Resumo: No presente estudo é questionada a atual divergência quanto à interpretação do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal frente a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). A Constituição Federal determina que lei específica seja responsável por estabelecer prazos prescricionais para os atos ímprobos que causem prejuízo ao erário, ressalvando as respectivas ações de ressarcimento. A prescrição, instituto que atinge a ação e não o direito em si, como o faz a decadência, está presente em todo o ordenamento jurídico brasileiro. A Lei nº 10.406/2002, que instituiu o novo Código Civil, estabeleceu novos prazos prescricionais a serem observados, porém os iniciados na vigência do Código Civil de 1916 não foram totalmente anulados ou esquecidos. O prazo prescricional mais comum no ordenamento jurídico é o de 05 (cinco) anos. Concluindo, a prescrição imposta pela Lei de Improbidade será utilizada apenas nas ações penal e administrativa, não afetando a ação de ressarcimento, que corre na esfera cível. Existem duas teorias acerca da expiração da ação de ressarcimento, a da prescritibilidade e a da imprescritibilidade. Assim, como a doutrina e a jurisprudência divergem acerca do prazo prescricional da supracitada ação, há incerteza sobre o procedimento a ser seguido por esta.
Palavras-chave: Direito Administrativo, Improbidade Administrativa, Prescrição, Ação de ressarcimento, Erário.
Abstract: This study analyzes the current disagreement over the interpretation of article 37, § 5 of the Federal Constitution against the Administrative Improbity Law (Law No. 8,429 / 1992). The Federal Constitution provides that specific law is responsible for establishing prescriptive periods for dishonest acts causing injury to the public treasury, pointing out their claims for reimbursement. The prescription, institute that reaches the action and not the right itself, as does the decadence, is present throughout the Brazilian legal system. Law No. 10.406 / 2002, which instituted the new Civil Code, established new limitation periods to be observed, but the initiated in the presence of the Civil Code of 1916 have not been fully written off or forgotten. The most common limitation period in the legal system is the five (05) years. In conclusion, the limitation imposed by the misconduct of law will only be used in criminal and administrative actions, not affecting the compensation action, which runs in the civil sphere. There are two theories about the expiration of the compensation action, the prescribility and the imprescriptibility. Therefore, as the doctrine and jurisprudence differ on the statute of limitations of the above action, there is uncertainty about the procedure to be followed.
Keywords: Administrative Law, Administrative Misconduct, Prescription, Compensation Action, Treasury.
Sumário: Introdução. 1. Da prescrição. 1.1. Conceito. 1.2. Modalidades. 1.3. Distinção entre prescrição e decadência. 1.4. Ações imprescritíveis. 2. Dos prazos prescricionais. 2.1. A prescrição no novo Código Civil. 2.2. A prescrição em face da Fazenda Pública. 2.3. Prescrição, ação civil pública e ação popular. 2.4. A prescrição na ação de improbidade administrativa. 3. Da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário. 3.1. O problema. 3.2. Possíveis interpretações da ressalva contida na parte final do art. 37, § 5º da Constituição Federal. 3.2.1. A tese da prescritibilidade. 3.2.2. A tese da imprescritibilidade. 3.3. A necessidade de ajuizamento de ação autônoma. 3.4. A jurisprudência. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A improbidade administrativa, prevista no artigo (art.) 37, § 4º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (Constituição Federal ou CF), ocorre quando um servidor público, ou particular atribuído como tal, em razão da sua função pública pratica ações capazes de gerar prejuízos ao patrimônio público.
Nesse sentido, o presente estudo visa questionar e esclarecer a atual divergência quanto à interpretação do artigo 37, § 5º, da CF, frente à Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).
A Constituição Federal determina que lei específica seja responsável por estabelecer prazos de prescrição para os atos ímprobos que causem prejuízo ao erário, ressalvando as respectivas ações de ressarcimento, uma vez que tais atos também são sancionáveis na esfera cível.
A citada exceção constitucional faz com que seja possível entender que o prazo presente na Lei de Improbidade, em seu art. 23, não é aplicável em ações de ressarcimento. Deste modo, sendo a Constituição Federal e a Lei nº 8.429/92 omissas, de certa forma, resta a seguinte dúvida: as ações decorrentes de ressarcimento por atos ímprobos possuem prazo imprescritível?
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi a primeira a trazer em seu texto a ação de improbidade administrativa e, apesar da notória relevância do caso acima referido, ainda não há um entendimento pacífico sobre o assunto, o que desperta uma multiplicidade de discussões, teorias e decisões no mundo jurídico.
A presença de atos ímprobos no cotidiano brasileiro não é recente, possuindo consequências que danificam o erário, ou seja, o patrimônio público. Visando coibir tais atitudes, a Constituição Federal e a Lei de Improbidade Administrativa impõem penas severas aos agentes públicos infratores. Contudo, o dano extrapola a via administrativa e chega à cível.
Assim, o exame quanto ao prazo das ações de ressarcimento do dano ao erário possui grande relevância judicial, pois critica a supervalorização do bem patrimonial no ordenamento jurídico, a inércia irresponsável do Estado e a verdadeira proteção do interesse público.
As diferentes interpretações do § 5º do art. 37, da CF, não trazem credibilidade às decisões judiciais e põem em questão as suas reais intenções. O prazo prescricional atua não só como meio protecionista, mas como sanção à mora e descaso do interessado perante seus deveres e direitos judiciais.
O Princípio da Segurança Jurídica, de acordo com Celso Antonio Bandeira de Melo, é uma das bases do Direito, isto é, é essencial para o Estado Democrático de Direito, estando presente em toda a sua constituição. Desta forma, a fim de resguardar tal princípio, o prazo prescricional possui função fundamental de impedir que as relações jurídicas sofram com possíveis instabilidade e imprevisibilidade judiciais.
A prescrição, instituto que atinge a ação e não o direito em si, está presente em todo o ordenamento jurídico brasileiro. De tal modo, também é aplicável nos casos em que o ato de improbidade cause dano material ou moral à Administração Pública.
A corrente doutrinária defensora da prescrição da ação de ressarcimento por danos ao erário alega que a imprescritibilidade é situação não usual, sendo a lei clara sobre a sua utilização. Portanto, levando-se em consideração, por exemplo, o princípio da estabilidade das relações constituídas no tempo, deve-se observar os prazos prescricionais descritos no Código Civil.
Com relação à tese de imprescritibilidade, os doutrinadores apontam que a lei, na verdade, sempre deve ser objetiva ao estabelecer prazos ou leis responsáveis pela sua determinação. Levando-se em consideração o notório interesse público e a omissão constitucional, a prescrição é medida inaplicável.
No decorrer do presente estudo, propõe-se uma breve revisão acerca do instituto da prescrição, abordando-se seu conceito, características, modalidades e diferenças quanto ao instituto análogo da decadência. A seguir, observar-se-á a sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, diante dos diversos diplomas legais.
Por fim, chega-se a abordagem de seu tema central, destrinchando-se as discussões, doutrinas e jurisprudências que abordam a prescrição das ações de ressarcimento por danos ao erário, demonstrando-se as argumentações daqueles que defendem a sua prescritibilidade ou imprescritibilidade, e a forma que deverá ser interposta.
1. DA PRESCRIÇÃO
1.1. CONCEITO
A palavra prescrição tem origem etimológica no substantivo latino praescriptio, de praescribere, e significa prescrever, escrever antes.
Apesar de ser antiga a concepção jurídica de que o exercício de um direito não pode ficar pendente sem um limite temporal, a prescrição originou-se, de fato, no direito romano com o fim de restringir as ações que possuíam caráter perpétuo. Segundo Diniz (2003, p. 342), no direito romano:
“(…) o termo praescriptio originalmente era aplicado para designar a extinção da ação reivindicatória, pela longa duração da posse; tratava-se da praescriptio longissimi temporis e para indicar a aquisição da propriedade, em razão do relevante papel desempenhado pelo longo tempo, caso em que se tinha a praescriptio longi temporis. Assim, no direito romano, sob o mesmo vocábulo, surgiram duas instituições jurídicas, que partem dos mesmos elementos: ação prolongada do tempo e inércia do titular. a prescrição, que tinha caráter geral, destinada a extinguir as ações, e o usucapião, que constituía meio aquisitivo do domínio.”.
No ordenamento jurídico brasileiro, a prescrição surgiu, pela primeira vez, no Código Civil de 1916 (CC/16), em seu Título III. Contudo, o texto trazia dúvidas quanto à sua aplicação, pois era inexistente um critério rigoroso que diferenciasse prescrição de decadência.
Havia, portanto, confusão pelo fato de vários prazos serem relacionados à prescrição quando, na verdade, eram decadenciais. Diante a omissão e obscuridade da lei, restava aos doutrinadores a função de apresentar críticas e explicações acerca do tema.
Em consequência das fortes críticas ao Código Civil de 1976 e da sua inadequação às necessidades da moderna sociedade brasileira, a sua reforma era mais do que exigida no âmbito jurídico. A elaboração do Código Civil de 2002 ficou sob a responsabilidade de Miguel Reale, tendo sido o projeto aprovado no ano de 2001 pelo Senado e no ano de 2002, pelo atual Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, após diversas emendas e adaptações.
Com a vigência do Código Civil de 2002 (CC), a prescrição, de maneira explícita, é compreendida como a extinção de um direito ocasionada pela negligência ou inércia de seu titular e pelo transcorrer de um prazo. Isto é, a lei trouxe os prazos prescricionais a serem respeitados e a sua inobservância pelo agente, como dito, a impossibilidade de exigir um direito. A prescrição é exemplo da frase famosa no mundo jurídico, “o Direito não socorre aos que dormem”.
Por ser questão de ordem pública, ou seja, responsável pela tutela do interesse do Estado e da sociedade, a prescrição deve ser expressamente regulada em lei, não devendo ser objeto de interpretação extensiva ou analogia.
Deste modo, a fim de simplificar a conceituação do instituto da prescrição, diversos doutrinadores abordaram o tema. Beviláqua (1927, s/p) assegura que prescrição “é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não-uso dela, durante determinado espaço de tempo”.
Leal (1982, p. 12) a define como “a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”. Mello (2007, p. 1005), por fim, destaca o objetivo do instituto da prescrição, que “foi concebido em favor da estabilidade e segurança jurídicas (…)”.
Ainda sobre a sua finalidade, a prescrição busca dar tranquilidade e estabilidade às relações sociais, uma vez que é inconcebível que uma pessoa tenha sobre outrem uma pretensão que possa ser reivindicada, ou não, a qualquer tempo, dependendo exclusivamente de um requisito subjetivo.
Desta forma, conclui-se que, a fim de proteger o ordenamento jurídico brasileiro, com base nos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, a prescrição não extingue o direito, mas sim a pretensão e anula, em consequência, a ação.
Por fim, destaquem-se duas inovações relacionadas ao instituto da prescrição que foram trazidas pelo novo Código Civil. Os prazos prescricionais não mais podem ser alterados ou estabelecidos por acordo entre as partes, como demonstra o artigo (art.) 192 do CC, “Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes” (BRASIL, 2014, p. 259).
Bem como a prescrição poderá ser alegada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição pela parte interessada, conforme art. 193 do CC. Sendo, também, dever do juiz reconhecê-la de ofício, art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil (CPC). Vejamos, “Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita” (BRASIL, 2014, p. 259) e “Art. 219. (…) § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” (BRASIL, 2014, p. 407).
1.2. MODALIDADES
Esclarecido o instituto da prescrição, ressalte-se que esta se subdivide em duas modalidades: aquisitiva e extintiva. O cerne do presente estudo está na prescrição extintiva, todavia, para o melhor entendimento desta matéria, a explicação das duas formas é medida que se impõe.
A prescrição aquisitiva promove a aquisição de um direito por meio da extinção ou prescrição do direito de outrem, ou seja, passa o mesmo direito para a pessoa que vem possuindo a coisa por certo lapso temporal. É, basicamente, a transferência de um direito.
Existem dois requisitos essenciais à prescrição aquisitiva, o tempo e a posse. Por isto, este instituto acabar por ser muito utilizado nos casos de usucapião, prevista no Código Civil de 2002, na parte sobre o direito sobre as coisas, e na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF), em seus arts. 183 e 191. Lembrando-se que a usucapião possui conceito contrário à prescrição aquisitiva, ou melhor, é o direito adquirido pelo seu uso por determinado tempo.
Já a prescrição extintiva resume-se na extinção de um direito de ação, não podendo sequer defendê-lo judicialmente. Nas palavras de Tartuce (2012, p. 261):
“A prescrição extintiva, fato jurídico em sentido estrito, constitui, nesse contexto, uma sanção ao titular do direito violado, que extingue tanto a pretensão positiva quanto a negativa (exceção ou defesa). (…) A sua origem está no decurso do tempo, exemplo típico de fato natural.”.
Deste modo, para que ocorra, é indispensável a presença de três requisitos: a) a violação do direito, com nascimento da pretensão; b) a inércia do titular; c) o decurso do tempo fixado em lei. A ausência qualquer um descaracteriza a prescrição, logo, são consumativos.
Assim como são determinados os casos para a aplicação da prescrição, a lei traz as causas que a impedem, suspendem ou interrompem. Por impedimento entende-se o obstáculo ou oposição à prática de um ato ou determinação, neste caso, é a causa responsável por inibir o início da prescrição.
A suspensão cessa, susta o prazo prescricional, mas sempre de modo temporário ou limitado, logo, esse voltará a correr do exato ponto em que parou. Por último, interrupção possui a função de fazer parar, interpolar o prazo da prescrição, eliminando o tempo já corrido e iniciando uma nova contagem. Como determina o art. 202, caput, do CC, a interrupção só poderá ocorrer uma vez.
Frise-se que, inicialmente, não se observa diferença entre a suspensão e a interrupção, pois ambas paralisam o prazo prescricional. Entretanto, na primeira há o cômputo do tempo já decorrido, ao passo que na segunda há a contagem de novo lapso temporal.
As hipóteses de impedimento e suspensão estão entre os artigos (arts.) 197 e 201 do CC, enquanto as de interrupção estão no art. 202 do mesmo diploma legal. Vejamos, por exemplo, alguns casos:
“Art. 197. Não corre a prescrição:
I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.(…)
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I – pendendo condição suspensiva;
II – não estando vencido o prazo;
III – pendendo ação de evicção.(…)
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II – por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III – por protesto cambial;
IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.”. (BRASIL, 2014, p. 259-260)
Comente-se que nos casos previstos no art. 197 do CC, o prazo prescricional não corre contra, mas em prol das pessoas taxadas eu seu texto. Em relação ao art. 199 do CC, não há a prescrição pelo fato da pretensão não ter, ainda, surgido.
1.3. DISTINÇÃO ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
Realizada a elucidação acerca do instituto da prescrição, exige-se, a priori, que haja a conceituação do instituto da decadência para, assim, apontar-se as diferenças entre ambos.
Bem como a prescrição, a palavra decadência é derivada do latim decadentia, decadere, e significa perecer, decair. Por esta razão, na terminologia jurídica, exprime a queda ou perecimento de um direito a partir do decurso do prazo preestabelecido. Segundo Amaral (2002, p. 561):
“(…) decadência é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no período determinado em lei. Seu objeto são os direitos potestativos de qualquer espécie, disponíveis ou indisponíveis, direitos que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas uma sujeição.”.
Entende-se por direito potestativo aquele em que a pessoa se investe no poder de adquirir direitos, impondo a outrem a modificação de sua situação jurídica pela simples vontade de poder fazê-lo. Em síntese, é um direito que não pode ser contestado.
Para Mello (2007, p. 1006), na decadência “a única forma de expressão do direito coincide conaturalmente com o direito de ação. Logo, não exercitando este último, não terá sido exercitado o próprio direito substantivo.”.
A decadência está fundamentada entre os arts. 207 a 211 do Código Civil e a ela não são aplicadas as causas de impedimento, suspensão e interrupção, com fulcro no art. 207 do mesmo código. Além disto, também é dividida em duas espécies, a legal e a convencional.
A legal é a determinada em lei e, por ser questão de ordem pública, pode e deve ser alegada em qualquer tempo do processo, até mesmo de ofício do juiz. Esta espécie não preclui e independe da alegação das partes para ser reconhecida. Já a convencional, aquela arbitrada entre as partes envolvidas por meio de contrato ou convenção, não pode ser conhecida pelo juiz de ofício, dependendo da manifestação de uma das partes. Também poderá ser alegada em qualquer momento processual.
Esmiuçado o instituto da decadência, apontar as suas diferenças com o da prescrição torna-se mais simples. A divergência que mais salta aos olhos é a relacionada ao objeto de cada instituto, enquanto a prescrição extingue a pretensão, a decadência abole o direito.
Leal (1959) descomplica ainda mais ao afirmar que a decadência delimita o tempo para o exercício do direito pelo seu titular e a prescrição para o da ação que o protege, não o direito em si.
Assim como a prescrição, a decadência pode ter seus prazos estabelecidos em lei, contudo, também poderá os ter através de autonomia privada. A primeira deverá ser conhecida pelo juiz de ofício, ao passo que a segunda só poderá ser reconhecida pelo magistrado em sua espécie legal.
O instituto da decadência poderá ser renunciado pela parte quando for convencionado, diversamente da modalidade legal e do instituto da prescrição, este que possui como única exceção a abdicação pelo devedor após a consumação. Os prazos decadenciais estão relacionados com os direitos potestativos e os prescricionais com os direitos subjetivos.
A previsão de casos de impedimento, suspensão e interrupção ocorrerá, em regra, apenas na prescrição. Seus efeitos atingirão apenas determinadas pessoas, ao contrário da decadência, que, apesar da restrição referente aos absolutamente incapazes (art. 3º do CC), correrá contra todas.
A decadência não possui um prazo geral e seus especiais estão espalhados pelo Código Civil, sendo que os da prescrição, atingida pelo prazo geral de 10 (dez) anos, estão claramente definidos nos arts. 205 e 206 do referido texto legal.
Fato é que, mesmo que possuam distinções notáveis, ambos os institutos possuem regras muito parecidas e geram no mundo jurídico certas dificuldades e equívocos plausíveis. O Novo Código Civil estipulou, por conseguinte, que deverá ser expresso na letra da lei quando for prescrição ou decadência.
1.4. AÇÕES IMPRESCRITÍVEIS
Ao buscar-se a palavra imprescritível em dicionários jurídicos, é comum encontrar-se a seguinte definição: “qualidade ou indicação de tudo que não é suscetível de prescrição ou que não está sujeito a ela” (SILVA, 2010, p. 715). Desta forma, perceber a função ou a finalidade da imprescritibilidade torna-se simples, sendo apenas mais complicado encaixá-la no mundo jurídico.
Mister destacar que a doutrina defende a hipótese de a imprescritibilidade atingir não só a prescrição, mas também a decadência. Esse entendimento existe, pois a decadência, assim como aquela, possui prazo extintivo a ser observado pela parte interessada.
Como dito, o Código Civil de 1916 era bem falho quando tratava dos casos de prescrição e decadência, o que ocorria do mesmo jeito quanto à imprescritibilidade. Apesar disso, o Código Civil de 2002 também não apresenta estes casos, restando a sensação de que as pretensões imprescritíveis não existem.
Remanesceu, mais uma vez, para a doutrina o dever de apontar as várias ações imprescritíveis existentes em nosso ordenamento jurídico. A afirmação inicial a ser realizada pelos doutrinadores foi a de que a regra será sempre a prescritibilidade, ao mesmo tempo em que a imprescritibilidade será a exceção.
Gonçalves (2008, p. 472-473) apresenta os seguintes casos em que não há o instituto da prescrição:
“a) as que protegem os direitos da personalidade, como o direito à vida, à honra, à liberdade, à integridade física ou moral, à imagem, ao nome, às obras literárias, artísticas ou científicas etc.;
b) as que se prendem ao estado das pessoas (estado de filiação, a qualidade de cidadania, a condição conjugal). Não prescrevem, assim, as ações de separação judicial, de interdição, de investigação de paternidade etc.;
c) as de exercício facultativo (ou potestativo), em que não existe direito violado, como as destinadas a extinguir o condomínio (ação de divisão ou venda da coisa comum – CC, art. 1.320), a de pedir meação no muro vizinho (CC, arts. 1.297 e 1.327) etc.;
d) as referentes a bens públicos de qualquer natureza, que são imprescritíveis;
e) as que protegem o direito de propriedade, que é perpétuo (reivindicatória);
f) as pretensões de reaver bens confiados à guarda de outrem, a título de depósito, penhor ou mandato. O depositário, o credor pignoratício e o mandatário, não tendo posse com ânimo de dono, não podem alegar usucapião;
g) as destinadas a anular inscrição do nome empresarial feita com violação da lei ou do contrato”. (CC, art. 1.167).
O rol apresentado não poderia ser mais explícito, conquanto, acentuar alguns termos ou expressões que o formam facilita a sua memorização. No item “a” apresentam-se os direitos da personalidade, aqueles que todos os indivíduos possuem e não podem renunciá-los ou transmiti-los.
Gonçalves (2008, p. 70) acrescenta que “o conceito de personalidade está umbilicalmente ligado ao de pessoa. Todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, ou seja, adquire personalidade”. Tais direitos são reconhecidos pelo Código Civil de 2002 em seu arts. 1º e 2º, não devendo ser confundidos com capacidade civil.
No que tange ao item “b”, informe-se que o instituto da separação judicial é obsoleto, tendo sido, no ano de 2010, publicada a Emenda Constitucional 66 que dá a possibilidade aos casais de se divorciarem sem a necessidade de separação prévia.
Nas palavras de Mello (2007, p. 876) e instruindo o item “d”, veja-se o conceito de bens públicos:
“Bens públicos são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito (…), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um serviço público.”.
Por direito de propriedade, item “e”, determina-se ser o de usar, gozar, usufruir e dispor de determinado bem, e de reavê-lo de outrem que o possui de forma injusta. Com relação ao conceito de depósito, mandato ou penhor, citados no item “f”, afirma-se que aquele é a entrega de bem ao depositário, para que este o guarde até a reclamação do depositante.
Mandato tem a sua definição esculpida no art. 653 do CC: “Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é instrumento de mandato.” (BRASIL, 2014, p. 283). Já o penhor é uma garantia real de uma obrigação que pode ser de objetos ou direitos, ocorrendo apenas quando um destes é entregue ao credor.
Finalmente, item “g”, nome empresarial está previsto no art. 1.155 do CC, que traz o seguinte texto: “Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada (…) para o exercício de empresa.” (BRASIL, 2014, p. 317). Evidenciando-se que a denominação das sociedades simples, associações e fundações equiparam-se ao nome empresarial (art. 1.155, parágrafo único, do CC).
2. DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS
2.1. A PRESCRIÇÃO NO NOVO CÓDIGO CIVIL
A Lei nº 10.406/2002, que instituiu o novo Código Civil, estabeleceu novos prazos prescricionais a serem observados. Inicialmente, antes de apontar as mudanças trazidas, elucida-se que os prazos iniciados na vigência do Código Civil revogado (1916), que perderiam seu valor após o novo Código Civil, não foram totalmente anulados ou esquecidos.
O direito intertemporal é aquele responsável pela adaptação das antigas normas para as mais novas, ou seja, busca resolver os conflitos de leis no tempo. Assim, a fim de regulamentar este direito, o novo Código Civil trouxe o artigo 2.028, a saber: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.” (BRASIL, 2014, p. 374).
Compreender a segunda parte do artigo acima citado não é complicado, uma vez que, como expresso, afetará os prazos que já tiverem passado mais da metade do que fora anteriormente estabelecido pela revogada lei. Entretanto, a primeira parte do artigo ficou vaga para aqueles que não possuem ou possuíam vantagem em observar os prazos prescricionais civis.
A solução está em buscar, individualmente, a diferença entre os prazos apresentados entre o antigo e o novo Código Civil. Parece trabalhoso, mas na verdade não o é. Ponderar a perda ou o ganho de tempo quanto ao seu direito é essencial para a resolução de conflitos, deste modo, toda procura será um investimento.
Um exemplo de redução prescricional determinada pelo novo Código Civil é o referente à reparação civil de danos, cujo prazo prescricional caiu de 20 anos (art. 177, CC/16) para 03 anos (art. 206, § 3º, V, CC). Observe-se que da mesma forma há casos de majoração do prazo e, a fim simplificar as alterações, Costa (2006, s/p) apresentou algumas mudanças ocorridas, vejamos:
“• o art. 177, CC/1916 previa três prazos prescricionais: 20 anos para as ações pessoais, 10 anos para as ações reais e 15 anos para os ausentes; enquanto que o art. 205, CC/2002 fixou um limite de 10 anos para a propositura das ações cabíveis quando a lei não haver fixado tempo menor. Assim, no atual CC se haver omissão quanto à fixação do prazo prescricional, o limite será de 10 anos;
• art. 178, §5º, V, CC/1916 delimitava o prazo de 06 (seis) meses para cobrança de hospedagem e alimentos por parte do hospedeiro ou fornecedor de víveres, se este foi fornecido no próprio local; com a nova disposição prevista no art. 206, § 1º, I, CC/2002 tal prazo foi dilatado para 01 (um) ano;
• o art. 178, § 10, I, CC/1916 assegurava o prazo de 05 (cinco) anos para cobrança de pensões alimentícias; enquanto que no atual Código Civil (art. 206, § 2º) este prazo foi reduzido para 02 (dois) anos, contados da data do seu vencimento;
• o art. 178, § 10, IV, CC/1916 prescrevia em 05 (cinco) anos o prazo para cobrança dos alugueres dos prédios rústicos ou urbano; tal prazo foi reduzido no atual CC (art. 206, § 3º, I) para 03 (três) anos a cobrança desses aluguéis;
• o art. 178, § 10, II, CC/1916 prescrevia em 05 (cinco) anos o prazo para cobrança de rendas temporárias ou vitalícias; enquanto que no atual CC (art. 206, § 3º, II) houve uma redução para 03 (três) anos, contados do vencimento das prestações;
• o art. 178, §10, III, CC/1916 prescrevia o prazo quinquenal (05 anos) para cobrança de juros ou qualquer parcela acessória pagas anualmente; enquanto que o atual CC (art. 206, § 3º, III) reduziu tal prazo para 03 (três) anos a cobrança de tais valores, capitalizáveis ou não, desde que cada período não supere 01 ano;
• o art. 178, § 6º, VI, CC/1916 prescrevia o prazo de 01 (um) ano para professores cobrarem pelas lições que deram, desde que por período não excedente a 01 (um) mês, contados do final de cada período vencido; enquanto que o atual CC (art. 206, § 5º, II) ampliou tal prazo para 05 (cinco) anos a cobrança dos honorários do mesmo profissional, contados da conclusão do serviço, da cessação dos respectivos contratos ou mandatos (procuradores judiciais).”.
Por fim, da mesma maneira que o ordenamento jurídico prevê a constituição ou a perda de direito, como nos casos da prescrição, também há a presunção dos casos em que a pessoa poderá renunciá-lo. Por renúncia, do latim renuntiare, entende-se ser o abandono ou desistência voluntária da utilização de um direito.
A renúncia da prescrição está no art. 191 do Código Civil, sendo exigido o cumprimento de dois requisitos para que haja a sua validade: a) a prescrição deve estar consumada, e b) a renúncia não deve prejudicar terceiro, como credores.
Observados os requisitos citados acima, a renúncia poderá ser expressa ou tácita. A expressa decorre de manifestação inequívoca, escrita ou verbal, enquanto a tácita é presumida através de fatos do interessado, que age de maneira incompatível com a prescrição.
Conclui-se, destarte, que as modificações apresentadas pelo novo Código Civil visavam apenas a melhoria e efetivação da segurança jurídica em nosso sistema jurídico, tornando satisfatórios os prazos prescricionais estabelecidos. Além de tudo, resguardou também direitos mais benéficos adquiridos antes da sua vigência, fazendo com que a paz social fosse mantida.
2.2. A PRESCRIÇÃO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA
A Fazenda Pública resume-se às pessoas jurídicas do Direito Público, sendo o nome dado às finanças dos entes federativos, também sendo conhecida como erário ou fisco. Nas palavras de Monteiro (1998, p. 10):
“(…) alcança e abrange apenas as entidades públicas (autarquias, Estados, União Federal, Distrito Federal e Municípios), que arrecadam diretamente, com autonomia administrativa e financeira própria, ou recebem tributos e contribuições criados por leis tributárias ou previdenciárias, observada a competência impositiva constante expressamente da própria Constituição Federal.”.
Os Decretos nº 20.910/32 e nº 4.597/42, juntamente com o Código Civil, são os principais diplomas normativos que regem os casos de prescrição em face da Fazenda Pública. Em regra, o prazo será de 05 (cinco) anos frente aos interesses particulares, salvo na hipótese em que as empresas públicas e sociedades de economia mista forem parte da lide, momento em que será utilizado o Código Civil de 2002.
Tendo o prazo quinquenal como regra, as variações ocorrerão com relação ao início da sua contagem. A base dessa diferenciação está em saber se a pretensão iniciou-se em uma conduta comissiva ou omissiva do Estado. Esta ocorrerá quando o Estado se mantiver inerte, embora devesse ter reconhecido o direito adquirido pelo interessado, devendo a contagem iniciar a partir de cada prestação decorrente do ato em que o Estado deveria ter praticado.
Já a conduta comissiva é exatamente o oposto. Haverá uma manifestação expressa do Estado, motivo pelo qual a contagem do lapso temporal se dará a partir dessa declaração da vontade estatal. A conduta comissiva alcança o próprio direito, enquanto a omissiva apenas afeta as prestações.
O Superior Tribunal de Justiça, na Súmula nº 85, já definiu a matéria prescricional em que está envolvida a Fazenda Pública, averbando o seguinte texto:
“Nas relações de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.”. (BRASIL, 2014, p. 2085)
Da mesma maneira como nos demais prazos, também haverá casos de interrupção da prescrição contra a Fazenda Pública. Após o fim da interrupção, que só poderá ocorrer uma única vez, haverá o reinicio da contagem pela metade do prazo quinquenal. Independente do momento em que foi iniciada a pausa, o prazo total jamais poderá ser inferior a 05 anos.
Excepcionalmente ocorrerá a hipótese em que a interrupção se submeterá ao prazo trienal previsto no artigo 206, § 3º, V, do CC, que será quando for ação indenizatória movida contra o erário. Nos termos do Decreto 20.910/32, os prazos menores fixados em lei e que beneficiam a Fazenda Pública, deverão ser sempre impostos.
Ressalte-se que a utilização dos prazos que beneficiam o fisco só poderá atingir os fatos ocorridos após a vigência do Código Civil de 2002. As determinações citadas também ocorrerão nas execuções.
O fato é que a Fazenda Pública deverá ser sempre gozar de situações privilegiadas com relação aos particulares, com prazos mais benéficos que lhe tragam os menores prejuízos possíveis, até porque o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular é basilar no Direito Público.
2.3. PRESCRIÇÃO, AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR
A ação civil pública e a ação popular são remédios constitucionais que visam manter e proteger direitos civis previstos no nosso ordenamento jurídico e em tratados internacionais nos quais o Brasil for adepto. A diferença está no alcance de proteção de cada ação.
Como instrumento judicial responsável pelo amparo dos interesses difusos, a ação civil pública foi regulamentada pela Lei 7.347/85. Possui como objetivo, por exemplo, o resguardo do patrimônio público e social, do meio ambiente, do consumidor e de outros interesses coletivos.
A ação civil pública também está discriminada no artigo 129, III, da Constituição Federal (BRASIL, 2014, p. 107), que especifica uma das funções do Ministério Público, vejamos: “promover o inquérito civil e a ação civil pública (…)”. Por esta razão, observe-se que o Ministério Público é um dos poucos que possui legitimidade ativa nesta ação.
Juntamente com esse, podem figurar no polo ativo da ação as pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estado, Distrito Federal e Municípios) e as entidades paraestatais. No que tange a legitimidade passiva, não há previsão legal que a limite, podendo ser ocupada tanto por entidades da Administração Pública direta e indireta, quanto por particulares (seja pessoa física ou jurídica).
Ou seja, para ser parte passiva em uma ação civil pública basta ofender os bens jurídicos por ela tutelados, havendo até mesmo a possibilidade do litisconsórcio, quando há mais de uma pessoa ou entidade responsável pelo dano à coletividade.
O foro competente para o seu julgamento será o do local em que o dano foi causado, logo, é territorial. Haverá uma exceção quando o prejuízo for de abrangência nacional ou afetar mais de um Estado, momento o qual a competência será da Justiça Federal, conforme a Lei 8.078/90.
No que tange a ação popular, prevista no artigo 5º, LXXIII, da CF, aponte-se que a sua aplicabilidade não surgiu com a atual Constituição, ao contrário, está presente em nosso ordenamento jurídico desde a Constituição de 1934.
A ação popular dá ao cidadão a possibilidade de buscar a invalidade de atos administrativos por pessoas jurídicas de Direito Público, tanto na Administração Direta, quanto na Indireta. Portanto, visa tutelar, por exemplo, o patrimônio público, a moralidade administrativa, ou o patrimônio histórico e cultural mediante a anulação de ato lesivo.
Tal ação não terá apenas natureza regressiva, atingindo atos passados, mas também preventiva, pois poderá agir de forma a evitar ou não permitir que o ato ocorra e gere o dano. Ressalte-se que a ação popular não irá somente anular a ilegalidade, vindo a corrigir os erros reais decorrentes, todavia também será utilizada quando há a vontade de obrigar a administração pública a exercer ato que já deveria ter feito.
A legitimidade para interpô-la é taxativa. Apenas os cidadãos, natos ou naturalizados, poderão ser parte ativa na ação popular. Estando, assim, excluídos os estrangeiros, os apátridas, as pessoas jurídicas e brasileiros com direitos políticos suspensos ou perdidos (“vide” Súmula 365 do STF e art. 15 da CF).
O polo passivo será figurado pelo agente que praticou o ato, a entidade lesada e os beneficiários do ato lesivo ao patrimônio público. O Ministério Público, oposto ao que ocorre na ação civil pública, não será parte, vindo a atuar somente como fiscal da lei. Contudo, haverá uma exceção quando o autor popular desistir da ação, devendo o Parquet a promover o seu prosseguimento.
A competência para julgá-la será, em regra, do juízo competente do primeiro grau do local da origem do ato ou omissão lesivo. Salvo nos casos determinados no art. 102, I, “f” e “n”, da CF, momento em que a ação popular terá no Supremo Tribunal Federal a sua competência originária, vejamos:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:(…)
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;(…)
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;” (BRASIL, 2014, p. 99)
Por efeito da taxatividade do rol da Magna Carta, o Supremo Tribunal Federal não será originariamente competente na ausência das suas causas específicas, devendo apontar a o órgão competente para o julgamento do feito.
Apresentados os conceitos e composições dos remédios constitucionais acima citados, analisemos o prazo prescricional de ambos. A ação civil pública e a ação popular, como dito, protegem os direitos da coletividade, desta forma, o interesse público, aplicando-se o prazo quinquenal.
Este lapso temporal é claro e determinado nas ações populares, existindo a necessidade de aplicá-lo de forma análoga nos casos de ações civis públicas, já que inexistente a previsão legal da prescrição desta e muitas são as matérias semelhantes entres esses institutos constitucionais.
Entretanto, assim como nas situações de improbidade, há uma divergência doutrinária acerca da validade desse prazo quinquenal, previsto na Lei nº. 4.717/65 (Lei da Ação Popular). A discussão baseia-se no fato do art. 21 desta Lei, responsável pelo estabelecimento da prescrição, não foi recepcionado pela Magna Carta, que sequer prevê o assunto abordado.
Desta forma, parte da doutrina defende que em regra a prescrição da ação popular, e por analogia a da ação civil pública, ocorrerá no prazo de cinco anos, salvo quando for situação de reparação de danos, quando será imprescritível. Este entendimento visa facilitar o direito ao exercício da soberania popular.
2.4. A PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE IMPROBRIDADE ADMINISTRATIVA
Além dos poderes concedidos à Administração Pública, o Direito Positivo também estabeleceu deveres a serem cumpridos por esta a fim de evitar erros e responsabilidades. Muitos são os deveres dos administradores públicos, porém analisar-se-á apenas um, o de probidade.
O dever de probidade talvez seja o mais importante entre os demais. Nas palavras de Carvalho Filho (2011, p. 60), o administrador:
“Não deve cometer favorecimento nem nepotismo, cabendo-lhe optar sempre pelo que melhor servir à Administração. O administrador probo há de escolher, por exemplo, o particular que melhores condições oferece para contratação; ou o indivíduo que maior mérito tiver para exercer a função pública. Enfim, deverá ser honesto, conceito extraído do cidadão médio.”.
Os efeitos da improbidade, ou seja, da desonestidade, estão previstos no art. 37, § 4º, da Constituição Federal e na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). A referida lei esclarece que um ato será ímprobo quando ensejar em enriquecimento ilícito, gerar prejuízo ao erário e ofender os princípios da Administração Pública.
Carvalho Filho (2011, p. 60) ainda afirma que a “lei abrange todo e qualquer agente público, (…), bem como aqueles que, não sendo agentes, concorram para as condutas de improbidade ou delas se beneficiem.”. Assim, presente o ato torpe, qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa ou ao Ministério Público, ademais, também é causa para interposição de ação popular.
No que tange a competência de julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendem que não há foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa, O STJ afirma que a primeira instância deverá processá-las e julgá-las ainda que tenha como parte agente político passível de foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes de responsabilidade.
As consequências da condenação em uma ação de improbidade administrativa são: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, proibição de contratar com o Poder Público, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ilicitamente acrescidos ao patrimônio, pagamento de multa civil e vedação ao recebimento de benefícios fiscais.
As sanções citadas estão previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Poderão, ainda, ser aplicadas de forma cumulativa, devendo ser observados pelo julgador os princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade, levando-se em conta a lesividade da conduta, o dano ao erário, o proveito pessoal decorrente do ato e o grau de culpa do agente.
A suspensão dos direitos públicos, artigos 14 a 16 da CF, será graduada nos termos do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 e respeitará, analogicamente, o limite temporal de 30 (trinta) anos previsto no artigo 75 do Código Penal. A perda da função pública é referente à exercida na época da prática do ato, independente se o agente já esteja exercendo outra função ou esteja aposentado e, de certa forma, deverá ser aplicada juntamente com a sanção acima citada.
Devidamente comprovado o favorecimento indevido, a proibição de contratar com o Poder Público irá se estender a todos que estiverem ligados ao agente ímprobo, assim, também gerará a impossibilidade do ente infrator participar de licitações. O ressarcimento integral do dano e a perda dos bens estão condicionados à comprovação do prejuízo e se estenderão aos sucessores do condenado.
A multa civil deverá ocorrer mesmo que haja a presença das demais, pois funciona como punição educativa, com aplicação proporcional aos reflexos da conduta do agente na sociedade. Aponte-se que a multa civil não impede a possibilidade de reparação do dano moral causado ao erário, sendo consequência natural da ilicitude.
Por fim, a vedação ao recebimento de benefícios fiscais acontecerá quando o agente infrator não puder obter vantagem ou desagravamento fiscal, isto é, quando for presenteado com isenção, redução de taxas, deduções à matéria coletável ou quaisquer abatimentos em demais medidas de tributação.
Destrinchada a improbidade administrativa, inicia-se parte do tema de discussão e embasamento do presente estudo, a sua prescrição. A norma sobre a prescrição está contida no art. 23 da Lei nº 8.429/92:
“As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.”. (BRASIL, 2014, p. 1587)
Por conseguinte, o início da prescrição em 05 (cinco) anos ocorrerá a partir do término do mandato e, se for efetivo o cargo, do momento de sua ocorrência. Nos casos de cargos temporários, como de prefeito, governador, entre outros, o prazo não correrá enquanto perdurar o exercício da função. Caso haja mandato sucessivo, o prazo prescricional permanecerá inerte até a sua finalização.
Aponte-se que o prazo acima descrito não fere o direito do Poder Público em reivindicar o ressarcimento de danos que por ventura tenha sofrido, assunto este que será abordado no próximo capítulo. Destarte, além de responder administrativamente por suas ações, o agente público poderá ser punido em decorrência de sentença judicial na ação civil pública.
Frise-se, a prescrição quinquenal apresentada refere-se às ações de improbidade, momento em que, condenado o agente público, existe rol de sanções, já apresentado, a serem aplicadas. A ação de ressarcimento civil dos danos é independente daquela e seu prazo prescricional é centro de grandes debates.
3. DA IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO
3.1. O PROBLEMA
A Constituição Federal tem por objetivo organizar, ordenar e regulamentar não só o Estado, mas todas as demais normas de seu ordenamento jurídico. Desta forma, a sua interpretação é de suma importância, pois será responsável por estabelecer o verdadeiro significado e alcance dos termos constitucionais.
A essa interpretação dá-se o nome de hermenêutica, do latim hermeneutica, que significa expor, dar sentido, dizer o fim. A hermenêutica será aplicada através do hermeneuta, que deverá levar em consideração todo o sistema e as realidades sociais, econômicas e políticas do Estado.
Salienta-se que, com o decorrer do tempo, os hermeneutas, ou no caso magistrados, tendem a modificar o seu olhar sobre o texto legal, gerando, assim, o fenômeno da mutação constitucional. Estas ocorrem, não através de alterações “físicas” e materiais, mas sim do sentido interpretativo. O texto permanecerá o mesmo, existindo apenas uma reinterpretação da norma.
Todavia, como mencionado, a hermenêutica constitucional não deverá ser realizada de maneira totalmente independente, devendo ser observados alguns critérios desenvolvidos. O da interpretação literal, também conhecido como gramatical, filológica ou textual, leva em consideração os termos do texto analisado.
Desta forma, esse critério adveio da corrente jusfilosófica do Positivismo Jurídico, defensor da ideia de que os juízes são fantoches da lei e devem declarar o que literalmente explicitou o legislador.
A sua observância é fantasiosa e se esvai com a conscientização jurídica da sociedade onde, visando à democracia, percebe que a aplicação legal não deve se ater cegamente ao legislador que, humano em si, é incapaz de manter imparcialidades e de prever todos os possíveis casos que aconteceriam no mundo fático.
O critério da interpretação sistemática ou lógica leva em consideração o todo, isto é, em vez de focalizar em determinado dispositivo, busca o seu sentido através da apreensão do significado de diversos dispositivos sobre a mesma matéria. Este critério acaba sendo muito genérico, já que leva em consideração a essência de todo um ordenamento jurídico, independente da diversidade de assuntos abordados.
Visando seguir o desenvolvimento da sociedade, o critério histórico ou atualista interpreta as disposições normativas de forma a lhe conferir a melhor eficácia no momento requisitado. Destarte, os significados dados em momentos passados pouco importam, pois aqueles apenas têm que ser suficientes para a resolução dos problemas atuais.
Por fim, o critério utilizado presentemente é o axiológico e teleológico, que busca a finalidade das normas jurídicas com base na consciência valorativa do Direito. O hermeneuta deve ter em vista o objetivo que a lei precisa atingir em sua atuação prática, levando, ainda, em consideração o valor normativo que o legislador pretendia garantir.
Deste modo, o critério acima citado é aquele que prima pela finalidade das normas jurídicas e delimita o seu conteúdo, estabelecendo que o dispositivo deve ser interpretado no conjunto da ordenação jurídica, apreciando-se os fatos e valores que lhe deram origem e os supervenientes. Confia-se na visão futurista do legislador.
A análise da hermenêutica constitucional e todas as suas implicações é necessária para que se possa compreender o problema apontado neste estudo. Como foi apresentado, a interpretação das normas e a maneira como o jurista irá aplicá-las no caso concreto são causas determinantes, capazes de influenciar toda a sociedade a elas subjugada.
A questão a ser abordada este inserida no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, a saber: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” (BRASIL, 2014, p. 83).
O trecho final do parágrafo acima transcrito causa grandes discussões no meio jurídico, pois as palavras escolhidas pelo legislador são, de certa maneira, ambíguas e possibilitam diferentes compreensões. A única afirmação que pode ser apresentada é a de que o prazo prescricional que não será aplicado é o previsto no artigo 23 da Lei de Improbidade.
Então, concluindo-se que a prescrição imposta pela Lei de Improbidade será utilizada apenas nas ações penal e administrativa, o que ocorrerá na hipótese de ação de ressarcimento que corre na esfera cível? Seria um caso de imprescritibilidade? Se não, qual o prazo a ser imposto? Vejamos a elucidação das teses existentes no próximo subcapítulo.
3.2. POSSÍVEIS INTERPRETAÇÕES DA RESSALVA CONTIDA NA PARTE FINAL DO ARTIGO 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A ação de ressarcimento de danos, por ser uma das consequências da ação de improbidade, nos termos do artigo 12 da Lei nº 8.429/92, será aplicada sempre que o ato ímprobo gerar danos materiais ou morais à Administração Pública. E, conforme dito no presente estudo, não lhe será aplicada a prescrição da Lei de Improbidade.
Assim, a ressalva existente na parte final do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal foi capaz de gerar a existência de duas teorias acerca da expiração da ação de ressarcimento, a da prescritibilidade e a da imprescritibilidade.
3.2.1. A tese de prescritibilidade
A tese de prescritibilidade é defendida por diversos doutrinadores, como Ada Pellegrini Grinover, Elody Nassar, Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho e Marcelo Colombelli Mezzomo, que utilizam de dois argumentos basilares.
Inicialmente, aponta-se que, em um Estado de Direito que tanto presa pelo princípio da segurança jurídica, a imprescritibilidade seria uma ofensa grave. Isto porque a ausência de prazo fragilizaria a parte passiva, que a qualquer momento poderia ser alvo de uma ação judicial. Viver-se-ia, portanto, em eterno estado de alerta e intranquilidade.
Ressaltem-se as palavras de Nassar:
“O tema, assim, merece ser enfrentado com serenidade e coragem porque a inexistência de restrição temporal ao ius puniendi do Estado põe reféns pessoas físicas e jurídicas, além de representar ofensa ao devido processo legal inscrito nos direitos fundamentais da Carta Política.”. (NASSAR, 2009 apud RAMOS, 2011, p. 345-354)
A seguir, alega-se que a prescrição é instituto que atinge a todas as pretensões e ações determinadas em nosso ordenamento jurídico, independente das suas naturezas jurídicas. Desta forma, a imprescritibilidade é ocorrência não usual que virá sempre destacada na lei, conforme ocorre nos casos de crimes de racismo e de ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLII e XLIV, da CF).
Logo, o texto constitucional não é taxativo quando a imprescritibilidade da ação de ressarcimento por danos ao erário, pois apenas afirma o prazo que não será utilizado. A sua omissão não deve ser interpretada em desfavor da proteção do patrimônio e do interesse públicos, mas em favor da paz social e da segurança jurídica. Nesse sentido, Mezzomo afirma:
“Deveras, a regra é que todas as ações condenatórias estão sujeitas a prazos prescricionais, surgindo a imprescritibilidade como preceito francamente de exceção. Ora, é cediço que as exceções interpretam-se restritivamente, de modo que exceções não podem ser extraídas de interpretação forçada ou literal da norma. Exceções devem estar contidas de forma clara e expressa na lei, de forma a não se deixar qualquer margem de dúvida acerca da intenção do preceito legal que condense fórmula deste jaez.”. (MEZZOMO, 2010 apud RAMOS, 2011, p. 25)
Merece realce a lição de Ada Pellegrini Grinover que, nesse sentido preleciona:
“(…) lícito concluir que a regra inserta no § 5º do art. 37 da Constituição Federal não estabelece uma taxativa imprescritibilidade em relação à pretensão de ressarcimento ao erário, estando também tal pretensão sujeita aos prazos prescricionais estatuídos no plano infraconstitucional.”. (GRINOVER, 2005 apud RAMOS, 2011, p. 21)
Enfim, confiram-se as reflexões de Fabio Medina Osório:
“(…) a idéia da imprescritibilidade dessas ações, defendendo-a sob um ponto de vista ideológico. Melhor refletindo sobre o assunto, parece-me que, ideologicamente, se mostra inaceitável tal tese, embora, pelo ângulo dogmático, não haja alternativa hermenêutica. Até mesmo um crime de homicídio (art. 121, caput, CP) sujeita-se a prazo prescricional. Por que uma ação por danos materiais ao erário escaparia desse tratamento? Dir-se-á que essa medida não constitui uma ‘sanção’, eis a resposta. Sem embargo, tal medida ostenta efeitos importantes e um caráter nitidamente ‘aflitivo’ de um ponto de vista prático. Ademais, gera uma intolerável insegurança jurídica a ausência de qualquer prazo prescricional. A melhor solução talvez fosse fixar um prazo (elevado) mínimo de prescrição para essas demandas, jamais proibir, expressamente, a configuração legislativa de prazos prescricionais para os casos de ressarcimento. De qualquer modo, já se disse que a reparação do dano não é uma sanção, motivo pelo qual ficar de fora do Direito Administrativo Sancionador. O constituinte de 1988 mandou que o legislador ressalvasse, sempre, as ações de ressarcimento, deixando-as de fora dos prazos prescricionais que deveriam ser estabelecidos nas hipóteses de ilícitos contra a Administração Pública.”. (OSÓRIO, 2005, p. 540-541)
Rechaçada a possibilidade da imprescritibilidade, qual deve ser o prazo observado? Entende-se que o legislador pretendia elucidar a necessidade da criação de lei especial responsável pelo assunto, de complementação da Magna Carta, porém tal previsão ainda é inexistente no nosso ordenamento jurídico.
Deste modo, nos casos em que o texto constitucional for omisso e não houver lei infraconstitucional própria, o Código Civil deverá ser aplicado. Muitos são os prazos prescricionais previstos na lei civil e, como de costume, varia entre a doutrina e a jurisprudência a opinião sobre qual deve ser utilizado.
Para Bonicio (2006) o juiz deve analisar o caso concreto e determinar o momento em que o prazo teve início, apresentando, ainda, o seu limite máximo, que deverá ser o de 15 (quinze) anos, maior prazo instituído em nosso ordenamento para a usucapião (artigo 1.238 do Código Civil).
Santos (2006) institui que a ausência de lei infraconstitucional que determina o lapso temporal para a propositura da ação de ressarcimento deixa exposta a sua relevante desnecessidade, já que é cabível a utilização do prazo de 10 (dez) anos constante no artigo 205 do Código Civil. Já o estudioso Fornaciari Junior (2005), ao opor-se à tese de imprescritibilidade, esclarece a possibilidade da prescrição comum de 05 (cinco) anos ser a correta.
Almeida Junior (2008), por outro lado, acrescenta que deverá ser estabelecido, por analogia, o Direito Administrativo, que adota como regra o prazo máximo prescricional de 05 (cinco) anos. Por fim, Mezzomo (2008) vai além e sugere que, como a Lei de Improbidade acusa o ressarcimento como sanção e seu artigo 23 não a distingue das demais, a prescrição aplicável será a de 05 (cinco) anos estabelecida no artigo 23, I, da Lei nº 8.429/92.
Apesar de haver divergência entre os próprios doutrinadores que sustentam ser a ação de ressarcimento por dano ao erário prescritível, não há algum que deixe de citar o notório ditado jurídico: dormientibus non succurrit jus, isto é, o Direito não socorre aos que dormem.
3.2.2. A tese de imprescritibilidade
A maior parte da jurisprudência e dos doutrinadores é a favor da tese de imprescritibilidade, como, por exemplo, José Afonso da Silva, Maria Sylvia Zanella di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello, Alexandre de Moraes e Marcelo Figueiredo. Para estes a Constituição Federal, como poder constituinte originário, deve ser respeitada acima de tudo.
Destaque-se, primeiramente, que alguns doutrinadores, apesar de serem adeptos desta tese, criticam-na abertamente. Assim o faz Bastos (2004, apud BARCELLA, 2008, p. 167) ao dizer que “é de lamentar-se a opção do constituinte por essa exceção à regra da prescritibilidade, que é sempre encontrável relativamente ao exercício de todos os direitos”.
Nesse diapasão, também ensina José Afonso da Silva:
“A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, que quanto às desta em face de administrados. Assim, é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providência à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu jus persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: ‘A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento’. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada.”. (SILVA, 1999, p. 653)
Os argumentos utilizados na defesa da imprescritibilidade são precários, uma vez que a ressalva contida no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal é tida como verdade clara e inexorável. Encontrar-se-á nos livros jurídicos, acerca deste tema, praticamente as mesmas palavras, vejamos.
Mello (2007, p. 1015) restringe-se a determinar que: “Ressalte-se, todavia, que, por força do art. 37, §5º da Constituição, são imprescritíveis as ações de ressarcimento por ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário.”.
Como dito, os demais doutrinadores também não apresentam grandes argumentações, exemplificando, ainda, Medeiros (2003, p. 243-244) determina: “No que tange ao ressarcimento do dano patrimonial, as ações de improbidade administrativa são imprescritíveis, ex vi do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal.”; assim como Figueiredo (2004, p. 328): “A prescrição aludida refere-se à ação para a perda da função e suspensão dos direitos políticos. Em relação ao ressarcimento do dano incide a norma constitucional do art. 37, § 5º, da Lei Maior.”.
Carvalho Filho (2011, p. 1014-1015) é um dos poucos, senão o único, que vai um pouco além em suas palavras:
“De início, deve-se registrar que a prescrição não atinge o direito das pessoas públicas (erário) de reivindicar o ressarcimento de danos que lhe foram causados por seus agentes. A ação, nessa hipótese, é imprescritível, como enuncia o art. 37, § 5º, da CF. conquanto a imprescritibilidade seja objeto de intensas críticas, em função da permanente instabilidade das relações jurídicas, justifica-se sua adoção quando se trata de recompor o erário, relevante componente do patrimônio público e tesouro da própria sociedade.”.
Contudo, sabe-se que no âmbito jurídico a riqueza das palavras é essencial, não no sentido de embelezar as teses apresentadas, mas sim de fazê-las ricas fontes de conhecimento. Assim, buscando-se maiores informações sobre a imprescritibilidade, a jurisprudência será o meio que melhor explicará o porquê dessa tese ser a correta.
No decorrer das fundamentações e decisões, conclui-se que a sustentação da imprescritibilidade vai além da simples literalidade do texto constitucional, apoiando-se, também, nos princípios da Indisponibilidade e da Supremacia do Interesse Público.
Sucintamente, Carvalho Filho (2011, p. 31) dispõe que o princípio da Indisponibilidade enfatiza que “Os bens e interesses públicos não pertencem à Administração nem a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-los, conservá-los e por eles velar em prol da coletividade”.
Da mesma forma, o citado estudioso sintetiza o famigerado princípio da Supremacia do Interesse Público ao versar que é dever “respeitar-se o interesse coletivo quando em confronto com o interesse particular.” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 30).
É possível, portanto, concluir que a tese da imprescritibilidade compreende a dificuldade existente na comprovação dos danos ao erário, buscando, em qualquer tempo, a reparação gerada no patrimônio público. A ausência de prazo seria a forma de evitar o sentimento social de impunidade e de exaltar a coletividade ante os atos ilícitos dos agentes públicos.
Observe-se que apenas as ações de ressarcimento consequentes dos atos ilícitos são imprescritíveis, ou seja, este instituto não se aplica em casos de atos lícitos ou amparados pelas excludentes de ilicitude, previstas no artigo 23 do Código Penal.
3.3. A NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA
Ocorrendo a prescrição descrita no artigo 23 da Lei de Improbidade Administrativa, seria possível obter o ressarcimento dos supostos danos gerados pelo ato ímprobo? Afastando-se a discussão sobre a prescrição dessa ação, foque-se apenas no procedimento necessário à sua interposição.
Assim como qualquer assunto polêmico no Direito, não há uma pacificação doutrinária e jurisprudencial acerca do meio a ser seguido na busca exclusiva pelo ressarcimento. De certo, sabe-se que o artigo 23, caput, da Lei de Improbidade Administrativa apresenta apenas a prescrição que afeta a pretensão punitiva estatal.
Como já foi apresentado neste estudo, a Constituição Federal esclarece que a prescrição contida na Lei nº 8.429/92 não atinge a pretensão de requerer o ressarcimento pelos prejuízos causados ao erário. Desta forma, surge a seguinte indagação: restando apenas o anseio de compensação ao patrimônio público, esse poderia ser versado através do procedimento da Lei de Improbidade ou deverá ser ajuizada através de ação autônoma, desvinculada da lei?
Quartieri (2005, p. 382), renomada doutrinadora, afirma que “(…) diante da prescrição para a ação visando à aplicação das demais sanções, persiste o meio processual estabelecido na LIA para aplicação da sanção de ressarcimento do prejuízo causado ao erário”. Sob o mesmo entendimento de que a ação civil por ato ímprobo visando à reparação do dano causado pode ser ajuizada ou continuada no rito da lei especial, também estão Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves.
Todavia, alguns autores são contrários a este posicionamento, como Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho e Marino Pazzagilini Filho, dissertando este o seguinte:
“Como compatibilizar este dispositivo constitucional, que excetua a ação de ressarcimento de danos ao Erário, com a regra do art. 23 em exame? Segundo a norma constitucional, a ação civil que tem maior eficácia, no tempo, para a defesa do Erário, é a ação de ressarcimento de danos. Assim, decorrido o prazo prescricional das ações civis de improbidade administrativa, estabelecido nos incisos I e II do art. 23, o ressarcimento dos
danos sofridos pelo Erário, nas Unidades da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), decorrentes de ato de improbidade, deverá ser pleiteado em ação civil de ressarcimento de danos. E tem legitimidade ativa para promovê-la advogado ou procurador da unidade federativa lesada.”. (PAZZAGLINI FILHO, 2007, p. 230)
Apesar de não haver um consentimento sobre a questão, a teoria majoritária presente na jurisprudência é de que, após a prescrição da pretensão punitiva determinada na Lei nº 8.429/92, a ação de improbidade administrativa não pode ser convertida em ação de reparação de danos, devendo este ser requerido em ação autônoma. Vejamos:
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. PRESCRIÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA PARA O PLEITO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.
1. O Ministério Público Federal tem legitimidade ativa para propor ação civil pública visando ao ressarcimento do dano causado ao erário por ato de improbidade, por afetar interesse coletivo, eis que a ofensa ao patrimônio público constitui sempre ofensa a interesse coletivo.
2. A ação prevista na Lei 8.429/92 não constitui instrumento adequado para pedir ressarcimento. Ressarcimento é conseqüência da improbidade. Não se conseguindo demonstrar a improbidade, por ter-se operado a prescrição, como na hipótese dos autos, só em ação própria se pode buscar o ressarcimento.
3. Quando ocorrer a prescrição da sanção pelo ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 23, I e II, da Lei 8.429/92, a reparação do prejuízo, que é imprescritível, deverá ser buscada em ação autônoma, e não nos autos da ação por ato de improbidade administrativa.
4. Apelação do Ministério Público Federal e da União não providas.”. (BRASIL, 2010, s/p)
Há, ainda, tese em que, nos casos de ação civil pública for cumulada com o pedido de reparação de danos por atos ímprobos, não que se falar na extinção prematura do pleito. Logo, em razão dos princípios da instrumentalidade das formas e do aproveitamento dos atos processuais, é viável o prosseguimento do feito.
O princípio da instrumentalidade está instituído de forma genérica no artigo 244 do Código de Processo Civil, conceituando que nenhuma nulidade deve ser declarada sem prévio e efetivo prejuízo. Enquanto o princípio do aproveitamento dos atos processuais (artigo 250 do Código de Processo Civil) destaca a salvabilidade dos atos jurídicos.
Por esta razão, sintetize-se que a exigência da impetração de nova ação para a persecução de indenização por danos causados ao erário depende muito do órgão julgador, sendo, contudo, compreensível que a existência de ação autônoma diferente aos litígios pré-existentes em autos de processo de improbidade administrativa traria mais clareza e simplicidade aos fatos.
3.4. A JURISPRUDÊNCIA
Por ser matéria polêmica no sistema judiciário brasileiro, o tema abordado neste estudo está presente em diversas jurisprudências, que são, em síntese, julgados reiterados acerca de determinado assunto. Observe-se, a seguir, a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 669.069/MG, mais recente julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 22 de junho de 2013, acerca do tema deste estudo (BRASIL, 2013, s/p):
“REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 669.069 MINAS GERAIS
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
RECTE.(S): UNIÃO
PROC.(A/S)(ES): ADVOGADO DA UNIÃO
RECDO.(A/S): VIAÇÃO TRÊS CORAÇÕES LTDA
ADV.(A/S): ELIAS SOARES PEREIRA
RECDO.(A/S): LUIZ CLÁUDIO SALLES DA LUZ
ADV.(A/S): ROBERTO IEMINI DE CARVALHO
EMENTA: ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA RESSALVA FINAL PREVISTA NO ARTIGO 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário no qual se discute o alcance da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário prevista no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
Ministro TEORI ZAVASCKI
Relator
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 669.069 MINAS GERAIS
1. Trata-se de recurso extraordinário interposto em demanda objetivando a condenação da Viação Três Corações Ltda. ao pagamento de indenização por ter causado acidente em que se danificou automóvel de propriedade da União. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou a sentença que extinguira o processo por prescrição, ao entendimento de que a ação de ressarcimento por danos causados ao erário deve observar o prazo prescricional quinquenal, não se aplicando a parte final do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal.
No recurso extraordinário, a União sustenta, preliminarmente, a existência de repercussão geral da matéria, conforme estabelece o art. 543-A, § 2º, do CPC, asseverando a necessidade de se definir qual a correta interpretação do disposto no invocado artigo 37, § 5º da Constituição, cumprindo atentar para o princípio isonômico no tratamento em face da variada natureza da responsabilidade por danos ao erário, provocada pela variedade das formas e dos agentes causadores desses danos.
Requer, como base no dispositivo constitucional, a reforma do acórdão para que se reconheça a imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário.
Em contrarrazões, pede-se o não-conhecimento do recurso, pelo óbice da Súmula 279/STF (Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário) e, se conhecido, o seu improvimento.
2. O juízo sobre a matéria constitucional posta no recurso não está subordinado a qualquer reexame de fatos ou de provas, não havendo, portanto, o óbice alegado pelo recorrido. Presentes os demais requisitos formais de admissibilidade, conheço do recurso extraordinário e passo à análise da repercussão geral.
3. Questiona-se, à luz do § 5º do artigo 37, da Constituição Federal, o sentido e o alcance a ser dado à ressalva final do dispositivo, segundo o qual, “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
4. A questão transcende os limites subjetivos da causa, havendo, no plano doutrinário e jurisprudencial, acirrada divergência de entendimentos, fundamentados, basicamente, em três linhas interpretativas: (a) a imprescritibilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma. É manifesta, assim, a relevância e a transcendência dessa questão constitucional.
5. Diante do exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão suscitada.(…)
2. Eis um tema que está a merecer o enfrentamento pelo Supremo para definir o alcance do artigo 37, § 5º, da Constituição Federal. Mesmo diante do sistema, a revelar a prescrição relativamente às ações patrimoniais, vem-se assentando a imprescritibilidade. Variam os pronunciamentos judiciais, havendo o Tribunal Regional Federal da 1ª Região concluído de forma diversa.
3. Admito a configuração da repercussão geral.(…)”.
O Supremo Tribunal Federal, apesar de não concretizar um entendimento único sobre a prescrição da ação de ressarcimento por danos ao erário, vem apresentando julgamentos padrões a favor da imprescritibilidade. Vejamos a ementa do acórdão do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 819.135/SP, analisado pelo Ministro Luiz Fux (BRASIL, 2013, s/p):
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. DANO AO ERÁRIO. ARTIGO 37, §5º, DA CF. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. PRETENSÃO DE REJULGAMENTO DA CAUSA PELO PLENÁRIO E ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DANO CONCRETO PARA SE IMPOR A CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO EM RAZÃO DO DANO
CAUSADO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SUBMISSÃO DA MATÉRIA A REEXAME PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO, DETERMINANDOSE O PROCESSAMENTO DO RECURSO OBSTADO NA ORIGEM.
1. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência assente no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimentos de danos ao erário. Precedentes: MS n.º 26210/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, 10.10.2008; RE n.º 578.428/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe 14.11.2011; RE n.º 646.741/RSAgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 22.10.2012; AI n.º 712.435/SP-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe 12.4.2012.
2. Agravo regimental. Pleito formalizado no sentido de submeter o tema a reexame do Plenário da Corte. Cabimento da pretensão, porquanto entendo relevante a questão jurídica e aceno com a necessidade de reapreciação da matéria pelo Supremo Tribunal Federal.
3. Agravo regimental provido, determinando-se o processamento do recurso extraordinário obstado pelo Tribunal de origem.”.
O Ministro Marco Aurélio realizou uma defesa memorável à tese da prescritibilidade no julgamento do Mandado de Segurança nº 26.210/DF (BRASIL, 2008, s/p), in verbis:
“Em segundo lugar, não compreendo a parte final do § 5o do artigo 37 da Constituição Federal como a encerrar a imprescritibilidade das ações considerada a dívida passiva da União. Não. A ressalva remete a legislação existente e recepcionada pela Carta de 1988; a ressalva remete a disposição segundo a qual prescrevem as ações, a partir do nascimento destas, em cinco anos, quando se trata – repito – de dívida passiva da Fazenda. E isso homenageia a almejada segurança jurídica: a cicatrização de situações pela passagem do tempo. (…)
Indago: e possível, passados os cinco anos, eleger-se a beneficiaria da bolsa como a responsável pelas contas – e houve tomada de contas pelo Tribunal de Contas da União – a ponto de se ressuscitar, no tocante a ela – não me refiro, aqui, aos administradores, presente a tomada de contas
–, um débito alusivo a essa mesma bolsa? Não. Penso que, no caso, houve a prescrição de possível ação – e os pronunciamentos do Tribunal de Contas da União, reconhecendo o debito, têm forca de título executivo extrajudicial – contra a beneficiaria da bolsa pela passagem do tempo, pela passagem dos cinco anos (…).”.
Diversos são os julgamentos existentes sobre o teor da discussão apresentada neste trabalho, assim como a variedade de órgãos que os realizaram, entretanto, fez-se importante destacar as palavras dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, guardião do texto da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
O presente estudo visou analisar as possíveis interpretações conferidas ao artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, levando em consideração as determinações existentes na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e observando as opiniões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema.
Ressalte-se que a Lei nº 8.429/92 possui como principal fim o combate à corrupção administrativa, sancionando o servidor público, ou particular atribuído como tal, que promove o desvirtuamento do interesse público, em busca de proveito pessoal ou de outrem em desvantagem de toda a coletividade.
Destarte, além da imposição de sanções de cunho administrativo em desfavor do agente ímprobo, a lei descrita acima busca o ressarcimento do dano causado ao erário através da obtenção de título executivo judicial. Lembre-se que este não possui caráter de pena, mas sim de reparação pecuniária de âmbito civil, devendo ser interposta em ação autônoma.
Nesse sentido, resta a dúvida se o instituto da prescrição afetaria a ação de ressarcimento por danos ao erário. Rapidamente, aponta-se que a prescrição procura dar tranquilidade e estabilidade às relações sociais através da possibilidade de extinção da pretensão de defender um direito.
As teses opostas existentes sobre o tema avaliam, em síntese, o Princípio da Segurança Jurídica, a proteção do patrimônio público, o Poder Punitivo do Estado e o verdadeiro interesse público.
Os defensores da prescritibilidade alegam que, independente dos danos gerados, o cidadão tem direito à segurança jurídica, não devendo viver sob a constante sensação de impotência e ameaça. Isto é, a imprescritibilidade ocorre apenas em exceções e deverá estar devidamente expressa em lei.
Já aqueles que defendem a ausência de prescrição na referida ação apresentam discursos limitados à argumentação de que o interesse público deve estar acima de prazos, buscando-se sempre protegê-lo e, ante a omissão constitucional, a imprescritibilidade é correta medida a ser tomada.
Deste modo, apesar das palavras fortes e plausíveis utilizadas pelos estudiosos, não existe teoria majoritária capaz de minimizar as dúvidas ou insegurança jurídica existentes nos casos concretos.
Por fim, após o desenrolar desta pesquisa, chega-se à seguinte opinião. Os doutrinadores e jurisprudências responsáveis pela presente discussão cingem-se apenas à análise acerca da prescrição da ação de ressarcimento por danos ao erário, esquecendo-se de que há todo um ordenamento jurídico a ser analisado.
Percorrer tantos desentendimentos e entendimentos sem levar em consideração a aplicação do instituto da prescrição nos demais casos existentes no mundo jurídico é, na verdade, um instrumento egoísta de buscar uma indenização que deveria visar o interesse público, mas que acaba sendo meio de defesa de interesses individuais.
A prescrição deve existir no caso em tela, afinal, não pode ser apenas apontada como instrumento capaz de beneficiar agentes públicos responsáveis por atos ímprobos. Os prazos prescricionais são, na realidade, fiscalizadores do bom andamento jurídico, resguardando a segurança e punindo aqueles que consideram o meio judicial uma ferramenta sempre disponível e eternamente subjugada à sua vontade.
A Administração Pública deve ser obrigada a observar os prazos que limitam e prejudicam o interesse coletivo, sua principal preocupação. Assim, o erário é importante na nossa sociedade, porém, não deve ser priorizado de tal maneira a inferiorizar princípios essenciais de nosso mundo jurídico.
O limite a ser observado pelo Estado, nestes casos, não é apenas um prejuízo ao interesse público, mas também uma punição à Administração Pública, que por sua inércia, descaso ou ineficiência, não foi capaz de exercer sua função primária. Jamais a supervalorização do patrimônio deve superar o bem estar e a segurança da coletividade.
Por que um instituto que afeta até os crimes contra a vida, a honra, a dignidade não seria capaz de coibir a má prestação dos serviços públicos? De fato, não se deveria concordar com a incerteza e miscelânea gerada pela omissão constitucional. A ausência de palavras definitivas sobre o tema é responsável por uma discussão nacional.
Portanto, só há um meio de exterminar qualquer dúvida e conflito que afetam o verdadeiro interesse público, que seria a elaboração de uma lei infraconstitucional que determinasse o prazo prescricional da ação de ressarcimento por danos ao erário. Eternas contradições servirão apenas para trazer insegurança ao cidadão, não sendo qualquer indenização, muitas das vezes desconhecidas no meio popular, capaz de trazer o que de fato importa na vida em sociedade, a tranquilidade.
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Informações Sobre o Autor
Idalla Maria Brum Pereira
Bacharel em Direito, Advogada