Indenização civil por abandono afetivo de menor perante a lei brasileira

Resumo: A afetividade é elemento basilar da convivência familiar no que concerne a paternidade responsável, onde a criança deve ser amparada moralmente e materialmente. A frustração deste princípio enseja dano aos filhos que nutrem a expectativa de serem criados e assistidos por seus pais. O pai que descumpre esta obrigação jurídica deixando o filho em abandono afetivo deve responder perante o estado nas sanções previstas em lei. A ninguém é dado o direito de causar dano a outrem e se assim o fizer deve repará-lo para que possa minimizar os prejuízos sofridos. Não é uma questão de obrigar ou não alguém a amar, mas de apurar as responsabilidades de um ato omissivo que causou lesão a um bem protegido, a dignidade da pessoa humana. O valor apurado não é para substituir os laços afetivos, mas, como qualquer ação de reparação moral, é para financiar os meios que possam diminuir a dor, a angústia, a solidão e o desamparo experimentado pela ausência de quem tinha o dever de cuidar.[1]


Palavras chave: Abandono afetivo, Convivência Familiar, Dano Moral, Responsabilidade Civil, Indenização


Sumário: 1. Introdução. 2. Do afetividade como dever familiar e seus efeitos perante a legislação brasileira. 3. Da omissão decorrente do poder familiar capaz de abandono afetivo. 4. Dano moral nas relações familiares e de afetividade. 5. Compensação civil por abandono afetivo de menor. 6. Conclusão. Referencias bibliográficas


1. Introdução


O modelo jurídico atual de família é pautado na convivência e nas relações afetivas, descritas pelo dever que tem o pai de criar e educar o filho. Premissa essa que se constitui pelo princípio da dignidade humana e por outros princípios basilares do direito de família e é fundamento suficiente para ensejar segundo as regras da responsabilidade civil a reparação por abandono afetivo de menor.


Assim, aquele pai que descumpre esta obrigação jurídica deixando o filho em abandono deve responder perante o estado nas sanções previstas em lei, isto para que a criança seja protegida em suas necessidades material, mental, moral, psicológica, social, religiosa, educacional e afetiva.


Quando dessa conduta omissiva for constatado dano moral a integridade da criança, o assunto passa a permear o ramo da responsabilidade civil e não mais do direito familiar.


Nas ações judiciais apreciadas muito se discutiu a monetarização do amor e impossibilidade que tem o judiciário de obrigar um pai a amar o filho, mas a relevância do pedido deve ser no conceito de ato ilícito, onde a ninguém é dado o direito de causar dano a outrem e se assim o fizer deve repará-lo para que possa minimizar os prejuízos sofridos.


O valor apurado não é para substituir os laços afetivos, mas, como qualquer ação de reparação moral, é para financiar os meios que possam diminuir a dor, a angústia, a solidão e o desamparo experimentado pela ausência de quem tinha o dever de cuidar.


O judiciário na fase probatória tem recebido o auxilio de ciências como a psiquiatria, a psicologia e a psicopedagogia, além de outros meios de prova, no intuito de verificar a ocorrência do dano e com precisão poder julgar o caso e estipular o valor da indenização. 


A questão não é subjetiva, pois que provado o liame entre a conduta omissiva do pai e o dano moral sofrido pelo filho é possível a apuração da responsabilidade civil. Esta, se não inclui taxativamente esta possibilidade de danos morais, também não a exclui; assim a possibilidade dessa averiguação comporta, além das regras básicas da responsabilidade civil aquelas oriundas dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção familiar.


Assim, explanando o aprofundamento das questões normativas e sociais que cabem no assunto em tese, deve-se contemplar a responsabilidade civil como veículo propício para dirimir os conflitos que extrapolam o direito de família, tais como o abandono afetivo de menor


2. Da afetividade como dever familiar e seus efeitos perante a legislação brasileira


O Instituto da Família tem sido estudado pelas mais diversas ciências, abordando e explicando as transformações destas relações ocorridas no tempo. O reflexo destes estudos rompeu-se sobre a legislação brasileira, formando novos paradigmas para o Direito das Famílias e suas relações sócio-juridicas.


É possível encontrar nos Estatuto da Criança e do Adolescente o reflexo dos Princípios Constitucionais no que concerne a convivência familiar, não necessariamente diária, mas capaz de reforçar os aportes: moral, físico, psicológico, mental e social, suficientes para a transposição digna desta criança à vida adulta, desdobrando-se das ações de assistir, criar e educar os filhos.


Apesar da lei não dizer claramente sobre os laços afetivos, seus diversos enunciados são baseados em preceitos da convivência familiar. Ao mesmo tempo em que a norma é uma imposição aos pais, ela protege a figura do filho, tornando o Estado e a sociedade responsáveis por garantir a obrigação de uma paternidade responsável, cabendo aos filhos o direito de ter a companhia e a convivência dos pais.


Parafraseando Cleber Affonso Angeluci pode se dizer que o afeto é a “expressão do amor e da solidariedade familiar, é um valor inerente a formação da dignidade humana e da constituição da pessoa. O afeto caracteriza um grupo unido pelos sentimentos de proteção e cuidado.”


O foco da família constitucionalizada pensado pelos direitos da personalidade tem como imperativo a convivência familiar afetiva, onde a afetividade passa a ser um axioma substancial e não mais formal, abarcando em seu bojo a idéia de que o ser humano precisa ser afetuoso com seu semelhante.


Não se pode pesar que uma criança precise mais dos recursos materiais do que dos morais. Os dois apresentam elevado sentido de composição do ser humano, pois se o corpo não vive sem comida, o corpo mental, psicológico e social não vivem sem as relações, uma vez que elas são a expressão do amor e do afeto.


A professora Hildeliza Lacerda dissertando sobre o assunto pontua que a “afetividade materializa a sensação de bem estar, promove o equilíbrio da pessoa e constrói a auto-estima, capacitando-a para superar as inusitadas situações da vida. O afeto também é uma necessidade biológica, é o alimento moral que integraliza e dá consciência para que a pessoa continue a viver.”


     Considerando que a personalidade de uma criança está em formação, a falta desta solidariedade pode gerar conseqüências severas em sua vida, tornando-a um adulto aquém de suas potencialidades, uma vez que não encontrou ambiente propício para o amadurecimento de sua segurança e de suas qualidades.


Walkiria Carvalho Nunes Costa em seu texto defende que o comportamento é adquirido e construído ao longo da vida da pessoa e assim conclui: “o trauma do abandono afetivo parental, imprimem uma marca indelével no comportamento da criança ou do adolescente. É uma espera por alguém que nunca vem, é um aniversário sem um telefonema, são dias dos pais/mães em escolas sem a presença significativa deles, são anos sem contrato algum, é a mais absoluta indiferença.”


O abandono afetivo é oriundo de uma negligência paternal e acaba por gerar uma violência moral e sentimental, ferindo as garantias individuais das crianças de serem acolhidas num seio familar e amparadas em suas diversas necessidades.


Assim, o estado tem a obrigação de reprimir a conduta ilícita no exercício do dever da paternidade responsável, decretando lhe sanções de acordo com o caso concreto, e ao mesmo tempo, amparar a vítima deste dano moral, acolhendo o ideal de indenização como possibilidade material para que a vítima busque recursos técnicos que ajude a minorar os danos psicológicos.


3. Da omissão decorrente do poder familiar capaz de abandono afetivo


No que concerne à omissão do poder familiar, o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 1638, do Código Civil, pune na forma da lei com a suspensão ou a extinção do poder familiar, o pai que negligenciar, discriminar, explorar, agir com violência ou crueldade descumprindo assim, os direitos fundamentais da criança.


Na forma descrita e já aceita pelo direito de família brasileiro, o abandono não é aquele exclusivamente material, mas qualquer forma que demonstre que a criança está desamparada. Ao que, não receber afeto incide em abandono, eis que deve se ponderar que o afeto é gênero enquanto o amor é espécie.


O pai que não dedica os devidos cuidados médicos ao seu filho, não o mantém estudando, não lhe guarda os momentos de lazer, não lhe provê os recursos materiais e não lhe orienta sobre o bem e o mal na convivência social é omisso e demonstra deixar em abandono o filho, um abandono moral destituído dos laços de afeto.


A professora Hildeliza Lacerda Boechat, em artigo publicado no Instituto Brasileiro de Direito de Família acerca do assunto, afirmou que “não pode haver frustração da expectativa entre as pessoas que se amam, pois umas esperam das outras condutas positivas como carinho, atenção, zelo, enfim, todas as manifestações de promoção do bem estar”


Silvio Rodrigues defende que o “Estado verificando que o comportamento dos pais prejudica os filhos, deve reagir para proteger a criança, afastando-a da nociva influencia do pai infrator. Cabendo a estes genitores, as sanções pertinentes conforme maior ou menor a gravidade da falta praticada.”


Duas vertentes jurídicas se abrem a partir desta apuração fática: a de que o Estado tutelando o direito do menor, pune pelas regras do direito de família os pais infratores, podendo o caso ser julgado pela vara de família ou pela vara da infância e da juventude, por serem assuntos pertinentes aos deveres do poder familiar.


E uma segunda, sob a responsabilidade civil, considerando que esta conduta omissa possa ser ilícita. Vale ressaltar, que esta vertente só é possível quando da conduta omissiva a vítima tenha sofrido efetivo prejuízo. Assim, deve-se ponderar que nem toda omissão do dever familiar é ilícita e gera dano capaz de ser indenizável, mas, provado que o abandono afetivo gerou prejuízo ao filho, o Estado não pode se furtar em julgar os reflexos que o direito de família apresenta no ramo da responsabilidade civil.


É o que considerou o relator designado: Desembargador Monteiro Rocha, ao julgar o recurso de apelação de danos morais e materiais por abandono afetivo, in verbis:


“Ora, julgar-se inexistente ilícito quando um ou ambos os pais, comprovadamente e de forma omissiva, deixam seus filhos em abandono moral e material é não garantir a eficácia do próprio direito no ordenamento jurídico, o que levaria ao ceticismo jurídico, incluindo-se aí a ceticemia, consistente na doença moral que corrói todo o sistema jurídico que nos envolve.”


“Para que não haja essa ceticemia jurídica decorrente de ofensas (positivas ou negativas) à lei, ao direito e à justiça, tenho necessidade de entender que o abandono afetivo é ilícito capaz de gerar danos morais e ensejar a sua reparação.”


A máxima nesses casos é o cuidado em dissociar o que a vítima alega para que a justiça possa apurar o que é tangível ao direito de família e o que é dano indenizável pela justiça cível. E que não se alegue falta de legislação tanto para um como para outro ramo do direito, pois que os artigos do Código Civil que tratam da responsabilidade civil são suficientes.


Nem parece cabível a discussão entorno do dever de amar, uma vez que o judiciário compele um pai por ação de guarda e visita a estar com seu filho e neste momento não analisa se existe amor ou não nesta relação, mas julga fundamentado no dever familiar de convivência que tem o pai e que é tão bem normatizado pela Carta Magna e pela legislação infraconstitucional.


Nesse diapasão o interesse é apurar os prejuízos oriundos da conduta lesiva no intuito de que a reparação possa minorar as conseqüências que a falta de afeto e do dever familiar causaram à vítima.  


Visto pela responsabilidade civil subjetiva o dever de indenizar erige do comportamento culposo, onde a vítima deve demonstrar que a conduta voluntária culposa ou dolosa do agente foi essencial na ocorrência do fato danoso.


Na indenização por abandono afetivo de menor deve se considerar todos os elementos da responsabilidade civil subjetiva, devendo quem alega provar o nexo causal entre a dor e a angústia da privação da convivência afetiva oriunda da conduta omissiva do genitor, numa relação de causa e efeito capaz de gerar conseqüências danosas no seu desenvolvimento.


Um pedido fundamentado na presunção legal dos laços afetivos relativos ao poder familiar dissertados na legislação brasileira e que caracterizam que a pessoa que gera um filho deve assumir as responsabilidades deste cargo. Ter o filho, educá-lo e prepará-lo para a vida adulta, de tal forma que ele tenha condições de viver independente financeiramente, psicologicamente, moralmente e socialmente.


É evidente que o mero descumprimento deste conjunto de deveres e direitos do poder familiar não ensejará danos morais, isto só será possível discutir judicialmente quando ficar provado que esta omissão acarretou distúrbios na vida da criança, que a constrangeu a ponto de se tornar um adulto menos feliz e realizado.


Portanto, a responsabilidade civil subjetiva dos genitores não é discussão familiar, mas com certeza é o debate da fissura deixada na personalidade de um ser humano em função da privação sofrida pelo abandono, de quem mesmo que não ame tem o dever


4. Dano moral nas relações familiares e de afetividade


No que toca aos danos morais nas relações afetivas e familiares é que algumas são oriundas do dever legal e outras partem do simples desejo de afeição, de carinho e do querer bem, mas todas elas capazes de gerar desconfortos quando o amor acaba e alguma das pessoas envolvidas tem uma conduta ofensiva aos direitos da pessoa humana.


Surge então o direito de indenização decorrente da quebra de um dever jurídico que protege a dignidade humana. Karine Damian acredita que o “fundamento do dano moral nas relações familiares não é a falta de amor, uma vez que ninguém obriga alguém a amar, mas sim, a responsabilidade que o Estado tem de tratar as condutas ilícitas capazes de ofenderem moralmente e psicologicamente.”


O instituto da responsabilidade civil a partir da Constituição de 1988 consagrou os direitos da personalidade como um direito constitucionalizado pela dignidade da pessoa humana. Segundo Rui Rosado Aguiar Junior isto desdobrou-se em novas definições de hipóteses de ofensas a este direito, assim, o dano moral ganhou maior dimensão e preocupação com a reparação do dano injusto, qualquer que seja sua natureza e o ambiente que ocorra.


O dano moral tem se construído de acordo com o redimensionamento da pluralidade familiar, realçando a proteção aos laços familiares sem prejudicar os conceitos da responsabilidade civil e sem deixar que os fatores sentimentais se sobreponham as presunções normativas. Pois, a indenização pertinente aos casos não é pela infração aos preceitos familiares, mas sim pelos danos causados a partir da conduta ilícita nas relações afetivas.


Para Rui Rosado Aguiar Junior a “obrigação de indenizar é genérica, devendo ser reconhecida sempre que presente seus pressupostos; o direito familiar não tem direito a uma posição privilegiada, ficando exonerado da reparação dos prejuízos que causar; a falta de previsão genérica para o direito de família não impede a incidência, além das regras especificas, aquelas do instituto da responsabilidade civil”


Para aqueles que dizem que nas relações afetivas não cabem indenizações por falta de previsão legal, muitas ações têm sido propostas na justiça brasileira e elas precisam responder aos anseios sociais, uma vez que a ação não busca acalentar o desamor obrigando a pessoa a amar, mas intenciona reparar a lesão deixada por uma conduta ilícita.


Então, não pode negar a apreciação do dano por abandono afetivo, contrariando a premissa da paternidade responsável, onde o dever do pai é de ordem material e moral. Assim, não cumprido este dever e provado os elementos da responsabilidade civil é digno que se julgue o caso, não pode o estado brasileiro dizer que falta previsão legal, contudo Paplo Stolze e Rodolfo Pamplona descrevem que mesmo tendo o magistrado dificuldades de ordem probatória, isto não pode ser um impedimento à ressarcibilidade do dano.


Presente esta colisão de fatos e normas exige-se que a responsabilidade civil seja aplicada no direito de família, de modo a não destruir os valores, que são os da proteção da família e de respeito ao interesse dos filhos. Deve o judiciário apreciar os danos morais, para que o valor da indenização amenize e ampare as conseqüências sofridas pela vítima.


5. Compensação civil por abandono afetivo de menor


Maria Berenice Dias em sua obra disserta que provado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo suscetível de ser indenizado. Isto porque a conduta de deixar o filho em abandono viola a norma jurídica e a integridade física da criança, configurando assim dano moral.


Este assunto tem trazido grandes celeumas jurídicas, uma vez que nos últimos anos muitas ações com este caráter têm sido debatidas no judiciário brasileiro, mas esta nova ordem de ser o abandono afetivo um ilícito capaz de gerar responsabilidade civil indenizatória ainda não é um posicionamento uniforme, cabendo assim a análise dos diferentes posicionamentos.


No Tribunal do Rio Grande do Sul em 2003, um pai foi condenado em primeira instância a pagar uma indenização fixada em R$ 48 mil reais (200 salários da época), isto abriu precedente favorável ao pagamento da indenização. A autora da ação recebia normalmente o valor acordado da pensão alimentícia, mas o pai não cumpria sua obrigação de convivência, estipulado e assumido por ele perante o juiz de visitar e passear com a filha a cada 15 dias, como também se comprometendo a acompanhar seu desenvolvimento e prestar assistência.


Na sentença, o juiz Mario Romano Maggioni fundamentou que conforme a legislação brasileira, a educação abrange a convivência familiar, onde é inerente o amor, o afeto, o respeito e a dignidade indispensáveis ao desenvolvimento da criança.


O intuito deste tipo de ação não é o de obrigar a amar ou indenizar a falta de amor, mas de amparar a vítima pelo dano sofrido decorrente de omissão, o objeto da ação é inerente ao dever que tem o pai com o filho. É o que se observa de uma decisão proferida pelo Dr. Luiz Fernando Cirillo:


“Não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dano decorrente de falta de afeto simplesmente pela consideração de que o verdadeiro afeto não tem preço, porque também não tem sentido sustentar que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito de obtenção de um beneficio econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens.”


Este posicionamento demonstra a interação da legislação brasileira à modernização das relações. Baseado nisto, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais reformou decisão de primeira instância que havia indeferido o pedido, tendo o relator Dr. Unias considerado legítimo o direito de buscar indenização por força de uma conduta imprópria, especialmente quando ao filho é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência  paterna, magoando seus mais sublimes valores.


Daniele Moura Gomes em texto publicado justifica que a alegação do relator é que a “ausência por si só causa dano, abalo na esfera psicológica e afetiva de um filho e que isto gera sentimentos irreparáveis necessitando de tutela jurisdicional”.


É sabido da dificuldade de se provar este tipo de dano, uma vez que é permeado de subjetividade, mas o judiciário há alguns anos é auxiliado por outras ciências, no intuito de que pareceres técnicos de outras áreas possam contribuir para a decisão mais justa. 


Nehemias Domingos de Melo apud Teresa Ancona Lopes adverte que não se pode capitalizar as relações, mas tudo depende do caso concreto, de forma que o juiz deve ser sábio para avaliar como a pessoa elaborou a indiferença paterna. É preciso ficar relatado que o dano psicológico é proveniente do abandono e que cabe indenização.


Neste sentido o Ministro Barros Monteiro, fundamentando-se no artigo 186 Código Civil, assim se manifestou:


“O dano resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo. Considero, pois, ser devida a indenização por dano moral no caso, sem cogitar de, eventualmente, ajustar ou não o quantum devido, porque me parece que esse aspecto não é objeto do recurso. Penso também, que a destituição do poder familiar, que é uma sanção do Direito de Família, não interfere na indenização por dano moral, ou seja, a indenização é devida além dessa outra sanção prevista não só no Estatuto da Criança e do Adolescente, como também no Código Civil anterior e no atual.”


Os Ministros Cesar Asfor, Aldir Passarinho e Fernando Gonçalves que também conheceram deste recuso, fundamentaram seus votos essencialmente no que tange julgar que “tudo quanto disser respeito às relações patrimoniais e aos efeitos patrimoniais das relações existentes entre parentes e entre os cônjuges só podem ser analisadas e apreciadas à luz do que está posto no próprio Direito de Família”.


Posicionamento este que parece negar a amplitude da responsabilidade civil, como se esta não pudesse dirimir os efeitos das relações familiares, mas com o entendimento do conceito de ato ilícito pela legislação brasileira, pela doutrina e pela jurisprudência este direito se torna inegável.


A reparação civil é inerente aos danos oriundos do mau exercício do poder familiar, onde esta omissão gera danos que obstam o desenvolvimento pleno da criança. Neste sentido o relator Fernando Gonçalves cita a advogada Maria da Silva:


Não se trata, pois, de “dar preço ao amor” – como defendem os que resistem ao tema em foco – , tampouco de “compensar a dor” propriamente dita. Talvez o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele, e outros que sua conduta deve ser cessada e evitada, por reprovável e grave.


Isto posto, ainda que a situação seja polêmica o judiciário deve enfrentar esta problematização acerca da responsabilidade civil, uma vez que o ordenamento jurídico tem condições de solucionar este conflito.


Os olhos da justiça não podem se entrevar num conceito fechado, como se os problemas fossem inerentes a um único ramo do direito, sua função é adequar os fatos às normas no ensejo de equilibrar as relações sociais.


6. CONCLUSÃO


Provado que a ausência afetiva foi capaz de gerar ilícito o direito civil dever dirimir e corresponder ao lesado, dando a este o direito de procurar recursos jurídicos que asseverem a conduta do lesante  (responsável paterno), e ao mesmo tempo lhe criar condições para que possa minorar as consequências deste ato ilícito, ou seja, a devida indenização ao lesado (filho abandonado afetivamente).


É importante ressaltar que ainda que os tribunais diante desta situação aleguem que o fato não incorre em dano indenizável, deve se rememorar pela história da responsabilidade civil o dano à imagem e à honra, pois este tema também enfrentou grandes resistências, e nem por isso o judiciário se furtou a aceitar a concretude do fato à lei civil que prevê a obrigação de indenizar o dano moral e assim dar uma resposta efetiva à sociedade.


Uma outra corrente de juízes e desembargadores em casos julgados acharam que há embasamento jurídico suficiente para fundamentar as ações de abandono afetivo, então não tem porque não criar um posicionamento positivo perante o assunto.


Esta não é uma necessidade do direito de família que intenciona obrigar alguém a amar, mas parte do princípio de que a ninguém é dado o direito de ocasionar prejuízos a outrem, e se assim o fizer deve indenizar na medida certa do mau que causou e na proporção do seu poder aquisitivo.


O dano ocorrido na esfera psicológica de uma criança tem a iminência de ser maior do que os danos materiais capazes de se refazerem com facilidade, pois os danos morais nem sempre podem ser apagados, assim é certo que as conseqüências deixadas na personalidade de uma criança a marcará na sua vida adulta.


Alguns ramos do direito brasileiro sofrem de ceticismo e isto não pode ser posto na responsabilidade civil, uma vez que suas regras atuais têm conseguido amparar os casos judiciais, portanto o mesmo deve acontecer com os ilícitos por abandono afetivo. Pois, se alguém não cumpriu o seu dever familiar imposto pela lei e isso gerou ao filho, a quem por regra geral devia ter o prazer de conviver, um prejuízo que obsteve seu amadurecimento sadio deve ser levado a reparar o mau que fez.


A punição além do caráter preventivo terá um cunho educativo, pois que os pais que procurem conviver efetivamente com seus filhos para não serem punidos terão por certo a oportunidade de passarem a amá-los.


Portanto, se a sociedade se ergue diante desta conjuntura, procurando o judiciário para proteger a dignidade da criança, cabe a ele cumprir seu papel de equilibrador das relações sociais, sem deixar que alegações sentimentais lhe tirem a função principal de aplicar as normas aos fatos sociais da vida diária.


 


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Apelação Cível n. 2006.015053-0, de São José. Relator Designado: Des. Monteiro Rocha. 13/02/2009. http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qID=AAAGxaAALAAAyufAAC&qTodas=abandono+afetivo&qFrase=&qUma=&qCor=FF0000

Texto publicado no sítio Correio Forense: A Justiça do Direito OnLIne, que citou como fonte de pesquisa a Revista Consultor Jurídico. http://www.correioforense.com.br/noticia/idnoticia/2653/titulo/Pai_tem_de_pagar_indenizacao_por_abandono_de_filha.html

Decisão Proferida pela 31a. Vara Cível Central de São Paulo – Processo n° 000.01.036747-0 – j. 07.06.2004. retirada do texto elaborado por: Nehemias Domingos Melo: Abandono Moral: Fundamentos da Responsabilidade Civil.


Nota:

[1] Professora Orientadora: Raquel Lucas Bueno, Professora do Curso de Direito e Advogada


Informações Sobre o Autor

Luciane Dias de Oliveira

Acadêmica de Direito


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