Improbidade administrativa: o elemento subjetivo do agente ante as inconsistências internas da Lei nº. 8.429/92

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Resumo: O objetivo geral da pesquisa consistirá na analise crítica Lei nº. 8.429/92 no que tange ao tratamento dispensado ao elemento subjetivo norteante das práticas dos atos de improbidade administrativa constantes no seu art. 10 e do art. 11 d da quais sejam: o prejuízo ao erário e a violação aos princípios atinentes à Administração Pública. Dessa forma, pretende-se demonstrar as incoerências internas da aludida Lei quanto a possibilidade do elemento subjetivo culposo em relação aos atos causadores de prejuízos ao erário e realizar, comparativamente, uma analise do tratamento dispensado às penas do art. 12, incisos II e III, no intuito de estudar o equivoco no tratamento da modalidade culposa na Lei de Improbidade.

Palavras chave: Improbidade administrativa. Elemento subjetivo. Estado Democrático de Direito.

Abstract: The overall objective of the research will consist of critical analysis Law. 8.429/92 regarding the treatment of the subjective element of norteante practice acts of administrative misconduct contained in his art. 10 and art. 11 d of which are: the loss to the treasury and the violation of the principles relating to the Public Administration. Thus, we intend to demonstrate the internal inconsistencies of the aforesaid Act as the possibility of wrongful subjective element in relation to acts of causing losses to the public and perform comparatively an analysis of the treatment of penalties of art. 12, sections II and III , in order to study the misconception guilty modality in the treatment of the Law of Impropriety.

Keywords: Administrative Misconduct. Subjective element. Rule of Law.

Sumário: 1. Introdução. 2. O elemento subjetivo do agente. 3.Evolução histórica. 4. A improbidade administrativa no contexto da CF/88. 5. Conclusão. Referências

1. INTRODUÇÃO

A ordem constitucional de 1988 consagra em suas normas amplo suporte fático no que tange à probidade na Administração Pública, em que se percebe o fenômeno da axiologização do direito, com a inserção de um arcabouço principiológico atinente ao Estado Democrático de Direito no aparato normativo regente da sociedade.

Neste diapasão, o Direito Administrativo, assim como outros ramos do Direito, alicerça-se em prerrogativas e restrições decorrentes não somente das prescrições elencadas no texto legal, mas, outrossim, de uma matriz principiológica constitucional.

No ordenamento jurídico brasileiro, o art. 37 da CRFB/88 elenca alguns dos principais princípios que regem a Administração Pública, quais sejam, o princípio da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e, por fim, da eficiência. Estes, assim como os princípios implícitos como a razoabilidade e a proporcionalidade, devem ser zelados pelo agente público na realização da atividade administrativa, em que a Lei nº. 8.429/92 prevê a obrigatoriedade da observância dos mesmos em seu artigo 4º. (CARVALHO FILHO, 2010).

Dessa forma, a ordem constitucional de 1988, bem como a Lei nº. 8.429/92, almeja lograr êxito nas sanções de práticas atentatórias à probidade administrativa, de modo a coibir atos realizados por agentes públicos que possam divergir da finalidade da Administração Pública.

Nesse contexto, pesquisa futuramente a ser desenvolvida versará na perspectiva da seara do Direito Administrativo, sobre a necessidade do elemento subjetivo para a configuração dos atos de improbidade administrativa constantes nos artigos 9º, 10 e 11 da lei nº. 8.429/1992, que se referem, respectivamente, ao enriquecimento ilícito, aos atos que geram prejuízo ao erário, e a violação dos princípios atinentes à Administração Pública. Para tanto, abordará o caráter inconsistente da aludida lei no que tange ao elemento subjetivo do agente em sua modalidade culposa, ao vincular em seus dispositivos legais conceitos abertos, que exigem do operador do direito maior respaldo quanto às suas aplicações, de modo a atingir o real objetivo da lei, qual seja, o de punir o agente público que, de má-fé, prejudique o ente público em virtude das práticas e omissões prescritas na Lei de Improbidade Administrativa.

Percebe-se, assim, uma divergência doutrinária acerca da possibilidade sancionatória da prática advinda de um elemento subjetivo culposo. Existem autores que compartilham da ideia que, somente o ato ímprobo doloso, em quaisquer de suas modalidades, poderá receber as sanções vinculadas na Lei n º 8.429/98, uma vez que a intenção da mesma é punir o agente público que, utilizando-se de má-fé, pratica ato atentatório aos fins da Administração Pública. ( COPOLA, 2006).

Observa-se, pois, uma inconsistência interna em relação a figura culposa. Ainda que a culpa seja admitida na hipótese dos atos ensejadores de prejuízo ao erário, tal incidência demonstra-se desarrazoada, uma vez que o animo para a prática dos mesmos consiste um elemento volitivo doloso, sendo, nessa lógica, mais coerente a observância da culpa nos atos prescritos no art. 11 da Lei de Improbidade, quais sejam, aqueles que atentem contra os princípios da Administração Pública (SAMPAIO, 2002).

2. O ELEMENTO SUBJETIVO DO AGENTE

O dolo, no contexto da improbidade administrativa, consiste no elemento volitivo da intencionalidade de se lograr com um resultado lesivo ao Poder Público. Caracteriza-se pela abrangência, ao abarcar a totalidade dos elementos objetivos prescritos no ato ilícito; pela atualidade, devendo estar presente no momento da conduta; e, por fim, na capacidade de influenciar no resultado da atividade ímproba (FAZZIO JÚNIOR, 2012). A culpa, diferentemente, refere-se à falta de diligência do agente público, baseadas na imprudência, negligência e imperícia, o que parece destoante das práticas prescritas no artigo 10 da Lei nº. 8.429/92, como praticas que causem prejuízo ao erário por várias práticas em que se percebe a má-fé do sujeito ativo.

Ademais, no § 4º do art. 37 da CRFB/88, listou-se as punições aplicáveis aos atos que atentem contra a probidade administrativa. Todavia, nem no aludido dispositivo e tampouco na Lei específica ora em estudo, inexiste a previsão de que “nem sempre um ato ilegal será um ato ímprobo” ( MEIRELES, p. 210), e que se deve ser observar na conduta, precipuamente, a má fé do agente e a intencionalidade de agir em dissonância com os princípios constitucionais da administração pública, a fim de obter vantagens pessoais.

Destarte, ainda que a aludida Lei de Improbidade Administrativa não seja de natureza criminal, ela se enquadra como norma sancionadora. Conquanto, percebe-se em suas prescrições normativas diversas imprecisões, outrossim no que se refere aos preceitos constitucionais. Percebe-se a modalidade culposa dos atos de improbidade administrativa correlacionados aos danos que gerem prejuízo ao erário, entretanto, não se especifica as penas específicas aos mesmos, inserindo-os praticamente nas mesmas penalidades das previsões elencadas no art. 12, inciso I da Lei nº. 8.429/92, enquanto a mera violação dos princípios da administração pública, não admite a modalidade culposa, recebe tratamento menos rigoroso no inciso III do aludido artigo.

Por tudo quanto exposto, a inexistência de um embasamento jurídico capaz de explicar tais discrepâncias da Lei nº. 8.4929/92, reflete a relevância da comunidade jurídica e dos operadores do direito analisarem as perspectivas e os novos rumos que a aludida Lei determinará em nosso ordenamento jurídico, precipuamente, no presente estudo, em relação aos equívocos demonstrados no tratamento do elemento subjetivo do agente, para que se punam as condutas que ferem a probidade administrativa praticada por aqueles que dolosamente, os praticam, em prol do livre exercício dos direitos e garantias dos indivíduos da sociedade no contexto do Estado Democrático de Direito.

Para que se entenda o embate entre a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização do ato de improbidade administrativa e a previsão normativa da modalidade culposa esculpida no art. 10 da Lei 8.429/92, faz-se necessário traçar brevemente a inserção da probidade pública como bem tutelado constitucional e legalmente no cenário jurídico brasileiro.

Desde 1941, com o decreto lei nº 3.240, verifica-se no direito positivo regulamentação normativa atinente à Administração Pública (FAZZIO JÚNIOR, 2012). Contudo, a tutela constitucional da probidade administrativa adveio da Constituição Federal de 1988, que os estabelece em seu artigo 37 e seguintes os princípios e diretrizes da administração pública especialmente, no que tange ao princípio da moralidade. Assim, quando a lei nº. 8429/92 foi sancionada, logrou-se com a legalidade em sentido amplo, no que tange às repercussões e obediências a nível constitucional e em sentido restrito posto que se estabelece taxativamente, em lei especifica, os ilícitos que causam danos à administração pública.

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Revela-se tímida proteção à moralidade, legalidade e probidade administrativa no ordenamento jurídico brasileiro antes da CRFB/88, fazendo-se presente nas constituições anteriores, bem como em legislações esparsas, que, ao longo dos anos, passam a ser renovadas. Conquanto, a Constituição de 1988 destaca-se ao tratar pioneira e expressamente em seu texto legal dos aludidos princípios (FAZZIO JÚNIOR, 2012, p.4).

A princípio, a Carta Constitucional de 1934, em seu art. 113, previa que qualquer cidadão era parte legitima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios. (OSÓRIO, 1998, p. 57).

Em seguida, a Constituição Federal de 1946 regulamentou em seu art. 141, §3º, especificamente, sobre a perda de bens em virtude de enriquecimento ilícito, abuso de cargo ou função pública. (DE PIETRO, 2005, p. 698).

No que tange a Constituição Federal de 1967, o art. 150, §11, acrescenta os danos causados ao erário na Administração Direta e Indireta (FAZZIO JÚNIOR, 2012, p.4).

Logo após, a Constituição de 1988 inaugura, no ordenamento jurídico brasileiro, com a explicita proteção à moralidade administrativa, bem como os demais princípios do Direito Administrativo e a previsão de sanções quando da ofensa à probidade administrativa. Esclareça-se, conquanto, que a lesão à probidade administrativa esteve presente como crime de responsabilidade do presidente da republica desde a primeira Constituição federalista brasileira, em 1891. (DE PIETRO, 2005).

Em relação aos precedentes legislativos da Lei nº 8.429/92 no ordenamento jurídico brasileiro constata-se a Lei nº 3.164/57 (Lei Pitombo Godói-Ilha), que sujeitava a sequestro e perda em favor do Poder Público dos bens havidos pelo agente público que incorria em abuso de função; e a Lei nº 3.502/58 (Lei Bilac Pinto) que veio a regular esta mesma matéria quando da ocorrência também do enriquecimento ilícito.

 Consoante os ensinamentos de Waldo Fazzio Junior, percebe-se nos aludidos textos legais, que o legislador tratou mais do aspecto econômico conferido a improbidade administrativa do que a lesão à moralidade almejada na Administração Pública (2012, p. 6).

Destarte, com a Constituição de 1988 e a previsão do aparato principiológico regente da Administração Pública, possibilitou-se a implementação da lei nº 8.429/92 que visa regulamentar as sanções previstas no artigo 37, §4º, da mencionada Constituição.

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4. A improbidade administrativa no contexto da CF/88

A probidade administrativa, dessa forma, consiste em uma das formas assumidas pela moralidade administrativa, em que a CRFB/88, em seu art. 37, §4º, estipula as sanções cabíveis caso o agente público não zele pela honestidade em sua função, devendo proceder-se com imparcialidade, legalidade e moralidade.

O desrespeito à probidade administrativa consubstancia-se no ato de improbidade administrativa que permitirá ao Ministério Público propor a ação civil pública por ato de improbidade administrativa com alicerce na Lei nº 8.429/92 para a verificação de lesão ao erário, enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios da administração pública.

Dessa forma, deve-se ressaltar que o objetivo da Lei é o de punir o agente publico ou terceiro desonesto que pratica atos conforme seus interesses particulares, acarretando no desvirtuamento e consequente dano à Administração Pública, sendo que tal entendimento também é o compartilhado pelo STJ no REsp nº 734.984/SP, de relatoria do Ministro Luiz Fux.

 Ainda no que tange ao intuito da Lei 8.429/92 Maria Sylvia Zanella de Pietro entende que “Sem um mínimo de má fé, não se pode cogitar a aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública” (DE PIETRO, 2005, p. 930).

Ao se analisar, então, a previsão normativa do elemento subjetivo culpa no somente nos atos de improbidade que causem lesão ao erário, evidencia-se que o legislador preocupou-se mais em garantir os cofres públicos do que o respeito ao princípio da proporcionalidade e aos direitos fundamentais constitucionais. Isto porque as penas esculpidas no artigo 12 inciso II, que prevê as sanções para praticas dolosas e culposas que acarretem danos ao erário, configuram-se como mais severas que as esculpidas no inciso III do mesmo artigo, que elenca as sanções para atos que atentem aos princípios da administração, admitindo-se somente o elemento volitivo doloso. (SAMPAIO, 2012).

Ora, as condutas esculpidas no art. 10 da Lei nº 8.429/92 correspondem preponderantemente a atos em que o sujeito ativo pratica mediante desonestidade, com afronta à probidade pública. Ainda que se considere a hipótese de desconsiderar qualquer objeção doutrinária quanto à inserção do elemento subjetivo culpa na aludida Lei, tal elemento estaria relacionado de modo mais preciso e adequando aos princípio da razoabilidade se estivesse elencada no artigo 11, que prevê a violação aos princípios da Administração Pública e com sanções adequadas aos mesmos.

5. CONCLUSÃO

O arcabouço normativo e principiológico da Constituição Federal de 1988 consagra a garantia de direitos fundamentais que, em seu aspecto objetivo, permite que todos os ramos do Direito alicercem-se nas diretrizes constitucionalmente estabelecidas e garantidas (SAMPAIO, 2013). Com base no aludido respaldo, a Lei nº. 8.429/92 esbarra em diversas inconsistências externas que reflete sobremaneira no presente estudo, acarretando em inconsistências internas. Subsiste a violação ao princípio da proporcionalidade entre as sanções previstas no art. 12, em que, para os atos que acarretem danos ao erário, inclusive na modalidade culposa, a sanção demonstra-se mais gravosa do que aquelas praticadas dolosamente por violação aos princípios da administração pública. (SAMPAIO, 2002).

Por meio dessa análise, infere-se que, ainda que o Estado exerça a função legislativa, o mesmo deve atentar ao princípio da constitucionalidade e à garantia dos direitos fundamentais, não bastando a mera confecção de Leis que atendam aos anseios da sociedade. A intencionalidade do legislador em combater as práticas lesivas à Administração Pública objetiva minimizar problemas corriqueiros no Poder Público brasileiro, como a corrupção, e deve zelar pela adequação de seu texto aos anseios do poder constituinte originário, principalmente com relação aos direitos e garantias individuais.

Dessa forma, a análise do elemento subjetivo na Lei de Improbidade encontra alicerces no âmago do Direito Administrativo Constitucional, não se baseando estritamente na observância dos princípios da legalidade e da separação de poderes. A axiologização do Direito permite a análise do tema sob a perspectiva de um conjunto de princípios jurídicos harmônicos, de modo que se possa tratar com de modo livre e contextualizado, as incoerências legislativas da Lei de improbidade no que tange a previsão do elemento subjetivo culposo, pelo menos do modo como foi recepcionada pela aludida Lei.

Assim, a violação ao princípio da proporcionalidade das sanções, enseja o questionamento sobre a modalidade culposa, como uma deliberação que assegura tão somente a vontade do Estado em não perceber lesões aos seus cofres pois, a modalidade culposa estaria mais adequada aos atos que confrontam os princípios da Administração Pública, afinal, as sanções a elas vinculadas são as mais brandas da Lei 8.429/92.

A afronta ao princípio da proporcionalidade e a deliberação Estatal em sobrelevar um aspecto econômico em detrimento do direito fundamental do individuo, tendo em vista a sua inviolabilidade de certa forma o Estado Democrático de Direito, merecendo, assim, que os operadores do Direito adentrem na questão.

 

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Informações Sobre o Autor

Ana Luisa de Oliveira Ribeiro

Advogada. Pós- Graduanda em Direito Público pela PUC Minas


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