Resumo: O tema do presente estudo é a possibilidade da inaplicabilidade da reincidência diante do atual estado de falência da prisão. Isso se justifica pela análise de que o Direito Penal deve ser constantemente atualizado e modelado para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. O problema enfrentado é o da incongruência do Estado que não cumpre com o seu dever legal de ressocializar os que adentram no sistema carcerário, no entanto, continua fixando nos detentos a marca de reincidente. Por isso, o objetivo será demonstrar a necessidade de mudança do sistema penal, para posterior divulgação da importância de melhorias na atual política criminal, e assim, cessar os danos à dignidade da pessoa humana dos atingidos. Para tanto se utilizou da metodologia de pesquisa com abordagem indutiva, procedimento monográfico e diante das técnicas de pesquisa bibliográfica com acesso à doutrina, entre eles: Bitencourt, Boschi, Salo de Carvalho e Carvalho Filho. Ao final, serão feitas considerações em relação a julgados relacionados ao tema. Desse modo, o presente estudo demonstrou ser imperiosa a mudança com relação ao modo como é feita a individualização da pena no quesito da reincidência[1].
Palavras-chave: Inaplicabilidade, Reincidência, Falência da Prisão, Dignidade da Pessoa Humana, Individualização da Pena.
Abstract: The theme of this study is the possibility of inapplicability of recurrence given the current state of the ineffectiveness of prison. This is justified by the analysis that the criminal law must be constantly updated and modeled to ensure the fundamental rights of citizens. The problem faced is the incongruity of the state that does not abide to its legal duty of resocializing those who enter the prison system, however, it continues setting the mark of recidivist in the detainees, therefore, the goal will be to demonstrate that the change of the penal system is necessary for disseminating the importance of improving the current criminal policy. And so, cease the damage on the human dignity of those affected. For that we used the methodology of researching with inductive approach, monographic procedure and bibliographical research techniques with access to doctrine among them: Bitencourt, Boschi, Salo de Carvalho and Carvalho Filho. Finally considerations are made regarding those whose trials relate to the topic. Thus, this study showed the necessity of changing how the individualization of punishment is made in the area of recidivism.
Keywords: Inapplicability, Recidivism, The Ineffectiveness of Prison, Human Dignity, individualization of Prison Sentences.
Sumário: Introdução. 1. Da reincidência. 1.1. Breve histórico. 1.2. Configuração e classificação da reincidência. 1.3. Reflexos da reincidência. 1.3.1. Reflexos da reincidência na parte geral do Código Penal. 1.3.1.1. Agrava a pena. 1.3.1.2. Prepondera no concurso de agravantes e atenuantes. 1.3.1.3. Afasta a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade para restritivas de direitos em crime doloso, salvo, reincidência não específica. 1.3.1.4. Afasta a possibilidade do sursis da pena em crime doloso. 1.3.1.5. Não permite a substituição da pena privativa de liberdade por multa. 1.3.1.6. Eleva o prazo para concessão da liberdade condicional em crime doloso. 1.3.1.7. Impossibilita a concessão da liberdade condicional para os reincidentes específicos em crime hediondo ou equiparados.1.3.1.8. Determina o cumprimento inicial da pena em regime fechado. 1.3.1.9. Na pena de detenção obriga o regime inicial semiaberto. 1.3.1.10. Revogação obrigatória do sursis se condenado por crime doloso ou revogação facultativa se condenado por crime culposo ou contravenção. 1.3.1.11. Revogação obrigatória ou facultativa do livramento condicional. 1.3.1.12. Revogação da reabilitação. 1.3.1.13. Exaspera o tempo do prazo prescricional da pretensão executória.1.3.1.14. Interrompe a prescrição. 1.3.2. Reflexos da reincidência na parte especial do Código Penal. 1.3.2.1. Reincidência como impeditivo de benefícios. 1.3.2.1.1. Perdão judicial ou aplicação de multa no crime de apropriação indébita. 1.3.2.1.2. Perdão Judicial ou aplicação de pena de multa no crime de Sonegação de Contribuição previdenciária. 1.3.2.2. Impossibilidade de reconhecimento de causas de diminuição de pena. 1.3.3. Reflexos da reincidência no Código de Processo Penal. 1.3.3.1. Permite a decretação direta da prisão preventiva. 1.3.4. Reflexos em algumas Leis esparsas. 1.3.4.1. Aumento do prazo para concessão da progressão da pena em crimes hediondos. 1.3.4.2. Exasperação da pena e elementar de tipo na lei das Contravenções Penais 1.3.4.3. Impossibilita a redução da pena no crime de sonegação fiscal. 1.3.4.4. Nos crimes de imprensa impossibilita o sursis da pena. 1.3.4.5. Exasperação da multa na Lei dos Estrangeiros. 1.3.4.6. Agravante na lei de Segurança Nacional. 1.3.4.7. Agravante de pena nos crimes ambientais. 1.3.4.8. Impedimento de benefícios na Lei dos Juizados especiais criminais. 1.3.4.9. Aumenta a pena no Código de Trânsito. 1.3.4.10. Aumento da pena de multa aos crimes na lei que estabelece normas para as eleições. 1.3.4.11. Exasperação da pena na lei contra as minas terrestres antipessoal. 1.3.4.12. Reincidência na nova lei de Drogas. 1.3.5. Consequências da nova prática delituosa dolosa sem caracterizar a reincidência. 1.3.5.1. Restabelecimento da medida de segurança. 1.3.5.2. Caracterização de maus antecedentes. 1.3.5.3. Consequências no cumprimento de pena. 1.4. Breves anotações em relação à reincidência no projeto do novo código penal. 1.5. Considerações. 2. Precariedade da ressocialização no cumprimento de pena privativa de liberdade no brasil. 3. Inaplicabilidade do instituto da reincidência. 3.1. Do princípio non bis in idem. 3.1.1. Violação do agravamento devido a crime anterior. 3.1.2. Vedação ao princípio non bis in idem por crime já julgado. 3.2. Da reincidência frente à falência da prisão. 4. Posicionamentos atuais dos tribunais em relação à reincidência. 4.1. Julgados do Supremo Tribunal Federal. 4.2. Julgados do Superior Tribunal de Justiça. 4.3. Julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente estudo discorre acerca da possibilidade de afastar o instituto da reincidência devido à falência da pena de prisão no Brasil. Buscou-se, com base em pesquisa na doutrina e na jurisprudência, demonstrar que embora vanguardista, teses como a apresentada, são extremamente necessárias para a transformação e melhora da política criminal brasileira.
No passado desenvolveram-se a tese da exasperação da pena e demais gravames advindos da reincidência, tinha-se em abstrato que a prisão seria capaz de promover a ressocialização. E assim, muitos autores afirmavam ser aceitável tal instituto, uma vez que a antiga passagem pela prisão do reincidente não fora suficiente e por isso uma sanção maior deveria ser aplicada.
Pretendeu-se demonstrar, que tal afirmação doutrinária construída ao longo dos séculos, não pode persistir e por estar muito afastada da realidade fática, deve ser superada. Novos caminhos precisam ser abertos, e um Estado cada vez mais responsável com sua população deve ser construído com a contribuição dos operadores do Direito.
Com isso, esse estudo foi dividido em quatro capítulos:
O primeiro capítulo cuida do estudo da reincidência, elucidando um breve histórico e as suas classificações. E ainda, por meio da enumeração de suas consequências legais, pretende-se impactar ao dimensionar o tamanho da importância do instituto no âmbito penal e com isso, mostrar a necessidade de reformulação do mesmo.
No segundo capítulo, buscou-se o estudo do cumprimento da pena de prisão no país. Com base em obras de diversos doutrinadores e em pesquisas, relata-se que atualmente, por descaso político e falta de investimentos, a prisão mostra-se incapaz de cumprir seu mandamento legal.
No terceiro capítulo, objetivou-se traçar um paralelo entre os dois primeiros para produzir a tese de afastamento da reincidência, uma vez que enquanto durar a ineficácia estatal em manter uma prisão que efetivamente ressocialize, não se pode cobrar do apenado melhora em sua conduta.
Por fim, no último capítulo, encontrar-se-á a análise de alguns julgados, onde foi possível averiguar que muito pouco avanço têm se dado em torno da temática aqui desenvolvida.
1. Da reincidência
A reincidência é um dos institutos mais antigos no âmbito jurídico. Podendo ser encontrado em todos os sistemas penais. Sobre o tema, Boschi ensina que:
“A agravação da situação do réu, no processo, em função da frequência da atividade criminosa, é ideia que aparece, mais ou menos patente, desde sempre e em todos os sistemas criminais, fundamentando-se na necessidade de reação contra o hábito de delinquir (consuetudo delinquendi), por isso mesmo revelador de especial tendência anti-social”. (BOSCHI, 2006, p. 246)
No entanto, o conceito de reincidência sofreu mudanças com o passar dos séculos, assim como as suas consequências. Nas palavras de Correia tem-se a lição:
“Assim é que Dahm, ao formular o conceito de reincidência da alta Idade Média, pondera que decisivo era somente a habitualidade da delinqüência (…) Nos séculos posteriores, todavia, o conceito de reincidência, ligado à ideia de que humanum est peccare, diabolicum perseverare, começa a ser integrado pela exigência de uma condenação prévia, considerada como índice de desprezo do reincidente pela solene advertência da condenação ou da execução da pena, que, para além da inclinação criminosa do agente revelado pela reiteração dos factos criminosos, traduzia uma especial tendência “anti-social”.” (CORREIA apud BOSCHI, 2006, p.247)
Por exemplo, lembra-nos Lyra (1942, p. 329) que nas capitulares de Carlos Magno haviam situações em que o primeiro furto era punido com a perda do olho, o segundo com a perda do nariz e o terceiro com a morte, restando assim evidenciado o agravamento da pena pela reiteração da conduta.
Em relação ao Direito pátrio, em nosso primeiro Código Penal, verifica-se a existência desse instituto como agravante. Assim, tinha-se no Código de 1830, o artigo 16 com a redação: “Art. 16. São circunstancias agravantes:” e encontrava-se no § terceiro: “§3º Ter o delinquente reincidido em delicto da mesma natureza.” (BRASIL, 1830)
Depois em 1890, o Código sucessor também trouxe a reincidência como agravante em seu artigo 39 §19, e a seguir, no seu artigo 40, tinha a seguinte redação:
“Art.40. A reincidencia verifica-se quando o criminoso, depois de passada em julgado sentença condemnatoria, commette outro crime da mesma natureza e como tal entende-se, para os effeitos da lei penal, o que consiste na violação do mesmo artigo”. (BRASIL, 1890)
Por fim, o Código de 1940 na parte geral revogada, inovou trazendo a divisão da reincidência entre específica e genérica no artigo 46, §1.
“Art. 46. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
Reincidência genérica e reincidência específica
§ 1° Diz-se a reincidência:
I – genérica, quando os crimes são de natureza diversa;
II – específica, quando os crimes são da mesma natureza”. (BRASIL, 1940)
Ainda na parte revogada, ficava clara a adoção do indesejável Direito Penal do Inimigo, ou Direito Penal do autor. Diz-se inimigo pois haveriam dois Direitos, o dos amigos e o dos inimigos, ou seja, não se importa com o fato em si, mas simplesmente com o autor, a pessoa que comete o delito – no caso, o inimigo. Assim, pelo simples fato da pessoa ser quem é, transforma-se em razão para o maior rigor. Sobre o tema, Zaffaroni comenta:
“Ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal de autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser” do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o “ser ladrão”.” (ZAFFARONI apud CARDOSO, 2012)
Essa ideia ficava explícita no artigo 78, o qual trazia os presumidamente perigosos, entre eles, no inciso IV, os reincidentes em crime doloso. (BRASIL, 1940)
Finalmente chega-se à lei em vigência, na qual não se encontra a definição da reincidência e sim a hipótese de constituição, ideia tirada da leitura do artigo 63:
“Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. (BRASIL, 1940)
No entanto, além da agravante genérica que pelo nosso ordenamento servirá de auxílio para a caracterização do infrator, a reincidência gera uma série de outras consequências relevantes que faz com que a sua caracterização seja da mais alta relevância.
E mais, Decreto Lei 3.688 de 1941 que trata das contravenções penais possui em seu artigo 7° outra hipótese de reincidência:
“Art. 7. Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção”. (BRASIL, 1941)
Para maior entendimento segue o próximo tópico em que será feito a definição da ocorrência da reincidência e seus reflexos em nosso ordenamento.
1.2. Configuração e classificação da reincidência.
Portanto no âmbito do Direito Penal, tem-se a reincidência no momento em que o agente incorre em novo crime depois de ter contra si uma sentença transitada em julgado, no País ou no estrangeiro, condenando-o por crime anterior, respeitando o intervalo de cinco anos.
Todavia, conforme mencionado, a Lei de Contravenções penais amplia o rol de ocorrência da reincidência para os casos de: a) condenação de crime antes e outra de contravenção posteriormente; b) condenação por contravenção antes e contravenção depois, necessariamente operada no território nacional. Com isso, não se encontra amparado no Código Penal ou na Lei de Contravenções a espécie de reincidência provinda de condenação por contravenção em uma conduta anterior e outra por crime posterior.
Para efeitos da reincidência, o legislador sustentou que o sujeito não poderia ficar sempre com o rótulo de possível reincidente, e por isso na reforma de 1984 foi dada a seguinte redação para o Código Penal:
“Art. 64 – Para efeito de reincidência:
I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”. (BRASIL, 1940)
Nesse sentido, a reincidência somente se torna aplicável se o intervalo entre a condenação com trânsito em julgado e o cometimento da nova infração penal estiver dentro do lapso de cinco anos. Caso contrário, o sujeito irá deixar de ser reincidente e tal fato passará a sustentar maus antecedentes, circunstância judicial do artigo 59 do Código Penal, utilizada para fixação da pena do condenado, ou ainda incorrer nas consequências mostradas no item 2.2.5 do presente trabalho.
Existe hoje o debate na jurisprudência e doutrina envolvendo o tempo que o sujeito poderia trazer consigo os maus antecedentes advindos de uma condenação anterior. Embora não seja o objetivo do presente trabalho, ressalta-se o comando constitucional do artigo 5°, inciso LVII, alínea b, o qual veda a pena perpétua.
Sendo assim, para evitar a marca ad aeternum dos maus antecedentes provenientes de uma pena, um dos caminhos seria uma analogia in bonan partem com o artigo 64, I do Código Penal, o que constituiria na impossibilidade de aplicação dos maus antecedentes após o limite de 5 anos do cumprimento ou extinção da pena. Conforme leciona Boschi:
“Os efeitos negativos dos antecedentes, ao contrário da reincidência, não estão limitados temporalmente em lei (art. 64 do CP) (…) Pensamos que, por similitude lógica, o decurso do período de cinco anos, considerado como dies aquo a data do cumprimento ou extinção da pena, que, segundo o artigo 64 do CP, faz desaparecer os efeitos da reincidência, deveria propiciar a recuperação da primariedade e dos bons antecedentes.
Carece de sentido que o tempo faça desaparecer a reincidência e não tenha a mesma força para fazer desaparecer os efeitos de causa legal de menor expressão jurídica, no caso, os antecedentes.” (BOSCHI, 2006, p. 246) [grifo nosso]
Visto isso, deve-se atentar para o fato de que a reincidência não abrange os crimes militares ou políticos, disposição prevista no artigo 64, inciso II do Código Penal. E ainda, o fato de não importar qual a pena aplicada ao caso concreto, podendo ser qualquer uma, isto é, a de privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Devido a isso, até mesmo se o réu tenha obtido sursis da pena, ele será reincidente.
Além disso, ensina Fernando Capez que não importa se o crime anterior ou posterior foi praticado em sua forma culposa ou dolosa, ou ainda se qualquer um dos dois foi consumado ou tentado. Em todas as possibilidades de combinação tem-se configurada a reincidência. (CAPEZ, 2004, p. 433)
Questão interessante cerca o tema da causa extintiva da punibilidade, pois se afastará a reincidência se ela for declarada antes da sentença transitada em julgado – exceto caso tenha o fato deixado de constituir crime, abolitio criminis, ou ainda em hipótese de anistia, onde ela será afastada a posteriori. (CAPEZ, 2004, p. 433)
Por sua vez, o perdão judicial nunca irá gerar reincidência, artigo 120 do Código Penal, matéria inclusive já simulada pelo Superior Tribunal de Justiça:
“STJ Súmula nº 18.
A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. (BRASIL, 1990b)
No âmbito do Juizado especial criminal, a lei foi clara ao dizer que a transação penal não produz reincidência ou maus antecedentes:
“Art. 76, §4: ‘Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos”. (BRASIL, 1995)
Ao cabo, pode-se classificar a reincidência em real, quando o agente volta a delinquir depois de ter cumprido pena, ou na reincidência ficta, quando o mesmo comete nova infração após condenado, mas sem ter passado realmente pelo cumprimento de pena. Lembrando aqui as duas categorias já citadas de reincidência: específica – aplicável quando o sujeito comete o mesmo crime – e genérica – em caso de crime posterior diverso.
Em nosso ordenamento jurídico em vigor, o instituto da reincidência carrega consigo uma enormidade de consequências que estão previstas no Código Penal, no Código de Processo Penal, e em leis especiais esparsas. Como o objetivo do presente trabalho é exatamente afastar alguns desses reflexos, faz-se necessária a apresentação e uma rápida explanação desse rol. Certifica-se, no entanto, que devido vasta quantidade de leis hoje existentes, é possível que hajam hipóteses que não foram abrangidas abaixo.
1.3.1. Reflexos da reincidência na parte geral do Código Penal:
No artigo 61, inciso I do Código Penal tem-se que a reincidência irá exasperar a pena privativa de liberdade em quantidade determinada pelo juiz, sem, no entanto, ultrapassar os limites da cominação prevista para determinado crime. (BRASIL, 1940)
1.3.1.2. Prepondera no concurso de agravantes e atenuantes
Reza o artigo 67, parte final do Código Penal, que caso ocorram múltiplas incidências nas causas judiciais do artigo 59 do mesmo Código, para a fixação da pena, a agravante pela reincidência deve prevalecer em relação às atenuantes. (BRASIL, 1940)
O ordenamento jurídico brasileiro possibilita que a pena privativa de liberdade seja substituída por outra restritiva de direitos (v.g. prestação pecuniária), desde que preenchidos certos requisitos legais e por expressa letra da lei. No artigo 44, inciso II do Código Penal, caso seja reincidente em crime doloso o agente não poderá receber tal benefício.
No entanto, o §3° do referido artigo reza que caso não seja reincidente específico e a substituição seja socialmente recomendada, é possível a concessão da pena restritiva de direitos.
E ainda, reza o §5 do mesmo artigo que o juiz da execução, na unificação das penas, em caso de condenação posterior, a substituição poderá converter a mesma em privativa de liberdade. Ou seja, após a substituição, a reincidência é causa de conversão em pena privativa de liberdade. (BRASIL, 1940)
1.3.1.4. Afasta a possibilidade do sursis da pena em crime doloso
Outra medida para diminuir o cárcere adotada no Brasil foi a adesão da suspensão da execução da pena. Isto é, caso tenham-se preenchidos os requisitos legais e se submetendo a condições, o agente terá sua execução da pena suspensa por certo período de tempo. Todavia, por expressa determinação do artigo 77, inciso I do Código Penal, caso seja reincidente em crime doloso, esse benefício não poderá ser concedido ao condenado. (BRASIL, 1940)
Por outro lado, vale ressaltar que o legislador abriu uma exceção quando no §1° do referido artigo disse que a condenação anterior à pena de multa não impede a concessão do benefício.
1.3.1.5. Não permite a substituição da pena privativa de liberdade por multa
Quando a pena privativa de liberdade não é superior a seis meses, pode o Juiz substituí-la por multa (artigo 60, §2° do Código Penal). No entanto, para isso, precisa atender os requisitos do artigo 44, inciso II e III, e entre eles está o de não ser reincidente em crime doloso. (BRASIL, 1940)
1.3.1.6. Eleva o prazo para concessão da liberdade condicional em crime doloso
O Código Penal em seu artigo 83, inciso II, que caso o agente seja reincidente em crime doloso, terá o prazo aumentado de um terço até a metade de cumprimento da pena para a concessão da liberdade condicional.
Lembra-se que o livramento condicional consiste numa antecipação à liberdade do condenado que cumpre pena privativa de liberdade desde que realizadas determinadas condições durante um lapso temporal. (BRASIL, 1940)
Caso o agente seja reincidente específico nos crimes hediondos ou equiparados, isto é, crimes de tráfico, terrorismo e tortura (Constituição Federal artigo 5° inciso XLIII) (BRASIL, 1990), ele não terá direito a liberdade condicional, por disposição do artigo 83, inciso V do Código Penal. (BRASIL, 1940)
1.3.1.8. Determina o cumprimento inicial da pena em regime fechado
O Código Penal, a partir do artigo 33, traz as regras para determinar o regime do cumprimento da pena; nos casos de reincidentes a pena de reclusão será necessariamente o fechado. Essa regra está expressa no artigo 33, §2°, alíneas b e c do Código Penal. (BRASIL, 1940)
1.3.1.9. Na pena de detenção obriga o regime inicial semiaberto
Por força do artigo 33, §2, alíneas b e c do Código Penal, o agente reincidente condenado por crime com pena de detenção terá por seu regime inicial de cumprimento de pena obrigatoriamente o semiaberto. Isso porque a detenção não admite cumprimento inicial no regime fechado, todavia, permite a regressão para esse último durante a execução da pena nos casos previstos em lei. (BRASIL, 1940)
Se após a concessão do benefício do sursis sobrevier uma condenação por crime doloso o Juiz deverá obrigatoriamente revogar o benefício de acordo com o artigo 81, inciso I do Código Penal. Por outro lado, se a condenação for por crime culposo ou contravenção, a revogação do sursis será facultativa, como reza o artigo 81, §1 do Código Penal. (BRASIL, 1940)
1.3.1.11. Revogação obrigatória ou facultativa do livramento condicional
O artigo 86, inciso I do Código Penal, diz que caso durante o período de livramento condicional venha o agente a ser condenado com trânsito em julgado por crime durante o prazo do benefício, isso será causa de revogação obrigatória do mesmo.
Já o artigo 86, inciso II, do mesmo diploma legal, diz que mesmo por crime cometido anteriormente ao benefício e a condenação sendo proferida durante o benefício, estar-se-á diante de uma causa de revogação obrigatória do livramento condicional – desde que a unificação das penas impossibilite esse livramento condicional.
Por outro lado, tem-se causa de revogação facultativa se sobrevier condenação por crime ou contravenção em que seja cominada pena diversa da privativa de liberdade. Isso está positivado no artigo 87, parte final do Código Penal.
1.3.1.12. Revogação da reabilitação
A reabilitação é o restabelecimento do prestígio social do apenado. Sobre o tema leia-se a exposição de motivos do Código Penal no item n° 83:
“Item 83. Segundo o projeto, a reabilitação não tem, apenas, o efeito de assegurar o sigilo dos registros sobre o processo e a condenação do reabilitado, mas consiste, também, em declaração judicial de que o condenado cumpriu a pena imposta ou esta foi extinta, e de que, durante dois anos após o cumprimento ou extinção da pena, teve bom comportamento e ressarciu o dano causado, ou não o fez porque não podia fazê-lo. Tal declaração judicial reabilita o condenado, significando que ele está em plenas condições de voltar ao convívio da sociedade, sem nenhuma restrição ao exercício de seus direitos.” (GOMES, 2012, p. 250)
No entanto, mesmo diante desse cenário, segundo o artigo 95 do Código Penal, caso sobrevenha condenação, a pena que não seja de multa ocorrerá de ofício ou a requerimento do Ministério Público a revogação da reabilitação. (BRASIL, 1940)
1.3.1.13. Exaspera o tempo do prazo prescricional da pretensão executória
O artigo 110 Caput do Código Penal nos diz que em caso de reincidência ocorre o aumento de um terço no prazo prescricional. (BRASIL, 1940) Existem precedentes do Superior Tribunal de Justiça de que essa regra seja aplicada somente à prescrição da pretensão executória e não se aplicaria à prescrição da pretensão punitiva:
“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 299 E PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO PENAL. ACRÉSCIMO DA REINCIDÊNCIA. INAPLICABILIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO. PENA IN CONCRETO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
I – In casu, trata-se de prescrição da pretensão punitiva, razão pela qual não se aplica o acréscimo de 1/3 (um terço) relativo à reincidência, previsto no art. 110, caput, do Código Penal, que somente possui incidência na hipótese de prescrição da pretensão executória (Precedentes).
II – Se a pena privativa de liberdade é de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, tendo havido o trânsito em julgado, há que se declarar a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição da pretensão punitiva, se, entre a data do recebimento da denúncia (30/10/2000) e da publicação da r. sentença condenatória (29/07/2005), inexistindo outra causa interruptiva, transcorreu lapso temporal maior que quatro anos (artigos 107, inciso IV, 109, inciso V e 110, § 1º do CP).
Ordem concedida”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2007) [grifo nosso]
Ou seja, tem-se a prescrição para o Estado alcançar a condenação do agente, a punitiva, e a prescrição para o Estado executar a pena, a executória. E assim, somente essa última sofre os reflexos da reincidência.
1.3.1.14. Interrompe a prescrição
O artigo 117, inciso VI, do Código Penal reza que a prescrição se interrompe pela reincidência. Questão que merece extrema atenção é a relativa à prescrição da pretensão executória, na qual o Superior Tribunal de Justiça entende que o princípio constitucional da presunção de inocência (Constituição Federal artigo 5°, inciso LVII) deva ser mitigado para permitir efetividade a essa interrupção: (BRASIL, 1940; 1988a)
“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA DO ESTADO. REINCIDÊNCIA. ART. 117, VI, DO CÓDIGO PENAL. DATA DA PRÁTICA DO NOVO CRIME. MARCO INTERRUPTIVO QUE NÃO EXIGE O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO.
1. Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a reincidência, como causa interruptiva da prescrição, nos termos do art. 117, VI, do Código Penal, configura-se na data da prática de novo delito, não se exigindo o trânsito em julgado da condenação, que somente constituiria condição de validade da referida baliza prescricional, a ser avaliada em momento posterior.
2. Ordem de habeas corpus denegada”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2012a) [grifo nosso]
Assim, entende o Tribunal que se mantivesse o princípio da inocência, a medida seria inócua, uma vez que até o trânsito em julgado o condenado já teria sempre atingido a prescrição.
1.3.2. Reflexos da reincidência na parte especial do Código Penal:
O instituto da reincidência também é bastante frequente na parte especial do Código Penal, podendo figurar como fator impeditivo de benefícios ou impossibilitar causas de diminuição de pena em certos crimes.
1.3.2.1. Reincidência como impeditivo de benefícios
1.3.2.1.1. Perdão judicial ou aplicação de multa no crime de apropriação indébita
Traz o artigo 168, §3°, do Código Penal que uma vez reincidente, o juiz não pode deixar de aplicar a pena quando o agente antes da denúncia paga o débito existente ou quando as contribuições devidas não superam o valor mínimo para o ajuizamento da execução fiscal. (BRASIL, 1940)
Vale ressaltar que, para a mansa Jurisprudência, tal dispositivo encontra-se revogado por força do artigo 9° da lei posterior e mais específica n°10.684 de 2003. A qual suspende a pretensão punitiva do Estado enquanto estiver o agente em regime de parcelamento. E extingue a punibilidade dos crimes quando for efetuado o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, incluindo acessórios. Sem, no entanto, fazer referência à reincidência. (BRASIL, 2003)
O artigo 337 A §2 do Código Penal como faz no tópico anterior traz a possibilidade do juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a pena de multa. Assim como no tópico anterior, tal dispositivo encontra-se revogado tacitamente pelo artigo 9° da lei 10.684 de 2003. (BRASIL, 1940; 2003)
1.3.2.2. Impossibilidade de reconhecimento de causas de diminuição de pena
A reincidência impede que seja reconhecida a forma privilegiada de alguns delitos, ou seja, a substituição da pena de reclusão para pena de detenção e a sua diminuição de 1/3 a 2/3 ou aplicação somente de multa. A previsão ocorre nos crimes de Furto, artigo 155, §2°, Estelionato, artigo 171, §1°, Fraude no comércio, artigo 175, §2°, Receptação dolosa ou culposa, artigo 180, Caput, §§3° e 5°, todos do Código Penal.
Além disso, conforme disposto no artigo 170, do Código Penal, tal regra também vale para as espécies de Apropriação indébita previstas no Capítulo V, artigo 168 e seguintes. (BRASIL, 1940)
Ressalta-se que existe recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a reincidência impossibilitaria a aplicação do princípio da insignificância, ou seja, devido ao pequeno valor do bem atingido em relação à vítima, não seria apropriada a intervenção do Direito Penal, dentro da ideia de ultima ratio do mesmo.
O princípio já referido, também conhecido como bagatela, possui grande aplicabilidade aos crimes citados no item em tela, haja vista, que esses versam sobre crimes contra o patrimônio.
“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. FURTO. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA AO EXAME DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 2. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PACIENTE CRIMINOSO CONTUMAZ. (g.n.) 1. Pretensão de aplicação do princípio da insignificância. Matéria que, pelo que se tem no julgado objeto do presente habeas corpus, não foi suscitada no Superior Tribunal de Justiça. Impossibilidade de conhecimento desta impetração, sob pena de contrariedade à repartição constitucional de competências e indevida supressão de instância. Precedentes. 2. Impossibilidade de concessão da ordem de ofício. A tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício de mera adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, a configuração da tipicidade demandaria análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, para verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 3. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 4. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 5. Nas circunstâncias do caso, não se pode aplicar o princípio em razão da reincidência do Paciente. 6. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida. 7. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal. 8. Habeas corpus não conhecido”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2012b) [grifo nosso]
Assim, é possível se afirmar que a reincidência é capaz de tornar um ato, que isolado não seria crime, merecedor da atenção do Direito Penal.
1.3.3. Reflexos da reincidência no Código de Processo Penal
1.3.3.1. Permite a decretação direta da prisão preventiva
Com a nova lei 12.403, o Juiz possui uma série de medidas cautelares diversas da prisão para aplicar antes da prisão preventiva. A ideia é que essa seja subsidiária àquelas, isto é, o acusado somente perderá sua liberdade de locomoção quando todas as demais medidas se mostrarem impróprias.
No entanto o artigo 313, inciso II, permite que seja aplicada diretamente a prisão preventiva ao acusado reincidente. O próprio artigo faz menção para necessidade dos cinco anos entre a condenação do crime anterior até a prática do novo fato. (BRASIL, 1984)
É importante notar que antes das leis 11.19 de 2008 e a 12.403 de 2011, a reincidência também era motivo para impedimento da concessão de fiança em caso de condenação por delito doloso, impedia a liberdade provisória para apelar e impossibilitava o julgamento pelo Tribunal do Júri em liberdade.
Nota-se que os Tribunais já possuíam algum entendimento de que tais medidas eram inconstitucionais, entretanto, foi de muito bom grado que as referidas leis repudiassem esses dispositivos legais, pacificando o tema.
1.3.4. Reflexos em algumas Leis esparsas
1.3.4.1. Aumento do prazo para concessão da progressão da pena em crimes hediondos
A lei 8.072, que versa sobre crimes hediondos, reza em seu §2° do artigo 2° que a progressão de regime para os crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, além do terrorismo terá como condição para a progressão de regime o cumprimento de 2/5 da pena. No entanto, em caso de reincidentes, ocorre o aumento desse prazo para o cumprimento de 3/5 da pena. (BRASIL, 1990)
1.3.4.2. Exasperação da pena e elementar de tipo na lei das Contravenções Penais
Em seu artigo 19, §1°, da Lei de contravenções penais, é determinado o aumento de 1/3 até a metade na comutação da pena para a contravenção de trazer consigo arma, sem ser de fogo, sem autorização da autoridade para o agente que já fora condenado em crime de violência à pessoa.
Além disso, a reincidência aparece como elementar do tipo da contravenção do artigo 25, qual seja, trazer consigo material próprio para a realização de furto quando já tenha sido condenado por furto ou roubo. (BRASIL, 1941)
1.3.4.3. Impossibilita a redução da pena no crime de sonegação fiscal
A lei 4.729 de 1965 trás em seu artigo primeiro o crime de sonegação fiscal e no §1° reza que caso o réu seja primário, a pena será reduzida à multa de 10 vezes o valor do tributo. Note que a lei não faz nenhuma distinção entre reincidente específico ou genérico. (BRASIL, 1965)
1.3.4.4. Nos crimes de imprensa impossibilita o sursis da pena
No artigo 72 da lei 5.250 de 1967, lê-se que a pena de detenção não superior a três anos poderá ser suspensa desde preenchidos alguns requisitos e um desses é o de o agente não ser reincidente.
Grifa-se que o Supremo Tribunal Federal em 30 de abril de 2009, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 130, julgou pela inconstitucionalidade total da lei. Sendo assim, o dispositivo em tela encontra-se em desuso. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2009)
1.3.4.5. Exasperação da multa na Lei dos Estrangeiros
O reincidente terá o valor da multa aumentado do dobro ao quíntuplo na Lei dos Estrangeiros. Vale a transcrição do artigo 126 da lei 6.815:
“Art. 126. As multas previstas neste Capítulo, nos casos de reincidência, poderão ter os respectivos valores aumentados do dobro ao quíntuplo.” (BRASIL, 1980)
Como visto, é notória a consagração do direito penal do inimigo na hipótese ora estudada.
1.3.4.6. Agravante na lei de Segurança Nacional
Na lei 7.170 de 1983, o artigo 4°, inciso I, reza que será agravada a pena do agente reincidente para os crimes dessa lei. Trata-se aqui do caso de agravante genérico, tal qual prevista no Código Penal. (BRASIL, 1983)
1.3.4.7. Agravante de pena nos crimes ambientais
Do mesmo modo, a lei 9.605 de 1998, reza em seu artigo 15°, inciso I, que constitui agravante genérico aos crimes daquela lei, o reincidente específico em crimes ambientais. (BRASIL, 1988b)
1.3.4.8. Impedimento de benefícios na Lei dos Juizados especiais criminais
A reincidência possui o condão de afastar o caráter descriminalizador da lei 9.099 de 95, ao passo que pelas hipóteses do artigo 76, §2°, fica o agente inviabilizado à transação penal e pelo artigo 89, Caput, também fica afastada a possibilidade de sursis processual. (BRASIL, 1995)
1.3.4.9. Aumenta a pena no Código de Trânsito
Na lei 9.503 de 1997, o artigo 296 diz que em caso de reincidente específico aos crimes previstos naquele Código, o Juiz aplicará a pena de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, e isso não implicará nas demais sanções penais cabíveis – o que torna a reincidência um motivo para exasperação da pena. (BRASIL, 1997a)
1.3.4.10 Aumento da pena de multa aos crimes na lei que estabelece normas para as eleições
Assim como dito no item supra, a lei 9.504 de 1997 em seu artigo 90, §2° trás a reincidência como forma de exasperar a pena quando reza que esse terá as penas pecuniárias previstas nessa lei em dobro. (BRASIL, 1997b)
1.3.4.11. Exasperação da pena na lei contra as minas terrestres antipessoal
O artigo 2° da lei 10.300 de 2001 estabelece o crime de emprego, o desenvolvimento, a fabricação, a comercialização, a importação, a exportação, a aquisição, a estocagem, a retenção ou a transferência, direta ou indiretamente, de minas terrestres antipessoal no território nacional, e reza em seu §2° que a pena será acrescida de metade para o reincidente. (BRASIL, 2001)
1.3.4.12. Reincidência na nova lei de Drogas
Como consequência da reincidência na lei 11.343 de 2006, tem-se em seu artigo 44, § único, que é vedada a concessão do livramento condicional ao reincidente específico nos crimes dessa lei.
E ainda, no §4° do artigo 33, a vedação ao reincidente de ter diminuída a pena de um sexto a dois terços nos crimes do referido artigo e de seu §1°, mesmo se cumprida a condição de não pertencer a facção criminosa ou dedicar-se a atividade criminosa, pois lhe faltará a primariedade e bons antecedentes. (BRASIL, 2006)
1.3.5. Consequências da nova prática delituosa dolosa sem caracterizar a reincidência
1.3.5.1. Restabelecimento da medida de segurança
O artigo 97, §3° do Código Penal, reza que em caso de desinternação ou liberação do agente remetido, a medida de segurança será sempre condicional e deverá ser revogada se esse vier a cometer, antes do decurso de um ano, a prática de algum fato que demonstre a persistência da sua periculosidade. (BRASIL, 1940)
1.3.5.2. Caracterização de maus antecedentes
Durante o cálculo da pena base, de acordo com o artigo 59 e 68 do Código Penal, deve o juiz atentar para os fatos da vida pregressa do agente. Entre as diversas correntes que se debruçam sobre o tema, a que se demonstra mais alinhada com os atuais preceitos constitucionais é a que considera maus antecedentes somente as práticas delituosas com condenações definitivas que não caracterizam a reincidência (BRASIL, 1940). Sobre isso, Santos afirma:
“A posição crítica considera maus antecedentes somente condenações criminais definitivas anteriores que não configuram reincidência, excluindo todas as outras hipóteses – na verdade, a única teoria compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência, como observa SUANNES. Em posição semelhante, a moderna teoria alemã orienta-se no sentido de considerar maus antecedentes somente a existência de penas criminais anteriores – e, portanto, ausência de penas criminais significaria bons antecedentes, com efeito redutor da pena”. (SANTOS, 2008, p. 571)
Com isso, tem-se uma limitação para o uso de práticas delituosas pretéritas como maus antecedentes. Tanto que o Superior Tribunal de Justiça produziu duas súmulas para a questão. Sendo elas:
“STJ Súmula nº 241.
A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial. (BRASIL, 2000)
STJ Súmula nº 444.
É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. (BRASIL, 2010)
Conforme exposto, atualmente no Brasil, a súmula 241 do STJ diz que a prática delituosa pretérita apenas poderá ser utilizada para caracterizar maus antecedentes quando não for mais possível utilizá-la como reincidência – isso é, quando já tiver passado o prazo de 5 anos do Artigo 64, I do Código Penal.
E ainda, de acordo com a súmula 444 do STJ, não se admite que inquéritos policiais ou processos em andamento sem o trânsito em julgado, sejam usados para os maus antecedentes. Em nome do princípio constitucional da presunção de inocência é necessário que exista condenação.
Vale lembrar que, como já defendido no presente trabalho (item 2.1), deve-se respeitar o período de 5 anos do cumprimento ou extinção da pena para a aplicação dos antecedentes. Ratificando o entendimento:
“Em qualquer hipótese, a teoria e a jurisprudência moderna condicionam a validade dos antecedentes ao prazo de 5 (cinco) anos, por aplicação analógica do prazo de validade da reincidência (art. 64, I, CP)”. (SANTOS, 2008, p. 572)
Desse modo, afirma-se que os maus antecedentes não podem ser uma marca eterna na vida pregressa do sujeito.
1.3.5.3. Consequências no cumprimento de pena
A lei n° 7.210 de 1984, que trata da Execução Penal, traz em seu bojo algumas situações que modificam o status do agente devido à nova prática de delito durante o cumprimento da pena, quais sejam:
a) pelo artigo 118, inciso I, terá o condenado a regressão do regime de cumprimento de pena, isto é, caso venha a praticar novo delito;
b) o cometimento do novo crime é falta grave, o que sujeita o agente a sanção disciplinar, podendo ser caso do Regime Disciplinar Diferenciado, sem prejuízo das consequências penais (regra disposta no artigo 52);
c) de acordo com o artigo 127, caso venha a cometer novo delito, o agente poderá perder até 1/3 do tempo remido. Lembramos aqui que remição é a diminuição do tempo de cumprimento de pena pelo estudo ou trabalho.
Por outro lado, se durante a execução da pena, venha ser o agente condenado por crime, e mesmo que por questão do lapso temporal não caracterize a reincidência, será hipótese de regressão do regime pelo artigo 118, inciso II, da lei de Execução Penal. (BRASIL, 1984)
1.4. Breves anotações em relação à reincidência no projeto do novo código penal
O projeto de lei do senado 236/2012 (BRASIL, 2012) trata do novo código penal e tem em seu bojo importantes mudanças, além de algumas incorporações doutrinárias e jurisprudências em relação à reincidência e antecedentes.
Desse modo, destaca-se que a reincidência estará definida no artigo 78, sem mudanças com a definição vigente; continuará sendo agravante genérica (artigo 77, inciso I) e causa interruptiva da prescrição (artigo 117, inciso VI); da mesma forma, o prazo depurador manter-se-á em 5 anos (artigo 79, inciso I) e, ainda, os crimes militares e políticos não serão considerados para a reincidência (artigo 79, inciso I).
No entanto, as penas restritivas de direitos e multa não mais poderão servir de base para a reincidência (artigo 79, inciso II), ao contrário do que se observa no código vigente. E uma importante incorporação será a possibilidade dada pelo parágrafo único do artigo 79, na qual o juiz poderá retirar a reincidência caso o apenado tenha cumprido a pena do crime anterior e ainda, as suas condições pessoais sejam favoráveis à sua inserção social.
Com esse afastamento, ter-se-á forte repercussão na fixação do regime inicial de cumprimento pena e o de sua progressão. Além disso, o projeto positivou as súmulas 120, 241 e 444, todas do STJ e aqui já tratadas. Com isso o perdão judicial não gerará reincidência (artigo 120); para maus antecedentes somente serão considerados sentença transitada em julgado e que não configure reincidência (artigo 77, inciso II), ou o seja pelo juiz desconsiderado (hipótese do artigo 79, §único).
Salienta-se que o artigo 80 do projeto afirma que a sentença condenatória que não configure reincidência, mas pode ser considerada como antecedentes, perderá esse efeito após o prazo de cinco anos contados da extinção da punibilidade, entendimento que vai ao encontro do já defendido aqui no tópico 2.3.5.2.
Por fim, o texto expresso do projeto diz que a reincidência prevalece sobre as atenuantes (artigo 83), e que no crime de uso de drogas (artigo 221), o parágrafo segundo diz que em caso de reincidência as penas do tipo terão o limite de 10 meses, o dobro do limite atribuído aos primários.
Conforme foi disposto nesse capítulo, viu-se que o instituto da reincidência não é uma criação do nosso ordenamento e muito menos recente. Ou seja, é algo basilar do Direito Penal durante todo o desenvolvimento dessa ciência.
Todavia, o que antes podia satisfazer os interesses sociais, hoje parece perder forças. Faz-se necessária a análise de qual o real objetivo da letra fria da lei ao estipular tantos gravames ao reincidente.
Parte da doutrina costuma dizer que o reincidente merece tal tratamento, pois a persistência no crime denota tendência perversa e perigosa, ou ainda, devido à ineficiência da primeira pena, seja pela resistência ou por rebeldia à ordem social vigente, e daí a necessidade de repressão mais severa.
Fala intrigante teve Roberto Rezende Junqueira, em 1968:
“Sob o prisma da justiça ou da injustiça de sua permanência, objeto legítimo da revisão, o que se pode discutir é a eventualidade da sua revogação ou da sua transformação na forma do artigo 81, do Código Penal, porque não se pode perder de vista que o reincidente é cientificamente um homem perigoso e, portanto, carente dos tratamentos reeducativos ou curativos que a lei fornece e, nessas condições, uma cassação da medida de segurança por princípios meramente abstratos e pseudo-legais ou mesmo apriorísticos, derrubaria por terra todo aquele progresso que desde 1878 se vem processando nos Tribunais Criminais do mundo civilizado”. (JUNQUEIRA, 1968, P. 32) [grifo nosso]
Conclui-se assim que o ordenamento vigente carrega consigo o aspecto de que o reincidente deve ser tratado diferentemente devido ao fato de que a primeira pena não ‘surtiu efeitos’, e assim demonstra ser aplicável uma pena e condições mais severas na segunda condenação.
Contudo, o artigo 1° da Lei de Execução Penal reza que:
“Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. (BRASIL, 1984) [grifo nosso]
Nesse diapasão, a lógica bruta da nossa legislação é a de que uma vez internado, é ofertado ao condenado à possibilidade de ressocialização. E esse seria o real sentido da pena, afastando o valor retributivo muitas vezes dado a ela, qual seria a simples “punição” ou “castigo” por parte do Estado ao infrator.
Pode-se alegar que a reincidência é inconstitucional por ser uma condenação sem culpabilidade ou que ocorre uma mitigação do princípio do non bis in idem. Tais aspectos serão analisados no momento oportuno; no entanto, de imediato, é interessante o estudo objetivo de quais seriam essas condições ofertadas ao condenado para que ele volte à sociedade capaz de constituir uma vida longe do crime e, mais ainda, que torne razoável lhe exigir mais do que dos outros cidadãos – uma vez que caso cometa um novo delito, terá contra si todas as situações exemplificadas no item 2.3.
Por isso, ter-se-á a seguir a análise das condições de cumprimento das penas privativas de liberdade nas penitenciárias brasileiras, além do real alcance da dita ressocialização, já que a mesma é presumida pelo nosso ordenamento.
2. Precariedade da ressocialização no cumprimento de pena privativa de liberdade no brasil
Imperioso se faz um breve estudo da Lei de Execução Penal para melhor compreensão do espírito do tema do presente Trabalho. Como exposto, no artigo 1° dessa lei existe a previsão de que a execução da pena terá um fim de ressocialização do internado. Sendo assim, já está repelida expressamente a ideia de puro castigo ou retribuição.
Esse ideal já era o defendido por Cesare Beccaria no ano de 1766:
“XII FINS DAS PENAS
Das singelas considerações sobre a verdade que aqui acabamos de fazer conclui-se, à evidência, que o fim das penas não é o de atormentar e afligir um ser sensível, nem o de anular um delito já cometido. Poderá, num corpo político – que, bem longe de agir pela paixão, é o tranquilo moderador das paixões particulares-, poderá albergar-se esta inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo ou dos tiranos débeis? Os gritos de um infeliz reclamam porventura do tempo que não retorna as acções já consumadas? O fim, portanto, não é outro senão o de impedir o réu de fazer novos danos aos seus concidadãos e de dissuadir os outros de fazer o mesmo. Devem assim, escolher-se as penas e o método de infligi-las de tal maneira que, observadas as devidas proporções, se produzirá um efeito mais eficaz e mais duradouro sobre os espíritos dos homens, e menos torturante sobre o corpo do réu”. (BECCARIA, 1998, P. 84-85) [grifo nosso]
Com isso, numa posição em acordo com o espírito cidadão da nossa Carta Magna e condizente com os novos tempos e objetivos de uma sociedade contemporânea, não se deve aceitar qualquer forma de estabelecimento prisional que não ofereça a recuperação ao condenado.
E ainda mais, é cogente que os operadores do Direito ajudem a solidificar na sociedade o pensamento de que o presidiário é um sujeito que deve ser recuperado e nunca ter a sua ‘humanidade’ cassada. A prisão não deve e não pode ser um castigo, configurando-se assim um dever do Estado promover a ressocialização dos detentos. Desse modo:
“Como aponta PAIXÃO (1987:12-20), nas sociedades ocidentais modernas, os sistemas penitenciários são considerados a racionalização do processo da pena e do castigo para os criminosos. Ao Estado caberá a institucionalização legal da ordem repressiva no controle da violência e da criminalidade, sob vigilância burocratizada de instituições penais públicas especializadas. A racionalização da justiça criminal possibilitou uma nova mentalidade jurídica como definição de regras formais que classificam os crimes e os procedimentos, processando e julgando o indivíduo acusado através de uma instância que representa a justiça formal: a corte ou o tribunal. Permanecem os objetivos da custódia, acrescida a recuperação ou a cura do indivíduo criminoso. O tratamento penitenciário diagnosticará as causas biológicas, sociais, culturais do comportamento desviante dos indivíduos, com vistas à aplicação de técnicas terapêuticas corretivas e recuperadoras”. (TORRES, 2007, p. 111)
Infelizmente, até mesmo por senso comum, é conhecida a situação frágil em que se encontram nossas penitenciárias. O descaso do poder público, com a falta de investimentos e o desinteresse dos políticos, levou o nosso sistema prisional à beira do colapso. A superlotação, a falta de assistência médica e de segurança são alguns exemplos dos problemas encontrados.
Mesmo sem servir de alento, reconhece-se que essas dificuldades não são privativas do Brasil. Como leciona Bitencourt, podem-se encontrar situações similares em quase todos os países em desenvolvimento:
“As mazelas da prisão não são privilégios apenas de países de terceiro mundo. De modo geral, as deficiências prisionais compendiadas na literatura especializada apresentam muitas características semelhantes: maus-tratos verbais (insultos, grosserias, etc.) ou de fato (castigos sádicos, crueldades injustificadas e vários métodos sutis de fazer o recluso sofrer sem incorrer em evidente violação do ordenamento etc).” (BITENCOURT, 2004, p. 156)
Voltando ao nosso país, pode-se constatar que a realidade vivida pelos detentos está em total contradição com o texto legal. Para ilustração, tem-se o artigo 10 da Lei de Execução Penal, o qual dispõe sobre o dever do Estado em prestar assistência ao internado:
“Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso”. (BRASIL, 1984)
A ideia expressa seria de um sistema penitenciário que, em tese, retornaria o internado recuperado à sociedade, utilizando-se como meio, a oferta de plenas condições de trabalho, higiene, estudos e demais ações para devolver a vida social em parcimônia ao detento. Encontra-se isso no artigo 41 da lei de Execução Penal:
“Art. 41 – Constituem direitos do preso:
I – alimentação suficiente e vestuário;
II – atribuição de trabalho e sua remuneração;
III – Previdência Social;
IV – constituição de pecúlio;
V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX – entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI – chamamento nominal;
XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento”. (BRASIL, 1984)
Sendo assim, a lei prevê uma série de direitos, demonstrando o interesse do legislador em proporcionar um cumprimento de pena eficaz. Nesse diapasão, surge a importante lição de Carvalho Filho sobre a atuação estatal:
‘Ela promete alimentação, vestuário, e instalações higiênicas, atendimento médico, assistência jurídica, assistência educacional e preservação dos direitos não atingidos pela perda da liberdade. Vejamos, no entanto, algumas das principais causas de rebelião nos presídios brasileiros: “deficiência da assistência judiciária”, “violência ou injustiças praticadas dentro do estabelecimento prisional”, “superlotação carcerária”, falta ou má qualidade da alimentação e de assistência médico-odontológico”. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 51)
Com isso, somente a liberdade deveria ser retirada do cidadão, os demais direitos e condições de vida em consenso com a dignidade humana precisariam restar preservados.
Demonstrando essa contradição, tem-se a clara manifestação de que o nosso sistema prisional encontra-se em descompasso com a lei em abstrato, quando se tem por base o artigo 88 da Lei de Execução Penal:
“Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados)”. (BRASIL, 1984)
Observa-se então que a Lei chega a prever celas individuais com uma boa área de extensão. Enquanto isso, na realidade, devido a um aumento de 471% na população carcerária nos últimos vinte anos, o Brasil fechou o primeiro semestre de 2011 com o total de 513.802 mil presos, conforme os dados do InfoPen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias).
Tendo assim, nos 1.237 mil estabelecimentos prisionais do país a época, um déficit total de 209.100 mil vagas. Em decorrência disso, tinha-se 49.362 mil cidadãos presos em delegacias (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2012). Wacquant faz interessante análise do cotidiano da superlotação carcerária:
“Nos distritos policiais, os detentos, freqüentemente inocentes, são empilhados, meses e até anos a fio em completa ilegalidade, até oito em celas concebidas para uma única pessoa, como na Casa de Detenção de São Paulo, onde são reconhecidos pelo aspecto raquítico e tez amarelada, o que lhes vale o apelido de "amarelos".” (WACQUANT apud MACHADO, 2009)
Diante disso tudo, Carvalho Filho comenta:
“Um dos desafios do Brasil é justamente elaborar uma política criminal que delimite com clareza e racionalidade o futuro de suas prisões. Apesar de avanços recentes relacionados com a punição de delitos menos graves, a tendência das autoridades, pressionadas pela opinião pública e pela mídia, tem sido a de recrudescer.” (CARVALHO FILHO, 2002, p. 72)
Dessa feita, embora a nossa política criminal apresente alguns avanços nos crimes de menor potencial ofensivo e algumas possibilidades de evitar-se o cárcere, em geral, continua-se legislando para a criação de mais figuras típicas e enviando-se um número maior de internos do que a nossa capacidade prisional. Sobre a função do sistema penal, vale a lição de Bruno Rotta de Almeida:
“Ademais, o Sistema Penal nada mais é do que somente uma das soluções possíveis para a garantia da ordem econômica e social. O controle social pode ser exercido através da família, da medicina, da educação, da religião, da atividade artística, dos meios de comunicação etc. Assim, o controle social penal só deveria entrar em funcionamento quando fracassarem os mecanismos primários, os quais devem interferir previamente, e restar gravemente ofendido um bem jurídico relevante, de modo a proporcionar a intervenção de tal sistema punitivo mais incisivo.” (ALMEIDA, B. 2009)
Desse modo, o Estado deveria pensar em alternativas para as condutas menos lesivas, e evitar o encarceramento em massa a fim de aliviar nossas penitenciárias e permitir um melhor cumprimento de pena. Pois no quadro atual, nas palavras de Bitencourt, está claro que a pena de prisão não consegue promover a ressocialização, ainda mais ao analisar-se os índices de reincidência:
“Um dos dados frequentes referidos como de efetiva demonstração do fracasso da prisão são os altos índices de reincidência, apesar da presunção de que durante a reclusão os internos são submetidos a tratamento reabilitador. As estatísticas de diferentes países são pouco animadores, tal como refletem as seguintes: nos Estados Unidos as cifras de reincidência oscilam entre 40% e 80%. Na Espanha, o percentual médio de reincidência entre 1957 e 1973, foi de 60,3%. Na Costa Rica, mais recentemente foi encontrado o percentual de 48% de reincidência”. (BITENCOURT, 2004, p. 161)
O Brasil ainda não possui em exato a taxa de reincidência. No entanto, o Conselho Nacional de Justiça informou:
“O Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai fazer um estudo para determinar a taxa de reincidência criminal no Brasil. Este será o primeiro estudo técnico sobre o assunto e será fundamental para a definição de políticas públicas de reinserção social de pessoas que tenham cometido algum tipo de crime. Embora estime-se que a taxa de reincidência é alta, ainda não existem dados confiáveis para subsidiar a tomada de decisões pelos poderes públicos. Para a realização do trabalho, o CNJ contratou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que já fez outros trabalhos para o CNJ.” (EUZÉBIO, 2012) [grifo nosso]
Visto isso, chega-se à conclusão de que o nosso ordenamento prevê um sistema que não se perfaz no plano fático pelas mais variadas razões. O interno atualmente vive com uma série de gravames, os quais em nada o ajudam em seu retorno à sociedade, e é pacífico entre os estudiosos de que a pena de prisão não consegue ter eficácia em promover a ressocialização plena dos seus detentos. Conde afirma:
“Devemos seguir lutando pela melhora e humanização do sistema penitenciário, não porque assim se vai conseguir a tão discutida ressocialização (não creio que seja possível sem uma mudança estrutural da sociedade), senão porque o delinquente que entra na prisão tem, pelo menos, um direito: quando libertado, depois de cumprir sua condenação, não saia em piores condições para levar uma vida digna em liberdade.” (CONDE apud TORRES, 2007, p. 121)
E tudo isso, numa visão axiológica do Direito, é muito preocupante, pois para muitos, a pena aplicada por um povo pode ser encarada como o seu nível de civilização, e é por isso que o sistema penal precisa sempre estar se inovando e transformando, para pouco a pouco aderir os novos prelúdios e direitos conquistados por uma nação. Nesse sentido:
“El castigo puede entonces considerarse como un reflejo de nuestro entendimiento y de nuestros valores, y por lo tanto está regulado por normas que la gente aplica todos los días sobre aquello que es posible y aquello que no es posible hacerle a los demás. Estas normas se ven en la práctica, no solo las registran los sondeos de opinión. Más que una herramienta de la ingeniería social, el nivel y el tipo de castigo es un espejo de las normas que reinan en una sociedad”. (CHRISTIE apud ALMEIDA, 2012, p. 87)
Sendo assim, a evolução das normas penais e das práticas nas penitenciárias é um passo insuperável para a melhora da sociedade como um todo, afetando não somente os apenados, como influenciando o desenvolvimento e a afirmação das garantias presentes no ordenamento jurídico vigente. Esse raciocínio foi resumido na célebre frase de Dostoievski: "É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões". (DOSTOIEVSKI apud OLIVEIRA, 2009)
3. Inaplicabilidade do instituto da reincidência
Sendo um instituto extremamente debatido e controverso, muitas teses e discussões são feitas na doutrina em relação à reincidência. O presente trabalho, por crer ser mais palpável, foca na questão do afastamento da mesma devido à ineficácia da prisão.
Todavia, esse não é o único caminho apontado para a inaplicabilidade do instituto – existindo, inclusive, teoria que prega além do afastamento, uma atenuante aos reincidentes mais carentes socioeconomicamente. Sendo esta a chamada teoria da co-culpabilidade, que nada mais seria do que repousar culpa também na sociedade, por discriminar seus cidadãos pobres e excluídos dos grandes centros –pois, de fato, isso contribui para a marginalização e posterior delinquência dos mesmos.
Para essa linha de pensamento, a reincidência não seria somente afastada como também causa de atenuante obrigatória. Para elucidar o tema, seguem as palavras de Boschi:
“A pertinência do estudo da categoria da co-culpabilidade, ainda em fase de maturação, articulada, com maestria por Zaffaronni.
Para esse autor, reprovar com a mesma intensidade pessoas que vivem em “mundos” diferentes (privilégios de um lado, e pobreza, do outro) constitui violação aberta ao princípio da isonomia. “Ao lado o homem culpado por seu fato, existe uma co-culpabilidade – da reprovação pelo fato – com a qual a sociedade deve arcar em razão das possibilidades sonegadas”. Daí a proposição de Amilton Bueno e Salo de Carvalho de aplicação instrumental da co-culpabilidade como atenuante obrigatória no direito penal”. (BOSCHI, 2006, p. 247)
Contudo, a teoria acima ainda está sendo desenvolvida e certamente ainda encontrará muita resistência entre os meios mais conservadores do Direito Penal.
De modo diverso, a teoria da violação do princípio non bis in idem em suas facetas já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, como se mostra a seguir.
3.1. Do princípio non bis in idem
3.1.1. Violação do agravamento devido a crime anterior
Por muito tempo se debateu sobre a legalidade da reincidência em relação ao princípio do non bis in idem. Em síntese, os que defendem a violação do Direito, alegavam que a nova pena advinda de uma nova condenação não poderia ter o seu agravamento pela reincidência, pois desse modo, ter-se-ia baseado a culpabilidade por fato diverso pretérito e pelo qual o agente já teria cumprido pena.
Ou seja, o sujeito já teria adimplido a condenação pelo crime anterior, e um novo gravame no futuro com base ainda naquele crime significaria puni-lo duas vezes pelo mesmo fato.
Por outro lado, muitos defendiam a constitucionalidade do instituto. Entre eles, Nucci leciona:
“Não vemos sentido nessas críticas, pois a avaliação se volta à aplicação da pena e não à punição em si. Comprovada a prática da infração penal, passa-se a fase de individualizar a pena e não haveria razão plausível para equiparar o primário ao reincidente, inclusive quando se cuidar de co-autoria. O autor do crime que já passou por um processo de reeducação (ou, pelo menos, já foi condenado pelo Estado) e, ainda assim, despreza os valores sociais que lhe foram transmitidos – no mínimo, mesmo que se diga que a pena não foi cumprida de modo ideal, pela reprovação que a punição certamente lhe foi capaz de demonstrar – merece maior censura do que outro, delinquente iniciante”. (NUCCI, 2005, p. 239)
Nesse diapasão, foi sedimentado que a reincidência não viola a nossa Carta Magna, e o Supremo Tribunal Federal já pacificou a questão. Leia-se o informativo 476 do Tribunal, editado no ano de 2007:
“Reincidência e "Bis in Idem"
A majoração da pena resultante da reincidência não configura violação ao princípio do non bis in idem. Com base nesse entendimento e assentando a recepção, pela CF/88, do inciso I do art. 61 do CP ("São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I – a reincidência;"), a Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do crime de roubo, cuja pena fora majorada em razão da reincidência, e mantida pelo STJ, sustentava que a sua utilização, como causa obrigatória de agravamento de pena, conflitaria com o aludido princípio constitucional, porquanto estabeleceria como regra a punição a fato já punido. Considerou-se que o acórdão do STJ estaria em consonância com a orientação pacificada nesta Corte. Precedentes citados: HC 73394/SP (DJU de 21.3.97); HC 74746/SP(DJU de 11.4.97).HC 91688/RS, rel. Min. Eros Grau, 14.8.2007. (HC-91688)” (BRASIL, 2007)
Como exposto supra, atualmente a reincidência não possui nenhum óbice para sua aplicação – e isso demonstra a falta de progressividade para com os novos conceitos de dignidade da pessoa humana e o respeito aos novos ideais dispostos na nossa Constituição cidadã.
O judiciário brasileiro nega-se a quebrar com os antigos dogmas e conceitos impróprios como a reincidência, e em nome de política criminal, ou até mesmo receio do furor público, continua aplicando institutos abusivos.
Isso pois a justificativa para a aplicação da mesma está na presunção de periculosidade – isto é, na falta de vontade do agente em viver conforme a lei. Como já lecionava, ainda no ano de 1976, Aníbal Bruno:
“A ideia que veio predominar na melhor doutrina foi a do aumento da culpabilidade, resultante da reiteração do gesto criminoso do agente, reveladora de uma vontade rebelde e obstinada, que a condenação anterior não conseguiria reprimir. Daí maior reprovação da ordem de Direito, com a consequência do acréscimo da punição.” (BRUNO, 1976, p. 119)
Por conseguinte, tal instituto traz consigo forte caráter inconstitucional quando, em linhas gerais, cria uma condição subjetiva, isto é, ser reincidente ao agente e por isso o impõe uma pena maior.
Claro exemplo disso encontra-se no Código de Trânsito Brasileiro em seu artigo 286, já exposto no item 2.3.4.9:
“Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis”. (BRASIL, 1997a)
Como visto, além da agravante do artigo 61, inciso I do Código Penal no caso acima, o agente terá a soma de outra pena pelo fato de ser reincidente. Chega-se aqui, portanto, ao acúmulo de no mínimo três penas pelo mesmo fato, em clara violação do princípio non bis in idem. Assim, de forma explícita, nosso legislador continua promovendo a discriminação pelo “ser” do agente e não pelo “agir”, e, infelizmente, os nossos tribunais seguem aplicando essa orientação.
Isto se configura numa verdadeira afronta à nossa Constituição, dado que a mesma privilegia os princípios da dignidade da pessoa humana e da culpabilidade, e assim a responsabilidade penal deve ser restringida aos fatos e não aos agentes.
Infelizmente, por questões políticas, os tribunais brasileiros continuam sendo negligentes em relação a essa questão.
3.1.2. Vedação ao princípio non bis in idem por crime já julgado
Embora o princípio do non bis in idem, no que se refere a não ser promovido novo processo por crime já julgado, não estar expresso na nossa Carta Magna ou em leis penais, o Brasil em 1992 ratificou por meio do decreto n°678, o Pacto de São José da Costa Rica, que expressamente o proíbe:
“Art.8, n°4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.” (GOMES, 2012, p. 748)
Desse modo, agora se encontra em nosso ordenamento a proibição de um novo processo por fato já julgado, pois isso constituiria em bis in idem. No entanto, restou para a Doutrina e jurisprudência a discussão de qual seria a hierarquia desse tratado. Capez esclarece:
“Por força da EC n. 45/2004, que acrescentou o §3º ao art. 5º da CF, "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".
Havia uma discussão doutrinária acerca da hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos em nosso ordenamento jurídico, tendo por fundamento o art. 5º, §2º, da CF. Acabando com essa celeuma, a EC n. 45/2004 passou a prever expressamente que os tratados e convenções internacionais serão equivalentes às emendas constitucionais, somente se preenchidos dois requisitos: (a) tratem de matéria relativa a direitos humanos + (b) sejam aprovados pelo Congresso Nacional, em dois turnos, pelo quorum de três quintos dos votos dos respectivos membros (duas votações em cada Casa do Parlamento, com três quintos de quorum em cada votação)”. (CAPEZ, 2005)
Todavia, o referido pacto, por ter sido aprovado antes de tal emenda, não obedeceu tais critérios para votação e, portanto, durante algum tempo o Supremo Tribunal Federal deu a ele força de lei ordinária. Contudo tal posicionamento não persistiu:
“Esse entendimento mudou a partir do julgamento do Habeas Corpus 87.585-8 Tocantins, no qual o Ministro Celso de Mello proferiu, em 12 de março de 2008, um voto-vista em que passava a atribuir aos tratados internacionais sobre direitos humanos o status de norma constitucional [04].
O julgamento dos Recursos Extraordinários 349703/RS e 466.343/SP, cujos acórdãos foram publicados em 5 de junho de 2009, afastou de vez a ideia antiga de que tratados como o Pacto de São José da Costa Rica têm o mesmo nível que o de uma lei ordinária. Os ministros Celso de Mello, Cezar Peluzo, Ellen Gracie e Eros Grau defendem que tais tratados têm o mesmo nível hierárquico que o da Constituição. Já os ministros Gilmar Mendes, Carlos Ayres Britto, Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski afirmam que esses tratados ocupam um nível supralegal, isto é, estão abaixo da Constituição, mas acima de todas as leis ordinárias”. (CRUZ, 2009)
Visto isso, o non bis in idem para fatos já julgados está positivado no nosso ordenamento, e seja como norma constitucional ou somente supralegal, deve ser sempre respeitado e arguido. Tornando-se, assim, importante garantia para o cidadão, a qual merece total atenção dos operadores do Direito para que, num futuro próximo, também sejam atacadas outras formas de afronta ao non bis in idem – entre eles, a reincidência.
3.2. Da reincidência frente à falência da prisão
O presente tópico irá defender o afastamento de toda e qualquer reincidência, o que por si só torna desnecessária o aprofundamento na distinção entre reincidência ficta e real. Todavia, registra-se o posicionamento de que aquele agente, o qual não cumpre pena, e por isso não tem contra si formalmente nenhuma ação ressocializadora, não poderia em hipótese alguma ser dado como reincidente para as consequências legais. Com isso, nega-se a vigência do instituto da reincidência ao chamado reincidente ficto.
Visto isso, segue-se o estudo afirmando que: atualmente, no nosso ordenamento jurídico, vir a ser reincidente é uma regra entre os que adentram em nossas penitenciárias.
Além disso, está claro que a prisão não está cumprindo o seu papel ressocializador e, mais do que isso, promove a progressão da prática dos detentos de crimes leves para crimes mais graves.
No entanto, deve-se salientar que tal problema não é privativo do Brasil. Em inúmeros países também se dá o quadro de ineficácia das políticas criminais. Assim, as classes políticas, preocupadas em agradar os anseios dos eleitores, utilizam do agravamento das penas e da criação de novas figuras típicas a fim de acalmar os ânimos da sociedade. Interessante passagem que expõe a situação na Espanha:
“2. El aumento de la punitividad formal em España
Al menos desde hace aproximadamente dos décadas, existen algunos indicadores de que los índices de punitividad formal han aumentado de manera drástica en nuestro país. Entre ellos, podemos destacar el recurso decidido a las sanciones jurídico-penales por parte de los distintos gobiernos como repuesta a muy diversos problemas, reales o fictícios, de la sociedad; y el aumento sin precedentes de las personas que se encuentran privadas de libertad.
El legislador español desde hace bastantes años há venido incrementando las penas en el Código penal. Desconociendo cuales son los factores que inciden en las conductas criminales, el legislador parece considerar que con el aumento de las penas o la creación de nuevas figuras delictivas, se controla la delincuencia – o bien, considera que dicha política le otorga votos. Este fenómeno se ha agravado en la última década”. (AZEVEDO, 2012, p. 35)
Como exposto acima, encontra-se similitude entre a Espanha e o Brasil. Tal como lá, aqui a nossa classe política está constantemente envolvida em escândalos de corrupção e apresenta total descaso com os principais problemas da sociedade, como também, pouco investe nos presídios. Como consequência, se tem um número de vagas e as condições de cumprimento da pena muito aquém do que seria considerado aceitável nos dias atuais.
“Juiz solta presos por falta de vagas em GO
Presídio da cidade de Jataí tem capacidade para 44 presos e já abriga mais de 300
Desde o dia 1° de abril pelo menos 30 presos ganharam a liberdade na cidade de Jataí, em Goiás, por falta de vaga nas delegacias e nos presídios do município. Em um único dia, na sexta-feira (13), 18 homens foram soltos.
O juiz Inácio Pereira de Siqueira, da Vara de Execuções Penais, informou que precisou tomar a decisão por conta da superlotação. O presídio de Jataí tem capacidade para 44 detentos, mas já abriga mais de 300.
Siqueira disse que avaliou cuidadosamente cada caso de liberação e teve que optar por deixar presos homens que cometeram crimes mais graves. Ele disse que a polícia deve reforçar o efetivo nas ruas para tentar evitar o aumento de roubo.” (R7.COM, 2012)
Notícias como acima são rotina em nossos jornais. Assim, a população fica cada vez mais desacreditada com a nossa política criminal. Nesse cenário de total descaso, em que o cárcere em massa tem se mostrado o único método de combate à violência, se torna necessário aumentar os investimentos e revisar os conceitos das nossas penitenciárias. Intrigante fala de Conde:
“Essa mesma sociedade produz e define a criminalidade, que sentido tem, então, falar da ressocialização de delinquente em uma sociedade que produz ela mesma essa delinquência? Não deveríamos antes mudar essa sociedade?” (CONDE apud TORRES, 2007, p. 119)
Nesse ponto, atentando-se para o conjunto de leis atuantes no sistema penal, vê-se a necessidade de adotar-se o modelo garantista. Não se pode admitir uma intervenção penal desproporcional e desqualificada. Elucida-se:
“A teoria do garantismo penal, antes de mais nada, propõe-se a estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniqueísta que coloca a “defesa social” acima dos direitos e garantias individuais. Percebido dessa forma, o modelo garantista permite a criação de um instrumental prático-teórico idôneo à tutela dos direitos contra a irracionalidade dos poderes, sejam públicos ou privados.” (CARVALHO & CARVALHO, 2000, p. 19)
Desse modo, o presente trabalho visa destacar a necessidade de se começar a reformular as sentenças condenatórias no nosso país. Urge pelo fato de que todos os dias, muitas condenações possuem suas penas agravadas pela existência de crimes anteriores. No entanto, nada se fez de modo eficaz a ponto de efetivamente prover a ressocialização de quem cumpriu pena.
Ou seja, a reincidência atua somente como mais uma forma de se punir – outra motivação para se agravar a pena e retirar direitos. O sujeito, pelos mais diversos motivos, adentra ao mundo do crime – e assim, o Estado, ao invés de reconstruir o cidadão para uma vida regular, afunda-o cada vez mais, sem lhe dar esperanças de um cotidiano em liberdade longe da criminalidade.
“No momento da cominação da pena na sentença condenatória, o sistema revela toda sua perversidade ao admitir emprego de elementos essencialmente morais, desprovidos de significado sem averiguabilidade probatória e, consequentemente, isentos de possibilidade de refutação empírica.” (CARVALHO & CARVALHO, 2000, p. 22-23)
O modelo de prisão atual não faz bem algum ao detento, não o ajuda a refletir ou mudar de vida. Portanto, o discurso o qual o sujeito volta a delinquir mesmo o Estado tendo dado todo o apoio não pode persistir.
Para ajudar no entendimento da tese aqui defendida: o “contrato” feito com o Estado ao momento da condenação não está sendo cumprido. O detento aceita perder um direito fundamental – a liberdade – em troca de ingressar no sistema carcerário para ser ressocializado, o que de fato não está ocorrendo. E após esse processo, o mesmo Estado aumenta a punição e outros gravames pela continuidade delitiva do agente.
Deve-se atentar para a fala de Sarlet ao mencionar Bonavides sobre o real papel do Estado Brasileiro pós-constituição de 1988, afirmando que:
“Ao retratar a evolução do Estado liberal burguês para o assim chamado Estado Social, bem como demonstrar que o Estado brasileiro, tal como formatado na Constituição de 1988, é, de fato, um Estado social e democrático de Direito, promotor os direitos sociais e da justiça material, destacando, ainda, que com este novo modelo de Estado, “o Estado-inimigo cedeu lugar ao Estado-amigo, o Estado-medo ao Estado-confiança, o Estado-hostilidade ao Estado-segurança…” (BONAVIDES apud SARLET, 2009, p. 122)
Portanto, está clara que o atual panorama aqui retratado e estudado difere do pretendido pela nossa Carta Maior. E, mais do que isso, ao validar a reincidência mesmo com a ineficácia da prisão, o Estado brasileiro valida um gravíssimo atentado à dignidade da pessoa humana.
Deve-se estar atento para a aplicação do Direito Penal adequada aos Direitos Humanos. Dessa forma Bruno Rotta de Almeida:
“Por fim, exalto a real importância da situação dos Direitos Humanos em relação à aplicação do Direito Penal. Para aquele ser respeitado (diga-se: seus princípios) este não deve ser corrompido. Um autêntico Direito Penal não é violador dos Direitos Humanos. Um Direito Penal voltado à culpabilidade não desrespeita os princípios fundamentais. Um Direito Penal humanitário está vinculado às garantias humanas. Um Direito Penal garantista é absolutamente coerente com a observação de direitos e garantias inerentes aos seres humanos. Compreendamos isso para que os Direitos Humanos e o Direito Penal não venham mais a se tornar resultados do desrespeito”. (ALMEIDA, B. 2009, p. 99)
Seguindo esse entendimento, precisa-se qualificar a atuação Estatal. Nesse sentido, Sarlet complementa:
“Em outras palavras – aqui considerando a dignidade como tarefa-, o princípio da dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, além do dever de respeito e proteção, a obrigação de promover as condições que viabilizem e removam toda sorte de obstáculos que estejam a impedir as pessoas de viverem com dignidade. Da dupla função de proteção e defesa segue também o dever de implementar medidas de precaução procedimentais e organizacionais no sentido de evitar uma lesão da dignidade e dos direitos fundamentais ou, quando isto não ocorrer, com o intuito de reconhecer e fazer cessar (ainda que para efeitos simbólicos), ou, de acordo com as circunstâncias, minimizar os efeitos das violações, inclusive assegurando a reparação do dano”. (SARLET, 2009, p. 121-122) [grifo nosso]
E nesse ponto se defende o afastamento da instituição da reincidência, tanto para combater a incongruência atual, a fim de proteger o cidadão, quanto para fazer cessar as agressões à dignidade da pessoa humana dos que sofrem com a atual política criminal desvairada. Oportuna observação de Nassif:
“O direito, como ciência autônoma, tem a propensão de pressurizar-se, ao menos na aplicação pela maioria de seus operadores, de verdadeira preguiça intelectual que o despoja de qualidades extrínsecas e epistemológicas importantes para sua completude, empurrando-os à cômoda leitura dos manuais práticos que têm enriquecido seus autores e entorpecido a mente de seus leitores; ou à interpretação lítero-estática da norma jurídica em intransigente positivismo, pouco importando as consequências de eventual injustiça daí decorrente. (…) Observo que a pena tem como finalidade maior a recuperação do agente, tal como descrito acima, mas, pelo que ela hoje representa, é fácil afirmar que ela é apenas um mal necessário. Faltam alternativas para a resposta estatal à criminalidade.
Todavia, a reincidência, por ser mera agravante da pena-base (principal?), é periférica, um plus gravoso, um bônus maligno para o recidivo.” (NASSIF, 2001, p. 120) [grifo nosso]
Sendo assim, a reincidência, como está posta, sem a contraprestação da promoção da ressocialização plena, deve ser afastada do nosso ordenamento. A pena acaba por se tornar um mal necessário pela postura estatal perante a sociedade – por outro lado, nada arrazoa o instituto da reincidência.
4. Posicionamentos atuais dos tribunais em relação à reincidência
Devido à sua importância, o assunto do presente trabalho deve ser estudado e atualizado constantemente. Passa-se agora para a análise de alguns julgados dos Tribunais, demonstrara-se que a Justiça Nacional reluta em progredir no campo do Instituto da Reincidência, e assim, continua-se privilegiando o Estado que visa à retribuição pura do condenado – evitando-se, assim, os entendimentos mais alinhados com os princípios da dignidade da pessoa humana, aqui já expostos.
4.1. Julgados do Supremo Tribunal Federal
Nesse primeiro julgado, nota-se a preponderância da reincidência frente às atenuantes. Ou seja, para a Nossa Corte Constitucional, ainda deve-se ter em conta que a conduta recidiva é agravante que não pode ser combatida ou afastada pelas atenuantes, com a pequena exceção das atenuantes que resultam dos motivos determinantes do crime ou da personalidade do agente. Existe a manifestação de que sua aplicação ainda é algo extremamente necessária, conforme disposto no item 2.3.1.2:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. 1. PREPONDERÂNCIA DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA EM CONCURSO COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PRECEDENTES. 2. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO EM HARMONIA COM O ART. 33, § 2º, ALÍNEA B, E § 3º, DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. A reincidência é circunstância agravante que prepondera sobre as atenuantes, com exceção daquelas que resultam dos motivos determinantes do crime ou da personalidade do agente, o que não é o caso da confissão espontânea. Precedentes.
2. A confissão espontânea é ato posterior ao cometimento do crime e não tem nenhuma relação com ele, mas, tão somente, com o interesse pessoal e a conveniência do réu durante o desenvolvimento do processo penal, motivo pelo qual não se inclui no caráter subjetivo dos motivos determinantes do crime ou na personalidade do agente.
3. Regime inicial fechado fixado de forma adequada, nos termos do art. 33, § 2º, alínea b, e § 3º, do Código Penal, em razão da quantidade da pena aplicada, das condições pessoais do Paciente e da reincidência. 4. Ordem denegada”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2012c)
Em seguida, tem-se um caso no qual a reincidência e os maus antecedentes são usados como fundamento para se afastar a construção doutrinária e jurisprudencial do princípio da bagatela, vide item 2.3.2.2:
“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELO CRIME DE ESTELIONATO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE E OFENSIVIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. REINCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
I – A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a ação atípica exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva.
II – Embora a vantagem patrimonial ilícita obtida (R$ 55,00) possa ser considerada de pequena expressão, outros vetores devem ser considerados, com vistas ao reconhecimento da insignificância da ação.
III – Infere-se dos autos que o paciente dá mostras de fazer das práticas criminosas o seu modus vivendi, uma vez que possui diversos antecedentes referentes à prática de crimes contra o patrimônio, respondendo a outras ações penais e, mais, já fora condenado por receptação, o que denota a reprovabilidade e ofensividade da conduta.
IV – Ordem denegada”. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2012a)
Desse modo, o Supremo Tribunal Federal não condena o cidadão efetivamente pela sua conduta, mas sim devido ao que já fez, pelo seu passado. Tem-se nesse caso clara manifestação do temerário Direito Penal do Autor.
4.2. Julgados do Superior Tribunal de Justiça
A seguir, tem-se um julgado do autodenominado Tribunal da Cidadania, na qual assenta entendimento de que a o aumento de pena pela reincidência será posto atentando-se aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e considerando-se ainda a reprovabilidade da conduta.
No entanto, afirma-se a discricionariedade do julgador, esse provavelmente especialista apenas nas ciências do Direito, que deverá levar consideração aspectos sociais e psicológicos do autor, além de exercer critérios para definir se a pena irá prevenir novos crimes.
“EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. ALEGADA OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL AQUO. INCOMPETÊNCIA DESTE STJ. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT NESSE PONTO.
1. A questão da ilegalidade na dosimetria da pena, decorrente da aventada ocorrência de bis in idem na consideração da reincidência do sentenciado tanto para agravar a reprimenda na segunda etapa da dosimetria como para impedir a redução prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, por não ter sido analisada na instância ordinária não pode ser examinada por este Superior Tribunal, dada sua incompetência para tanto e sob pena de indevida supressão de instância.
AGRAVANTE. REINCIDÊNCIA. RECONHECIMENTO. QUANTUM DE AUMENTO. NÃO ESPECIFICAÇÃO NO CÓDIGO. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA. FUNDAMENTAÇÃO. EXISTÊNCIA. AGENTE REINCIDENTE NO MESMO TIPO DE CRIME E EM OUTROS DELITOS. PROPORCIONALIDADE ENTRE A FRAÇÃO ESCOLHIDA E A MOTIVAÇÃO APRESENTADA. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE.
1. O quantum de aumento pelo reconhecimento da agravante da reincidência não está estipulado no Código Penal, devendo observar os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência à reprovação e prevenção do crime, informadores do processo de aplicação da pena.
2. Verificando-se que o paciente é reincidente específico e possui em seu desfavor outras duas condenações anteriores definitivas por roubo e furto, mostra-se proporcional a escolha da fração de 1/4 (um quarto) para o aumento de pena na segunda etapa da dosimetria, pelo reconhecimento da agravante do art. 61, I, do CP.
TRÁFICO DE DROGAS. COMETIMENTO NAS PROXIMIDADES DE ESTABELECIMENTOS ELENCADOS NO INCISO III DO ART. 40 DA LEI 11.343/06. CAUSA DE AUMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido deque a elevação da pena em razão da aplicação da causa de aumento prevista no inciso III do art. 40 da Lei 11.343/06 se dá exclusivamente em função do lugar do cometimento do delito.
2. Tendo o Tribunal de origem reconhecido que o paciente cometeu o delito nas proximidades de estabelecimentos elencados no inciso III do art. 40 da Lei 11.343/06, correta a elevação da pena reprimenda.
3. O habeas corpus não é o instrumento próprio para reavaliar o conjunto fático-probatório que levou à fixação da pena, sendo instrumento inadequado para rever as conclusões das instâncias inferiores, soberanas na análise dos fatos e provas.
3. Habeas corpus parcialmente conhecido, e, nessa extensão, denegada a ordem”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2012c)
O próximo julgado revela o entendimento de que a reincidência, mesmo após a concessão do indulto, continua vigorando por ser tratar de efeito secundário da pena.
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. AFASTAMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º11.343/2006. ALEGAÇÃO DE QUE O RÉU NÃO POSSUI MAUS ANTECEDENTES. IMPROCEDÊNCIA. CONCESSÃO DE INDULTO. PERSISTÊNCIA DOS EFEITOS SECUNDÁRIOS DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTE. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.
1. Como já afirmou esta Corte de origem, "[o] indulto, ato político, está previsto no art. 84, XII, da CF, e é privativo do Presidente da República. Tem por escopo extinguir os efeitos primários da condenação, isto é, a pena, de forma plena ou parcial" (HC94.425/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de16/11/2009), persistindo os efeitos secundários, tais como reincidência, inclusão do nome do réu no rol dos culpados, obrigação de indenizar a vítima etc.
2. Na hipótese, a certidão de antecedentes mencionada na sentença condenatória refere-se à condenação do Paciente pela prática do crime previsto no art. 157, § 2.º, inciso II, c.c. o art. 14, inciso II, do Código Penal, na qual foi agraciado com a concessão de indulto, julgando-se extinta a punibilidade. Desse modo, corretamente afastada a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4.º, da Lei de Drogas.
3. Ordem de habeas corpus denegada.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2012b)
Sendo assim, prosseguirá a reincidência sendo motivo para impossibilitar benefícios e caracterizar maus antecedentes após o prazo depurador.
4.3. Julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
O próximo caso em análise mostra um julgado do Tribunal de Justiça gaúcho, no qual se tem entendimento pacífico de que a reincidência é de aplicação obrigatória e a mesma não incorre em bis in idem, vide item 4.1:
“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO. OFENSA AO ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AFRONTA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADA. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. PLEITO DE AFASTAMENTO DAS AGRAVANTES DO EMPREGO DE ARMA E DO CONCURSO DE AGENTES. IMPOSSIBILIDADE. EMPREGO DE ARMA PRESCINDE DE APREENSÃO E PERÍCIA. RÉU REINCIDENTE. AGRAVANTE DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA. AFASTAMENTO DE INDENIZAÇÃO À VÍTIMA. REJEIÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. A nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal apenas alterou o modo de inquirição, não sendo vedado ao magistrado perguntar diretamente ao depoente. Princípio do Juiz natural, in casu, recai nas exceções previstas no art. 132 do Código de Processo Civil. Comprovadas a autoria e materialidade do delito, imperiosa a condenação do réu. Dispensável a apreensão e perícia da arma utilizada no delito para a configuração da majorante prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, quando o conjunto probatório é seguro ao afirmar o uso do artefato. Hipótese em que se verifica a majorante prevista no art. 157,§ 2º, inciso II do Código Penal, configurada na palavra convincente da vítima. A agravante da reincidência é de aplicação obrigatória, não constituindo bis in idem. A fixação de valor mínimo de indenização ao ofendido prevista no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, é medida imperativa, não podendo ser afastada. Apelo desprovido”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, 2012b)
Por fim, no julgado seguinte vê-se a aplicação da súmula 241 do STJ, conforme item 2.3.5.2, na qual se veda a utilização da reincidência tanto para maus antecedentes quanto para agravante. E ainda, um alento devido ao fato do Tribunal do Rio Grande do Sul afirmar que a conduta recidiva não pode ser objetivamente considerada como valoração negativa do agente em seu convívio social:
“EMENTA: APELAÇÃO-CRIME. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA MENTAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. Embora a vítima seja portadora de deficiência mental, se o seu relato se mostra firme e coerente, e encontra amparo nos demais elementos de prova coligidos ao processo, é suficiente para a prolação de juízo condenatório.
ANTECEDENTES CRIMINAIS. REINCIDÊNCIA. BIS IN IDEM. A condenação definitiva por fato praticado antes do sub judice, configuradora de reincidência, não pode ser sopesada na primeira fase da individualização da pena a título de maus antecedentes e, posteriormente, como agravante, sob pena de bis in idem.
CONDUTA SOCIAL. REITERAÇÃO NO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. AFASTAMENTO. A reiteração no mundo do crime não autoriza a valoração negativa da conduta social do agente, operadora que diz respeito ao comportamento do réu no meio social em que vive, na família, no trabalho, na vizinhança. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. FIXAÇÃO DO QUANTUM DE AUMENTO POR CADA VETOR NEGATIVO. Embora recomendável a adoção de critério objetivo que sirva de parâmetro para a fixação da pena-base, não há previsão legal nesse sentido, bastando que o exame das circunstâncias judiciais se dê de forma fundamentada e de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. APELO PARCIALMENTE PROVIDO”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, 2012b)
Como visto, embora a luta de diversos Doutrinadores e estudos para a abolição da reincidência, tal como esse trabalho, nossos tribunais diariamente continuam a aplicar suas consequências e poucos avanços são notados nessa área.
O presente trabalho, ao longo dos seus quatro capítulos, conseguiu fazer um estudo da reincidência e suas consequências legais. Passou também pela demonstração do caos em que são mantidas as nossas prisões, afirmou ser necessário o afastamento da reincidência, além de promover a exposição e análise de julgados atuais sobre o tema.
Dessa forma, viu-se que a reincidência se tornou um dos institutos legais com o maior peso para um cidadão. O trabalho em tela demonstrou toda a série de dificuldades que o réu não primário irá enfrentar. E foi possível entender a importância do assunto aqui dialogado devido à exposição da série de gravames do capítulo primeiro.
Em seguida, com base no que deveria ser pela lei e pelos estudos expostos, pode-se verificar que o Estado brasileiro não consegue oferecer à sua população um cárcere digno. As dificuldades apresentadas aos detentos os colocam muito distantes da chamada ressocialização. Como dito, as mazelas das penitenciárias são clara violação ao ordenamento jurídico, e a prisão deveria tomar somente a liberdade do sujeito. No entanto, com todos os gravames encontrados, o Brasil está muito distante disso.
Assim, a reincidência possui amparo legal, mas o plano dos fatos e da lógica não fornecem ao instituto nenhuma justificação plausível. Pelo esforço apresentado por alguns doutrinadores, começa a surgir uma corrente para a aceitação dos fundamentos que retiram a reincidência do nosso ordenamento jurídico – sendo a falência da prisão, ao lado do non bis in idem, principal alicerce para tal entendimento.
Pelo fato da reincidência ser um instituto muito antigo no Direito, qualquer mudança em seu seio é de difícil montagem. Todavia, deve-se ter em mente que com a transformação da sociedade, a evolução de conceitos e as práticas do cotidiano, o sistema legal precisa se modificar para não cair no desuso ou em completo choque com as novas pesquisas, entendimentos e vivências.
Dessa forma, foi possível demonstrar que a vontade política de diminuir a violência somente criando novas figuras típicas e exasperando penas não está conseguindo efetividade. Nesse diapasão, a retirada da reincidência evidenciaria o descaso da nossa política criminal, dando à sociedade a resposta que se espera dos operadores do Direito, qual seja a de não se admitir o arbítrio Estatal, resguardando assim a dignidade da pessoa humana.
Assim, o garantismo penal junto à nossa Constituição cidadã exige passagem, forçando o judiciário brasileiro a ser reformulado no que tange à reincidência. No entanto, com a amostra de julgados pode-se ter a convicção de que muito pouco se caminha nessa direção. Evidenciando-se que os nossos Tribunais são anacrônicos, e baseados estritamente na Lei fria, continuam proclamando decisões contrárias aos novos anseios de uma humanidade mais justa e responsável.
A defesa dos direitos fundamentais não pode sofrer limitações. Motivado por isso, mostrou-se no presente estudo que o afastamento da reincidência possui razão de existir. Com a sua promoção, estar-se-á valorizando o ser humano, razão primordial da existência do Direito.
Informações Sobre o Autor
Júlio César Lamim Martins de Oliveira
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional Rio Grande. Advogado.