Resumo: A proposta deste texto é reunir e organizar, de maneira breve e clara, pensamentos de grandes filósofos sobre a origem da Sociedade Civil. Trata-se de uma amostra, no campo das ideias, da saída da barbárie e a entrada na civilização.
Palavras-chave: Sociedade Civil, Barbárie e Civilização.
Abstract:The purpose of this text is to gather and organize, in a brief and clear way, thoughts of great philosophers about the origin of Civil Society. It is a sample, in the field of ideas, the departure of barbarism and the entry into civilization.
Keywords: Civil Society, Barbarism and Civilization.
Quando a vida humana surgiu na Terra só havia a natureza (como habitat e matéria prima). Tudo a ser construído, transformado, organizado, adaptado e desenvolvido.
A Humanidade estava na infância (ainda engatinhando), em semelhança, ao enigma criado pela Esfinge (monstro devorador dos habitantes de Tebas metade mulher e metade leão, parte da peça grega de Sófocles) ao personagem de nome Édipo (se errasse custaria a sua vida): “Qual animal tem, pela manhã, quatro patas, à tarde, duas, e à noite, três?”, cuja resposta fora: “O homem. Engatinha no começo de sua vida, com quatro patas; depois caminha com dois pés; e, no final de sua existência, anda com a ajuda de uma bengala, logo, com três apoios.”[1]
Embora o homem engatinhasse (em sentido figurado), já era dotado de todas as aptidões para sair da primitividade, as quais, com grande acerto, são assim descritas por Comenius: “temos em nós por natureza as sementes da instrução, das virtudes e da religião.”[2]
A lei que reinava era a da sobrevivência e, para tanto, o homem fora movido a utilizar todos os recursos que estavam ao seu alcance (internos e externos).
Noutras palavras, o que importava era comer, beber, abrigar, dormir, reproduzir e se defender.
Não há a noção entre o certo e o errado, justo e o injusto, bem e o mal, virtude e o vício, amizade e inimizade, meu e o seu (muito menos o nosso).
Neste sentido esclarece Jean Jacques Rosseau[3]:
“Parece, à primeira vista, que os homens nesse estado, não tendo entre si nenhuma espécie de relação moral nem de deveres conhecidos, não podiam ser bons nem maus, nem tinham vícios nem virtudes, a menos que, tomando essas palavras em um sentido físico, se chamem vícios, no indivíduo, as qualidade que podem prejudicar a sua própria conservação, e virtudes as que podem contribuir para a sua própria conservação.” [4](destaque nosso).
Impossível, ainda, entender minimamente os atos e suas consequências. Portanto, inexiste responsabilidade. A vida é puramente instintiva.
Desse modo, por exemplo, a antropofagia, hoje considerada abominável, era prática comum (mesmo porque a caça humana era bem mais simples e menos perigosa se comparada com a da maioria dos animais da época)[5].
O ser humano é incapaz de elaborar qualquer pensamento ou ideia que não fosse para a satisfação das necessidades básicas. Não havia a menor possibilidade de cogitar a respeito das 3 grandes questões humanas: Quem eu sou (natureza)? De onde vim (origem)? Para onde vou (destino)?
Montesquieu denominou como sendo o “Estado de Natureza”:
“Antes de todas estas leis, estão a lei da natureza, assim chamadas porque derivam unicamente da constituição de nosso ser. Para bem conhecê-las, deve-se considerar um homem antes do estabelecimento das sociedades. As leis da natureza seriam aquelas que receberia em tal estado. […] O homem no estado de natureza teria mais a faculdade de conhecer do que conhecimentos. Está claro que suas primeiras ideias não seriam especulativas: pensaria na conservação de seu ser, antes de buscar a origem do ser. Tal homem sentiria no início apenas sua fraqueza; sua timidez seria extrema; e, se precisássemos sobre este caso de alguma experiência, foram encontrados nas florestas homens selvagens; tudo os faz tremer, tudo os faz fugir.”[6] (destaque nosso).
Como a fala era transmitida por meio de grunhidos, tais sons não eram capazes de promover a interação, o entendimento, o diálogo, o debate, a organização, a tomada de decisões coletivas, etc…[7]
A união que existia entre o homem e a mulher era exclusivamente voltada para a cópula (sem qualquer tipo de afeto e fidelidade) e, por efeito, à criação instintiva do filho até que atingisse a independência[8].
O grande avanço surgiu quando o homem foi capaz de buscar alimentos em grupo e permitir a divisão da refeição, gerando, aos poucos, o abrigo em comum, a segurança coletiva, a constituição de novas famílias, e, consequentemente, a convivência (sociedade natural)[9].
Afinal de contas, dirá o maior impulsionador da Independência dos Estados Unidos pelas letras, Thomas Paine: “a força de um homem é tão desigual às necessidades, e o seu espírito tão inadequado à solidão perpétua que não tarda em ser obrigado a procurar assistência e alívio com outra pessoa que, por sua vez, quer a mesma coisa.”[10]
Pode-se dizer que a necessidade gera a sociedade.
Marco Túlio Cícero teve ocasião de expressar a respeito do instinto de sociabilidade inerente a todo ser humano:
“Pois bem: a primeira causa dessa agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum.”[11] (destaque nosso).
Isto porque, conforme demonstra Aristóteles, o homem é um “animal político” e a cidade é criação da natureza (família → aldeia→cidade):
“A família (oikía), é, pois, a associação estabelecida pela natureza para atender às necessidades do dia-dia do homem […] A sociedade que se forma em seguida, formada por várias famílias, constituídas não só para apenas atender às necessidades cotidianas, mas tendo em vista uma utilidade comum, é a aldeia (Komé). […] E quando várias aldeias se unem em uma única e completa comunidade, a qual possui todos os meios para bastar-se a si mesma, surge a Cidade (pólis), formada originariamente para atender às necessidades da vida e, na sequência, para o fim de buscar viver bem. Fica evidente, pois, que a Cidade é uma criação da natureza, e que o homem, por natureza, é um animal político (isto é, destinado a viver em sociedade), e que o homem que, por sua natureza e não por mero acidente, não tivesse sua existência na cidade, seria um ser vil, superior ou inferior ao homem. Tal indivíduo, segundo Homero, é “um ser sem lar, sem família, sem leis”, pois tem sede de guerra e, como não é freado por nada, assemelha-se a uma ave de rapina.” [12] (destaque nosso).
Desse modo, gradativamente (provavelmente milhões de anos)[13], foi sendo criado, fortalecido e estendido o laço de união até o advento da sociedade civil, cujo pensamento político moderno de Hobbes a Hegel, é assim sintetizado por Norberto Bobbio:
“O pensamento político moderno, de Hobbes a Hegel, caracteriza-se pela constante tendência – ainda que no interior de diferentes soluções – a considerar o Estado ou sociedade política, em relação ao estado de natureza (ou sociedade natural), como o momento supremo e definitivo da vida comum e coletiva do homem, ser racional; como o resultado mais perfeito ou menos imperfeito daquele processo de racionalização dos instintos ou das paixões ou dos interesses, mediante o qual o reino da força desregrada se transforma no reino da liberdade regulada.”[14] (destaque nosso).
Portanto, a civilização iniciou quando a Humanidade atingiu a sua maioridade/maturidade intelectual, moral e espiritual, sendo capaz de criar regras de convivência com o objetivo de promover o bem comum.
O primeiro passo foi dado saindo da barbárie e entrando na civilização (passado). O segundo é a universalização do reconhecimento e da garantia dos direitos do homem (presente). O terceiro será a incorporação do reino do amor, da pureza, da sabedoria, da paz e da justiça (futuro).
Informações Sobre o Autor
Luciano Chacha de Rezende
Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp LFG; Especialista em Direito Público pela mesma Instituição; Especialista em Direito Tributário pelo IBET; Assessor Jurídico da SEFAZ/MS junto ao Procurador do Estado