Resumo: O presente artigo faz parte de uma série de publicações que possuem como enfoque específico o estudo das decisões judiciais, sua mecânica, seus elementos conformadores e variáveis que acabam por influenciar decisivamente na atividade judicante, com especial atenção à politização do Judiciário (ou politização das decisões judiciais). Dessa forma, para que se compreenda a real dimensão da problemática da politização das decisões judiciais, mister que se analise a ideologia, ainda que brevemente, como elemento formador da convicção dos magistrados e de produção das decisões judiciais.
O presente artigo faz parte de uma série de publicações que possuem como enfoque específico o estudo das decisões judiciais, sua mecânica, seus elementos conformadores e variáveis que acabam por influenciar decisivamente na atividade judicante, com especial atenção à politização do Judiciário (ou politização das decisões judiciais).
Dessa forma, para que se compreenda a real dimensão da problemática da politização das decisões judiciais, mister que se analise a ideologia, ainda que brevemente, como elemento formador da convicção dos magistrados e de produção das decisões judiciais.
Segundo Marilena Chauí, citando a doutrina marxista,
“a ideologia não é um processo subjetivo consciente, mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos(…) é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação, fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados”.[1]
Nesse sentido, a ideologia seria resultado da luta de classes e teria como uma de suas origens a divisão social do trabalho. Esta, ao dividir os indivíduos da sociedade em proprietários e não-proprietários, necessitaria de instrumentos de dominação política a fim de que estes não se rebelassem contra aqueles. Para tanto, seriam utilizados o Estado e a ideologia[2].
Utilizando-se do Estado, as classes dominantes estruturariam um aparato coercitivo social, o qual viabilizaria, através da submissão às suas regras, a dominação sobre toda a sociedade. Este aparato seria o Direito, o qual seria produzido através das leis, as quais refletiriam os anseios da classe dominante, consubstanciando o chamado Estado de Direito. Ou seja, a dominação, desprovida de qualquer lógica e que sucumbiria ante qualquer questionamento racional, seria legitimada e viabilizada pelo Direito.
Por outro lado, o papel da ideologia seria o de fazer com que parecesse que o que fosse legal seria legítimo, justo, aceitável, bom. Não se discutiriam as leis, pois adviriam de um aparelho estatal, assim como as decisões judiciais. Além de ser poderosíssimo instrumento de pacificação social – como Karl Mannheim[3] alguns anos mais tarde, partindo de pressupostos da teoria marxista, defenderia – seria através dela que os ideais da classe dominante tornar-se-iam os ideais de toda a sociedade[4].
Poulantzas acrescenta que o Estado não se utiliza somente da força para exercer o domínio político, mas também se utiliza da ideologia com o fim de legitimar o uso da violência e contribuir “para organizar um consenso de certas classes e parcelas dominadas em relação ao poder público”. Para tanto, lança-se mão dos “aparelhos ideológicos de Estado”, tais como a Igreja, os meios de comunicação, escola, com o fim de “elaborar, apregoar e reproduzir esta ideologia, fato que é importante na constituição e reprodução da divisão social do trabalho, das classes sociais e do domínio de classe”[5].
Nesse sentido, a ideologia necessitaria de um substrato no qual teria atuação, ou melhor, de meios a fim de que tivesse penetração na sociedade. Tal elemento seria o que foi designado por Antonio Gramsci como sendo hegemonia, que seria a
“capacidade de direção intelectual e moral, em virtude da qual a classe dominante, ou aspirante ao domínio, consegue ser aceita como guia legítimo, constitui-se em classe dirigente e obtém o consenso ou a passividade da maioria da população diante das metas impostas à vida social e política de um país”.[6]
Ou seja, através de tal processo uma determinada classe se arroga o direito de definir os elementos que serão identificadores daquela determinada sociedade, e, “hegemonicamente”, acaba definindo os rumos desta, formando “instituições, aparelhos de socialização necessários ao processo de maturação da experiência ideológica (…)”[7].
Tal significado de ideologia segundo o marxismo é chamado por Bobbio como o “significado forte” de ideologia, segundo o qual é a “falsa consciência das relações de domínio entre as classes”, é uma “crença falsa”, é um “conceito negativo que denota precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política”. [8]
Todavia, a concepção de ideologia extraída do marxismo não é a única a se fazer presente nos debates científicos da Sociologia, do Direito e da Ciência Política nem tampouco é a mais aceita nos dias atuais.
Também não é a concepção que melhor se adapta à presente discussão, uma vez que se apresenta de uma forma por vezes intensamente maniqueísta e dicotômica.
Raymond Boudon ressalta que há uma “polissemia da noção de ideologia”[9] e que por variadas vezes o conceito é utilizado de forma não muito bem definida.
Sob um ponto de vista liberal a ideologia pode ser definida como sendo as próprias idéias comuns a determinados indivíduos. Idéias cujo propósito não é epistêmico, mas político. Sendo assim, uma ideologia existe para confirmar um certo ponto de vista político, para servir a certos interesses individuais ou para desempenhar um papel especial no que concerne às instituições sociais, políticas, econômicas ou jurídicas. Neste sentido, algumas ideologias servem à manutenção do status quo, outras reivindicam sua reforma ou transformação[10].
Nas decisões judiciais há um profícuo e extenso campo de atuação das ideologias uma vez que, por se tratar de desenvolvimento da retórica, passível é o julgador de externar uma posição ideológica em um ou em outro sentido.
Para Bobbio, o significado atualmente mais aceito de ideologia[11] seria o que chama de “significado fraco” de ideologia – em oposição ao “significado forte” tipicamente marxista[12] – , segundo o qual é um “conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos”[13]. Desta forma, não há como analisar-se a ideologia dissociada das crenças políticas, pois aquela é parte integrante dos sistemas destas.
Nesse mesmo sentido e sob um enfoque sociológico, Boudon define ideologia como sendo um “sistema de valores” (ou de “crenças”) que se ocupa da “organização social e política das sociedades ou, mais genericamente, de seu devir”[14]. Daí a dificuldade acerca do tema: a ideologia é tratada como espécie do gênero “crenças”, e é analisada ao lado da religião.
Segundo Boudon, o conceito de ideologia passa a ser significativo a partir do contexto da modernidade, na medida em que nos séculos XVIII e XIX surgiram variadas doutrinas sociais que objetivavam questionar a ordem social instituída. Tais doutrinas representavam os anseios de grupos específicos, respondiam “às paixões políticas dos diversos grupos sociais” e eram determinantes no desenvolvimento de um “sistema de idéias” (ou crenças), de que as ideologias são constituídas.
Toda ação seja aquela mais corriqueira (Alltäglichkeit, segundo Durkheim) seja coletiva, redunda em seguimento a proposições normativas. Estas, por sua vez, advêm de um sistema de coerções sociais (tais como o Direito, v.g.) ou de crenças (quando existe a convicção de que um determinado comportamento é mais apropriado que outro). Em outras palavras, toda ação individual e coletiva é influenciada por crenças e impõe-se ao ator social, em maior ou menor grau, conforme a situação em que este se encontrar[15].
Não seria diferente com a mecânica das decisões judiciais, que nada mais são que ações individuais influenciadas por crenças, através de um processo involuntário e não consciente, que acabam por conferir ao Direito a função de ser um substrato para a orientação dos “comportamentos políticos coletivos”.
Entretanto, Boudon afirma que as crenças não apenas intervêm nas finalidades das ações, mas também e sobretudo, na procura dos meios. Os meios que um determinado indivíduo se utiliza para seguir um determinado raciocínio ou outro. Para o autor esta questão se mostra simples quando o fim a ser alcançado for simples, quando se tratar de escolher entre uma solução A ou B, sobre a qual o ator tiver plena convicção e a menor dúvida do caminho a ser percorrido. Contudo, tal problema adquire complexidade à medida que também for mais complexo o objetivo, o fim a ser alcançado, ou quando houver vários caminhos disponíveis e aptos a resolver uma determinada questão. Neste caso específico, as escolhas a serem efetuadas pelo indivíduo serão determinadas pelas crenças. Boudon, exemplificando tal assertiva, defende que[16]
“Um ator com “sensibilidade” política de esquerda, por exemplo, confiará mais facilmente numa teoria que associe as desigualdades à inflação e considere as primeiras causas da segunda, do que um ator com sensibilidade oposta. (…) Ao contrário, o ator com sensibilidade de direita e que considera as desigualdades “normais” terá dificuldade em conceber que elas sejam a causa de um fenômeno indesejável”.
Desta forma, a escolha de um indivíduo de uma determinada posição será mais calcada em seu “valor emocional” e menos “nas virtudes intrínsecas da teoria” que é exposta como a determinante na conformação da tomada de posição e no conteúdo racional que lhe é inerente.
Para que tal processo seja legitimado, Boudon cita Pareto, o qual diz que a avaliação dos meios é produto de “sentimentos”, os quais são racionalizados sob a forma de “derivações”, as quais, por sua vez, conferem àqueles “um fundamento e um valor pseudo-objetivos”.
Desta forma, a fim de que as crenças sejam absorvidas e transmitidas como se “verdades objetivas” fossem, há que se adicionar certa dose de racionalidade – próprias das teorias sociológicas, econômicas, ou jurídicas – aos “sentimentos”, e, desta forma, ter-se-á legitimado a tomada de posição.
Trata-se de desmistificar, em certa medida, a perspectiva kelseniana da neutralidade do julgador, segundo a qual a interpretação seria “atividade puramente cognescitiva e mecânica”, e, conseqüentemente, caberia ao juiz declarar o direito de forma não criativa, “sem envolver, assim, em tal declaração a sua valoração pessoal”[17].
Na verdade, o julgador quando profere uma decisão, o faz imbuído de todas as suas crenças, idiossincrasias e ideologias, não sendo possível despir-se de tais elementos apenas no exercício da magistratura, por se tratarem de signos intrínsecos ao indivíduo.
Técnico Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Pós Graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho, Graduado em Direito no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA
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