Resumo: O trabalho tem por escopo analisar as decorrências do inadimplemento contratual, diferenciando as consequências que emergem exclusivamente no campo patrimonial daquelas que possuem o condão de configurar lesão moral. A partir do estudo sobre a configuração do dano, adentra-se ao campo da responsabilidade civil, tratando, desta forma, do dever de reparar não só os danos patrimoniais, como também as lesões extrapatrimoniais advindas de descumprimento contratual.
Palavras–chave: Responsabilidade civil – Contrato – Dano Moral – Inadimplemento Contratual
Abstract: The purpose of this paper is to analyze the consequences of contractual breach, differentiating the consequences that arise exclusively in the patrimonial field of those who have the condemnation of moral injury. From the study on the configuration of the damage, it enters into the field of civil liability, treating, in this way, the duty to repair not only the property damages, but also the off-balance damages arising from contractual noncompliance.
Keywords: Civil Liability – Contract – Moral Damage – Contractual Non-compliance
Sumário: 1. Descumprimento Contratual – 1.1 Inadimplemento total ou absoluto e Inadimplemento parcial ou mora – 1.2 Efeitos do Inadimplemento contratual – 2. Dano Moral – 2.1 Conceito de Dano Moral – 3. Responsabilidade Civil – 3.1 Conceito de Responsabilidade Civil – 3.2 Responsabilidade Civil Contratual e Responsabilidade Civil Extracontratual – 3.3 Pressupostos da Responsabilidade Civil Contratual – 3.4. a. Ilícito contratual: inexecução de contrato válido – 3.4 b. Dano – 3.4. c. Nexo Causal – 4. Lesão extrapatrimonial em decorrência de descumprimento contratual – 4.1 Aspectos Gerais e posições doutrinárias – 4.2 Breve análise Jurisprudencial – 4.3 Dano moral por incumprimento contratual na legislação estrangeira – 5. Conclusão – 6. Referências Bibliográficas.
1. Descumprimento Contratual
1.1 Inadimplemento total ou absoluto e Inadimplemento parcial ou mora
No estudo do tema da responsabilidade civil por dano moral em inadimplemento contratual, mister se faz analisar o tema da inexecução obrigacional – também denominada de inadimplemento ou descumprimento -, regulado pelo Código Civil/ 2002 através dos arts. 389 e seguintes.
O inadimplemento obrigacional se configura quando “o devedor não cumprir, voluntária ou involuntariamente, a prestação devida”[1]. Este ‘não cumprimento’ abrange dois fatores, quais sejam: não realização da prestação e não atendimento do interesse do credor.
Neste sentido, Judith Martins-Costa, fundada no pensamento de Menezes Cordeiro, afirma que o inadimplemento em sentido amplo “é a situação objetiva de não realização da prestação devida e de insatisfação do interesse do credor, independente da causa da qual a falta procede”[2].
De acordo a visão clássica, o inadimplemento obrigacional em sentido amplo se divide em duas categorias: (i) inadimplemento parcial ou mora e (ii) inadimplemento total ou absoluto.
O inadimplemento total ou absoluto será configurado pela impossibilidade de cumprimento da obrigação; ao passo que a mora (ou inadimplemento parcial) será configurada na hipótese de a obrigação ainda poder ser satisfeita, ou seja, seria o atraso no cumprimento da obrigação. Este atraso configura mora até que a prestação se torne inútil para o credor, pois a partir deste momento fica configurado o inadimplemento total (art. 395, parágrafo único, CC).
Além da mora e do inadimplemento total, também é possível se falar em inexecução contratual mesmo quando houver o cumprimento da prestação. Trata-se da espécie de inadimplemento denominada violação positiva do contrato, que surgiu no início do século XX, como alternativa à concepção estanque de inadimplemento presente no Código Civil Alemão (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB)[3]. A respeito do tema, ensina Jorge Cesa Ferreira da Silva[4]:
“A ideia de violação positiva do contrato – ou ‘violação positiva do crédito’, como é costumeiramente chamada na Alemanha, nasceu de estudo famoso de Hermann Staub, importante jurista alemão do final do século XIX e início do século XX. Em 1902, dois anos após a entrada em vigor do BGB, Staub reconheceu no então novo código a existência de lacunas no regramento do inadimplemento: para além do inadimplemento absoluto (lá chamado de impossibilidade) e da mora, existiriam outras hipóteses não reguladas, apesar de igualmente configurarem inadimplemento. Para ele, tanto o inadimplemento absoluto quanto a mora correspondiam a violações negativas de crédito: no primeiro, a prestação não é realizada, no segundo, a prestação não é realizada no momento adequado. Já as hipóteses por ele elencadas acarretariam descumprimento obrigacional exatamente porque a prestação foi realizada. Por isso para diferenciar esses casos dos anteriores, entendeu chamar essas hipóteses de violações positivas do contrato”.
É importante esclarecer que, pelo Código Civil Brasileiro, o conceito de mora abrange a inexatidão não apenas em relação ao tempo (obrigação em atraso), mas também quanto ao lugar e forma da obrigação, conforme art. 394 do Código Civil[5].
Desta forma, a violação positiva do contrato envolve o cumprimento da obrigação, porém, com a quebra dos deveres contratuais anexos ou laterais de conduta, acarretando a responsabilidade civil daquele que desrespeita a boa-fé objetiva por inadimplemento contratual[6]. Tal tema foi aclarado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal[7], em 2002, através do Enunciado no. 24 que dispõe: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independente de culpa”.
1.2 Efeitos do Inadimplemento contratual
Descumprida a obrigação contratual, o devedor fica obrigado a ressarcir o prejuízo causado em razão deste inadimplemento. Responde, assim, pelas perdas e danos gerados e é compelido a arcar com juros e atualização monetária, bem como com honorários advocatícios quando estes se fizerem necessários. Além destes efeitos, regulados pelos artigos 389 a 407 do Código Civil, há também a possibilidade de se exigir a chamada ‘cláusula penal’, que é tratada pelos arts. 408 a 416 do aludido codex.
No direito romano, o termo perdas e danos era expresso pelas seguintes terminações: id quod interest; quanti mea interes; quant ea res est; auctoris; ou utilitas creditoris[8]. A idéia de dano referia-se exclusivamente a perda ou diminuição do patrimônio, não havendo menção expressa aos conceitos de damnum emergens e de lucrum cessans, vez que estes ‘são, linhas gerais, coincidentes com o Direito atual’[9].
No Código Civil de 2002 a expressão ‘perdas e danos’ se refere não só à perda patrimonial (que abrange danos emergentes e lucros cessantes), como também à verba compensatória que deverá indenizar eventuais danos extrapatrimoniais.
O termo aparece mais de setenta vezes no códex atual e é utilizado tanto para denominar prejuízo (moral ou material), quanto para se referir à indenização devida pelo devedor ao credor em sede de relação obrigacional. Neste sentido, conclui o professor Francisco Marino[10]:
“Perdas e danos constituem, assim, expressão polissêmica, utilizada ora para se referir à indenização devida por um figurante a outro de uma relação obrigacional, ora para designar os prejuízos indenizáveis conforme o tipo de relação. Desde que dela se tenha conhecimento, a polissemia não se afigura, por si só, criticável, mormente quando se tem em vista que a indenização se mede pela extensão do prejuízo (art. 944, caput)”.
Vale destacar que o inadimplemento, em regra, não pressupõe automaticamente a indenização por perdas e danos. Para que esta reparação seja devida, faz-se necessária a comprovação (ou, em casos, presunção[11]) da efetiva lesão (patrimonial ou extrapatrimonial).
2. Dano Moral
2.1 Conceito de Dano Moral
Alfredo Minozzi[12] conceituava dano moral em 1917 com a seguinte acepção: "é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a aflição física ou moral, em geral uma dolorosa sensação provada pela pessoa, atribuindo à palavra dor o mais largo significado".
René Savatier[13], por sua vez, apresentava o conceito de tal instituto em 1939 da seguinte maneira:“qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc".
Nessa mesma linha de raciocínio, Yussef Said Cahali[14], definia dano moral em 1998 como sendo: "a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)".
O dano moral era, portanto, admitido como sendo dor, sofrimento, aflição ou vergonha por grande parte da doutrina. Além dos juristas citados, ainda é possível elencar os seguintes juristas que sustentaram esta conceituação: Agostinho Alvim[15], Rafael Durán Trujilo[16], Henri de Page[17], Brugi[18], Gabba[19], Lafaille[20] e Demogue[21].
A aludida concepção, contudo, passou a se apresentar como sendo ineficaz, pois deixava descoberta várias possibilidades de lesões a direitos da personalidade que não resultavam em dor ou aflições em geral[22]. Neste sentido, Rogério Donnini[23] explica que:“Condicionar o arbitramento de danos morais à dor, ao sofrimento e à aflição da vítima ou de seus parentes, consiste em descaracterizar e restringir os direitos da personalidade, uma vez que os danos extrapatrimoniais podem não ser necessariamente vinculados a esses sentimentos. Apenas exemplificando, a mera veiculação da imagem de uma pessoa, sem a sua concordância, por si só, já transgride esse direito da personalidade, independentemente de qualquer sofrimento. Na mesma direção, o abalo de crédito, mesmo que não cause maiores aflições ao ofendido, propicia uma reparação pelo dano causado”.
Corrobora com esta concepção atual de dano moral o desembargador Artur O. de Oliveira Deda[24] e o jurista italiano Eduardo Zannoni[25], o qual dispõe que:“O dano moral não é propriamente a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito consistem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. A dor que experimentam os pais pela morte violenta do filho, o padecimento ou complexo de quem suporta um dano estético, a humilhação de quem foi publicamente injuriado são estados de espírito contingentes e variáveis em cada caso, pois cada pessoa sente a seu modo. O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a teria interesse reconhecido judicialmente. P.ex.:se vemos alguém atropelar outrem, não estamos legitimados para reclamar indenização, mesmo quando esse fato nos provoque grande dor. Mas, se houver relação de parentesco próximo entre nós e a vítima, seremos lesados indiretos. Logo, os lesados indiretos e a vítima poderão reclamar a reparação pecuniária em razão de dano moral, embora não peçam um preço para a dor que sentem ou sentiam, mas tão somente, que se lhes outorgue um meio de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica por eles sofrida”.
Tal entendimento de que o dano moral não necessita, para a sua configuração, do pressuposto da ocorrência de dor ou aflições em geral foi, inclusive, concretizado no Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil[26].
O autor do enunciado, Felipe Teixeira Neto, destacou a tendência, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, de o dano moral ser considerado como violação ao direito à dignidade humana. Juristas como Maria Celina Bodin de Moraes[27] e Sérgio Cavalieri Filho[28] são fortes expoentes nesta conceituação, que tem por consequência o entendimento de que toda circunstancia que atinja o ser humano em sua dignidade será automaticamente considerada como causadora de dano moral a ser reparado.
Contudo, conforme ensina Paulo Lôbo[29], a Dignidade da Pessoa Humana se concretiza com os Direitos da Personalidade. Por esta razão é que o dano moral surge a partir da transgressão a qualquer direito da personalidade. Nas palavras de Rogério Donnini: “A cláusula geral da dignidade humana, na realidade, emana para as relações de Direito Civil e os direitos da personalidade exercem função primordial, mesmo porque, além da prevenção de danos à pessoa (art. 12 do CC), é a partir da violação desses direitos que surge o dever de repará-los, mediante a fixação de uma quantia indenizatória. Em outras palavras, o dano moral aparece a partir da transgressão a qualquer direito da personalidade”[30].
O mesmo jurista explica que:“A personalidade não é apenas um direito, mas um valor fundamental de todo o ordenamento jurídico, razão pela qual há uma necessidade constante de que a sua tutela seja imutável, pois não há um número exato de hipóteses de proteção”[31].
Ou seja, existe uma série aberta de direitos que ultrapassa os previstos no art. 5º da Constituição Federal e nos art. 11 a 21 do Código Civil, não sendo possível falar em dignidade humana sem a observância dos direitos da personalidade, pois é o cumprimento destes que garante aquela.
Portanto, tem-se que o conceito de dano moral abrange toda lesão extrapatrimonial que viole direitos da personalidade, e é a responsabilidade civil por este dano que garante a dignidade humana.
3. Responsabilidade Civil
3.1. Conceito de Responsabilidade Civil
O conceito de responsabilidade advém do preceito alterum laedere (a outrem não ofender) e do princípio neminem laedere (não lesar), o qual era apresentado no Digesto dentre uma das partes do Corpus Juris Civillis ou Código Justinianeu do Iperadorr Justiniano de 526 d. C..
Neste ponto, tem-se a clara distinção entre obrigação e responsabilidade: obrigação é o dever (a promessa referente ao ‘spondeo’), que – caso seja descumprido – origina a responsabilidade (‘respondere’), ou seja, o dever de reparar os danos causados. Há, portanto, um dever jurídico originário (que é a obrigação), e um dever jurídico sucessivo caracterizado pela responsabilidade de reparar os danos, caso haja descumprimento do dever originário.
A noção de responsabilidade abrange, portanto, a violação de um dever jurídico resultante em dano; e tem por escopo o intuito de ‘repor o lesado ao estado anterior, em que se encontraria caso o evento danoso não houvesse ocorrido. Não se deve, contudo, tomar com rigor excessivo a preocupação em distinguir certas expressões, tais como reposição, reintegração, recomposição, restauração, restituição, ressarcimento, reparação e indenização’[32]. O próprio termo indenizar (etimologicamente, tornar indene, isto é, íntegro, sem dano) que estritamente designa apenas a prestação do equivalente, é corretamente utilizado em sentido amplo, compreendendo também a reposição natural[33].
O aludido conceito é resumido por Cavalieri Filho[34]:“Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida. Daí ser possível dizer que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil”.
3.2. Responsabilidade Civil Contratual e Responsabilidade Civil Extracontratual
O dever jurídico originário – que em caso de descumprimento e consequente dano, dá ensejo ao dever de indenizar – pode ter como fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de um contrato ou, por outro lado, pode ter por causa geradora uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei.
Na segunda hipótese, o incumprimento ensejará a responsabilidade civil extracontratual (ou Aquiliana – regulada pelo art. 186 a 188 e 927 a 954 do CC); ao passo que, no primeiro caso, o descumprimento da obrigação acarretará a responsabilidade civil contratual (art. 389 e s. e 395 e s.) – que é a referida neste trabalho.
Ambas as hipótese são muito próximas, pois ‘tanto em um como em outro caso, o que se requer, em essência, para a configuração da responsabilidade são estas três condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, o nexo de causa e efeito entre os primeiros elementos’[35].
Além disto, ‘tanto nos casos de responsabilidade contratual como nos de responsabilidade extracontratual a idéia central é a de não ofender ninguém, não prejudicar, não causar dano, não lesar, estampada na locução latina neminem laedere’[36].
Algumas codificações modernas, inclusive, tendem a aproximar as duas variantes da responsabilidade civil, submetendo a um regime uniforme os aspectos comuns a ambas. O código alemão e o português, por exemplo, incluíram uma série de disposições de caráter geral sobre a ‘obrigação de indenização’, ao lado das normas privativas da responsabilidade do devedor pelo não cumprimento da obrigação e das regras especificamente aplicáveis aos atos ilícitos. Ficaram, assim, fora da regulamentação unitária apenas os aspectos específicos de cada uma das variantes da responsabilidade[37].
O que diferenciam as hipóteses é, basicamente: (i) o ônus da prova, pois em caso de responsabilidade extracontratual, o autor da ação deve provar que o dano se deu por culpa do agente; ao passo que, em caso de responsabilidade contratual, basta a prova de descumprimento da avença (com exceção das excludentes da responsabilidade: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior), vez que a culpa, nesta hipótese, é presumida; (ii) a capacidade do agente causador do dano, que é bem mais restrita na responsabilidade contratual do que na extracontratual, vez que esta contempla menores e incapazes, enquanto que aquela apenas inclui os suscetíveis de celebrar convenções básicas; e (iii) o prazo prescricional, que é de três anos para os casos de responsabilidade extracontratual (art. art. 206, §3º, V, CC), enquanto que a responsabilidade contratual prescreve em um (art. 206, II, §1º, CC) ou cinco anos (art. 206, I, §5º, CC), dependendo do caso concreto.
3.3 Pressupostos da Responsabilidade Civil Contratual
Para que haja a configuração da responsabilidade civil contratual, são necessários os seguintes requisitos:
3.4. a. Ilícito contratual: inexecução de contrato válido
Em razão do princípio da obrigatoriedade (pacta sund servanda), uma vez celebrado contrato advindo da vontade livre dos contratantes e formado com a observância das normas jurídicas (incluindo aqui o principio da função social dos contratos), as partes permanecem vinculadas às cláusulas e adstritas à observância dos deveres especificados no pacto, bem como ao cumprimento dos deveres anexos.
‘O contrato, todavia, não produzirá esses efeitos se for nulo, isto é, se padecer de algum vício de origem a afetar-lhe a validade, tal como a incapacidade absoluta de qualquer das partes, a impossibilidade do objeto, etc.’[38]. Ou seja, é necessário que o pacto seja válido.
Para que haja a responsabilidade contratual será necessário, ainda, o incumprimento do contrato, no todo ou em parte, configurando o inadimplemento parcial (mora) ou total – incluindo a violação positiva do contrato. Estas hipóteses, já tratadas em tópicos anteriores, concretizam a ocorrência do ilícito contratual.
3.4. b. Dano
Assim como a responsabilidade Aquiliana, a responsabilidade contratual exige a ocorrência de dano (moral ou material); afinal sem dano não haveria o que reparar. O pagamento de indenização por descumprimento contratual sem a presença do elemento dano, só é possível através da previsão contratual de cláusula penal – instituto tratado em item anterior.
3.4. c. Nexo de Causalidade
O aludido dano, para que seja passível de responsabilidade contratual, deve ter sido configurado em razão do descumprimento do pacto válido. Ou seja, entre este e o dano é necessário que seja guardada relação de pertinência ou nexo de causalidade.
A falta do devedor, que descumpre o contrato e gera o dano, pode se dar de maneira intencional e voluntária ou não. Em outras palavras o descumprimento que causa dano não carece de dolo para a incidência da responsabilidade civil. Tanto o dolo, quanto a culpa ensejam a responsabilidade, exceto quando se tratar de incumprimento por culpa exclusiva da outra parte, caso fortuito ou força maior, que são hipóteses de excludente de responsabilidade.
Por fim, vale destacar que mesmo quando não houver dolo ou culpa do devedor, há possibilidade de responsabilidade civil. Trata-se da responsabilização objetiva que incidirá nas hipóteses expressamente previstas por lei ou quando o dano provir de risco criado em razão da atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano (art. 927, CC).
4. Lesão extrapatrimonial em decorrência de descumprimento contratual
4.1. Aspectos Gerais e posições doutrinárias
Contrato é vocábulo de significação estritamente jurídica e rico de conteúdo, pois se refere ao acordo de vontades, ao instrumento assinado pelas partes, ao campo normativo disciplinador das diferentes espécies e, ainda, ao departamento da ciência jurídica que estuda os princípios básicos atinentes à matéria. Em sua origem latina, a palavra contractus, de contrahere, significava relação duradoura[39].
Hans Kelsen atribuía ao vocábulo contrato duplo sentido: o de ato celebrado partes e o de norma. Refere-se, destarte, tanto ao acordo de vontades quanto ao regulamento estabelecido pelas partes. A primeira acepção corresponde ao negócio jurídico, enquanto a segunda, aos direitos e obrigações convencionados[40].
O contrato seria, basicamente, um negócio jurídico bilateral pelo qual as partes assumem deveres e adquirem direitos. Estas obrigações, nos dizeres de Agostinho Alvim, devem ser fielmente executadas[41].
De fato, quando um contrato é celebrado conforme a livre vontade dos contratantes, com boa-fé, e em observância ao principio da função social dos contratos e às demais normas jurídicas, as partes fica obrigadas a cumprirem exatamente o que pactuaram, em razão da força obrigatória dos contratos (princípio pacta sund servanda). E é isto que se espera: o cumprimento.
Ocorre, entretanto, o inadimplemento em muitas vezes. E, em razão deste, diversas ações judiciais são movidas em busca da reparação dos danos: que podem ser materiais e/ou morais.
A configuração de danos de natureza extrapatrimonial em decorrência de incumprimento contratual é aceita por grande parte da doutrina nacional. Contudo, nota-se uma intensa resistência do Judiciário em efetivamente impor a reparação destes danos sob o argumento de que “mero aborrecimento não gera dano moral”. Nessa seara, Mauro Ferrandin[42] esclarece que apesar de parecer claro não existirem motivos para resistir à idéia de dano moral contratual, a questão não é simples, nem unânime; bastando uma análise do cenário nacional para demonstrar a instabilidade do instituto.
Sob o início da vigência do Código Civil de 2002, no ano de 2004, Xavier Leonardo[43] dispôs sobre o entendimento comum, até certo ponto, adotado pela jurisprudência do STJ de não haver responsabilidade indenizatória referente a danos morais provenientes de relação contratual, pois o dever de indenizar na responsabilidade contratual estaria estrito àquilo que o credor “efetivamente perdeu” ou “razoavelmente deixou de lucrar” (expressões estas dispostas no art. 402 do Código Civil Brasileiro).
O jurista português Rui Pereira[44], todavia, explica que não existem razões para negar a admissibilidade de reparação de danos não patrimoniais derivados de inadimplemento contratual, pois existem interesses extrapatrimoniais relevantes em diversos vínculos obrigacionais.
No mesmo sentido, o italiano Angel Critóbal Montes, sustenta que se há o dever de ressarcimento referente a dano moral causado a outrem, não haveria porquê esta reparabilidade de dano moral não contemplar incumprimento advindo de prévia relação obrigacional.
Apesar de estes posicionamentos terem sido exarados, respectivamente, sob a análise do ordenamento jurídico português e italiano, diversos doutrinadores brasileiros têm a mesma concepção quando analisam o sistema jurídico pátrio. Rui Stoco é um deles.
Segundo o autor[45], a responsabilidade por atos danos é una – seja contratual ou extracontratual, e tem como consequência o dever de reparação do dano moral e/ou patrimonial causado.
André Fernando Reusing Namorato[46] também adota este entendimento e esclarece que não há como afastar a responsabilidade por danos morais advindos do não cumprimento do contrato.
Sidney Hartung Buarque[47] sustenta, também, a possibilidade de responsabilização civil por dano moral decorrente de inadimplemento contratual; contudo, o jurista observa que há a necessidade de análise casuística para verificar tal responsabilização, não bastando apenas o inadimplemento em si para configurar dano moral.
Rogério Donnini[48] apresenta o mesmo entendimento e explica que o pouco tempo de espera em agências bancárias, a interrupção de serviço telefônico, dentre outras situações, não devem ser consideradas lesões. Todavia, transtornos reiterados, se levado em conta o tempo perdido, por mero descaso, falta de interesse na melhoria de serviços ou ausência de investimento que garantiria celeridade na atividade empresarial ou estatal, podem configurar lesões passíveis de responsabilização civil.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o jurista argentino Ramón Daniel Pizarro[49] concorda que muitas vezes o descumprimento obrigacional não gera danos morais. O autor destaca, contudo, que esta realidade não pode projetar uma regra de interpretação restritiva, marcando uma distinção abrupta entre as órbitas da responsabilidade civil.
4.2. Breve análise Jurisprudencial
Diversas decisões judiciais expõem que “o mero inadimplemento contratual não acarreta danos morais”[50]. Em geral, decide-se que a regra é de que o inadimplemento contratual não dá margem ao dano moral, pois este “pressupõe ofensa anormal à personalidade”[51]. É comum, ainda, verificar julgados afirmando que “o mero aborrecimento, transtorno ou dissabor não gera dano moral”[52].
A questão que se coloca diante destes julgados é: o que se configura como ‘mero aborrecimento transtorno ou dissabor’? O que seria considerado uma ‘ofensa anormal à personalidade’?
Rogério Donnini, citando definições do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, esclarece que:
“Dissabor significa ‘sentimento de tristeza e infelicidade causado por problemas, perdas, etc.; aflição, desgosto, mágoa’. A palavra transtorno, do latim trans (através) + tornare (fazer dar voltas), significa alterar a ordem, perturbar, contratempo, alterar a razão. Aborrecimento, por sua vez, do latim abhorrere, possui a acepção de causar ou sofrer desgosto, entediar, desagradar”[53].
Resta evidente que o conceito dos termos aborrecimento, transtorno ou dissabor é vago e extremamente subjetivo, assim como a expressão ‘ofensa anormal à personalidade’. O resultado destas conceituações inseridas em uma camada de zona de penumbra são decisões judiciais das mais diversas possíveis, caracterizando uma verdadeira insegurança jurídica.
Tal conclusão pode ser feita mediante uma simples análise dos julgados do país. A título de exemplo, tem-se que: o Tribunal de Justiça de São Paulo não assentiu com reparação por danos morais em caso de descumprimento contratual efetivado por companhia de seguro que negou indevidamente cobertura e, com isso, causou ao segurado a ausência de seu veículo automotor pelo período de três meses. Segundo a corte, o fato de o segurado ter ficado três meses sem carro configura ‘mero aborrecimento’[54].
Este mesmo Tribunal de Justiça (a mesma câmara e o mesmo relator) condenou uma empresa à reparação de danos morais gerados a partir de atraso na entrega de cama que daria suporte a colchão. O valor arbitrado foi de R$ 1.448,00[55].
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, entendeu que o atraso na entrega de imóvel por um mês, seguido de entrega diversa do que contratado é mero aborrecimento[56].
Ou seja, ficar sem carro por três meses ou sem o imóvel devido por um mês é mero dissabor, porém, ficar sem apoio para o colchão por um mês gera dano moral.
Em outra decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que a locação de imóvel comercial frustrada por comportamento do locador gera dano moral compatível com quantum indenizatório arbitrado na monta de R$ 10.000,00[57]. Contudo, em situação análoga, tratando de imóvel residencial em que a locação também foi frustrada por comportamento do locador, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que “ ”[58].
Por fim, tratando-se de caso de descumprimento contratual quanto ao fornecimento de serviço de telefonia, televisão e internet, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que cabe reparação por danos morais no valor de R$ 2.000,00[59]; enquanto que o Tribunal de Justiça de São Paulo exarou decisão afirmando que “o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade”[60].
A conclusão diante destes julgados é a de que não há como classificar o que venha a ser um “mero aborrecimento”. Neste ponto, é que se faz mister destacar novamente a definição de dano moral como sendo toda lesão que viole direitos da personalidade. A responsabilidade civil não pode estar adstrita a valores subjetivos. É necessário que haja uma visão técnica.
A questão não é classificar as consequências do inadimplemento em aborrecimento, dor, grande aflição na alma, etc.. A análise deve deitar-se sobre os direitos da personalidade. Uma vez desrespeitados, há dano moral. E, portanto, deve haver a responsabilidade civil por indenizar.
4.3 Dano moral por incumprimento contratual na legislação estrangeira
Em legislações alienígenas é possível encontrar três espécies de previsão legal em relação ao dano moral. A primeira refere-se aos códigos que restringem a reparação por danos morais aos casos expressamente previstos em lei, não havendo previsão quanto a reparação por dano moral advindo de descumprimento contratual. Trata-se de legislações concernentes à Alemanha e Itália[61].
Em seguida, é possível ressaltar as legislações que admitem implicitamente a reparação do dano moral por inadimplemento contratual. É o caso das normas da Espanha, do Chile, de Portugal, da Suíça, da França dentre outros países[62].
Nestes países, conforme explica o jurista chinelo Rutherford Parentti[63], “a jurisprudência dos Tribunais Superiores têm superado a discussão em torno da procedência da reparação do dano moral por incumprimento contratual, ocasionando a partir disto um giro interpretativo que resulta em uma concepção cada vez mais ampla do conceito de dano moral”[64].
Por fim, destaca-se a terceira inteligência legislativa, que prevê expressamente a possibilidade de condenação em reparação por danos morais advindos de inadimplemento contratual. Os países que contemplam esta normativa são Quebec, Peru e Argentina.
O código civil de Quebec contém no bojo de seu artigo 1607 a previsão de que ‘o credor tem direito a indenização por danos corporais, materiais ou morais que são consequência direta e imediata de inadimplência do devedor’[65]. No Peru, o Código Civil[66] quando trata de descumprimento contratual expõe que o dano moral, quando configurado, também é suscetível de ressarcimento. A Argentina, por sua vez, admite, conforme seu Código Civil[67], a responsabilidade contratual referente a reparação de dano moral causado.
5. Conclusão
Pretendeu-se demonstrar com este trabalho que a responsabilidade civil por danos morais advindos de inadimplemento contratual é tema que deve ser minuciosamente analisado e que dificilmente se esgota.
Apesar de a possibilidade deste tipo de dano em sede de descumprimento contratual ter sido mais aceita nos últimos anos, sob a égide da constituição cidadã, constitucionalização dos direitos civil e promulgação do código civil de 2002, ainda há muito para evoluir.
Infelizmente, o que se tem notado é uma visão limitadora a cerca dos danos morais. Esta limitação acaba por atingir os danos decorrentes de inadimplementos e, mais do que isso, acaba por ferir direitos da personalidade.
Sem a observância dos direitos da personalidade não há como se tutelar a dignidade da pessoa humana. Portanto, a restrição do conceito de dano moral – afastando a incidência deste em hipótese de descumprimento contratual – atinge pontualmente o valor máximo da Carta Magna deste país.
É evidente, contudo, que não são todos os incumprimentos contratuais que resultam em dano moral. Apenas aqueles inadimplementos que maculares direitos da personalidade é que terão este condão e deverão ocasionar a responsabilidade pela reparação, não afasta-se, portanto, a necessidade de análise casuística.
Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela mesma instituição. Advogada
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