Resumo: A ética na administração pública e a Improbidade Administrativa.
O Brasil injusto e as desigualdades sociais
O Brasil que hoje surge após décadas de desequilíbrio causado pelas altas taxas de inflação está ainda longe de assegurar a abundância, a igualdade e a paz, por mais solidário que seja o povo brasileiro e que o país detenha um potencial gigantesco. Este novo Brasil, cheio de esperanças de um melhor amanhã econômico, mesmo frente às crises nas bolsas de valores nacionais e internacionais, a crise da Argentina e tantos problemas políticos, não vive só de expectativas. Vive também de sua vergonha, face o terrível cenário de violência, preconceito, ódio racial, desarmonia religiosa e corrupção.
No século XXI, o Brasil e o mundo devem caminhar em prol de um mesmo ideal: o respeito ao homem e a seus direitos fundamentais, aqueles que adquire na concepção e no nascimento, como o direito à vida e à liberdade, garantidas pelo Estado Democrático de Direito. Devemos fazer uma reflexão sobre o que somos, o que desejamos e esperamos, pois somos uma nação com incríveis recursos, mas tantas diferenças sociais.
Democracia e injustiça social, entretanto, são termos antagônicos, mas a sociedade brasileira deve se empenhar para promover um ideal democrático em nosso país, não obstante o tempo que se leve para alcançar este objetivo. Não é possível extirpar a injustiça e a impunidade de um dia para o outro.
A justiça e a retidão moral são essenciais ao bem comum. É por isto que o bem comum exige o desenvolvimento das virtudes na massa dos cidadãos, virtudes que nascem com o sentimento moral inerente a cada indivíduo e que o desenvolve em conseqüência da própria vida em sociedade. Nisso entram o senso de justiça e a política, sendo esta nada menos que a arte de bem governar. E bem governar significa agir com probidade e moral.
No caso da responsabilidade na gestão administrativa, seja em referência ao agente ou ao servidor público, pressupõe-se sempre uma ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio da máquina da Administração Pública, através do alcance de metas de resultados positivos. Há que se ter, primeiramente, responsabilidade no trato com a coisa pública, de modo a alcançar eficiência, precisão, transparência e equilíbrio no universo administrativo. Por conseqüência, alcançar-se-á o resgate da legalidade, da moralidade e da probidade.
Improbidade administrativa
A improbidade administrativa é um dos maiores males envolvendo a máquina administrativa de nosso país. A expressão designa, tecnicamente, a chamada “corrupção administrativa”, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública de seus fundamentos básicos de moralidade, afrontando os princípios da ordem jurídica do Estado de Direito.
Entre os atos que a configuram estão aqueles que importem em enriquecimento ilícito, no recebimento de qualquer vantagem econômica, direta ou indireta, em super faturamento, em lesão aos cofres públicos, pela prática de qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
O conceito de improbidade é bem mais amplo do que o de ato lesivo ou ilegal em si. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, mau caráter, falta de probidade.
Neste sentido, pode-se conceituar o ato de improbidade administrativa como sendo todo aquele praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, com visível falta de honradez e de retidão de conduta no modo de agir perante a administração pública direta, indireta ou fundacional envolvidas pelos Três Poderes.
O preceito constitucional inscrito no “caput” do art. 37 da Constituição Federal de 1988, abrange os agentes públicos de maneira geral, sendo ora aquele que exerce atividade pública como agente administrativo (servidor público stricto sensu), ora aquele que atua como agente político (servidor público lato sensu), que está no desempenho de um mandato eletivo.
Conforme estabelece o referido artigo, a violação a um dos princípios enumerados em seu corpo, atrai para o agente público que o violar – tanto administrativo, quanto político – as sanções prescritas pela Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), pela Lei nº 1.079/50 (Crime de Responsabilidade)[1], pela Lei nº 4.717/65 (que regula a Ação Popular)[2], além da legislação específica que regulamentar a matéria definida constitucionalmente.
Doutrinariamente, a Improbidade Administrativa pode ser definida como sendo
“a corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo “tráfico de influência” nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.”[3]
O crime de Improbidade Administrativa ocorre quando o sujeito ativo, investido de função pública, seja ela qual for, temporária ou efetivamente, responsável pelo gerenciamento, destinação e aplicação de valores, bens e serviços de natureza pública, obtenha os seguintes resultados:
– enriquecimento ilícito (artigo 9º, Lei n° 8.429/1992), ou seja, atos que importem auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, mandato, função, emprego ou atividade. Alguns atos que ilustram este dispositivo são os contratos firmados com empreiteiras e super valorizados, participação em lucros com empresas terceirizadas para a execução de serviços, o recebimento de propinas e vantagens em detrimento do patrimônio público, a utilização de máquinas e instrumentos públicos em benefício próprio, adquirir, para si ou para outrem, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, dentre outros.
– lesão ao erário por ação ou omissão, dolosa ou culposa, ainda que não receba direta ou indiretamente qualquer vantagem (artigo 10, Lei n° 8.429/1992). Por exemplo, doações oriundas do patrimônio público a fim de alcançar promoção ou vantagem pessoal, a utilização de coisa pública para fins de campanha política, ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento, além de outros.
– ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. (artigo 11, Lei n° 8.429/1992). Ou seja, executar ato proibido em lei, deixar de executar ou retardar ato de ofício necessário para que se alcance determinado resultado, fraude em concurso público etc.
Honestidade diz respeito ao universo de moralidade que deve reger a conduta do agente público. Todos devemos seguir princípios morais para se viver em sociedade, e a honestidade é um destes princípios; imparcialidade, ou seja, que o agente deve ser impessoal em sua função e evitar qualquer forma de discriminação no exercício da função; legalidade significa que todo ato administrativo está delimitado por parâmetros legais e o efeito destes atos deve corresponder a estes limites.
A Emenda Constitucional n° 19, de 04 de junho de 1998, trouxe nova redação ao artigo 37, que dispôs os fundamentos para a elaboração do artigo 11 da Lei n° 8.429/92, incluindo no princípio constitucional os princípios da publicidade e eficiência:
“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)”[4]
Publicidade implica na transparência de todos os atos administrativos promovidos pelo agente; eficiência significa que deve se conseguir atingir o maior resultado em menor tempo, dentro das formas e normas garantidas em lei.
Estes artigos (9º, 10 e 11) definem, respectivamente, os atos de improbidade administrativa, de forma genérica, o que abre, sem dúvida alguma, espaço para diversas e variantes interpretações sobre quais atos são ímprobos ou não, cabendo ao Judiciário a função de interpretar a lei de forma concisa para cada ato.
Lei 8.429/1992, “Lei de Improbidade Administrativa”
Não se pode deixar de mencionar o inegável avanço promovido pela Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, a “Lei de Improbidade Administrativa”, ou “lei do colarinho branco”, como ficou conhecida quando de sua promulgação, a qual foi editada para dar exeqüibilidade ao art 37, §4º, da Constituição Federal de 1988, constituindo-se no principal instrumento legislativo de todos os tempos para a defesa do patrimônio público, e do qual se tem valido o Ministério Público brasileiro, seu principal operador e até aqui o responsável por sua efetiva operacionalização.
Esta lei, um marco em nosso Direito Brasileiro, definiu as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito através da prática de ato de improbidade administrativa, bem como quais atos administrativos configuram o crime de improbidade, prevendo também, expressamente, a legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação principal (art. 17). Cuida da Improbidade Administrativa, dispondo sobre as sanções aplicáveis ao agente público, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função, na administração direta, indireta ou fundacional, além de definir como e quando sua conduta se traduz em ato com tal definição. Ao classificar as condutas, aponta a forma de apurá-las e puni-las. Tem por objetivo proteger a administração, alvo maior da “corrupção”, de privilégios, de má gestão e mau uso do patrimônio público (bens, direitos, recursos, com ou sem valor econômico).
Não obstante o grande avanço trazido pela lei no que pese a proteção ao patrimônio público, a referida lei trouxe também uma incógnita: o legislador pecou ao não definir o que venha a ser “improbidade administrativa”, tornando o dispositivo legal sujeito às mais variadas interpretações, como acontece em seu artigo 11[5]:
Art. 11: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (…)
Este dispositivo traz a possibilidade de que se venha a qualificar como improbidade administrativa qualquer ato ilegal praticado por agente público, gerando assim uma verdadeira confusão na ordem jurídica, ou seja, um mero fato administrativo passível de advertência e sanção disciplinar na esfera interna, poderia ser interpretado exageradamente como um ato de improbidade administrativa por violação ao art. 11 e, conseqüentemente, trazendo as sanções decorrentes do art. 12, inciso III, do referido dispositivo legal, como por exemplo, a perda da função pública que, em tese, seria aplicada cumulativamente com as demais ali previstas.
O referido dispositivo (artigo 11) abre o precedente da interpretação, pois em seu caput define, genericamente, os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, e isto exige que se observe, para a caracterização do ato ímprobo, a existência de ação ou omissão dolosa do agente pública, e que esta ação ou omissão importe em perigo de dano ao patrimônio público, a fim de que um mero ato punível por sanção disciplinar na esfera interna da Administração não venha a ser considerado como crime de improbidade.
Com relação ao artigo 12, sustentam alguns autores que ele não respeita o “princípio constitucional da proporcionalidade”, uma vez que o artigo 11 leva à interpretar, às vezes de forma injusta e exagerada, a conduta punível.
Com relação às penas cominadas pela lei, as mesmas possuem gradação, a critério do juiz, conforme o resultado do ato ímprobo e, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, o responsável pelo ato de improbidade administrativa, em se tratando do artigo 9° da referida lei, está sujeito à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
No que diz respeito ao art.10, da mesma lei, deve o agente promover o ressarcimento integral do dano, além de estar sujeito à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio. Se concorrer esta circunstância, perderá a função pública, terá seus direitos políticos suspenso pelo prazo de cinco a oito anos, pagará multa civil de até duas vezes o valor do dano e ficará proibido de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
Na hipótese do art.11, deverá promover o ressarcimento integral do dano, se houver. Também perderá a função pública, terá os direitos políticos suspensos pelo prazo de três a cinco anos, pagará multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e ficará proibido de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade, sendo que a representação deverá ser reduzida a termo, se já não vier escrita. A autoridade administrativa pode rejeitar a representação, mas a rejeição não é elemento impeditivo para que o Ministério Público de requeira, ao juízo competente, o seqüestro dos bens do indiciado. A pessoa jurídica interessada concorre com o Ministério Público no direito de propor a ação principal, que terá o rito ordinário, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade. No caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, a pessoa jurídica interessada integrará a lide na qualidade de litisconsorte, devendo suprir as omissões e falhas da inicial e apresentar ou indicar os meios de prova de que disponha.
A Lei de Improbidade Administrativa elenca outros dispositivos, mas que se ressalte o seu papel principal, que é o de coibir e, no caso da transgressão da norma, de fazer valer a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, no sentido de que a administração pública possa cumprir sua finalidade que é o bem comum.
Lei de Improbidade Administrativa: inconstitucional?
Muito se discute a respeito da inconstitucionalidade da Lei n° 8.429. Segundo Toshio Mukai, Mestre e Doutor pela USP [6]:
“inexiste no texto constitucional, dentre as disposições que tratam da distribuição de competências dos entes federados, mormente no art. 24 (que dispõe sobre a competência concorrente), nenhuma autorização à União que lhe outorgue competência legislativa em termos de normas gerais sobre o assunto (improbidade administrativa). Aliás, nem poderia mesmo existir, pois, se se trata de impor sanções aos funcionários e agentes da Administração, a matéria cai inteiramente na competência legislativa em tema de Direito Administrativo, e, portanto, na competência privativa de cada ente político. Em suma, se o funcionário é federal, somente lei federal pode impor-lhe sanções pelo seu comportamento irregular; se o funcionário é municipal, somente lei administrativa do Município ao qual está ligado por impor-lhe sanções”.
E completa [7]:
“A questão é séria e merece ser acolhida, dado que “qualquer sanção administrativa prevista em lei federal, a ser imposta ao funcionário estadual ou municipal, se aplicada por agente, ainda que competente, ou mesmo pelo juiz, contamina esse ato de absoluta e irrefragável inconstitucionalidade”.
O mesmo jurista aponta a questão envolvendo a Lei n° 8.429/92, já em seu artigo 1°, onde qualquer ato de improbidade praticado contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer um dos Três Poderes, por um agente público, servidor ou não, estará sob a sua égide.
Para o jurista, a Lei desrespeita o Pacto Federativo expresso pela Carta Magna, pois no caso de existência de lei estadual prevendo a conduta criminosa, por exemplo, é que se poderá punir um agente público da esfera estadual diante da comprovação do mesmo ter praticado ato de improbidade administrativa, conforme declara:
“se uma sentença judicial aplicar as sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92 a um agente público estadual ou municipal, será inconstitucional, pois não poderia aplicar sanção nenhuma a um agente público municipal…” (TOSHIO MUKAI, p. 722).[8]
Entretanto, não é objetivo deste trabalho discutir a constitucionalidade ou não da Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que não existe lei perfeita, deixando esta tarefa para os brilhantes juristas deste país. Observar-se-á, na verdade, a exeqüibilidade garantida pela Lei à legitimidade para a atuação do Ministério Público junto à denúncia de prática de atos de improbidade administrativa.
Informações Sobre o Autor
Romualdo Flávio Dropa
Advogado, especialista em Educação Patrimonial, Mestrando em Constituição, Processo e Sociedade pela UNOESTE (Presidente Prudente/SP), Professor de Direito Constitucional, Ciência Política e Teoria Geral do Estado, escritor, pesquisador.
Ponta Grossa/PR