Resumo: O objeto do presente estudo está na análise da ilegalidade do ato administrativo de exoneração de servidor público em estágio probatório sem oportunizar o contraditório e a ampla defesa, corolários do devido processo legal.
Inicialmente, importante consignar que a garantia constitucional de ampla defesa e contraditório deve ser assegurado ao servidor, permitindo sua participação no processo, para a efetiva defesa dos seus direitos.
Acerca desses princípios, previstos no art. 5º, LIV e LV, da CFRB, Alexandre de Moraes[1] ensina que:
“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, à produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).[…]
Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.”
Ademais, o Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento de que ao servidor público em estágio probatório, a despeito da instabilidade funcional, é assegurado direito ao contraditório e à ampla defesa em caso de exoneração, sob pena de ilegalidade do ato, conforme se extrai das seguintes súmulas:
“Súmula 20 – É necessário processo administrativo, com ampla defesa, para demissão de funcionário público admitido por concurso.
Súmula 21 – Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade”.
A atividade pública, que tem por princípio basilar a legalidade, informa que à autoridade pública só é autorizado praticar aquilo que se acha permitido pela norma de direito.
Até mesmo no que se refere aos atos administrativos discricionários, deve a Administração Pública atender aos limites traçados pela lei, a qual define a possibilidade da edição dos mesmos.
De tal forma que, ainda que seja da atribuição da autoridade pública a prática de ato administrativo, não pode fazê-lo ao arrepio da lei, por mero alvitre pessoal.
Assim sendo, não é assegurado ao Administrador a possibilidade de sublimar o dever de respeitar o devido processo legal e outras garantias asseguradas pela Constituição Federal aos servidores públicos aprovados em concurso público e legitimamente convocados.
Apreciando a questão, Leciona José dos Santos Carvalho Filho[2]:
“O STF já teve oportunidade de decidir que, quando forem afetados interesses individuais 'a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseja a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada'. Observa-se dos dizeres do aresto ter sido considerada indevida a anulação de ato administrativo por falta de oportunidade conferida aos interessados, de contraditar e rechaçar os motivos que justificaram a conduta invalidatória.”
A garantia ao direito de ampla defesa e contraditório não se traduz como mera permissibildidade formal, devendo ser assegurado ao servidor efetiva participação no feito, de sorte a defender de forma efetiva seus direitos.
A indispensável garantia do devido processo legal ao indivíduo afetado com a modificação de determinado ato administrativo decorre diretamente de comandos constitucionais, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello[3]:
“Os seis primeiros princípios enunciados (da audiência do interessado, da acessibilidade aos elementos do expediente, da ampla instrução probatória, da motivação, da revisibilidade e do direito a ser representado e assistido) têm, no caso dos procedimentos restritivos ou ablativos de direito, o mesmo fundamento, isto é, o art. 5º, da Constituição, segundo o qual: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
No caso de o ente da Administração Pública praticar o ato de exoneração à revelia do interessado, mesmo que se encontre em estágio probatório, sem a observância do devido processo legal e sem que lhe restar assegurado o exercício do contraditório e da ampla defesa, constitui-se tal circunstância, por si só, fundamento suficiente para que se reconheça a nulidade desse ato, visto que, a um só tempo, viola o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e contraria o entendimento consolidado nos enunciados ns. 20 e 21 da Súmula da jurisprudência dominante do Egrégio STF.
Esse é o posicionamento da jurisprudência pátria, consoante arestos a seguir colacionados:
“DIREITO ADMINISTRATIVO – APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO – NOMEAÇÃO E POSSE – ESTÁGIO PROBATÓRIO – EXONERAÇÃO SEM PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – IMPOSSIBILIDADE – CABIMENTO DA REINTEGRAÇÃO AO CARGO. – A exoneração de servidor público investido no cargo após aprovação em concurso público não prescinde do prévio e devido procedimento administrativo, não bastando, para tanto, a invocação vazia e genérica de atendimento ao interesse público, de tal sorte que, não instaurado o aludido procedimento, torna-se legítima a pretensão de reintegração ao cargo.” (TJMG – Proc. nº. 1.0301.05.016044-1/002(1) – Rel. Des. Moreira Diniz – J. 20/10/2005).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO EM DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL ADMINISTRATIVO. NULIDADE DE NOMEAÇÕES PARA CARGO PÚBLICO. EXONERAÇÃO SUMÁRIA. APROVAÇÃO EM CONCURSO DEVIDAMENTE COMPROVADA. FLAGRANTE DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 20 E 21 DO STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO – (TJRN – AC n. 2009.004670-4. 1ª Câmara Cível. Rel. Des. Expedito Ferreira, j. 09/03/2010).
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO ORDINÁRIA E AÇÃO CAUTELAR. SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DEVIDAMENTE COMPROVADA. EXONERAÇÃO NO CURSO DO ESTÁGIO PROBATÓRIO. FLAGRANTE DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 20 E 21 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REINTEGRAÇÃO AOS CARGOS DE ORIGEM. VERBAS SALARIAIS DO PERÍODO DO AFASTAMENTO DEVIDAS. MANUTENÇÃO DAS DECISÕES QUE SE IMPÕE. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E DESPROVIDA. – (TJRN – Remessa Necessária nº 2010.015863-2, 1ª Câmara Cível. Relator Dr. Nilson Cavalcanti (Juiz Convocado. J. 02/02/2012).”
CONCLUSÃO
Ante o exposto, podemos concluir que o exercício das funções inerentes a qualquer cargo público pressupõe a existência de garantias e o estabelecimento das competências, objetivando impedir o exercício da arbitrariedade e a prática de atos administrativos sem a respectiva motivação.
O fato de que o servidor público, ainda que não estável, para ser exonerado, precisa ser submetido a processo administrativo, sendo ilegal o ato da administração que não lhe assegurar o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
Informações Sobre o Autor
Dijonilson Paulo Amaral Veríssimo
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, advogado, especialista em Direito Público pela mesma Universidade. Procurador Federal de 2ª Categoria. Chefe da Procuradoria Regional do INSS em Brasília