É preciso entender primeiramente que o recurso é meio voluntário de impugnação de decisões judiciais sendo capaz de produzir, no mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do pronunciamento jurisdicional impugnado.
Portanto, o recurso é voluntário movido pela insatisfação dos litigantes. Mas, nem todo pronunciamento judicial admite recurso, posto que existam decisões irrecorríveis tais como os despachos. É o caso também da decisão que releva a pena de deserção (art. 1.007, §6º), e no caso da decisão do relator do recurso especial que reputa prejudicial um recurso extraordinário, vide o art. 1.031, §2º do CPC/2015.
Porém, não se pode confundir decisão irrecorrível com a decisão irrecorrível em separado. É que de fato existem decisões contra as quais não se admite um recurso próprio, autônomo e interponível imediatamente, mas não significa que seja irrecorríveis.
É o caso das decisões interlocutórias proferidas nos processos que tramitam nos Juizados Especiais Cíveis contra as quais não se admite recurso em separado, mas que podem ser impugnadas no mesmo recurso que ataca a sentença.
O sistema do CPC/2015 tal fenômeno se manifesta quando as decisões interlocutórias não agraváveis (vide o rol do art. 1.015). O fato de não ser possível a interposição de agravo de instrumento não significa que, uma vez proferida a sentença não venha ser possível a interposição de impugnação através de preliminar da apelação (art. 1.009, §1º).
O recurso é endoprocessual, portanto, não acarreta novo processo, mas apenas seu prolongamento. Eis aqui a principal diferença entre o recurso e a demanda autônoma de impugnação.
As demandas autônomas de impugnação têm como exemplos clássicos a reclamação e a ação rescisória. Ademais, é preciso lembrar que o sistema brasileiro adota a taxatividade recursal por força do qual só existem os recursos expressamente previstos em lei.
Os embargos infringentes são recurso cuja subsistência é bastante criticada, principalmente em razão da excessiva duração dos processos no Brasil, além de ser um recurso tipicamente de origem lusitana.
Mas, por outro lado, tal recurso apesar de muito censurado tem permitido o aperfeiçoamento da prestação jurisprudencial pois permite a reflexão a respeito das questões trazidas ao tribunal, a partir do voto divergente ou vencido obtido no julgamento colegiado.
O CPC/2015 extinguiu os embargos infringentes, porém estabeleceu o mecanismo de ampliação[1] do quórum da deliberação quando no julgamento de determinados recursos vier a surgir o voto vencido. É o que consta do art. 942 do CPC/2015.
Com a supressão dos embargos infringentes veio a substituição por uma nova técnica de julgamento para os acórdãos que não forem unânimes. Tal técnica consiste que sejam convocados membros tabelares em número suficiente para que o resultado possa ser reformado, seja para o julgamento imediato ou em futura sessão.
Embora, não se trate de recurso, há o que o denominam erroneamente de “embargos infringentes cover[2]”. Tal forma de proceder não fica restrita apenas a apelação e à rescisória conforme prevê ainda o CPC de 1973.
Pode ser adotada a técnica[3] referida nas situações indicadas no parágrafo terceiro do art. 942, portanto, é expressamente previsto também no julgamento do agravo de instrumento quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
Adiante, no quarto parágrafo do mesmo dispositivo legal, há as situações em que a mesma técnica não é aplicável, é o caso de o incidente de assunção de competência, o IRDR, da remessa necessária e de acórdão não unânime proferido nos tribunais pelo plenário ou pela corte especial.
Apesar da ortodoxia do art. 530 do CPC/1973, a doutrina já entendia que existiam outras hipóteses[4] de cabimento dos embargos infringentes. O art. 557 do CPC/1973 permite o julgamento monocrático do recurso pelo relator desde que preenchidos todos os requisitos previstos em lei.
Sendo a apelação julgada contra a sentença de mérito julgada monocraticamente pelo relator, caberá recurso de agravo interno para o órgão colegiado e, sendo o acórdão desse recurso não unânime, reformando a sentença de mérito originariamente recorrida pela apelação, caberão os embargos infringentes.
Da mesma forma, ocorre no julgamento nos embargos declaratórios interpostos contra acórdão de apelação e de rescisória, desde que no primeiro caso, o resultado seja de reforma de sentença de mérito e no segundo, de procedência da ação rescisória e o resultado dos embargos de declaração possa a integrar a decisão recorrida.
Além do acórdão de agravo interno e dos embargos de declaração há ainda outro entendimento no sentido de que o acórdão que decide o agravo retido ou de instrumento pode ser excepcionalmente recorrível por embargos infringentes.
É o caso de decisão interlocutória de mérito que reformada pelo tribunal, gera acórdão que extingue o processo com resolução de mérito, sendo tal julgamento proferido por maioria[5] de votos, quando se entende ser cabível os embargos infringentes.
Um exemplo básico é a decisão que afasta a alegação de prescrição que feita pelo réu, que interpõe recurso provido por maioria de votos. Tal acórdão não sendo unânime, também enseja o cabimento de embargos infringentes.
A técnica de julgamento adotada pelo novo CPC visa dar maior segurança jurídica em face de um número maior de julgadores.
No entanto, há uma relevante incongruência, pois, se manteve a exigência de que a decisão por maioria de votos na ação rescisória, só estará sujeita à ampliação do colegiado no julgamento de procedência, ou seja, quando decidir pela rescisão da decisão. E, ainda a previsão que exige o julgamento do agravo de instrumento que reforme a decisão interlocutória que julgar parcialmente o mérito.
Ocorreu o afastamento da previsão mais restritiva do art. 530 do CPC/1973. Então diante do art. 942 do CPC/2015, é possível haver duas interpretações diferentes, a saber: O legislador infraconstitucional por ter criado uma técnica de julgamento bem mais simples e informal que a gerada pelos embargos infringentes, teria decidido conscientemente alargar o cabimento para qualquer julgamento por maioria de votos.
Ou então, teria havido uma omissão involuntária do legislador. Daniel Amorim A. Neves, ilustre doutrinador e processualista acredita que é mais possível a segunda hipótese, pois não teria sentido limitar a espécie de resultado na ação rescisória e no agravo de instrumento.
É forçoso reconhecer que o art. 942 do CPC/2015 cria uma técnica de julgamento com objetivos muito parecidos com aos dos embargos infringentes, mas com a natureza de incidente processual e, não de recurso.
É preciso lembrar que o simples incidente processual jamais gera uma relação processual nova. Diferentemente do processo incidental que é exatamente uma nova relação jurídica processual. Como exemplos de incidentes processuais temos a impugnação ao valor da causa, a alegação de conexão, a arguição de suspeição do magistrado, a arguição de incompetência relativa ou absoluta e impugnação à gratuidade de justiça. Doravante, pelo CPC/2015 todos esses incidentes são preliminares da contestação, não existindo mais autonomamente.
A pedra fundamental para distinção ente incidente processual e processo incidente reside se dá ou não ensejo a uma nova relação processual. Pois o incidente jamais gera uma nova relação processual.
Esses incidentes podem ser divididos em questões prejudicais e procedimentos incidentes. As questões prejudicais são os pontos fundamentais vinculados ao direito que devem ser resolvidas previamente porque se relacionam ao mérito da questão principal, seja por que exista uma dependência lógica entre as duas questões.
Já os procedimentos incidentes são os interpostos ao longo da causa principal e que demanda solução pelo próprio magistrado criminal, antes que o mérito seja conhecido e decidido. Estes correm em paralelo ao procedimento principal exatamente para não tumultuar, embora com este tenha ligação íntima. É o caso de arguição de impedimento ou suspeição do promotor, deve-se decidir tal questão antes mesmo do mérito ser julgado.
Há os doutrinadores que denominam de incidente de colegialidade[6] qualificada e que será implementado de ofício, ou seja, sem a iniciativa das partes.
O CPC/2015 faz uma aposta, porém sem ter os dados estatísticos[7] cruciais para agir com maior segurança. Apesar de ser uma forma mais simples que os embargos infringentes e que tende a tornar o julgamento mais estáveis.
É notável que a partir das hipóteses de cabimento que se objetiva aumentar a segurança[8] jurídica através da majoração do número de julgadores. Sendo cabíveis diante dos julgamentos por maioria, de votos na apelação, na ação rescisória e agravo de instrumento que julga o mérito deixando claro que tal técnica veio para efetivamente substituir os embargos infringentes.
Frise-se que só está sujeita a ação rescisória à referida técnica em comento no julgamento de procedência, ou seja, diante a rescisão da decisão. E quanto ao agravo de instrumento quando julgar parcialmente o mérito.
Ainda que presentes os requisitos expressos no art. 942 CPC/2015 e o §3º do novo codex não se adotará a referida técnica de julgamento sempre que possível o prosseguimento do julgamento se dê na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que por ventura componham o colegiado.
A dita celeridade processual restou então frustrada porque se admite aos advogados o direito à sustentação oral e a continuação do julgamento deveria ser realizado em outra sessão, salvo as hipóteses de advogados de ambas as partes estiverem presentes.
Mas, a interpretação mais provável é que em caso de continuação imediata de julgamento, não haja direito à sustentação oral, considerando-se que esta ou já ocorreu no início do julgamento, ou o advogado renunciou ao seu direito de fazê-lo.
É lamentável, pois é claro que existe o interesse na sustentação oral que pode exatamente surgir diante de inesperado julgamento por maioria de votos. E, nesse caso, não só não haverá a sustentação oral, como também, não terá comparecido à sessão de julgamento.
No CPC/73 o efeito devolutivo dos embargos infringentes permite que todos os julgadores que compõe o colegiado votem livremente quando decidirem o recurso, mesmo que em sentido contrário, ao voto proferido no julgamento por maioria de votos. Como não há recurso, não há de se cogitar em efeito devolutivo, mas a mudança de opinião do magistrado que tiver participado do julgamento não unânime é garantida pelo §2º do art. 942 do CPC/2015.
De sorte que os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento final.
Registre-se ainda que há duas inovações criadas pelo indicado dispositivo legal, a primeira se refere que não há razões e contrarrazões após o julgamento por maioria de votos, devendo os julgadores se valerem das razões e contrarrazões do recurso de apelação ou agravo de instrumento e dos fundamentos do autor e do réu já apresentadas e constantes nos autos.
Serão logicamente revogadas as previsões regimentais que renovam totalmente o órgão julgador dos embargos infringentes, de forma que os julgadores que estiverem envolvidos no julgamento não unânime terão a participação obrigatória no julgamento que amplia o número de julgadores.
Por derradeiro, é conveniente lembrar do contido no art. 1.045 do CPC/2015 que informa que as regras do CPC se aplicam imediatamente aos processos pendentes, bem como que as antigas regras sobre o procedimento sumário e os procedimentos especiais que foram revogados continuam a valer nos processos pendentes até que a sentença tenha sido proferida.
Informações Sobre os Autores
Denise Heuseler
Professora assistente, bacharel em Direito pela UNESA, Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Civil, Advogada, Tutora da FGV On-line. Membro do Conselho do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ)
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.