Incorporação de tratados e o entendimento brasileiro sobre o direito internacional

Resumo: Na esteira da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal várias posições foram questionadas pela doutrina. Assim questão importante a ser discutida é a relativa ao posicionamento do Brasil quanto à dicotomia dualismo x monismo.

Na esteira da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, várias posições foram questionadas pela doutrina. Assim, questão importante a ser discutida é a relativa ao posicionamento do Brasil quanto à dicotomia dualismo x monismo.

Apesar da doutrina majoritária no país adotar a teoria monista[1], o STF se pronunciou no acórdão tratado acima e na ADIn n. 1.480-DF[2], no sentido de que o Brasil adota na verdade a teoria dualista moderada.

A doutrina considera a posição do Brasil como monista por admitir o conflito entre norma de direito interno e norma de direito internacional, colocando-as em um mesmo plano. Seria, porém, de forma moderada porque há a equiparação do tratado internacional à lei ordinária pela jurisprudência do STF.

Já o STF manifestou estranho entendimento, de que o Brasil adota um posicionamento dualista moderado.

Neste sentido, veja-se o seguinte julgado:

“Mercosul – Carta rogatória passiva – Denegação de exequatur – Protocolo de medidas cautelares (Ouro Preto/MG) – Inaplicabilidade, por razões de ordem circunstancial – Ato internacional cujo ciclo de incorporação, ao direito interno do brasil, ainda não se achava concluído à data da decisão denegatória do exequatur, proferida pelo presidente do supremo tribunal federal – relações entre o direito internacional, o direito comunitário e o direito nacional do brasil – Princípios do efeito direto e da aplicabilidade imediata – Ausência de sua previsão no sistema constitucional brasileiro – Inexistência de cláusula geral de recepção plena e automática de atos internacionais, mesmo daqueles fundados em tratados de integração – Recurso de agravo improvido. A recepção dos tratados ou convenções internacionais em geral e dos acordos celebrados no âmbito do Mercosul está sujeita à disciplina fixada na Constituição da República" (CR 8279 AgR/AT-Argentina, Relator(a): Min. Celso de Mello. Julgamento: 17/06/1998, Publicação: DJ Data-10-08-00). 

Isso se dá porque há, em primeiro lugar, um procedimento especifico de internalização das regras de direito internacional ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo que esse procedimento se faz necessário porque as regras estão em planos diversos e separados. Em segundo lugar, pode ocorrer de uma regra estabelecida em um tratado internacional incorporado ao direito brasileiro ser revogada por lei ordinária posterior no ordenamento jurídico interno e, mesmo assim, o Brasil continuar sendo parte desse tratado na seara internacional, respondendo por seus atos perante a comunidade internacional.

A afirmação de Nádia de Araújo e Inês da Matta Andreiuolo[3] sobre esse assunto se faz relevante:

“A incorporação dos tratados ao sistema interno brasileiro, equiparando-o à lei interna, transforma-os em uma lei nacional e, por conseguinte, extingue o conflito próprio da teoria monista, pois a regra vigente de revogação de lei anterior pela lei posterior é princípio assente no nosso sistema jurídico e aplicável ao ordenamento como um todo. Com isso também fica claro que os dois sistemas – o interno e o internacional — são separados, pois ocorre, muitas vezes, do Brasil continuar obrigado internacionalmente por dispositivo de tratado (posto que seu "parceiro" não foi comunicado da modificação) enquanto a legislação interna já o modificou”.[4]

O enquadramento do posicionamento brasileiro como dualista moderado ou como monista moderado não parece apresentar muita relevância na prática. Contudo, o que se mostra relevante é o posicionamento do STF, pois ele mostra à comunidade internacional qual é o entendimento no Brasil sobre o direito internacional. Além disso, suas decisões refletem diretamente à seara internacional, uma vez que no caso da Carta Rogatória 8279, por exemplo, houve denegação de exequatur e um dos argumentos utilizados foi precisamente a concepção dualista moderada do direito em relação ao direito internacional, adotada pelo Brasil. A validade da norma na ordem internacional não implica em validade da mesma na ordem interna.

Com todo respeito, este entendimento incorre em erro elementar. Assim, pensamos que enquanto não for denunciado, o Tratado deverá prevalecer por ser um compromisso assumido perante a comunidade internacional.

Por outro lado, relativamente às normas que emanam de fonte consuetudinária, o STF admitiu a incorporação imediata do Direito Internacional ao Direito interno (“international law is part of the law of the land”).[5]

Este último posicionamento encampado pelo STF desde 1986 merece a nossa saudação.

 

Notas:
 
[1] São monistas: Hildebrando Accioly, Haroldo Valladão, Oscar Tenório, Celso D. Albuquerque Mello, Vicente Marotta Rangel, dentre outros. Entre os dualistas pode-se citar Amílcar de Castro e Nádia de Araújo. Posteriormente, Celso D. Albuquerque Mello mudou seu posicionamento e seguiu a posição dualista moderada, influenciando por completo suas decisões enquanto ministro do STF.

[2] Veja-se parte da ementa: "Paridade normativa entre atos internacionais e normas infraconstitucionais de direito interno. – Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes." ADI 1480 MC / DF – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, Relator Min. Celso de Mello. j. 04.09.1997 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 18.05.2001.

[3] ARAÚJO, Nadia de; ANDREIUOLO, Inês da Matta. A internalização dos tratados no Brasil e os  direitos humanos. in: Boucaut, Carlos E. de A.; Araújo, Nadia de (orgs.). Os direitos humanos e o direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 91.

[4] José Francisco Rezek explica que o Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado lesado uma reparação adequada. Continua explicando que basta haver afronta a uma norma de direito das gentes, cujo resultado seja danoso para outro Estado ou organização, para a responsabilização ser vislumbrada. Ainda, o Estado é responsável diretamente pela ação de seus órgãos, seja ela resultante do exercício de competência legislativa ou judiciária. Assim sendo, segundo ele, toda lei nacional conflitante com tratado em vigor representa a evidência de um ilícito internacional. Neste caso, a responsabilidade do Estado resulta da atividade legiferante. A afronta ao tratado – que é, em última análise, uma afronta ao princípio pacta sunt servanda – coloca o Estado em situação de ilicitude desde quando entre em vigor a lei com ele conflitante, e até que revogue tal lei, ou até que produza efeito a denúncia do compromisso internacional pelo Estado faltoso. 2000. p. 264. 

[5] STF, Recurso Extraordinário n. 94.084, julgado em 12/03/1986, Relator: Ministro Aldir Passarinho. 


Informações Sobre o Autor

Márcio Mateus Barbosa Júnior

Mestre em Direito Internacional Econômico e Tributário pela Universidade Católica de Brasília com ênfase em Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil, Especialista em Direito Empresarial e Contratos pelo Centro Universitário de Brasília e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Membro de Grupo de Pesquisa da Universidade Católica de Brasília – UCB. Membro do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual e ABDPC – Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Atualmente é advogado, sócio fundador do escritório Barbosa, Lobo & Meireles Advogados (BL&M, Advogados, Brasil) e professor universitário na cadeira de Direito Processual Civil. Tem experiência e atua nas áreas do Direito Civil, Empresarial, Societário e Internacional.


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