Inconstitucionalidade do incidente de resolução de demandas repetitivas quanto aos tribunais regionais federais

Resumo: O trabalho defende que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, na parte referente aos arts. 976, parágrafo 1o e 985, II do CPC/2015 é materialmente inconstitucional, já que a Constituição Federal não instituiu competência normativa aos Tribunais Regionais Federais e não exercem controle objetivo de constitucionalidade ou de legalidade.

Palavras-chave: Incidente – resolução – demandas – repetitivas – inconstitucionalidade – material

Resúmen: El estudio defende que el Incidente de Resolución de Demandas Repetitivas, en lo que se refiere a los artículos 976, parágrafo 1o. y 985, II de lo Código de Proceso Civil de 2015, son materialmente inconstitucionales, una vez que la Constitución Federal de 1988 no les ha instituído competencia normativa y, además, no ejercen control objetivo de constitucionalid o de legalidad.

Palabras-clave: Incidente – resolución – demandas – repetitivas – inconstitucionalid – material

Sumário:  1. Da inconstitucionalidade material dos arts. 976, parágrafo 1º, e 985 II do CPC/2015. 2. Conclusões. Referências.

1 DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ARTS. 976, PARÁGRAFO 1o e 985, II DO CPC/2015

O Código de Processo Civil de 2015 instituiu o “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas” em seus arts. 976 a 987.

Duas previsões normativas ali contidas são materialmente inconstitucionais: a do art. 976, parágrafo 1o e do a art. 985, II, verbis:

“Art. 976 É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I – […]

II – […]

Parágrafo 1o A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente. […]

Art. 985 – Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I – […]

II – aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.”

Apresentada a conclusão, vamos à justificação, no que talvez seja uma inversão de ordem, e que, se assim entendida, talvez não deixe de servir como homenagem à norma do art. 139, VI do CPC.[1]

Uma decisão que produza efeitos para casos outros, que não aquele no qual foi proferida, casos outros esses que poderão ser atuais ou futuros, e que ainda por cima será de observância obrigatória por parte dos juízes, intérpretes e aplicadores do Direito que são[2], será não só um “ato normativo” – entendendo-se como tal aquele que é dotado de “autonomia jurídica da deliberação estatal”, “generalidade abstrata”, “impessoalidade” e “abstração”[3] –  e também decisório – já que resolverá questões e produzirá efeitos em processos judiciais concretos –, mas ainda, e principalmente, uma verdadeira norma de decisão, uma “norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais” [4].

Na medida em que o ato normativo tem o mesmo conteúdo e abrangência que uma lei, somente poderá ser válido se não inovar o ordenamento jurídico, sob pena de violação do princípio da legalidade, a menos que a Constituição Federal não tenha reservado a matéria à exclusividade da atuação do Poder Legislativo.[5]

Ora, a Constituição Federal não instituiu competência aos Tribunais Regionais Federais para proferirem decisões normativas.

Explicitamente, conferiu essa competência à Justiça do Trabalho em ações judiciais (art. 114).[6]

Implicitamente, pode-se reconhecer competência ao Tribunal Superior Eleitoral para baixar instruções e resoluções dotadas de força normativa, seja sob o argumento de existência de uma situação equiparável a um “estado de necessidade”, dada a precariedade qualitativa histórica da legislação eleitoral[7], seja colimando-se efetivar a força normativa da própria Constituição Federal, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal Federal[8].

Não se pode ignorar, outrossim, a competência de que o Supremo Tribunal Federal se autoinvestiu, no seu papel de “guardião da Constituição”, para produzir decisões com eficácia normativa, inclusive quando inexistente norma constitucional ou legal que a previsse[9], sem falar na competência quase superlegislativa que exerce através das Súmulas Vinculantes[10] – já que o Congresso Nacional não pode legislar sobre as Súmulas Vinculantes aprovadas pelo STF[11] – que podem resultar em inovação do ordenamento jurídico, como é exemplo a Súmula Vinculante no 13.

Em um sentido extremamente lato, e com enorme boa vontade, pode-se até entender que em um certo sentido o Superior Tribunal de Justiça também possui competência normativa, semelhante à do Supremo Tribunal Federal, quando de decisões proferidas em recursos especiais com efeito repetitivo, quase se podendo visualizar alguma espécie de “controle objetivo de legalidade”, na medida em que é sua competência constitucional a uniformização da aplicação das normas infraconstitucionais em âmbito nacional.[12]

Mesmo quanto aos Tribunais de Justiça, no exercício da competência para julgamento de Representações de Inconstitucionalidade, naquilo que não extrapolasse o âmbito do “direito local”, e naquele sentido mais que amplo, quase “ativístico”, seria possível defender-se a existência de “competência normativa”.

Mas, quanto aos Tribunais Regionais Federais, não há como.

A Constituição Federal não lhes instituiu qualquer competência decisória capaz de produzir efeitos “ultra partes” e “erga omnes” de modo a inovar o ordenamento jurídico – ou seja, “competência decisória normativa” – ainda que limitada territorialmente.

Aquilo que já é temerário, quando considerados os Tribunais Superiores e os Tribunais de Justiça, chega a mostrar-se perigoso, em se tratando de Tribunais Regionais Federais.

É que, ao contrário do que se dá nos Tribunais Superiores e nos Tribunais de Justiça – estes, torno a lembrar, quando de Representações de Inconstitucionalidade – os Tribunais Regionais Federais são tribunais de revisão plena – dentro dos limites do que recorrido –, inclusive devendo examinar as questões de fato, não só as de direito.[13] O perigo está em que os Tribunais Regionais Federais passem a impor a aplicação de “teses jurídicas” às primeiras instâncias, e que se deixe de atentar para as circunstâncias fáticas que, aliás, fazem parte das vidas das pessoas e formam o ambiente no qual tomam suas decisões[14].

Se a instituição do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é inconstitucional – e é – qual a razão que a levou a ser instituída?

A resposta provavelmente está ligada à ideia de uniformização da jurisprudência a partir das decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, com finalidade de atribuição de efeito de repercussão geral, e no Superior Tribunal de Justiça, com efeito de recurso repetitivo. Até abril de 2016, havia 657.964 casos provenientes dos cinco TRFS sobrestados no STF e, no STJ, 102.770.[15]

Não há lógica nisso.

Se o problema é o sistema de encanamento (infraestrutura) que está entupindo o terceiro andar do edifício (recursal), não será concentrando o fluxo de água no segundo andar (TRFs) que o encanamento deixará de entupir. É fácil intuir que o resultado será que o segundo andar, sobrecarregado, entupirá (mais ainda). 

E nada sugere que, mesmo deslocando-se o fluxo de água para o segundo andar, o terceiro não sofrerá outros entupimentos – a qualidade (do sistema) não foi resolvida, as causas que fizeram com que as Justiças Federais (para ficar só nelas) de 7.888.176 processos em tramitação em 2011 passassem a ter 9.019.764 em agosto de 2016 [16] não foram estudadas e enfrentadas.

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é o anúncio de mais uma reforma processual fracassada.

2 CONCLUSÕES

Os arts. 976, parágrafo 1o e 985, II do CPC/2015 são materialmente inconstitucionais.

A Constituição Federal, em seu art. 114, explicitamente instituiu competência normativa às decisões da Justiça do Trabalho.

O Supremo Tribunal Federal, no papel de “guardião da Constituição”, auto-investiu-se dessa competência.

Historicamente, reconhece-se ao Tribunal Superior Eleitoral implícita atribuição constitucional dessa competência.

É possível admiti-la também quanto aos Tribunais de Justiça, nas Representações de Inconstitucionalidade, e ao Superior Tribunal de Justiça, em interpretação extremamente ampla.

Mas não é possível admiti-la quanto aos Tribunais Regionais Federais, por absoluta ausência de previsão constitucional neste sentido, e por se tratarem de tribunais de revisão, não de controle objetivo de constitucionalidade ou de legalidade.

 

Referências
Anuário da Justiça Federal. ConJur Editorial: São Paulo, SP. 2017.
GASSET, José Ortega y. A rebelião das massas. Trad. Felipe Denardi. Campinas, SP: Vide Editorial, 2016.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
Ministros do STF questionam PEC que limita poderes da Corte, 24.04.2013, jornal Valor Econômico,
Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/3099310/ministros-do-stf-questionam-pec-que-limita-poderes-da-corte. Acesso em: 03.11.2016.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 18.ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
STRECK, Lênio Luiz. O FAHRENHEIT SUMULAR DO BRASIL: O CONTROLE PANÓPTICO DA JUSTIÇA. Disponível em: https://ensaiosjuridicos.files.wordpress.com/2013/04/o-fahrenheit-sumular-do-brasil-lenio.pdf. Acesso em: 03.11.2016.
____.  O novo Código de Processo Civil (CPC) e as inovações hermenêuticas O fim do livre convencimento e a adoção do integracionismo dworkiniano. Brasília: Revista de Informação Legislativa, a. 52, n. 206, abril-junho 2015. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512448/001041585.pdf?sequence=1. Acesso em: 03.11.2016.
____. O STJ e a desistência de recurso, 07.01.2009. Disponível em: https://rcanan.wordpress.com/2009/01/07/desistencia-de-recurso-repetitivo/. Acesso em: 03.11.2016.
 
Notas
 
[1] Art.139 – O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: […] VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito.

[2] ADPF 153 – DF, Pleno, Rel. Min. Eros Grau, DJE 05.08.2010: “1. Texto normativo e norma jurídica, dimensão textual e dimensão normativa do fenômeno jurídico. O intérprete produz a norma a partir dos textos e da realidade. A interpretação do direito tem caráter constitutivo e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e da realidade, de normas jurídicas a serem aplicadas à solução de determinado caso, solução operada mediante a definição de uma norma de decisão. A interpretação/aplicação do direito opera a sua inserção na realidade; realiza a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção no mundo da vida. […]”. Extraio do voto do Exmo. Sr. Min. Relator: “A interpretação do direito tem caráter constitutivo – não meramente declaratório, pois – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir dos textos normativos e da realidade, de normas jurídicas a serem aplicadas à solução de determinado caso, solução operada mediante a definição de uma norma de decisão. Interpretar/aplicar é dar concreção (= concretizar) ao direito. Neste sentido, a interpretação/aplicação do direito opera a sua inserção na realidade; realiza a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda, a sua inserção na vida. A interpretação/aplicação vai do universal ao particular, do transcendente ao contingente; opera a inserção das leis (= do direito) no mundo do ser (= mundo da vida). Como ela se dá no quadro de uma situação determinada, expõe o enunciado semântico do texto no contexto histórico presente, não no contexto da redação do texto. Interpretar o direito é caminhar de um ponto a outro, do universal ao singular, através do particular, conferindo a carga de contingencialidade que faltava para tornar plenamente contingencial o singular. As normas resultam da interpretação e podemos dizer que elas, enquanto textos, enunciados, disposições, não dizem nada: elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem. Se for assim – e assim de fato é – todo texto será obscuro até a sua interpretação, isto é, até a sua transformação em norma. Por isso mesmo afirmei, em outro contexto, que se impõe ‘observamos que a clareza de uma lei não é uma premissa, mas o resultado da interpretação, na medida em que apenas se pode afirmar que a lei é clara após ter sido ela interpretada’. Daí não caber a afirmação de que o texto de que nesta ação se cuida seria, por obscuridade, tecnicamente inepto. […]”.

[3] Veja-se, por exemplo, MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, págs. 166 e 181: “‘Atos administrativos gerais ou normativos – Atos administrativos gerais ou regulamentares são aqueles expedidos sem destinatários determinados, com finalidade normativa, alcançando todos os sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato abrangida por seus preceitos. São atos de comando abstrato e impessoal, semelhantes aos da lei, e, por isso mesmo, revogáveis a qualquer tempo pela Administração, mas inatacáveis por via judicial, a não ser pelo questionamento da constitucionalidade (art. 102, I, ‘a’ da CF). Somente quando os preceitos abstratos dos atos gerais são convertidos pela Administração em providências concretas e específicas de execução ou quando essa conversão for iminente é que se tornam impugnáveis por quem se sentir lesado pela atuação administrativa’; e à p. 181: ‘Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados. Esses atos expressam em minúcia o mandamento abstrato da lei, e o fazem com a mesma normatividade da regra legislativa, embora sejam manifestações tipicamente administrativas. A essa categoria pertencem os decretos regulamentares e os regimentos, bem como as resoluções, deliberações e portarias de conteúdo geral.’” PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 18.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p 216: “Os atos gerais atingem todas as pessoas que se encontram na mesma situação; são os atos normativos praticados pela Administração, como regulamentos, portarias, resoluções, circulares, instruções, deliberações, regimentos. Embora registremos essa classificação feita por vários autores, na realidade, pelo conceito restrito de ato administrativo que adotamos, como modalidade de ato jurídico, os atos gerais são atos da Administração e não atos administrativos; apenas em sentido formal poderiam ser considerados atos administrativos, já que emanados da Administração Pública, com subordinação à lei; porém, quanto ao conteúdo, não são atos administrativos, porque não produzem efeitos no caso concreto. Além disso, os atos normativos da Administração apresentam vários traços distintivos em relação aos atos individuais, justificando a inclusão em outra categoria: a) o ato normativo não pode ser impugnado, na via judicial, diretamente pela pessoa lesada; apenas pela via de arguição de inconstitucionalidade, cujos sujeitos ativos estão indicados no artigo 103 da Constituição, é possível pleitear a invalidação direta do ato normativo; b) O ato normativo tem precedência hierárquica sobre o ato individual; c)  O ato normativo é sempre revogável; a revogação do ato individual sofre uma série de limitações que serão analisadas além; basta, por ora, mencionar que não podem ser revogados os atos que geram direitos subjetivos a favor do administrado, o que ocorre com praticamente todos os atos vinculados; d) o ato normativo não pode ser impugnado, administrativamente, por meio de recursos administrativos, ao contrário do que ocorre com os atos individuais.”

[4] Assim, e.g., veja-se ADI 2321-DF-MC, Relator Min. Celso de Mello, RTJ 195/825, ‘fine’/826: “Cabe assinalar, neste ponto, na linha da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 143/510, Rel. Min. Celso de Mello), que a noção de ato normativo, para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pressupõe, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, a constatação de seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade. Todos esses elementos – autonomia jurídica, abstração, generalidade e impessoalidade – qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais. No caso ora exame, a deliberação emanada do Tribunal Superior Eleitora, encerra, na realidade, verdadeira norma de decisão, apta a vincular essa Alta Corte judiciária em seus pronunciamentos administrativos futuros referentes a todos os servidores de sua Secretaria, cuja situação jurídico-administrativa se ajuste aos requisitos estipulados no ato que, agora, vem de ser questionado na presente sede processual”.

[5] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 422, 423 e 424: “Do que se disse acima, já se dessume que a palavra lei, para a realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é, ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição (arts. 59 a 69). […] Isso quer dizer que os elementos essenciais da providência impositiva hão que constar da lei. Só a lei cria direitos e impõe obrigações positivas ou negativas, ainda que o texto constitucional dê a entender que só estas últimas estão contempladas no princípio da legalidade. Há outras normas constitucionais que completam seu sentido. […] E a seguinte lição de Crisafulli situa devidamente a questão: ‘Tem-se, pois, reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinadas’. Outra diferença importante entre o princípio da legalidade (genérica) e o princípio da reserva de lei (legalidade específica) está em que o primeiro envolve primariamente uma situação de hierarquia das fontes normativas, enquanto o segundo envolve questão de competência. Starck, numa linha, disse-o com precisão: ‘Estas reservas especiais garantem, como normas de competência, que o legislador será quem regule tudo o que afete os direitos fundamentais’.  […] ‘Se se consideram as inumeráveis reservas de lei e delegações de competências regulamentares ao legislador na parte orgânica da Lei Fundamental, adverte-se, à primeira vista, que umas e outras pressupõem lei formal.’”

[6] Não, evidentemente, em processos administrativos. Veja-se, assim, ADI 2106, STF, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 20.10.2000, pág. 111: “Ação direta de inconstitucionalidade. Decisão do TRT da 15ª Região em sessão do dia 21 de setembro de 1999. Pedido de medida cautelar. – O ato impugnado é de natureza normativa porque, incluindo parcela autônoma de equivalência na base de cálculo da representação mensal e autorizando, ainda, o pagamento de diferenças vencidas desde a vigência da Lei nº 8.448/92 e vincendas até a fixação dos subsídios dos Magistrados e de diferenças decorrentes da incidência da gratificação adicional por tempo de serviço, atinge, indistintamente, todos os Magistrados integrantes da Justiça do Trabalho da referida Região, além de produzir efeitos financeiros retroativos. – Relevância jurídica dos fundamentos da inicial, especialmente o concernente ao artigo 96, II, ‘b’, da Constituição. Medida cautelar deferida para suspender, ex tunc e até o julgamento final desta ação, a eficácia do ato normativo impugnado.”

[7] MS 26603, STF, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 19.12.2008: “MANDADO DE SEGURANÇA – QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS – O MANDADO DE SEGURANÇA COMO PROCESSO DOCUMENTAL E A NOÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE AUTORIDADE COATORA, PARA FINS MANDAMENTAIS – RESERVA ESTATUTÁRIA, DIREITO AO PROCESSO E EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO – INOPONIBILIDADE, AO PODER JUDICIÁRIO, DA RESERVA DE ESTATUTO, QUANDO INSTAURADO LITÍGIOCONSTITUCIONAL EM TORNO DE ATOS PARTIDÁRIOS ‘INTERNA CORPORIS’ – COMPETÊNCIA NORMATIVA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – O INSTITUTO DA ‘CONSULTA’ NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ELEITORAL: NATUREZA E EFEITOS JURÍDICOS – POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, EM RESPOSTA À CONSULTA, NELA EXAMINAR TESE JURÍDICA EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – CONSULTA/TSE N° 1.398/DF – FIDELIDADE PARTIDÁRIA – A ESSENCIALIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS NO PROCESSO DE PODER – MANDATO ELETIVO – VÍNCULO PARTIDÁRIO E VÍNCULO POPULAR – INFIDELIDADE PARTIDÁRIA –CAUSA GERADORA DO DIREITO DE A AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA PREJUDICADA PRESERVAR A VAGA OBTIDA PELO SISTEMA PROPORCIONAL – HIPÓTESES EXCEPCIONAIS QUE LEGITIMAM O ATO DE DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO – POSSIBILIDADE, EM TAIS SITUAÇÕES, DESDE QUE CONFIGURADA A SUA OCORRÊNCIA, DE O PARLAMENTAR, NO ÂMBITO DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO INSTAURADO PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, MANTER A INTEGRIDADE DO MANDATO LEGISLATIVO – NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, NO PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO, DO PRINCÍPIO DO ‘DUE PROCESS OF LAW’ (CF, ART. 5º, INCISOS LIV E LV) – APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS ARTS. 3º A 7º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 AO REFERIDO PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO – ADMISSIBILIDADE DE EDIÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, DE RESOLUÇÃO QUE REGULAMENTE O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO – MARCO INICIAL DA EFICÁCIA DO PRONUNCIAMENTO DESTA SUPREMA CORTE NA MATÉRIA: DATA EM QUE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL APRECIOU A CONSULTA N° 1.398/DF – OBEDIÊNCIA AO POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA – A SUBSISTÊNCIA DOS ATOS ADMINISTRATIVOS E LEGISLATIVOS PRATICADOS PELOS PARLAMENTARES INFIÉIS: CONSEQÜÊNCIA DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA INVESTIDURA APARENTE – O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNALFEDERAL NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A RESPONSABILIDADE POLÍTICO-JURÍDICA QUE LHE INCUMBE NO PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO – O MONOPÓLIO DA ‘ÚLTIMA PALAVRA’, PELA SUPREMA CORTE, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. PARTIDOS POLÍTICOS E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. […] A INSTAURAÇÃO, PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO. – O Tribunal Superior Eleitoral, no exercício da competência normativa que lhe é atribuída pelo ordenamento positivo, pode, validamente, editar resolução destinada a disciplinar o procedimento de justificação, instaurável perante órgão competente da Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da ‘analogia legis’, mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar nº 64/90. […]”. ADI 3999, STF, Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJE 17.04.2009: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 22.610/2007 e 22.733/2008. DISCIPLINA DOS PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DA PERDA DO CARGO ELETIVO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. […] 4. Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo. 5. As resoluções impugnadas surgem em contexto excepcional e transitório, tão somente como mecanismos para salvaguardar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar. 6. São constitucionais as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.” RE 637485, STF, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE 28.03.2005: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. I. REELEIÇÃO. MUNICÍPIOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. PREFEITO. PROIBIÇÃO DE TERCEIRA ELEIÇÃO EM CARGO DA MESMA NATUREZA, AINDA QUE EM MUNICÍPIO DIVERSO. […] II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. […]”;  fixando os limites do exercício da competência normativa do TSE: ADI 5028, STF, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p. Ac. Min. Rosa Weber, DJE 30.10.2014.

[8] ADI 3345, STF, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 20.08.2010: “FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA – PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO – LEGITIMIDADE DA PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (QUE ATUOU NO TSE) NO JULGAMENTO DE AÇÃO DIRETA AJUIZADA CONTRA ATO EMANADO DAQUELA ALTA CORTE ELEITORAL – INAPLICABILIDADE, EM REGRA, DOS INSTITUTOS DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO AO PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO, RESSALVADA A POSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, POR QUALQUER MINISTRO DO STF, DE RAZÕES DE FORO ÍNTIMO. – […] RESOLUÇÃO TSE Nº 21.702/2004 – DEFINIÇÃO DE CRITÉRIOS A SEREM OBSERVADOS, PELAS CÂMARAS MUNICIPAIS, NA FIXAÇÃO DO RESPECTIVO NÚMERO DE VEREADORES – ALEGAÇÃO DE QUE ESSE ATO REVESTIR-SE-IA DE NATUREZA MERAMENTE REGULAMENTAR – RECONHECIMENTO DO CONTEÚDO NORMATIVO DA RESOLUÇÃO QUESTIONADA – PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO REJEITADA. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em tema de fiscalização concentrada de constitucionalidade, firmou-se no sentido de que a instauração desse controle somente tem pertinência, se a resolução estatal questionada assumir a qualificação de ato normativo (RTJ 138/436 – RTJ 176/655-656), cujas notas tipológicas derivam da conjugação de diversos elementos inerentes e essenciais à sua própria compreensão: (a) coeficiente de generalidade abstrata, (b) autonomia jurídica, (c) impessoalidade e (d) eficácia vinculante das prescrições dele constantes. Precedentes. – Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, que, impugnada na presente ação direta, encerra, em seu conteúdo material, clara ‘norma de decisão’, impregnada de autonomia jurídica e revestida de suficiente densidade normativa: fatores que bastam para o reconhecimento de que o ato estatal em questão possui o necessário coeficiente de normatividade qualificada, apto a torná-lo suscetível de impugnação em sede de fiscalização abstrata. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ANTERIORIDADE ELEITORAL: SIGNIFICADO DA LOCUÇÃO ‘PROCESSO ELEITORAL’ (CF, ART. 16). – A norma consubstanciada no art. 16 da Constituição da República, que consagra o postulado da anterioridade eleitoral (cujo precípuo destinatário é o Poder Legislativo), vincula-se, em seu sentido teleológico, à finalidade ético-jurídica de obstar a deformação do processo eleitoral mediante modificações que, casuisticamente introduzidas pelo Parlamento, culminem por romper a necessária igualdade de participação dos que nele atuam como protagonistas relevantes (partidos políticos e candidatos), vulnerando-lhes, com inovações abruptamente estabelecidas, a garantia básica de igual competitividade que deve sempre prevalecer nas disputas eleitorais. Precedentes. – O processo eleitoral, que constitui sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes. Magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA e ANTONIO TITO COSTA). – A Resolução TSE nº 21.702/2004, que meramente explicitou interpretação constitucional anteriormente dada pelo Supremo Tribunal Federal, não ofendeu a cláusula constitucional da anterioridade eleitoral, seja porque não rompeu a essencial igualdade de participação, no processo eleitoral, das agremiações partidárias e respectivos candidatos, seja porque não transgrediu a igual competitividade que deve prevalecer entre esses protagonistas da disputa eleitoral, seja porque não produziu qualquer deformação descaracterizadora da normalidade das eleições municipais, seja porque não introduziu qualquer fator de perturbação nesse pleito eleitoral, seja, ainda, porque não foi editada nem motivada por qualquer propósito casuístico ou discriminatório. CONSAGRAÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, COM A EDIÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 21.702/2004, DOS POSTULADOS DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA SEGURANÇA JURÍDICA. – O Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Resolução nº 21.702/2004, consubstanciadora de mera explicitação de anterior julgamento do Supremo Tribunal (RE 197.917/SP), limitou-se a agir em função de postulado essencial à valorização da própria ordem constitucional, cuja observância fez prevalecer, no plano do ordenamento positivo, a força normativa, a unidade e a supremacia da Lei Fundamental da República. EFEITO TRANSCENDENTE DOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES DO JULGAMENTO DO RE 197.917/SP – INTERPRETAÇÃO DO INCISO IV DO ART. 29 DA CONSTITUIÇÃO. – O Tribunal Superior Eleitoral, expondo-se à eficácia irradiante dos motivos determinantes que fundamentaram o julgamento plenário do RE 197.917/SP, submeteu-se, na elaboração da Resolução nº 21.702/2004, ao princípio da força normativa da Constituição, que representa diretriz relevante no processo de interpretação concretizante do texto constitucional. – O TSE, ao assim proceder, adotou solução, que, legitimada pelo postulado da força normativa da Constituição, destinava-se a prevenir e a neutralizar situações que poderiam comprometer a correta composição das Câmaras Municipais brasileiras, considerada a existência, na matéria, de grave controvérsia jurídica resultante do ajuizamento, pelo Ministério Público, de inúmeras ações civis públicas em que se questionava a interpretação da cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da Lei Fundamental da República. A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E O MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. – O exercício da jurisdição constitucional – que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição – põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que “A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la”. Doutrina. Precedentes. A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal – a quem se atribuiu a função eminente de “guarda da Constituição” (CF, art. 102, ‘caput’) – assume papel de essencial importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso País confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental.

[9] Dentre os inúmeros exemplos que podem ser dados, veja-se: admitindo recurso extraordinário embora a decisão recorrida também tivesse sido fundamentada em normas infraconstitucionais não impugnadas, bastantes em si para a manutenção da decisão: RE 132747, STF, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 07.12.1995, p. 272:  ampliando a legitimidade ativa para a Reclamação, definida no art. 13 da Lei no 8.038/90, a terceiros que não participaram de uma ação direta de controle de constitucionalidade, ou que não tivessem legitimidade para propô-la, de modo a preservar a autoridade e eficácia “erga omnes” da decisão então proferida: RCL 1880, STF, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 19.03.2004; admitindo expressamente recurso extraordinário em hipótese frontalmente contrária aos arts. 894 e 896, letras “b” da CLT, como forma de preservar a autoridade do STF como “guardião da Constituição”: RE 130.539, STF, 2a Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 18.12.1992, p. 24.380; criando normas sobre direito de greve dos servidores públicos federais, inclusive com criação de competências judiciais, não obstante o princípio constitucional do juiz natural: MI 607, STF, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, Rel. p. Ac. Min. Gilmar Mendes, DJE 30.10.2008; reconhecendo proteção constitucional à união civil entre pessoas do mesmo sexo: ADI 4277 e ADPF 132, STF, Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, DJE 1410.2011; estendendo a licença-maternidade do art. 7o, XVIII da CF/88 aos casos de adoção: RE 778889, STF, Pleno, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE 01o.08.2016; admitindo o início da execução de pena a condenados em ações criminais ainda sujeitas a recursos para Tribunais Superiores: HC 126292, STF, Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, DJE 17.05.2016; e atribuindo eficácia “ultra partes” a decisão de inconstitucionalidade proferida em sede de controle difuso de inconstitucionalidade: RCL 4335, STF, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE 21.10.2014.

[10] STRECK, Lênio Luiz. O FAHRENHEIT SUMULAR DO BRASIL: O CONTROLE PANÓPTICO DA JUSTIÇA. Disponível em: https://ensaiosjuridicos.files.wordpress.com/2013/04/o-fahrenheit-sumular-do-brasil-lenio.pdf. Acesso em: 03.11.2016:  “Ninguém ignora que até no sistema em vigor – ao editarem uma Súmula, o STF ou o STJ passam a ter o poder maior que o Poder Legislativo. Com o poder constitucional de vincular o efeito das Súmulas e até mesmo das decisões de mérito do Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário, por suas cúpulas, passará a legislar, o que, à evidência, quebrará a harmonia e a independência que deve haver entre os Poderes da República. Daí é urgente que se indague acerca da legitimidade do Poder Judiciário para tal. […]. Com o poder de editar Súmulas, os Tribunais passam a ter um poder maior do que o Legislativo. Se se impedir que – das decisões exaradas em conformidade com as Súmulas – sejam interpostos recursos, o Poder Judiciário estará acumulando as duas funções (Legislativo e Judiciário), petrificando o sentido do texto (e da norma exsurgente desse texto). Daí que, examinando o sistema jurídico brasileiro como um paradoxo, é possível dizer que, do ponto de vista autopoiético, a vinculação sumular reforça o poder de auto-reprodução do sistema. Com a vinculação, o STF (veja-se o problema de o STF elaborar Súmulas, que, na prática, são verdadeiras emendas à Constituição) “fecha” o sistema. […]”.

[11] O que não quer dizer que não tenha tentado, como ilustrado pela PEC 33/2011, que pretendia submeter a eficácia das Súmulas Vinculantes à aprovação pelo Congresso Nacional. Quanto à reação dos Ministros do STF, veja-se, como exemplo: Ministros do STF questionam PEC que limita poderes da Corte, 24.04.2013, jornal Valor Econômico. Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/3099310/ministros-do-stf-questionam-pec-que-limita-poderes-da-corte.  Acesso em: 03.11.2016.

[12] Valendo lembrar que, nos RESPs 1058114 e 1063343, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a desistência do recorrente quando já incluído o recurso em pauta não prejudicava o julgamento, daí a menção que fiz a “controle objetivo de legalidade”. Criticando enfaticamente essa jurisprudência, veja-se STRECK, Lênio Luiz. O STJ e a desistência de recurso, 07.01.2009. Disponível em: https://rcanan.wordpress.com/2009/01/07/desistencia-de-recurso-repetitivo/. Acesso em: 03.11.2016.

[13] STRECK, Lênio Luiz. O novo Código de Processo Civil (CPC) e as inovações hermenêuticas O fim do livre convencimento e a adoção do integracionismo dworkiniano. Brasília, Revista de Informação Legislativa, ano 52, número 206, abril-junho 2015. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512448/001041585.pdf?sequence=1. Acesso em: 03.11.2016: “O novo Projeto de Código de Processo Civil abusa da expressão questão de direito, fazendo referência a uma possível questão que não fosse relacionada a um fato. Podem ser citados como exemplos o julgamento de casos repetitivos (art. 522, parágrafo único), o incidente de assunção de competência (art. 959, caput), o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 988, caput) e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos (art. 1.049, caput). Todavia, impende ressaltar que, sob uma perspectiva hermenêutica, é impossível fazer tal distinção, porquanto a interpretação do direito é sempre uma aplicação (applicatio) e, por isso, pressupõe o mundo prático. E, ainda que alguém não tenha dada por superada a relação sujeito-objeto, tanto o fato quanto o direito fazem parte da causa de pedir, um dos elementos (indispensáveis) da ação. Ora, os fatos só terão importância para o direito se forem fatos juridicamente relevantes – e, daí, a necessária imbricação entre questões de fato e questão de direito, o que, em linguagem hermenêutica, denominamos de diferença ontológica. […] Assim, verifica-se que a redação do novo Projeto padece de uma impropriedade técnica: quando o legislador refere-se à questão de direito (ou expressões congêneres) não quer, na verdade, se reportar a questões que não sejam munidas de questões de fato, mas sim a causas que não demandem dilação probatória, em especial de natureza testemunhal e/ou pericial. Assim que deveremos ler esse texto.”

[14] GASSET, José Ortega y. A rebelião das massas. Trad. Felipe Denardi. Campinas, SP: Vide Editorial, 2016, p.  117/118: “[…] Circunstância e decisão são os dois elementos radicais de que se compõem a vida. A circunstância – as possibilidades – é o que de nossa vida nos é dado e imposto. Isso constitui o que chamamos o mundo. A vida não escolhe seu mundo, mas viver é encontrar-se desde o início num mundo determinado e insubstituível: neste de agora. Nosso mundo é a dimensão de fatalidade que integra nossa vida. Mas essa fatalidade vital não se parece com a mecânica. Não somos disparados sobre a existência como a bala de um fuzil, cuja trajetória está absolutamente predeterminada. A fatalidade em que caímos ao cair neste mundo – o mundo é sempre este, este de agora – consiste exatamente no contrário. Ao invés de nos impor uma trajetória, impõe-nos várias, e consequentemente nos força a escolher. Surpreendente condição a da nossa vida! Viver é se sentir fatalmente forçado a exercer a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. […] Assim sendo, é falso dizer que na vida ‘decidem as circunstâncias’. Ao contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos que nos decidir. Mas o que decide é o nosso caráter.”

[15] Anuário da Justiça Federal. ConJur Editoral: São Paulo, SP, 2017, p. 10.

[16] Anuário da Justiça Federal, op. cit., p.11.


Informações Sobre o Autor

Alberto Nogueira Júnior

Juiz Federal do Rio de Janeiro; Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense – UFF/Niterói; Doutor Mestre e Especialista em Direito


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