos e outros que vivenciem de forma mais livre sua sexualidade.
O estigma que marca a homossexualidade pode ser verificado na linguagem, que para Lévinas conceitua e aprisiona, ante o fato dos dicionários de sinônimos não registrarem vocábulos para a heterossexualidade, enquanto para a homossexualidade sempre há uma grande diversidade de termos[53], a maioria de conotação negativa. Essa desproporção revela a operação ideológica de deixar implícito o considerado natural e evidente, enquanto nomeia-se em profusão o problemático[54].
O fenômeno da homofobia é complexo e variado, podendo ser verificado desde a linguagem, e as piadas vulgares cotidianas que ridicularizam o homossexual, até a assunção do extermínio, como se deu na Alemanha Nazista[55], auge da desumanização que, para Lévinas, impacta tanto o agressor, quanto o agredido. A homofobia não se limita a indicar possíveis diferenças, interpreta-as e define as conseqüências: se culpado pelo pecado, o homossexual deve ser purificado; se aparentado ao criminoso, será tratado como tal; se doente, submetido a terapias, como os eletrochoques comuns na década de sessenta[56].
Ainda hoje, em muitos países a homossexualidade é considerada crime, em alguns, especialmente os islâmicos e muçulmanos, há inclusive a instituição da pena de morte[57]. Em termos médicos, o homossexualismo foi excluído enquanto doença, desvio ou perversão, em 1973, do Manual de Diagnóstico e Estatística, pela Associação Psiquiátrica Americana, agregando-se o sufixo “ade”, com significado de forma de expressão[58]. No Brasil, em 1985, a homossexualidade deixou de ser considerada como desvio pelo Conselho Federal de Medicina e, em 1999, o Conselho Federal de Psicologia passou a proibir tratamentos visando a sua pretensa cura[59].
Em todas as hipóteses citadas, impera a definição, a pré-figuração, o conceito, a relação não inocente, a culpa. Para Lévinas, é o rosto restitui a inocência, a relação desarmada, a humanidade, e não o conceito, o modelo, o terceiro. Com isso, a luta contra a homofobia não se resolveria com a sua criminalização, que traz a instituição do direito como terceiro a quem importa somente a ordem e sua manutenção, sem alterações substantivas que possibilitem a relação das diversas singularidades.
4. Conclusões
A teoria da biopolítica de Foucault e da ética da responsabilidade de Lévinas podem ser utilizadas como importantes instrumentos de análise da problemática da homossexualidade e da homofobia na atualidade, importando em novas formas de abordagem e compreensão do tema. A luta contra a homofobia ao exigir uma ação pedagógica e uma tomada de consciência de sua gravidade[60], pode se valer do que as propostas de Foucault e Lévinas têm a contribuir.
Nesse sentido, a reflexão de Foucault quanto à biopolítica e ao dispositivo da sexualidade, importa em revelar estruturas ocultas de poder que interditam, regulam e ocultam práticas consideradas periféricas ao modelo heterossexista como a homossexualidade, marcando a homofobia a vigilância do limites do poder que o envolvem.
Quanto ao pensamento de Lévinas, deve-se buscar despir-se dos conceitos e pré-figurações que envolvem a questão da homofobia, visando instaurar a relação de inocência entre singularidades livres, sem tentar possuir o outro, apropriá-lo e dominá-lo, retirando-lhe a condição fundamental do ser humano, que é a liberdade, pois de outro modo se estará perdendo o que de humano nos constitui.
Procuradora Federal junto à PFE/IBAMA. Ex-Consultora Jurídica do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental pela Universidade de Brasília – UnB. Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Associada ao Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP
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