Inclusão jurídica: Pluralismo conflitual e justiça restaurativa

Resumo: na pesquisa realizada nos Centros de Assistência Jurídica da Universidade Bandeirante de São Paulo Norte/Marte, Osasco, Campo Limpo, ABC e Juizado Especial de Conciliação localizado na UNIBAN-Maria Cândida, mais da metade dos usuários dos serviços informaram que fazem uso dos meios formais para a solução dos seus conflitos. De outra parte, menos de 30% disseram usar meios informais para solucioná-los. Porém, além dos mecanismos tradicionais, existem outras possibilidades no pluralismo conflitual. O objetivo deste trabalho é examinar uma delas: a Justiça Restaurativa.


Palavras-chave: acesso à justiça – inclusão jurídica – pluralismo conflitual – justiça restaurativa.


Abstract: In research conducted by the Legal Assistance Center of the Universidade Bandeirante de São Paulo Norte/Marte, Osasco, Campo Limpo, ABC and Juizado Especial de Conciliação (Special Conciliation Court) located in UNIBAN-Maria Cândida, more than half of the service’s users informed they use formal means to solve their conflicts. Elsewhere, less than 30% admitted to use informal means to resolve their conflicts. However, beyond the traditional mechanisms, there are other possibilities in conflictual pluralism. The aim of this study is to examine one of them: the Restorative Justice.


Keywords: access to justice – legal inclusion – conflictual pluralism – restorative justice.


Sumário: Introdução 1. Justiça 2. O poder judiciário e o acesso à justiça 3. Pluralismo conflitual e meios alternativos de solução de conflitos 3.1 Justiça restaurativa 4.Bibliografia


Introdução


Existe uma grande distância entre os direitos concedidos pela legislação e os efetivamente respeitados. A população muitas vezes sequer sabe quais são os seus direitos e como ir buscá-los. A inclusão social passa hoje pela inclusão jurídica, pois a dignidade da pessoa humana agregou uma série de direitos que podem ser exigidos judicialmente. A inclusão jurídica é o conjunto de idéias e medidas que visa à estruturação de uma ordem jurídica justa. ‘É a garantia última que têm os cidadãos, como gênero, de verem o seu patrimônio jurídico considerado”.[i]


 É bom que se frise que a inclusão jurídica não se limita ao mero acesso aos tribunais e sim em viabilizar o acesso a uma ordem jurídica justa a todos. Uma legislação justa é um dos pressupostos. Meios alternativos de resolução de conflitos também devem ser estimulados. Para ser atingido o fim proposto são necessários: visibilidade e discussão dos direitos, positivação dos direitos, interpretação adequada e efetivação dos mesmos.


O Grupo de Estudos em Direito da Uniban realizou nos Centros de Assistência Jurídica da Universidade Bandeirante de São Paulo Norte/Marte, Osasco, Campo Limpo, ABC e Juizado Especial de Conciliação localizado na UNIBAN-Maria Cândida., no período de agosto de 2007 a dezembro de 2008 com o observo de estudar e diagnosticar a atual prestação de serviços de assistência jurídica em referidos órgãos.


Nos questionários passados aos usuários de forma objetiva responderam várias perguntas sobre o acesso à justiça e inclusão jurídica. Algumas destas perguntas se referiram ao uso de meio alternativos e não violentos na solução de conflitos. A saber:


 


Nas observações, algumas respostas chamam a atenção. Com efeito, os principais obstáculos para o acesso à justiça foram: falta disponibilidade de tempo e localização; puro desconhecimento; não saber como proceder; demora, custo excessivo, burocracia, não saber aonde ir. Na resposta à pergunta 21, sobre o uso de meios formais e informais para a solução de conflitos, mais da metade afirmou usar apenas os meios formais. Porém desde já deve ser ressaltado que o Poder Judiciário, mesmo sendo o último e principal recurso para a distribuição de Justiça, não pode ser o único meio para tal mister.


Pretende-se, nestes breves escritos, abordar uma das maneiras de solução alternativa de conflitos: a Justiça Restaurativa.


1. Justiça


A palavra “justiça” possui diferentes significações e pode ter concepções totalmente opostas, dependendo de quem a formula, pois está sujeita às convicções político-ideológicas e às experiências de vida de cada um. Assim sendo, é impossível um consenso sobre ela, que terá sempre um conceito relativo. Vários estudiosos, no decorrer dos tempos, se debruçaram sobre o assunto para tentar se aproximar de um conceito de justiça.


Neste caminho, convém ressaltar que “justiça”, antes de mais nada, é uma virtude moral. Conforme afirma JEAN DABIN “no sentido mais amplo, a justiça se funde com a própria moralidade; corresponde ao cumprimento de todos os deveres prescritos pela honestidade, sem distinção de domínio ou virtude, na vida privada do indivíduo ou da família e na vida social, pública ou política” (Teoria Geral do Direito, in: Os Grandes Filósofos do Direito, org. Clarance Morris, p. 497).


Na história do pensamento jurídico-filosófico foram formuladas várias teorias da justiça. NORBERTO BOBBIO afirma que as respostas para a definição de justiça podem ser divididas em três grupos: a) justiça é ordem; b) justiça é igualdade e c) justiça é liberdade (Direito e estado no pensamento de Imanuel Kant, p. 116 e s.)


Neste passo, PLATÃO formula três teses sobre a justiça, a saber:


a) “é dar a cada um o que lhe é devido”;


b) “é fazer o bem aos amigos e mal aos inimigos” e


c) “o justo não é mais nem menos do que a vantagem do mais forte


(A República, p. 55 e s.)


Com efeito, o autor em certa passagem de sua obra, ao mencionar diálogos de Céfalo e Polemarco afirma que, se justiça é dar a cada um o que lhe é devido, então devemos fazer o bem para os amigos e mal para os inimigos. Porém, esta será uma justiça relativa, pois será a justiça de um, mas não será a de todos. Por fim, na fala de Trasímaco, surge a idéia que a justiça posta é feita pelo mais forte. Neste sentido, afirma que: “cada governo promulga leis com vistas à vantagem própria: a democracia, leis democráticas; a tirania, leis tirânicas, e assim com as demais formas de governo. Uma vez promulgadas as leis, declaram ser justiça fazerem os governados o que é vantajoso para os outros e punem os que as violam, como transgressores da lei praticantes de ato injusto” (A República, p. 67).


Na verdade, justiça é boa medida. A noção do que é justo está em cada um, mas é difícil fazer uma definição por sentença. A justiça é um bem em si mesma.


Por seu turno, ARISTÓTELES divide a justiça em três tipos, de acordo com as pessoas envolvidas. Neste passo, quando são particulares é chamada de comutativa. Quando as pessoas em questão são uma coletividade e seus membros, é chamada de distributiva e, por fim, em relação ao que é devido pela comunidade a seus membros, é a justiça legal (Ética a Nicômaco, p.100).


Com efeito, para ele, “justiça é a observância de um meio-termo”. É uma virtude que o justo pratica deliberadamente. É um termo médio. Está no meio onde a injustiça está nos extremos. Afirma, ainda, que: “‘justo’ significa o que é lícito e o que é equânime ou imparcial, e ‘injusto’ significa o que é ilícito e o que é não equânime ou parcial” (Ética a Nicômaco, p. 100).


Para ARISTÓTELES, então, justiça é igualdade. O fim do direito é garantir a igualdade, seja nas relações entre os indivíduos (justiça comutativa) ou entre o Estado e os indivíduos (justiça distributiva). O direito é o remédio para as disparidades naturais e desigualdades sociais impondo uma medida para proporcionar um tratamento igual a todos os membros da comunidade. (Norberto Bobbio, Direito e estado no pensamento de Immanuel Kant, p. 117)


KANT, por sua vez, entende que justiça é agir com liberdade, respeitando a liberdade dos outros. Para ele, agir de maneira injusta significa interferir na liberdade dos outros. Neste sentido, afirma: “Toda ação é justa quando, em si mesma, ou na máxima da qual provém, é tal que a Liberdade da Vontade de cada um pode coexistir com a liberdade de todos, de acordo com uma lei universal. Então, se minha ação ou minha condição pode coexistir, em geral, com a liberdade de todo mundo, de acordo com uma lei universal, qualquer um que me impeça de realizar essa ação, ou de manter essa condição, prejudica-me. Porque tal impedimento ou obstrução não pode coexistir com a Liberdade de acordo com as Leis universais. A Lei universal do Direito pode então ser expressa da seguinte maneira: ‘Aja externamente de tal maneira que o livre exercício de tua Vontade possa coexistir com a Liberdade de todos os outros, de acordo com uma Lei universal”. (Primeiros Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito”, in: Os Grandes Filósofos do Direito, org. Clarance Morris, p 240),


Em “Fundamentação da metafísica dos costumes”, KANT desenvolve que a autonomia da vontade é o princípio supremo da moralidade. Com efeito, para ele, as pessoas devem agir “segundo a máxima tal que possa ao mesmo tempo querer ela se torne lei universal” e em todas suas ações deve ser considerado como um fim em si mesmo. “Primeiros Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito”, in: Os Grandes Filósofos do Direito, org. Clarance Morris, p 51).


JOHN RAWLS desenvolveu uma teoria da justiça como liberdade (de Kant), acrescentando aspectos da igualdade extraídos de Rousseau e afirmou que “justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento” (Uma Teoria da Justiça, 2000, p.273). Para ele, os princípios de justiça são os seguintes: “1. Toda pessoa tem o mesmo direito a um esquema plenamente adequado de iguais liberdades básicas que seja compatível com a liberdades para todos. 2. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. Em primeiro lugar, devem estar associadas a cargos e posições abertas a todos em igualdade de oportunidades; em segundo lugar, devem supor o maior benefício para os membros menos avantajados da sociedade.” (Liberdad, Igualdad y Derecho, p. 13).


O primeiro objetivo da justiça é a imparcialidade e através dela podemos chegar a uma melhor análise das exigências de liberdade e igualdade. RAWLS prioriza a liberdade em detrimento da igualdade. De qualquer forma, entende necessária uma igualdade de “bens sociais primários”, que incluem direitos, liberdades, oportunidades etc. (Liberdad, Igualdad y Derecho, p. 14-16).


TOMAS HOBBES, por seu turno, entende a justiça como ordem, pois o direito: “é o meio que os homens, no decorrer da civilização, encontraram para garantir a segurança da vida”, cujo fim é a paz social (Norberto Bobbio, Direito e Estado no Pensamento de Immanuel Kant, p. 116).


Neste sentido, afirma que: “os homens têm de cumprir os pactos que celebrarem (…). A definição de injustiça é o não cumprimento de um pacto. Tudo que não é injusto, é justo” (Thomas Hobbes, Leviatã, p. 111).


Mais adiante, HOBBES, afirma que: “para que as palavras justo e injusto possam ter sentido, é necessário alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento dos pactos, mediante o medo de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto” (Leviatã, p. 111).


Enfim, com uma visão extremamente formalista, confunde justiça com Direito e para ele ser justo é cumprir a lei.


Pois bem, embora seja difícil conceituar justiça, cada um tem uma idéia, para si, do que seja justo. O desafio é estabelecer uma máxima que seja válida para todas as pessoas. Tal tarefa parece ser uma utopia, mas ao tentar definir tal expressão, inúmeras são contribuições para o pensamento jurídico. É certo que o justo nem sempre coincide com o legal e que o resultado sempre circula pela noção de liberdade e/ou igualdade. Conforme as convicções ideológicas pode se aproximar mais da liberdade ou mais da igualdade.


Conforme expôs NORBERTO BOBBIO, existe uma antítese entre a liberdade e a igualdade, no sentido em que não se pode realizar plenamente uma sem limitar fortemente a outra. O desafio, portanto, é estabelecer o limite até onde a liberdade e a igualdade irão ceder prejudicando o mínimo possível uma a outra (Liberalismo e Democracia, p. 39).


Os valores superiores buscados pelo direito são: a liberdade, a igualdade, a justiça e a dignidade da pessoa humana. Dentre estes, a dignidade da pessoa humana ocupa posição principal sendo que os demais são decorrência desse reconhecimento. A dignidade da pessoa humana não é mera conseqüência ou reflexo do ordenamento jurídico, ao contrário, tem uma existência prévia a ele.


No direito não existem valores absolutos. Assim sendo, estes, às vezes, devem ceder para não atingir outros igualmente assegurados. Por conseguinte, em determinadas situações, a liberdade de uns deve ser restringida para que não afete a dos demais. Por sua vez, em certos casos, pessoas desiguais devem ser tratadas desigualmente para garantir um certo equilíbrio. A justiça, então, pode ser considerada como o ponto de equilíbrio entre a igualdade e a liberdade. Ela visa alcançar critérios para a solução de casos, harmônica e equilibradamente, sobre uma base racional e ética, respeitando a dignidade do ser humano, disciplinando as relações das pessoas entre si e delas com o Estado.


2. O Poder Judiciário e o acesso à Justiça


O Judiciário é um dos três poderes do Estado, responsável pela solução dos conflitos, pela garantia da Constituição e de todo ordenamento jurídico. Enfim, pela conservação de um Estado Democrático de Direito. Na pacificação dos conflitos, o Estado, pelo Poder Judiciário, se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a solução da controvérsia.


A Constituição Federal prevê a inafastabilidade da apreciação do Judiciário – “Art. 5º, XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, ou seja, o indivíduo não é obrigado a esgotar a via administrativa para se socorrer do Judiciário A Constituição Federal exige, excepcionalmente, o prévio esgotamento das vias administrativas no caso da justiça desportiva conforme regulado em lei (CF, art. 217, § 1º). Neste caso, a Justiça Desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final (CF, art. 217, § 2º).


Além disto está previsto que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.


Percebe-se que a lei diz assistência jurídica que é muito mais ampla que a assistência judiciária. Com efeito, esta última corresponde somente à assistência em um processo judicial. Por sua vez, a primeira engloba a segunda, mas vai além. Com efeito, não é só fornecer um advogado quando a pessoa precisar ingressar com uma ação; compreende esclarecimentos sobre a legalidade de determinada situação e/ou auxílio em todas as vias, mesmo antes do processo em si.


O movimento do acesso à justiça, defendido por MAURO CAPELLETTI, “pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica” (Acesso à Justiça, Trad. Ellen Gracie Northfleet, p. 13).


O que se pretende é que o operador do Direito não fique preso à norma posta, usando, tão-somente, um raciocínio dedutivo, em uma posição passiva, aplicando automaticamente a lei ao caso concreto. Precisa ser ampliado o campo de pesquisa para além dos tribunais, usar métodos de análise da sociologia, da política, da psicologia, da história, da economia etc.


O direito de ir a juízo solucionar o conflito ocorrido precisa ser garantido às pessoas que não possuam condições financeiras, Porém, estas pessoas não possuem recursos para arcar com custas judiciais, honorários de profissionais, transporte até o fórum e demais necessidades, além de, muitas vezes, sequer ter conhecimento do direito que possuem e da legislação vigente.


Mas, além de mecanismos para buscar justiça pelos mecanismos tradicionais, meios alternativos devem ser estimulados. Isto porque, para uma diversidade de controvérsias deve haver uma diversidade de soluções.


3. Pluralismo conflitual e meios alternativos de solução de conflitos


Conforme mencionado, o Poder Judiciário e a Justiça convencional não devem ser os únicos locais em que as pessoas possam obter a solução de conflitos. Existem outras possibilidades como mediação, arbitragem, além de experiências como a Justiça Restaurativa (que se baseia em um procedimento em que a vítima, o infrator e outras pessoas afetadas por um crime, com a presença de mediadores ou facilitadores em reuniões coletivas e círculos decisórios dialogam e procuram uma solução consensual) e programas como o Justiça Comunitária implementado nas no Distrito Federal com apoio do Tribunal de Justiça local, Ministério da Justiça, PNUD, entre outros., em que são prestigiados procedimentos alternativos ao processo judicial clássico.


3.1 Justiça restaurativa


O modelo de controle do delito previsto no nosso modelo de “Justiça” tradicional (o previsto no ordenamento jurídico) encontra-se fundado no uso do medo, da falha, da vergonha, da acusação, da coerção ou das ameaças. Nele existe, constantemente julgamentos de “bom” ou “mau”, do que está certo ou errado, críticas e juízos de valor. Nele existem poucas oportunidades para os envolvidos se reunirem e expressarem seus sentimentos.


O arbítrio punitivo, assim como o crime, é igualmente punitivo e acaba proporcionando mais violência A re-socialização do criminoso no sistema tradicional não tem funcionado e a vingança pública acabou por substituir a vingança privada, mas não se obtêm a paz com a guerra.


O sistema punitivo existente, ao trabalhar com o medo, tenta fazer com que a pessoa se “comporte bem” com receio da punição e não porque tenha entendido que estava “agindo errado”. A pessoa continua não entendendo a mensagem da sociedade. A mudança de comportamento só é possível, com educação, transmitindo valores humanitários e fazendo o infrator entender que não deveria agir daquela maneira.


A Justiça Restaurativa, conforme expõe AFONSO A. KONZEN, foi concebida “como uma tentativa de olhar o fenômeno do delito e a produção de justiça através de outras lentes” (Justiça restaurativa e ato infracional, p. 78).


Pois bem, embora vestida com modernidade, a Justiça Restaurativa traz métodos muito antigos, que se traduz em resolver os problemas com o diálogo.


Com efeito, “Justiça Restaurativa é um processo através do qual todas as partes interessadas em um crime específico se reúnem para solucionar coletivamente como lidar com o resultado do crime e suas implicações para o futuro” (Froestad, Jan. Shearing, Clifford, Prática da Justiça apud SLAKMON, Catherine (org.) Justiça Restaurativa, p.79).


Para RENATO SÓCRATES GOMES PINTO “A Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de consenso em que a vítima e o infrator e, quando apropriado outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a restauração dos traumas e perdas causados pelo crime”. Trata-se de processo voluntário, relativamente formal, com a presença de mediadores ou facilitadores em reuniões coletivas e círculos decisórios em que há um diálogo, não um julgamento (A construção da justiça restaurativa no Brasil, s/d).


A Justiça Restaurativa implica em uma redistribuição de Poder, pois os próprios protagonistas vão decidir, com o diálogo, a controvérsia e não o juiz. É uma forma de democracia participativa no Judiciário. Ela baseia-se nas idéias de transformação, reparação e prevenção, não se concentrando na culpa do agente, mas em transformar os valores éticos do indivíduo. É um proceder que respeita as diferenças e garante oportunidades iguais, fundados na dignidade da pessoa humana.


Nota-se em tal modelo alguns pontos positivos, a saber: maior preocupação com a vítima, possibilita a auto-responsabilização do infrator, não se pode ter certeza que diminui a reincidência, mas pelo menos não a aumenta, é uma possibilidade de restaurar o equilíbrio das relações, foca em práticas construtivas, possibilita uma re-conciliação entre os envolvidos, não se limita a uma visão unívoca, tenta resolver o próprio conflito e não simplesmente estabelecer uma sanção, cria condições para que a vítima supere o trauma pelo delito, é um aprendizado para a não-violência (uma outra ética)


Porém existem alguns obstáculos: operacionais, quais sejam: resistências culturais, jurídicas e econômicas; a mediação só é possível se ambas as partes quiserem e deve haver um reconhecimento da versão do outro sem preconceitos e pré-conceitos.


Ademais, deve-se ter o cuidado de não ofender as garantias do processo, entre eles, a legalidade, a presunção de inocência, direito à não incriminação, etc, ou seja, a Justiça Restaurativa não pode excluir o direito ao processo (do réu e da vítima); não pode ser pretexto para a impunidade, servir como pretexto para a expansão do Direito Penal.


Há algumas experiências de Justiça Restaurativa no Brasil. Foram 3 projetos pilotos: Porto Alegre-RS, Brasília-DF e São Caetano-SP. Existem também iniciativas de mediação (com práticas restaurativas) em Pernambuco, Diadema-SP e Guarulhos-SP.


Existem algumas “janelas” em nosso ordenamento jurídico para a aplicação da Justiça Restaurativa. A respeito, podem ser citados os casos da Justiça da Infância e Juventude (com procedimento informal e possibilidade, inclusive de remissão); Os Juizados Especiais Criminais (que a solução encontrada na câmara restaurativa pode ser apresentado na audiência preliminar como uma transação penal); penas alternativas (com a aplicação da solução consensual pelo juiz, em substituição à pena privativa de liberdade em infrações penais de média gravidade) e a suspensão condicional do processo (prevista no artigo 89 da lei 9.099/95, em que a solução pode ser incluída como condição no período de prova).


Além destes casos, embora o instituto tenha surgido para ser uma resposta para o delito, não se pode excluir a possibilidade de sua aplicação no Direito de Família (desde que em casos disponíveis) e na Justiça do Trabalho (em especial com empregadores individuais ou médias e pequenas empresas).


Em outras localidades, normalmente, o modelo de Justiça Restaurativa é pré-processual e surge independentemente do Estado. (modelo purista). No Brasil, curiosamente, as iniciativas têm sido patrocinadas pelo próprio Estado (modelo maximalista).


Evidentemente que a Justiça Restaurativa não é uma resposta para todos os casos, mas pode ser útil em alguns. O crime é um fenômeno complexo e não pode haver para ele uma única resposta. A Justiça Restaurativa é apenas mais uma possibilidade.


 


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Nota:

1 Paulo Henriques da Fonseca, A decisão Judicial e a inclusão jurídica, artigo disponível em 04/11/08 na página: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/recife/hermeneutica_paulo_da_fonseca.pdf

Informações Sobre o Autor

Marcus Vinicius Ribeiro

Doutor em Direito pela PUC/SP, Defensor Público em São Paulo/SP


Equipe Âmbito Jurídico

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