Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir o caos do sistema carcerário brasileiro, analisar a metodologia majoritariamente aplicada ao cumprimento das penas privativas de liberdade no país. Objetiva, ainda, comparar o método tradicional com a metodologia APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados.[1]
Palavras-chave: EAD, prisional, dignidade
Abstract: This work has for objective to discuss the chaos of the Brazilian prison system, analyze the methodology mostly applied to the fulfillment of the custodial sentences in the country. Objective, still, compare the traditional method with the methodology APAC – Association of assistance and protection to convicted.
Keywords: EAD, prison, dignity
Sumário: Introdução. 1. A lei de execução penal. 2. A realidade das prisões no Brasil. 3. Dados estatísticos do sistema prisional brasileiro. 4. Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC. Conclusão.
Introdução
Há muito se comenta no Brasil sobre a falência do sistema prisional do país – penitenciárias superlotadas, desrespeito à pessoa do preso que, não raras vezes sofre maus tratos por parte daqueles que deveriam colaborar com seu retorno à sociedade da melhor forma possível.
O desrespeito se inicia quando os portões se fecham atrás do detento, lá fora além de sua liberdade também fica sua dignidade. Os detentos são entregues à sua própria sorte dentro dos presídios, muitas vezes, precisam cuidar de sua segurança, pois são ameaçados por outros presos.
O problema é que, infelizmente, ainda hoje a maior parte da sociedade concorda com as atrocidades cometidas contra os presos dentro dos presídios, pois pensam na dor e sofrimento que causaram a vitima. O grande argumento é: se não quer sofrer maus tratos, não pratique o delito.
A própria vitima e sua família pensa que todo sofrimento do criminoso dentro do presídio ainda será ínfimo perto do mal causado por ele.
Uma mudança de pensamento se faz necessária com urgência, pois enquanto o sistema prisional brasileiro buscar por vingança e não por justiça (justiça não só para a vítima, mas também para o criminoso que não pode pagar com sua dignidade o mal que cometera), continuará devolvendo para o convívio da sociedade pessoas amargas, que buscam descontar em alguém todo o sofrimento a que foram submetidos no cárcere.
Outro fato importante que não se pode ignorar: há um custo para se manter alguém na cadeia, altos valores são gastos para manter um preso. Os recursos saem do bolso dos cidadãos, daqueles que pagam seus impostos. Seria correto aplicar tanto dinheiro para no final, devolver à sociedade uma pessoa piorada?
Este trabalho não objetiva proteger aqueles que praticaram um delito, numa atitude paternalista; muito pelo contrário, a partir do momento que o indivíduo decide pela prática de um delito deve também assumir suas consequências. Mas que a punição não ultrapasse aquilo que diz a lei e seja retirada tão somente sua liberdade de locomoção (de ir, vir ou permanecer onde bem entender) que por si só já é uma pena muito dura.
Sendo assim, é urgente a necessidade de repensar a forma de cumprimento da pena privativa de liberdade no Brasil, de encontrar métodos alternativos e mais eficazes.
1 A lei de execução penal
A Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 tutela a execução penal no Brasil. Já no primeiro artigo da referida lei tem-se que o objetivo da execução penal é proporcionar uma integração social harmônica ao condenado e internado.
Neste ponto já cabe a primeira crítica ao sistema carcerário: quão harmônica se imagina que será a reintegração do condenado na sociedade após receber um tratamento completamente inadequado dentro do cárcere?
Imaginam as autoridades que, após sofrer privações, até mesmo no que tange à alimentação, além das constantes torturas e castigos cruéis, o preso sairá do presídio cheio de amor pela sociedade que aprova (em sua maioria) tudo o que ele passou?
Maior absurdo se extrai da análise do art. 3º, caput da lei em debate: “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. A considerar somente a pena privativa de liberdade, que é o alvo maior deste trabalho, há que se dizer que o único direito do qual o preso deverá ser privado, por óbvio, é a liberdade de locomoção; ou seja, o direito de ir, vir ou permanecer onde bem entender.
Sobre o assunto, Rogério Greco (2013, p. 25):
“Por mais que o Estado tenha o poder/dever de fazer valer o seu ius puniendi, este deverá ser levado a efeito preservando-se, sempre, os direitos inerentes à pessoa, que não cederam em virtude da prática da infração penal. Assim, por exemplo, se alguém for condenado a uma pena de privação de liberdade por ter praticado determinado crime, somente esse direito é que será limitado através do ius puniendi, vale dizer, o direito de ir, vir e permanecer aonde bem entenda. Os demais, a exemplo da sua dignidade, intimidade, honra, integridade física e moral etc., devem ser preservados a todo custo”.
Infelizmente na prática, muito mais que a liberdade, ao entrar num presídio, o detento se abstém também, de sua dignidade. Inúmeros documentários apresentam as atrocidades que ocorrem dentro do cárcere, num momento mais apropriado este assunto será exposto de forma mais detalhada.
A Lei de Execução Penal prevê ainda, no artigo 11 e seguintes, que o preso terá assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.
No tocante à assistência material, esta compreende o fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas ao preso. Alimentação e instalações apropriadas ao ser humano, que proporcione ao preso condições de se alimentar e se limpar de forma adequada.
Sobre a assistência à saúde, pode-se dizer que o preso deve receber atendimento como se fora da cadeia estivesse (no que diz respeito à frequência e qualidade do atendimento). O atendimento não deve ser apenas curativo, mas também e principalmente, preventivo.
A assistência jurídica consiste no atendimento, pela Defensoria Pública, àqueles que não possuem condições de arcar com as despesas de um advogado particular.
Em relação à assistência educacional, compreende a instrução escolar e a formação profissional, sendo que o ensino de primeiro grau será obrigatório. A lei garante ainda ao preso, assistência social e religiosa.
Importante mencionar ainda que os direitos dos presos estão previstos no artigo 41 da lei em discussão. Direitos estes previstos, mas não praticados.
2 A realidade nas prisões do Brasil
Embora haja previsão legal sobre a forma como deve ser cumprida a pena privativa de liberdade no Brasil, o que se vê na realidade está mui distante da lei.
Conforme a Constituição da República, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). No entanto, o Estado não tem conseguido dar efetividade a este princípio, principalmente no que tange à população carcerária.
Rogério Greco (2013, p.102) diz que em muitas situações, a dignidade da pessoa humana é violada pelo próprio Estado. “Aquele que deveria ser o maior responsável pela sua observância, acaba se transformando em seu maior infrator”.
Presídios superlotados, alimentação precária, falta de higiene e de assistência médica e ociosidade são a realidade do Brasil.
Brasil afora não é raro encontrar presídios onde a lotação atual é o dobro, quando não, o triplo da sua capacidade. Alguns locais estão numa situação tão precária, com tantos detentos que estes precisam fazer um revezamento para dormir, pois a cela não tem espaço suficiente para todos dormirem ao mesmo tempo.
Em outros locais, os presos penduram redes dentro das celas, neste caso, são criados vários “andares” de pessoas dormindo em redes e ainda assim alguns ficam sem espaço e acabam dormindo sentados mesmo.
As celas ficam tão cheias que na hora das refeições, os presos que ficam no fundo das celas não conseguem se alimentar porque a “quentinha” não chega até eles.
Muitas penitenciárias não possuem banheiros limpos para serem utilizados pelos presos, a sujeira é percebida de longe, o mau cheiro é insuportável e ratos passeiam livremente no meio dos presos. A superlotação é apenas o início do absurdo que acontece no cárcere, há muitos outros flagrantes de desrespeito à dignidade da pessoa humana, como por exemplo, a alimentação. São servidas três refeições por dia: café da manhã, almoço e jantar, os presos que não recebem ajuda externa (alimentos trazidos por seus familiares) acabam encarando a fome.
Poucos são os presídios que ainda preparam as refeições dentro de suas dependências, a maioria hoje recebe a famosa “quentinha”. Os presos reclamam que a comida, não raras vezes, chega até eles já estragada.
Outro fato que impressiona: não são fornecidos talheres, por receio dos detentos utilizarem como arma para ferirem uns aos outros ou até mesmo contra os funcionários dos estabelecimentos ou ainda utilizarem como ferramentas para cavarem túneis. A solução é quebrar uma parte do refratário de isopor onde são servidas as refeições e utilizá-las como talher, outras vezes, a mão faz o papel do talher.
As quentinhas por vezes são atiradas para fora da cela, como uma forma de protestar a péssima alimentação.
Um capítulo à parte nas penitenciárias diz respeito aos castigos a que são submetidos os detentos: estes são colocados em celas escuras, sozinhos e sem alimentação ou água por vários dias.
Outra forma de castigar os presos é colocá-los em celas onde há presos que abominam os delitos praticados pelo “castigado”. Neste caso, os próprios detentos se encarregam de aplicar o castigo, espancam, maltratam, violentam e sabe-se lá que outras atrocidades cometem.
Não bastassem os fatos narrados até aqui, a humilhação sofrida pela família é outro problema enfrentado pelos detentos. As visitas são expostas a revistas exageradas e vexatórias, as mulheres são obrigadas a agacharem para verificar se não escondem algum tipo de objeto proibido na região íntima.
A ideia aqui, não é defender a extinção da revista, até porque garantir a segurança das pessoas que estão no cárcere e os funcionários é dever do Estado. Mas existe tecnologia capaz de auxiliar a realização da revista sem expor a intimidade dos visitantes. Muitos detentos deixam de receber visitas porque estas não se dispõem a passar pela humilhação da revista.
Como pode o Estado esperar que uma pessoa saia recuperada depois de ser exposta a todo o tipo de situação no cárcere? Não se pode esperar recuperação e ressocialização do sistema prisional brasileiro.
O ex Procurador Tomáz de Aquino Resende, já aposentado, durante uma entrevista concedida ao Programa do Ministério Público do Rio Grande do Sul, fez a seguinte reflexão acerca do sistema prisional brasileiro:
“O sistema de execução penal brasileiro está falido, ele chega a ser, no meu ponto de vista, criminoso. Gasta-se uma fábula de recursos do erário, do contribuinte para piorar as pessoas. O sistema prisional é caro, falido e ineficaz (…) quando não recuperamos as pessoas, elas voltam piores para a sociedade, é uma agressão o que estamos fazendo. Estamos piorando as pessoas, quando digo nós, estou me referindo ao Estado – o Ministério Público, o Judiciário e o Poder Executivo contribuem para isto”.
O ex Procurador ainda mencionou a metodologia APAC como uma boa alternativa para “salvar” o sistema prisional:
“Nós temos uma opção que realmente humaniza e recupera (em favor da sociedade), nem é em favor do preso, não é para passar a mão na cabeça de quem cometeu o delito, é para o nosso benefício. Se a pessoa não sair pior, a sociedade ganha, pois será menos um para prejudicar, causar danos à sociedade”.
É fato que o indivíduo precisa arcar com as consequências do delito cometido, mas é fato também que não se pode expor um ser humano a tamanho sofrimento e humilhação.
Infelizmente a maioria da sociedade ainda nutre um grande preconceito pela população carcerária e sustenta o pensamento de que todo sofrimento ainda é pouco frente ao mal cometido. Pensar diferente da maioria não é uma questão de defender o indivíduo que pratica um delito, ou diminuir o mal que este causou, trata-se de bom senso.
Importante mencionar que para a vítima do delito nunca haverá pena suficiente para compensar o sofrimento causado por seu ofensor, quanto menos se sentirão incomodadas pelo fato de estarem estes sofrendo com penas que vão muito além da privação de sua liberdade.
Não se busca com isso, afirmar que a medida da pena é o sofrimento da vítima, tampouco que a pena deverá ser utilizada como espécie de vingança.
A este respeito, Rogério Greco (2013, p. 84):
“Jamais poderemos mensurar a dor de alguém que foi agredido fisicamente, por exemplo, ou daquela mulher que foi vítima de um delito de estupro. Não há como transformar essa dor, essa violação a um bem juridicamente protegido, em quantidade de privação de liberdade. Assim, o máximo que podemos fazer é tentar, de acordo com algum critério de proporção, encontrar uma pena que possa punir o agressor, ou seja, retribuir o mal por ele praticado.
Por outro lado, temos a vítima, ou seja, aquela que sofreu com a prática da infração penal. Para ela, em quase todos os casos, a pena aplicada ao infrator será sempre insuficiente, ou seja, aquém do sofrimento por ela experimentado. Para a vítima, por maior que seja a pena infligida ao condenado, nunca será suficiente se comparada ao mal por ela sofrido. Veja-se, por exemplo, o que ocorre com uma mulher que fora vítima de um delito de estupro, ou de alguém que ficou tetraplégico após ter sido atropelado por um motorista que dirigia embriagado o seu automóvel. Para estas pessoas, punir o agente com uma pena de três, cinco, oito ou mesmo vinte anos será insuficiente”.
Não será objeto de discussão a proporcionalidade entre a pena imposta ao ofensor e o sofrimento da vítima, pois a este respeito é certo que nunca se chegará a um consenso. No entanto, é importante ressaltar que o preso que sofre maus tratos e tem sua dignidade lançada fora é o mesmo que reencontrará a sociedade após o cumprimento da pena. Convém pensar se é realmente inteligente deixar o sistema prisional brasileiro trilhar o caminho do descaso e do desrespeito com a população carcerária.
É necessário lembrar que essas pessoas, que hoje estão atrás das grades, um dia sairão de lá e retornarão ao convívio da sociedade. Como esperar que este convívio seja harmônico se dentro do cárcere só conheceram sofrimento, humilhação, desprezo e maus tratos?
Nas palavras do Dr. Drauzio Varella (2013, p. 20) “a cadeia perversa a mente do sentenciado”.
Nesse sentido, convém ressaltar que as inspeções realizadas no ano de 2013 pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) constataram que, na maioria dos presídios brasileiros, os detentos não são mantidos separados quanto à sua periculosidade. Ou seja, detentos que praticaram delitos mais leves juntam-se àqueles detentos mais perigosos. Observe os dados na tabela 01 abaixo:
Importante mencionar ainda que os presídios são mantidos com recursos provenientes daqueles que pagam seus impostos e, na medida em que se concorda com o tratamento dispensado aos presos também se concorda em investir dinheiro público para piorar as pessoas, porque esta é a realidade.
O valor que o Estado (ou melhor, os contribuintes) pagam para manter um preso, hoje esse valor é próximo de R$ 1.800,00. Ou seja, paga-se um valor alto por um sistema ineficaz.
Será razoável continuar mantendo um sistema fadado à falência? Dados estatísticos mostram que o índice de reincidência dos ex-condenados submetidos ao sistema convencional é de 70%, aproximadamente.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instaurada para investigar a situação da população carcerária, realizada entre 2007 e 2008. Durante as visitas dos integrantes da comissão foi descoberto um presídio onde os presos possuíam um espaço de 40 centímetros dentro das celas. Foram encontrados ainda presos condenados com sentença transitada em julgado juntamente com presos provisórios, fato que contraria o art. 84, caput, da LEP.
Relatos de maus tratos e espancamentos não foram raros durante as visitas, em alguns presídios, policiais colocavam sacos plásticos na cabeça do detento e o sufocava até à beira da morte.
No Ceará, as refeições são distribuídas em sacos plásticos e os presos são obrigados a comer com a mão.
Em Minas Gerais, os deputados encontraram detentos com coceira e feridas por todo o corpo. A estes detentos foi receitada creolina pelo médico da prisão (desinfetante usado para fazer limpeza, desentupir ralos ou matar vermes de animais).
A situação da mulher dentro do sistema carcerário é ainda pior; muitas são colocadas em celas juntamente com os homens e ali sofrem abuso sexual. Em outros locais, falta material de higiene pessoal e as detentas são obrigadas a utilizar miolo de pão como absorvente higiene.
Outro fato lamentável é a falta de creches ou berçários nas penitenciárias, o que obriga muitas mulheres a levarem seus filhos para dentro do cárcere.
Durante toda a investigação da CPI, não faltaram relatos de maus tratos, desrespeito à dignidade dos detentos e constatações de descumprimento às determinações da Lei de Execução Penal.
Domingos Dutra, relator dessa CPI, disse durante uma entrevista: “o sistema carcerário é um inferno, a culpa é do Estado que não cumpre suas obrigações e da sociedade, que se omite. A saída é o Estado cumprir a lei e a sociedade olhar os presos como gente; se isso acontecer, nós vamos transformar lixo humano que hoje está atrás das grades em cidadãos”.
O principal resultado da CPI do Sistema Carcerário foi a apresentação de 12 projetos de lei, que até hoje nem passam perto de serem aprovados pela Câmara dos Deputados.
Embora a CPI do Sistema Carcerário tenha ocorrido entre 2007 e 2008, o relatório divulgado em 20013 pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), demonstra que nada mudou, ainda há um longo caminho a percorrer.
O Juiz do Conselho Nacional de Justiça, Luciano André Losekann, numa entrevista concedida ao programa “Repórter Record”, disse:
“Hoje o cárcere apenas retira de circulação o sujeito durante determinado período de tempo. Não tem servido para outra coisa, pelo contrário, tem servido de estímulo à criminalidade, na medida em que nenhum trabalho é feito com essa pessoa enquanto ela está presa”.
Impressionante é pensar que há uma saída para o caos instalado no sistema penitenciário brasileiro; existem meios alternativos de cumprimento de pena, meios estes já implantados em algumas localidades brasileiras e que têm demonstrado maior eficácia na recuperação do condenado.
Mas infelizmente essa metodologia ainda é minoria no Brasil, prefere-se insistir no sistema convencional (aquele: que demanda altos investimentos e é notadamente falho).
Sobre a pena de prisão, Cezar Roberto Bitencourt (2011, p. 25):
“A prisão é uma exigência amarga, mas imprescindível. A história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas a de sua reforma. A prisão é concebida modernamente como um mal necessário, sem esquecer que guarda em sua essência contradições insolúveis”.
Alguns doutrinadores, entre eles o próprio Bitencourt (2011, p. 26), defendem a ideia de que a pena privativa de liberdade deveria ser utilizada apenas para penas mais longas:
“Recomenda-se que as penas privativas de liberdade limitem-se às penas de longa duração e àqueles condenados efetivamente perigosos e de difícil recuperação. Não mais se justificam as expectativas da sanção criminal tradicional (…).
Há um grande questionamento em torno da pena privativa de liberdade, e se tem dito reiteradamente que o problema da prisão é a própria prisão. Aqui, como em outros países, avilta, desmoraliza, denigre e embrutece o apenado”.
3 Dados estatísticos do sistema prisional brasileiro
No decorrer do ano de 2013, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) com o auxílio de Promotores de Justiça e Procuradores da República de todo o Brasil realizou uma inspeção em diversas unidades prisionais das regiões brasileiras.
O caos instalado no sistema prisional do Brasil não constitui novidade para a sociedade ou mesmo para as autoridades, ao ponto de se fazer necessário realizar inspeções que relatem a situação precária dos presídios. Ocorre que ao Ministério Público, cabe, entre outras atividades, visitar mensalmente os estabelecimentos penais (art. 68, parágrafo única da Lei 7210/84).
O relatório final do ano de 2013 foi realizado de forma detalhada, que destaca desde os problemas mais simples aos mais graves dos estabelecimentos prisionais, desta forma, o Ministério Público e outros órgãos públicos podem direcionar sua atuação para melhorar a situação da população carcerária.
Para Mário Luiz Gonzaglia (Presidente da Comissão do Sistema Prisional, de Controle Externo da Atividade Policial e de Segurança Pública do CNMP):
“Com este relatório, espera o Conselho Nacional do Ministério Público colaborar para a reafirmação dos ideais constitucionais de uma sociedade justa e solidária, estimulando os membros do Ministério Público a se engajar cada vez mais na diuturna luta para que a aplicação da pena privativa de liberdade se dê estritamente nos termos da lei e da Constituição, preservando-se a dignidade humana dos presos, tudo isso, sem dúvida, revertendo em benefício de toda a coletividade”.
Os principais dados do relatório nomeado “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro” serão expostos a seguir. Ressalte-se que foram realizadas 1.598 inspeções divididas entre as cinco regiões do Brasil.
Abaixo, o Gráfico 01 apresenta a capacidade versus ocupação dos estabelecimentos inspecionados (separado por sexo):
Pode-se observar que, não obstante o art. 85, caput da Lei de Execução Penal determine que os estabelecimentos penais tenham lotação compatível com sua estrutura, a superlotação ocorre em todas as regiões.
E mais, ainda no que diz respeito à superlotação, a situação dos presídios masculinos é mais grave que os presídios femininos. A região Sudeste apresenta um quadro mais grave que as demais regiões, com 8.376 detentos além da capacidade total dos presídios masculinos, seguida da região Sul, que possui um déficit de 5.562 vagas.
A superlotação das unidades prisionais já foi tema de diversas reportagens e documentários da mídia. Num destes documentários, que recebeu o nome de “Os piores presídios do Brasil” foi relatada a situação de presídios do Espírito Santo que abrigavam até 300 detentos numa cela com capacidade para 30.
Nestas celas, os detentos acomodavam-se em “camadas” de redes penduradas por todos os cantos e ainda assim, alguns ficavam pelo chão, pois não conseguiam um espaço para pendurar a rede.
A situação era tão precária, que os detentos encontravam dificuldade até mesmo para se alimentar, porque as celas abarrotadas muitas vezes não permitiam que as refeições chegassem a todos eles.
Outro fato que convém destacar é a falta de enfermaria em muitos estabelecimentos prisionais. Os dados detalhados aparecem na Tabela 02 (abaixo):
Entre os 1.598 presídios inspecionados, apenas 699 já possuem uma enfermaria, 899 (mais que a metade dos estabelecimentos) ainda não possuem tal recurso. Os detentos são levados aos postos médicos ou hospitais para serem atendidos, conforme prevê o art. 14, §2º da LEP.
O art. 14, caput, da LEP alude que a assistência à saúde deve ser de caráter preventivo e curativo. Sabe-se que, infelizmente, a rede pública de saúde não possui estrutura nem pessoal para atender aqueles que dela dependem, muito menos conseguirá garantir à população carcerária uma assistência preventiva.
A LEP ainda prevê que o detento “maior de 60 anos será recolhido em estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal” (art. 82, §1). No entanto, o gráfico abaixo mostra que os presídios inspecionados ignoram a previsão legal.
Também não há separação entre os presos provisórios e os presos condenados por sentença transitada em julgado, novamente um flagrante desrespeito à previsão legal (art. 84, caput, Lei de Execução Penal).
Os dados mencionados neste capítulo são apenas alguns do extenso relatório divulgado pelo CNMP, no ano de 2013, mas bastam para constatar que o sistema prisional brasileiro não cumpre a Lei de Execução Penal em vários aspectos.
Por fim, entre os dados levantados durante as inspeções, convém mencionar o número de fugas registrado (conforme demonstra a Tabela 03 abaixo):
Das 20.310 fugas registradas, apenas 10.998 detentos retornaram aos presídios (entre recapturas e retornos voluntários), ou seja, quase 54% dos detentos não são recapturados.
Novamente, convém ponderar se é razoável investir um valor tão alto (o custo de 01 detento é de aproximadamente R$ 1.800,00 por mês) para manter estabelecimentos que sequer conseguem oferecer à população carcerária o que a lei prevê e ainda ter um índice de fuga sem recapturas de 54%.
4 Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC
Um ótimo exemplo de meio alternativo de cumprimento de pena privativa de liberdade é o método APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados.
O método APAC busca a recuperação do condenado (chamado nas unidades de recuperando) através da valorização humana, sem perder de vista a finalidade punitiva da pena. A filosofia da APAC é: “Matar o criminoso e salvar o homem”. Pode-se dizer que o método APAC busca punir sem maltratar.
A metodologia APAC foi idealizada pelo advogado Mário Ottoboni e alguns amigos, em São José dos Campos, no ano de 1972, mas foi no Estado de Minas Gerais que as APACs avançaram mais rapidamente. A unidade mais antiga está localizada na cidade de Itaúna/Minas Gerais.
Em Minas Gerais, a metodologia APAC recebe o apoio do Programa Novos Rumos na Execução Penal, criado no ano de 2001, pelo Tribunal de Justiça do Estado.
Conforme a metodologia APAC, existem doze elementos que precisam ser efetivados para que seja cumprida a proposta, quais sejam:
1. A participação da comunidade;
2. O recuperando ajudando o recuperando;
3. O trabalho;
4. A religião e a importância de realizar a experiência de Deus;
5. Assistência jurídica;
6. Assistência à saúde;
7. Valorização humana;
8. A família;
9. O voluntário e o curso de formação;
10. Centro de Reintegração Social;
11. Mérito;
12. Jornada de libertação.
Na maioria das APACs não há policiais armados ou grandes muros, a segurança é feita pelos próprios recuperandos, que também cuidam da alimentação e limpeza do local, sem auxílio ou supervisão de servidores públicos.
As vantagens do método APAC em relação ao sistema convencional são várias; apenas para exemplificar, pode-se citar o índice de reincidência da APAC não ultrapassa os 10%. O preço de um recuperando para o Estado é metade do que ele custaria no sistema convencional.
O fato que mais impressiona é que não é necessário nenhum milagre para conseguir todos esses benefícios na metodologia APAC, o grande diferencial deste sistema e o que o faz funcionar é simplesmente o cumprimento da Lei de Execução Penal.
Atualmente no Brasil existem 33 APAC’s em funcionamento e outras 70 em implantação. A metodologia tem se mostrado tão eficaz que representantes de outros países, como Argentina, Equador e Estados Unidos, estiveram no Brasil para “aprender” a aplicar o método em seu país.
A principal diferença de uma APAC para uma penitenciária é que, na primeira, a LEP é aplicada. Não há celas superlotadas na APAC, aliás, na maioria das APAC’s não se ouve a palavra “cela”, mas sim, dormitório. As revistas em dias de visitas são menos rigorosas, mas nem por isso são menos eficazes.
Ao chegar numa APAC, o “preso” vindo do sistema comum, antes troca de roupa (retira o uniforme vermelho da SUAPI – no caso dos presídios de Minas Gerais) e as algemas, só então pode adentrar nas dependências da unidade.
Os recém-chegados são recebidos pelo Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), formado por recuperandos indicados pela administração. O CSS é responsável por repassar as normas e orientações gerais de disciplina (que não são poucas). Com a metodologia apaqueana aprende-se a lidar com regras, pois existem muitas regras a serem cumpridas, de certa forma, esta é uma forma de preparar os recuperandos para as regras da sociedade a qual retornarão após cumprirem a pena.
Para melhor discorrer acerca da metodologia apaqueana, foi realizada uma visita à unidade da APAC na cidade de Nova Lima, Minas Gerias. No local (num dia de sábado), impressiona o fato de ser recebido somente pelos recuperandos, não há policiais, não há armas, não há servidores – apenas os recuperandos e a visita.
Há plantões para atender o portão principal e para ficar na portaria do regime fechado; sempre são escolhidos os recuperandos com melhor comportamento para tais tarefas.
Durante a visita foram apresentadas todas as dependências do prédio, do regime aberto ao fechado; os recuperandos de regimes diferentes não conversam entre si, por essa razão, é definido um responsável de cada regime para fazer a apresentação.
Para entrar na APAC de Nova Lima (e provavelmente em todas as outras), não há portões de aço, detectores de metal ou esteiras com Raios-X para garantir a segurança; há o “portão da rua” e: bem-vindo à APAC. É quase impossível imaginar que funcione essa tal metodologia tão “moderninha”, mas realmente funciona.
Foi constatado durante a visita o que fala sobre as APAC’s: os próprios recuperandos cuidam da limpeza e da organização do local, aliás, estes foram fatores que chamaram atenção – inacreditavelmente, ao invés de locais fétidos e infestados de baratas e ratos, o que se observa é um local bem organizado, nos dormitórios há prateleiras para que nada fique jogado ao chão. E, acredite, é possível até mesmo sentir o cheiro da limpeza no local. Cada recuperando também é responsável por lavar sua própria roupa.
Numa parede do regime fechado, existe um painel que fornece orientações sobre o revezamento para a limpeza e ainda, registra o dormitório mais organizado e o menos organizado, a cada semana. Se as tarefas não são cumpridas ou se os recuperandos não prezam por seu dormitório, perdem pontos, que são também registrados em painéis.
Na unidade visitada, os recuperandos do regime fechado não preparam suas refeições, estas são preparadas pelo regime semiaberto. Mas existe uma copa, onde têm a possibilidade de preparar algum alimento que, eventualmente desejarem comer (no dia da visita, os recuperandos estavam preparando um pudim de leite).
Acerca do trabalho, o método apaqueano, sem dúvida aplica de forma mais realista que o sistema convencional. Ora, no método tradicional os presos fazem barquinhos utilizando palitos de picolé e outros artesanatos – o que não é completamente ruim, mas considerando que uma das funções da pena também é preparar o indivíduo para o reencontro com a sociedade, esse tipo de trabalho deveria ser utilizado somente como terapia. Deveria existir algo que realmente auxiliasse o egresso a conseguir novamente uma vaga no mercado de trabalho.
Na unidade da APAC visitada em Minas, existe uma padaria, onde são feitos pães, bolos, tortas e salgados que são entregues ao presídio da cidade, escolas e ainda há a possibilidade de receber encomenda das pessoas da comunidade. A limpeza no local impressiona!
Há também uma marcenaria, onde são reformadas carteiras de escolas municipais de Nova Lima e outros móveis da prefeitura.
Embora exista a padaria e a marcenaria, os recuperandos também realizam trabalhos manuais na chamada “laborterapia”. São bijuterias, tapetes, caixas de madeira e diversos outros artesanatos, que são utilizados como uma forma de terapia (como o próprio nome diz).
Os recuperandos também têm a possibilidade de estudar, ler os livros da biblioteca da instituição e assistir DVD. Os livros e filmes antes passam por uma vistoria da administração – não podem conter sexo ou violência.
Evidentemente que o local não é nenhuma colônia de férias, embora seja bem diferente de um presídio normal, a privação da liberdade é clara a todo o instante. É bem verdade que os dormitórios ficam abertos durante o dia, mas ter horário determinado para acordar e dormir todos os dias, olhar para um céu quadriculado pelas grades do pátio e saber que há um prazo definido para ficar ali, sem comunicação com o mundo lá fora… tudo isso é angustiante.
Fato interessante é que não se pode perguntar ao recuperando qual foi o delito praticado por ele, faz parte do processo de recuperação. Um cartaz na parede diz que as pessoas estão ali para se recuperarem, não é bom fazê-las lembrar de um passado que elas querem esquecer.
O voluntariado é um ponto forte dessa metodologia, os familiares dos recuperandos e a comunidade onde está inserida a APAC é convidada a fazer parte do processo de conversão das pessoas que ali estão.
Conclusão
Por tudo o que foi exposto no presente trabalho é inevitável concluir que o sistema prisional brasileiro necessita urgentemente ser reformulado.
A sociedade precisa, urgentemente entender que, quando se busca melhorar as condições dos estabelecimentos penais, não se pretende com isso, garantir privilégios àqueles que infringiram a lei, mas sim, primar por um retorno seguro e amigável à sociedade.
Estabelecimentos penais em condições precárias, sem higiene, sem estrutura adequada para abrigar seres humanos; policiais submetidos a condições de trabalho sub-humanas, com salários baixos, expostos a altos riscos e uma sociedade que vê o apenado como lixo são alguns dos fatores que explicam o caos do sistema penitenciário do Brasil.
Quando as pessoas são questionadas sobre a condição do preso no Brasil, a primeira resposta sempre inclui os diversos “benefícios” que o preso tem dentro da cadeia: não precisam trabalhar, têm tudo de graça – comida, roupa e um local para dormir. Muitos pais de família não têm isso hoje em dia.
O que essas pessoas não sabem é que às vezes, um preso divide cela com capacidade para trinta pessoas, com outras duzentas e noventa e nove. Que a comida, chega azeda ou com alimentos crus; muitas vezes é servida em sacos plásticos e sem talheres. Que o banho é com água fria, não importando se é verão ou inverno, o importante é economizar energia. Presos morrem doentes no cárcere, por falta de atendimento médico. Enfim, muitas outras atrocidades são cometidas no cárcere.
Mas, infelizmente, a péssima distribuição de renda do país faz com que a real situação da população carcerária passe despercebida.
Possivelmente, se o Brasil fosse um país mais justo, se todas as pessoas tivessem acesso a uma boa alimentação, boa escola e atendimento médico; mencionar a frase: direitos humanos do preso, não causaria tanta indignação.
Enquanto não se obtém avanço no método tradicional de cumprimento da pena privativa de liberdade, deve-se investir na metodologia APAC, que tem apresentado melhores resultados com custos mais baixos.
Advogada no Estado de Minas Gerais Pós Graduada em Criminologia Política Criminal e Segurança Pública pela rede LFG
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