Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar os meios de defesa e das excludentes do dever de indenizar em casos de homicídio e lesão corporal. A pesquisa realizada baseou-se na evolução histórica do instituto da responsabilidade civil e suas dirimentes, desde o direito romano até os dias atuais, e nas influências de algumas legislações estrangeiras na elaboração de nosso diploma civil. Foram abordados os efeitos na jurisdição civil das excludentes de antijuridicidade e da sentença condenatória e absolutória no juízo criminal, assim como as causas que excluem o próprio nexo causal entre a conduta do agente e o dano, as excludentes da responsabilidade. Além da consulta à doutrina nacional e estrangeira, foram trazidas decisões proferidas por nossos tribunais levando em conta o tema abordado especificamente ligado àqueles crimes, e a consequente exclusão do dever de indenizar quando o delito é praticado em determinadas situações. Com base na doutrina e legislação estudadas, concluiu-se que o dever de reparação não pode ser imposto àqueles que praticam ato ilícito em situações em que não lhes era possível agir de maneira diversa, evitando sua condenação injusta, bem como o enriquecimento sem causa da vítima ou seus familiares.
Palavras-chave: Código Penal; Código Civil; Dano; Exclusão; Responsabilidade Civil.
Abstract: The objective of the present study is to analyze means of defense and civil liability exclusions in case of homicide and bodily harm. The research was based on the historical evolution of the institute of civil liability and its justifications since the Roman law period to the present day, and also on the influences of foreign legislation on the codification of our civil law. The justifications present in the Brazilian Criminal Code and its effects on our civil jurisdiction, the effects of criminal conviction and acquittal verdict in the duty of civil liability, as well as the causes which exclude the link between the agent’s behavior and the damage were addressed. In addition to the study of national and foreign legal literature, decisions of our courts considering the issue of civil liability were analyzed, and also the consequent lack of duty of compensation when the crime is committed in particular situations. Based on the literature and legislation reviewed, it was concluded that civil liability cannot be imposed on the subject that commits crime on those circumstances, avoiding the unjust enrichment of the victim and his family.
Keywords: Criminal Code; Civil Code; Damage; Exclusion; Civil Liability.
Sumário: 1. Considerações gerais. 2. Responsabilidade subjetiva e objetiva. 3. Responsabilidade contratual e extracontratual. 4. Evolução histórica. 5. Efeitos da sentença proferida no juízo criminal. 6. Excludentes da antijuridicidade. 7. Isenção da responsabilidade por exclusão do nexo causal. 8. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Considerações gerais
Responsabilidade civil é o dever de reparar dano causado a outrem. Toda vez que a ação ou omissão de um indivíduo causar prejuízo material ou moral a outro, surge, então, a responsabilidade de indenizar este último, que verá seu patrimônio ressarcido ou compensados, financeiramente, os danos causados à sua integridade física ou moral.
Buscando a origem do vocábulo, Maria Helena Diniz[1] afirma que o termo
“responsabilidade” deriva do verbo latino respondere, designando o fato de alguém ter se constituído garantidor de algo. A raiz de tal termo é latina, spondeo, fórmula pela qual no direito romano se vinculava o devedor nos contratos verbais, pois na era romana a stipulatio requeria o pronunciamento das palavras dare mihi spondes? Spondeo, estabelecendo uma obrigação a quem assim respondia.
Savatier apud Silvio Rodrigues, a define como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.[2]
Ante as definições acima transcritas, afirmamos que a responsabilidade civil corresponde ao dever de determinado sujeito de reparar o prejuízo sofrido por outrem, em razão de um acordo anteriormente firmado, ou por imposição de lei. A responsabilidade civil está sempre vinculada à idéia de reparar o dano causado.
Para que se configure a responsabilidade, porém, é preciso a verificação da ocorrência
de certos elementos. De acordo com Silvio Rodrigues, quatro são esses elementos: ação ou omissão do agente, que pode se originar de ato praticado por ele próprio, de terceiros que estejam sob sua responsabilidade ou ainda de coisas que estejam sob sua guarda; culpa ou dolo do agente que causou o prejuízo; dano experimentado pela vítima; e relação de causalidade, ou o liame entre sua conduta culposa ou dolosa e o prejuízo causado à vítima.[3]
O dever de reparar só surge se provada a relação de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano experimentado pela vítima. Se não evidenciado que o dano resultou do comportamento do ofensor, não se pode falar em indenização.
Por outro lado, na lição de Sérgio Cavalieri Filho, nem sempre há coincidência entre dano e ilicitude, pois nem todo ato danoso é ilícito, e nem todo ato ilícito é danoso. Daí a redação do art. 927 do Código Civil exigir a existência de ato ilícito que cause dano a outrem para que surja a obrigação de repará-lo. “A ilicitude não está, assim, automaticamente atada à consequência indenizatória, podendo aquela (ilicitude), receber outras consequências jurídicas, como a nulidade do ato, a perda de um direito material ou processual, e assim por diante.”[4]
O dano pode advir de um ilícito civil, como o dano causado a outrem em um abalroamento de veículos, ou de um fato considerado crime, como o homicídio e a lesão corporal, que serão aqui abordados.
O homicídio (Código Penal, Art. 121: Matar alguém) segundo Celso Delmanto et al,
“é a eliminação da vida de uma pessoa por outra”, tendo como sujeito ativo qualquer pessoa e como sujeito passivo qualquer ser humano com vida.[5] Já Carmignani apud Magalhães Noronha, nos dá a definição clássica do delito: “é a violenta hominis coedes ab homoni injuste patrata (violenta ocisão de um homem praticado por outro)”,[6] definição esta criticada por este último, que defende não ver “por que se há de ressaltar o elemento injusto, quando a antijuridicidade é característico de todo delito. Depois, desde que se trate de crime, a morte só pode ser dada por outro homem: só este é sujeito ativo.”[7]
Nos casos de homicídio, além da pena prevista no juízo criminal, há a previsão de indenização consistente no pagamento de despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, além de alimentos a quem a vítima os devia (Código Civil, art. 948). Silvio Rodrigues ressalta a importância do acréscimo da locução “sem excluir outras reparações” ao art. 948, caput, do novo Código Civil, correspondente ao art. 1537 do antigo diploma, o que possibilitou a indenização por dano moral cumulativamente aos danos materiais. Isso porque a regra tem escopo restritivo e, citando o antigo diploma, salienta que “como o art. 1537 […] taxativamente determina quais as verbas que devem compor a indenização, obviamente exclui qualquer outra ali não discriminada”.[8]
O crime de lesão corporal (Código Penal, art. 129: Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem), de acordo com Magalhães Noronha, “é, de um lado, a ofensa à integridade anatômica; de outro, toda perturbação do equilíbrio funcional do organismo, ou seja, da saúde física ou mental, do corpo ou do espírito.” E conclui: “a lesão corporal, para o Código, compreende a lesão ao corpo, à saúde fisiológica e à mente.”[9] De acordo com Mirabete, “é crime comum e, assim, qualquer pessoa pode praticá-lo.”[10]
Uma vez condenado criminalmente por esse crime, a vítima tem direito de receber do ofensor todas as despesas com o tratamento, além de lucros cessantes enquanto durar a convalescença (Código Civil, art. 949/950). A indenização por danos morais também pode ser pleiteada já que, na parte final do art. 949, correspondente ao art. 1538 do antigo diploma, há a previsão de indenização por algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.[11]
O dever de indenizar apresenta, entretanto, certas exceções que exoneram o agente daquela obrigação. Tais exceções são comumente chamadas de excludentes da responsabilidade civil e estão previstas no art. 188 Código Civil, ao elencar os atos não considerados ilícitos. Antes, porém, de discorrer sobre elas, faremos uma breve menção aos diferentes aspectos da responsabilidade civil, sua evolução histórica, além de comparar o modo como suas dirimentes são tratadas no ordenamento jurídico brasileiro e em outros países que as adotam.
2. Responsabilidade subjetiva e objetiva
Ao dispor sobre responsabilidade objetiva e subjetiva, Silvio Rodrigues pondera que,
“[…] não se pode afirmar serem espécies diversas de responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o dano.”[12] A responsabilidade subjetiva é a que se baseia na ideia da culpa, enquanto a objetiva se inspira na teoria do risco. Na primeira, só há a responsabilidade do autor do dano se este agiu com dolo ou culpa, cabendo à vítima provar que a conduta se deu culposa ou dolosamente. Já no segundo caso, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente, sem se cogitar sobre culpa ou dolo.[13] Há, nesse último caso, a inversão do ônus da prova.Nosso atual Código Civil, assim como o diploma de 1916, adotaram a responsabilidade subjetiva como regra, embora a responsabilidade objetiva esteja presente em alguns artigos, como 936, 937 e 938, que presumem a responsabilidade do dono do animal, do dono do edifício em ruína e do habitante da casa da qual caírem coisas. Em diversas leis esparsas, a tese da responsabilidade objetiva também foi sancionada: Lei de Acidentes do Trabalho, Código Brasileiro de Aeronáutica, Decreto Legislativo n° 2681/1912, que regula a responsabilidade civil das estradas de ferro, Código de Defesa do Consumidor e outras.
Isso porque o progresso e o desenvolvimento industrial trouxeram a exposição da sociedade aos riscos inerentes à tecnização dos tempos modernos, caracterizada pela introdução de máquinas para produção de bens em larga escala e de veículos automotores, dentre outros fatores. Todas essas mudanças trouxeram riscos à vida e à saúde das pessoas, o que levou a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil. Surgiram, então, teorias que tendem a propiciar maior proteção às vítimas.[14]
Dentre elas, a teoria do risco, onde a responsabilidade é encarada de forma objetiva, e sustenta que o sujeito é responsável por riscos e perigos que sua ação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano.[15] A responsabilidade passa a ser encarada de forma objetiva.
A responsabilidade subjetiva está presente no dever de indenizar decorrente da prática de crime de homicídio ou lesão corporal, já que, para a condenação do ofensor à reparação do dano, é necessária a prova de que tenha agido com culpa ou dolo. Porém, há casos em que essa responsabilidade é objetiva, como nos atos de prepostos de empresas públicas ou prestadoras de serviço público, tal como preceitua o art. 932 do Código Civil.[16]
A própria Lei Magna preceitua, em seu art. 37, 6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Esse também o entendimento de Serpa Lopez[17] referindo-se ao antigo Código e seu artigo 1522, atual 932: “As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes, nos termos do art. 15; se exercerem alguma indústria serão responsáveis, como qualquer emprêsa.”[18]
3. Responsabilidade contratual e extracontratual
Na responsabilidade contratual, antes de surgir a obrigação de indenizar, há entre o inadimplente e seu co-contratante, um vínculo jurídico derivado da convenção; na hipótese de responsabilidade extracontratual ou aquiliana, nenhum liame jurídico existe entre o causador do dano e a vítima até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores do dever de indenizar.[19]
Nos casos em que o agente é obrigado à indenização por cometer os crimes de homicídio e lesão corporal, tem-se que a responsabilidade é, na maioria das vezes, extracontratual ou aquiliana, já que não há descumprimento de obrigação previamente contratada.
Assim, como cita Silvio Rodrigues, num atropelamento onde a vítima perde um braço,
o causador desse dano fica obrigado a repará-lo e sua responsabilidade é extracontratual. A indenização consistirá no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, lucros cessantes até o fim da convalescença (CC art. 949), além do dever de fornecer uma pensão correspondente à diminuição de sua capacidade laborativa.[20]
Porém, conforme salienta Carlos Roberto Gonçalves, uma pessoa pode causar prejuízo a outrem pelo descumprimento de uma obrigação contratual como, por exemplo, é o caso de quem toma um ônibus: tacitamente é celebrado um contrato, chamado de adesão, com a empresa de transporte. Esta se obriga a conduzir o passageiro a seu destino, são e salvo. Ocorrendo um acidente no trajeto que deixe o passageiro ferido, configura-se o inadimplemento contratual, que acarreta a responsabilidade de indenizar as perdas e danos, nos termos do art. 389 do Código Civil.[21]
Nosso diploma civil cuida da responsabilidade extracontratual nos arts. 186 e187 e
927/954, e da contratual nos arts. 389 e seguintes, sem, porém, distingui-las.
4. Evolução histórica
Direito Romano – No início da civilização, quando o agente provocava algum dano, esse desencadeava a reação imediata do ofendido, brutal e instintiva. Como ainda não havia o direito, não existiam quaisquer regras ou restrições, o que, por sua vez, dava lugar à vingança privada, que ocorria de maneira natural contra o prejuízo sofrido. O mal era o modo de reparar o mal sofrido. Posteriormente, consagra-se o princípio da Lei do Talião, da retribuição do mal pelo mal, conhecida até hoje pela expressão “olho por olho , dente por dente”. Era a chamada “pena de Talião”. Importante ressaltar que, neste período, não se tinha a noção sobre a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, tudo ainda era compreendido como “pena” imposta ao agressor. Após essa fase, surge o período da “composição voluntária”, substituindo a pena de Talião pela compensação econômica. A vingança é, então, segundo Alvino Lima, apud Gonçalves, substituída pela composição a critério da vítima, mas subsiste como fundamento ou forma de reintegração pelo dano sofrido.[22]
Num outro estágio, quando já sob autoridade do Estado, surge a “composição legal” ou tarifada. A composição econômica, que antes era voluntária, passa a ser obrigatória e tarifada. É quando o ofensor paga um preço por membro roto, pela morte de escravo ou homem livre. É a época do Código de Ur-Nammu, do Código de Manu e da Lei das XII Tábuas. Após essa fase, surge entre os romanos, a distinção entre os delitos públicos, que são os que perturbam a ordem social e cuja pena econômica paga pelo ofensor é recolhida aos cofres públicos, e os delitos privados, em que a pena em pecúnia é paga à própria vítima. O Estado passa a ser o único detentor da função punitiva surgindo, então, a responsabilidade civil paralelamente à responsabilidade penal.[23]
Porém é com a introdução da Lei Aquília perante os conceitos jus-romanísticos, precisamente na época de Justiniano, que realmente se observa uma evolução do tema “Responsabilidade Civil”. Esse diploma alcança significativa relevância neste ciclo do direito romano. A Lex Aquília, como bem elucida Silvio Venosa, “foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II A.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens”[24]
É a partir deste princípio que se origina a responsabilidade extracontratual, ou seja, aquela que não deriva de contrato e, por esse motivo, denominada “responsabilidade aquiliana”. Constrói-se assim, no Direito Romano, a estrutura jurídica da responsabilidade extracontratual, da culpa aquiliana, sendo a reparação do dano nela regulada, constituindo-se o início da jurisprudência clássica em relação à injúria. Segundo Carlos Roberto Gonçalves:
“Apesar da incerteza que ainda persiste sobre se a “injuria” a que se referia a Lex Aquilia no damnun injuria datum consiste no elemento caracterizador da culpa, não paira dúvida de que, sob o influxo dos pretores e da jurisprudência, a noção de culpa acabou por deitar raízes na própria Lex Aquilia, o que justificou algumas das passagens famosas: in lege Aquilia et levissima culpa venit(…).”[25]
Já no Direito Romano estão presentes, também, algumas excludentes da responsabilidade aquiliana encontradas em nosso direito, como a legítima defesa: “Paul. D. 9, 2, 45, 4: Os que, não podendo defender-se de outra forma, tiverem causado dano com culpa, são irresponsáveis; pois todas as leis e todos os direitos permitem repelir a força com a força.[…]”, e o estado de necessidade: “Gai D. 9, 2, 4 pr.: Assim, se eu tiver matado um escravo teu <que fosse> ladrão à espreita, ficarei seguro, <isento de responsabilidade>; porque a razão natural permite que <a pessoa> se defenda contra o perigo.” Além delas, previa a lei romana a ordem pública, ou atos do magistrado “Ulp. D. 47, 10, 13, 1: Não se considera que aquele que utiliza o direito público faça isso para causau iniuria, porque o exercício de um direito não contém iniuria”, e o consentimento:
“Ulp. D. 9, 2, 7, 4: Se exercitando-se alguém numa luta, ou em combate livre, ou pugilistas entre si, um tiver matado o outro em certame público, cessa a lei Aquília, porque se entende que o dano foi causado por causa de glória e do valor, e não por iniuria […] Mas se tiver ferido aquele que se rendia, terá lugar a <lei> Aquília; ou se matou o escravo fora de um certame, salvo se o fizer com o consentimento do dono, porque então cessa a lei Aquília.”[26]
Direito Francês – No direito francês, certos princípios foram sendo estabelecidos, como um aperfeiçoamento do sistema românico. Evidencia-se um princípio geral da responsabilidade civil sem, contudo, a enumeração dos casos de composição obrigatória. Com o aperfeiçoamento do pensamento dos romanos, evoluiu-se da enumeração dos casos de composição obrigatória para um princípio geral, culminando, passo a passo, na consagração do princípio aquiliano, segundo o qual in lege Aquilia et levissima culpa venit (MAZEAUD E MAZEAUD, t. 1, n. 36, p. 48), ou seja, a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar. A partir dele outros foram criados, os quais exerceram grande influência em outros povos, como a existência de culpa contratual, decorrente do descumprimento das obrigações, sem porém se ligar a crime ou a delito.[27]
Após a Revolução Francesa (1789), já na Idade Contemporânea, surge o Código de Napoleão, e nele a distinção entre culpa contratual e culpa delitual (arts. 1.382 e 1.383). De acordo com José de Aguiar Dias apud Carlos Roberto Gonçalves[28], a ideia de que a responsabilidade civil se funda na culpa foi adotada pelas legislações de todo o mundo, além de distinguir entre a responsabilidade penal e a civil. Ainda segundo Aguiar Dias, a legislação moderna tem no Código Civil francês seu modelo e inspiração, e a própria evolução do direito francês nos tempos modernos dispensa considerações mais longas, bastando recordar que se deu através da mais extraordinária obra de jurisprudência de todos os tempos.[29]
Direito português – No primitivo direito português, fortemente influenciado pela legislação germânica e pelo cristianismo, não havia distinção entre responsabilidade civil e criminal. Apenas após a invasão árabe a reparação pecuniária passa a ser aplicada paralelamente às penas corporais.[30] Pontes de Miranda apud Aguiar Dias, lembra que as diferenças de classe influíam no direito de reparação do dano, e que o aperfeiçoamento das instituições municipais, no século XII, marcaram o princípio da emancipação do trabalhador em Portugal, abrindo algumas brechas nesse sistema de iniquidades.[31]
Porém, outras permaneceram como expressões curiosas dos costumes: em Santarém, não era obrigado a reparar quem maltratava o criado ou dependente de outrem, se não lhe tolhia de algum membro. Prossegue Aguiar Dias citando Vicente de Azevedo, ao relatar que mesmo as Ordenações do Reino, sistema português em vigor no Brasil durante o período colonial, não distinguiam entre reparação, pena e multa, “não visando claramente à indenização, nem mesmo quando os bens do criminoso sofriam confiscação pela coroa.”[32]
Salienta Carlos Roberto Gonçalves que somente com o Código Civil de 1966 o sistema jurídico lusitano se adapta às novas diretrizes da responsabilidade civil, de acordo com o art. 483º:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”[33]
Direito brasileiro – Nosso Código Criminal de 1830, em obediência à recomendação do art. 179, n° 18, da Constituição do Império, transformou-se em código civil e criminal fundado na justiça e equidade. Previa, entre outras coisas, a reparação natural e, quando essa não fosse possível, a indenização (sem que, porém, o legislador se preocupasse em assegurá-la); a solução da dúvida em favor do ofendido; a integridade da reparação sempre que possível; a transmissibilidade do dever de reparar, bem como do crédito da indenização aos herdeiros etc.[34]
A responsabilidade civil no Código de 1830 era condicionada à condenação criminal. Em seu Título I, Capítulo II, arts. 14, Dos Crimes Justificaveis, cuidava das excludentes da ilicitude presentes no atual Código Penal: aqueles praticados para evitar mal maior, em defesa da pessoa ou seus direitos, da família, ou de terceiro. Já no Capítulo IV, Da Reparação, arts. 21 a 32, tratava da satisfação do dano causado pelo delito.[35] Se não tivesse condições de reparar o dano, ao responsável era imposta a prisão com trabalho, que porém só teria lugar quando houvesse condenação no crime, e não cos casos de absolvição no crime ou simples condenação unicamente no cível, por danos decorrentes de uma culpa civil.[36]
Posteriormente, as jurisdições civil e criminal passaram a ser independentes. Tendo sido nossa legislação fortemente influenciada pela francesa, o Código Civil de 1916, ainda que via reflexa, se inspirou naquele sistema jurídico, o que levou à consagração da teoria subjetiva que exige prova da culpa como regra no campo da responsabilidade civil. Era necessária a prova da culpa ou dolo do causador do dano para que fosse obrigado a repará-lo. Em poucos casos, porém, a culpa do lesante era presumida (arts. 1527/1529, entre outros).
Nos últimos tempos, porém, o desenvolvimento industrial e o progresso fizeram com
que a sociedade ficasse cada vez mais exposta a perigos, necessitando de legislação que lhe desse proteção maior. Surgiu, então, a teoria do risco, já no diploma civil de 1916, que prevendo a responsabilidade objetiva, sobre a qual discorremos acima.
O atual Código Civil, mormente no parágrafo único do art. 927, também a aplica, além
dos casos previstos em lei, quando a atividade do autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
As hipóteses em que a conduta do agente não viola dever jurídico, apesar de causar
dano a outrem, são as causas de exclusão de ilicitude, previstas no Código Penal Do mesmo modo, de acordo com o art. 188 do Código Civil, não constituem ato ilícito os praticados no exercício regular de um direito, em legítima defesa ou em estado de necessidade. Analisaremos especificamente as excludentes do dever de indenizar com ênfase nos casos de homicídio e lesão corporal, objeto deste estudo.
5. Efeitos da sentença proferida no juízo criminal
Sendo a jurisdição uma função soberana atribuída ao Judiciário, tem-se que é una, e
sua divisão entre civil e penal se dá como medida de facilitar o seu exercício. Fernando da Costa Tourinho Filho apud Carlos Roberto Gonçalves leciona que a divisão que se estabelece entre a “jurisdição penal” e a “jurisdição civil” se assenta, única e exclusivamente, na natureza do conflito intersubjetivo e, assim mesmo, pelas vantagens que a divisão do trabalho proporciona.[37]
Assim, por questões de ordem prática, as questões cíveis são decididas no que se convencionou chamar de “jurisdição civil”, e as criminais são julgadas na “jurisdição penal”.
Porém, o mesmo fato pode ser considerado ilícito penal e civil, já que acarreta dano à vítima. Nesses casos, a responsabilidade penal do causador do dano é apurada no juízo criminal e a responsabilidade civil, ou o dever de indenizar a vítima, no juízo cível. Haverá, então, o perigo de decisões conflitantes, pois a existência do fato e sua autoria podem ser reconhecidos na esfera criminal e negados na esfera cível, e vice-versa.
Como ensina Carlos Roberto Gonçalves, a fim de se evitar que decisões conflitantes sejam proferidas, o que acarretaria enorme insegurança jurídica, nosso ordenamento criou mecanismos que promovem a interação dessas duas jurisdições, no Código Penal (art. 91, I, que prevê o dever de reparar o dano causado pelo crime), Código de Processo Penal (arts. 63 a 68, ao disporem sobre a execução da sentença condenatória no juízo cível), Código de Processo Civil (art. 475-N, II, que reconhece a executividade da sentença penal condenatória trânsita) e também no Código Civil, que em seu art. 935 estabelece que a responsabilidade civil é independente da penal, não sendo possível questionar novamente sobre a autoria ou a existência do fato se tais questões estiverem decididas no juízo criminal.[38]
Desse modo, uma vez decididas na esfera penal acerca da existência do fato ou sua autoria e transitada a sentença criminal condenatória, sua execução no juízo cível pode ser promovida para que seja reparado o dano, e aí não mais se poderá questionar sobre tais questões.
Fernando da Costa Tourinho Filho afirma estar o art. 63 do CPP próprio Código Penal
em plena sintonia com o art. 91, I, do Código Penal, ao dispor que uma vez transitada a sentença condenatória, o ofendido, seus representantes ou herdeiros poderão promover-lhe a execução no juízo cível. Aí, “então, não mais se discutirá se o réu tinha ou não razão, se ficou ou não provada a relação de causalidade, pois o art. 935 do CC proclama que a responsabilidade civil é independente da criminal.”[39] Por sua vez, Sérgio Cavalieri Filho reconhece que “por seu turno, o art. 584, II, do Código de Processo Civil coloca a sentença condenatória transitada em julgado entre os título executivos judiciais.”[40]
Importante ressaltar que mesmo a sentença absolutória pode gerar o dever de indenizar
no juízo cível, bastando que seja fundada em falta de prova. Assim, se o réu for absolvido por falta de provas quanto ao fato ou à sua autoria, tal decisão não repercutirá na esfera cível, já que a prova produzida no processo penal, insuficiente para uma condenação, pode ser produzida no juízo cível e ensejar uma indenização.
Esse também o entendimento de nossos tribunais, como se observa do REsp 89.390-
RJ, da relatoria do Min. Ruy Rosado, apud Sérgio Cavalieri Filho, ao decidir que:
“A sentença absolutória proferida no juízo criminal subordina a jurisdição civil quando nega categoricamente a existência do fato ou a autoria, ou reconhece uma excludente de antijuridicidade (legítima defesa, exercício regular de um direito, estado de necessidade defensivo). A absolvição criminal por falta de prova, como ocorreu no caso, não impede a procedência da ação cível.”[41]
Ainda segundo Sérgio Cavalieri Filho, no que diz respeito à culpa,
“a sentença penal não vincula o juízo cível ainda que o juiz criminal absolva o réu por entender ter ficado provado que ele não teve culpa ( e não por falta de prova). Tenha-se sempre em mente que a culpa civil é menos grave que a penal, sem se falar nos casos de culpa presumida e até de responsabilidade objetiva, de sorte que não haverá colisão entre uma absolvição criminal por inexistência de culpa e uma condenação no Cível.”[42]
Diferentes os casos de sentença penal fundada em prova da inexistência do crime, de acordo com o art. 66 do Código de Processo Penal, que dispõe: “Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.” Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, “A contrario sensu, a ação civil não poderá ser proposta quando a sentença penal absolutória tiver reconhecido, categoricamente, a inexistência material do fato.”[43] E, de acordo com Tourinho Filho,
“se ficar provado que o réu não concorreu para a ação penal, o Juiz proferirá sentença absolutória, e não poderá ser proposta a ação civil por ter sido negada, peremptoriamente, a autoria (CC, art. 935). O fato ocorreu. Entretanto, no Processo Penal, ficou provado que o réu não concorreu para a infração penal.”[44]
Nesses casos, se reconhecida a inexistência do fato ou sua autoria, a ação civil não poderá ser proposta pois, se o ato ilícito é o mesmo, e provado na justiça penal que ele não existiu ou que o acusado não foi seu autor, tais questões não mais poderão ser discutidas na justiça cível.
O mesmo não se pode dizer quanto à sentença absolutória do Júri. A decisão dos jurados não é motivada e, por essa razão, quando o Júri absolve, não há como se saber se foi por insuficiência de provas ou não, podendo até ocorrer decisão absolutória manifestamente contrária à prova dos autos. Por essa razão, tem-se entendido que a decisão absolutória do Júri sobre a questão do fato e da autoria, por não ser fundamentada, não tem nenhuma influência no juízo cível.[45]
Carvalho Santos apud Cavalieri Filho argumenta que “Ainda um argumento vem corroborar nossa conclusão. A soberania do Júri é incompatível com a teoria da eficácia da decisão do Crime sobre a instância cível: ou, por outra, a decisão do Júri não pode ser considerada como uma sentença capaz de influir na instância civil, a não ser quando seja pelo menos circunstanciada, como na resposta aos quesitos da legítima defesa”[46]
6. Excludentes da antijuridicidade
Discorremos acima sobre a influência da sentença penal condenatória e absolutória sobre o juízo da reparação. Como visto, havendo um dano provocado pelo ilícito penal, poderá ser ele ressarcido no juízo cível, desde que não reconhecida a inexistência material do fato ou sua autoria. O próprio diploma civil, em seu art. 948, dispõe: “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.”
Há casos, porém, em que mesmo estando provadas a materialidade e a autoria, e também havendo o dano ocasionado à vítima, a sentença criminal reconhece uma causa que justifica a ação tida como crime no Direito Penal. A ilicitude dessa conduta, então, será excluída, não ensejando uma pena. Isso porque a antijuridicidade, como definida por Welzel, apud Luiz Regis Prado, é “A violação da ordem jurídica em seu conjunto, mediante a realização do tipo.”[47] Conclui o mesmo autor que “A realização de toda ação prevista em um tipo de injusto de ação dolosa ou culposa será antijurídica, enquanto não concorrer uma causa de justificação.”[48] (grifo nosso)
Ou seja, a contrario sensu, ocorrendo uma causa que justifique a conduta do agente, fica excluído o caráter de ilicitude da ação tida como crime no ordenamento jurídico e tal ação não mais enseja uma pena. As causas que justificam a ação típica são chamadas de excludentes da antijuridicidade, e estão previstas no art. 23 do Código Penal: legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito e estado de necessidade.
O mesmo efeito terá sobre o juízo cível, já que tais causas eliminam o dever de indenizar. De acordo com Sérgio Cavalieri Filho, o Código Civil, em seu art. 188, prevê hipóteses em que a conduta do agente, embora cause dano a outrem, não viola dever jurídico. Assim, traz à esfera civil as excludentes do Direito Penal ao considerar que “não constituem ato ilícito os praticados no exercício regular de um direito, em legítima defesa ou em estado de necessidade. Nesses casos, apesar da ação voluntária do agente e da ocorrência do dano, não há o dever de indenizar.[49]
EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO – Pressupõe uma faculdade de agir atribuída pelo ordenamento jurídico a alguma pessoa, pelo que a prática de uma ação típica não configura um ilícito. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, “é aquele exercido regularmente, razoavelmente […]. Quem exerce seu direito subjetivo nesses limites age licitamente, e o lícito exclui o ilícito. […] Vem daí que o agir em conformidade com a lei não gera responsabilidade civil ainda que seja nocivo a outrem […].”[50]
Nas palavras de Silvio de Sávio Venosa, “Na mesma dicção, deve estar subentendida outra excludente de índole criminal, o estrito cumprimento do dever legal, porque atua no exercício regular de um direito reconhecido quem pratica ato no estrito cumprimento do dever legal.”[51]
É a causa de exclusão da ilicitude que consiste na ocorrência de um fato típico realizado no desempenho de uma obrigação imposta por lei, porém nos exatos limites dessa obrigação.Se o titular de tal direito, porém, exceder manifestamente os limites estabelecidos pela lei, configura-se o abuso de direito, o que torna o ato ilícito, conforme estabelecido no art. 187 do Código Civil: “Art. 187: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
O TJSP, em recente acórdão, adota o mesmo entendimento, como se vê da seguinte decisão:
“Ação de indenização por danos materiais e morais – Autora que alega que seu filho fora morto em cadeia pública – Conjunto probatório coligido aos autos que não demonstra, inequivocamente, o nexo de causalidade – Responsabilidade do Estado em indenizar afastada – Agentes que atuaram no estrito cumprimento do dever legal – Provas juntadas que atestam a ausência de excesso policial – Sentença de improcedência mantida. Negado provimento ao recurso.” (APELAÇÃO CÍVEL N°994.07.044474-4, Relator Oswaldo Luiz Palu, Comarca: Franco da Rocha – 9ª Câmara de Direito Público – 06.10.2010).
No caso de estrito cumprimento do dever legal, salienta Carlos Roberto Gonçalves que, mesmo exonerado o agente da responsabilidade pelos danos causados, a vítima, muitas vezes, consegue obter o ressarcimento do Estado, já que nos termos do art. 37, § 6° da Constituição Federal, “as pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.” Nesses casos, o Estado apenas terá ação regressiva contra o funcionário responsável nos casos em que este agir com culpa ou dolo, pois estará ele amparado pela excludente do estrito cumprimento do dever legal.[52]
Também o direito italiano reconhece a excludente e os limites nos quais o direito deve ser exercido, não autorizando o abuso:
“[…] il titolare si avvale di una posizione de vantaggio che gli è legalmente riconosciuta e che prevale sugli interessi altrui eventualmente confligenti. Il diritto esclude quindi in radice l´antigiuridicità del fatto. Occorre tuttavia che il titolare non travalichi i limiti del suo diritto: limiti che possono consistere nei diritto altrui com cui il diritto proprio deve coesistere.”[53]
LEGÍTIMA DEFESA – Apesar de a sociedade não admitir a justiça de mão própria, reconhece situações em que o indivíduo pode usar moderadamente de meios necessários para repelir agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Tendo o Código Civil, em seu art. 188, I, repetido a definição do diploma penal, não considera ato ilícito aquele praticado nessas circunstâncias, já que o agente pratica ato em legítima defesa, sendo exonerado do dever de indenizar. “Se o ato foi praticado contra o próprio agressor, e em legítima defesa, não pode o agente ser responsabilizado civilmente pelos danos provocados.”[54]
De acordo com o ensinamento de Silvio de Salvo Venosa, porém, se, “no ato de legítima defesa, o agente atinge terceiro ou os bens deste (aberratio ictus), deve reparar o dano, dispondo de ação regressiva contra o ofensor para reembolso da indenização paga.”[55]
Também a legítima defesa putativa não exime o réu de indenizar o dano, pois somente exclui a culpabilidade e não a antijuridicidade do ato.[56] Ou seja, só exclui “a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal (culpabilidade), e não a contrariedade do fato ao ordenamento legal (antijuridicidade).”[57] Esse também o entendimento de nossos tribunais, como se vê do acórdão proferido pelo TJSP, a seguir transcrito:
“RESPONSABILIDADE CIVIL – ATO ILÍCITO – vítima de disparo de arma de fogo feito por pessoa que imaginava estar sendo atacada – absolvição na esfera criminal pelo reconhecimento da legítima defesa putativa – circunstância que não afasta a responsabilidade do réu de indenizar – vítima que estava desarmada e embriagada – culpa do apelante no resultado do ato ilícito – dever de indenizar – recurso não provido.” (TJSP – Apelação Cível nº 467.127-4/0 – Rel. Ruy Camilo – Comarca : Taubaté – 1ª Câmara “A” de Direito Privado – 28.08.2007)
Também nesse sentido a lei italiana, que considera a legítima defesa uma excludente da antijuridicidade e exonera o agente do dever de indenizar:
“La legittima difesa è quindi causa di esclusione dell´antigiuridicità. Chi reprime l´agressione altrui non compie un atto antigiuridico e non arreca un danno ingiusto. L´aggressore non può quindi ne pretendere di essere risarcito o indennizzato ne a sua volta avvalersi della legittima difesa nei confronti dell´aggredito”[58]
O Código Civil alemão exclui a antijuridicidade do ato praticado em legítima defesa, nada prescrevendo a respeito da obrigação de indenizar: “Um ato imposto por legítima defesa não é antijurídico. Legítima defesa é aquela que é necessária para afastar de si ou de outrem, um ataque atual contrário ao direito.” Conclui José Franklin de Sousa não haver, por essa razão, dever de indenização[59]
ESTADO DE NECESSIDADE – De acordo com o art. 24 do Código Penal, age em estado de necessidade aquele que “pratica o ato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.”. Von Liszt apud José de Aguiar Dias,[60] define o estado de necessidade
“como a situação de perigo atual dos interesses protegidos pelo direito, na qual não há outro remédio senão a violação de interesses de outrem, por igual protegidos juridicamente Caracteriza-se, pois, como colisão de interesses, em que o ato praticado em estado de necessidade aparece como providência de proteção ou salvaguarda dos interesses próprios – excepcionalmente alheios também – que se encontram em perigo imediato, providência que só se pode efetivar mediante lesão de interesses legítimos de outrem.” (Tratado de Derecho Penal, trad espanhola de Asúa, Madri, 1927, p. 341).
Sérgio Cavalieri Filho assinala semelhanças entre o estado de necessidade e a legítima defesa ao esclarecer que ambos têm em comum o fato de ser lesionado um interesse alheio a fim de afastar um dano. A diferença é que “enquanto a legítima defesa exprime uma reação ou repulsa contra injusta agressão de outrem, o estado de necessidade tem essencialmente o caráter de ação como ataque ou defesa contra um perigo não proveniente de agressão de outrem.” Porém, na legítima defesa, continua o autor, “há a exclusão da “obrigação de indenizar o ofendido pelo que vier a sofrer em virtude da repulsa à sua agressão”, enquanto que “o art. 929, não obstante configurado o estado de necessidade, manda indenizar o dono da coisa pelo prejuízo que sofreu, se não for culpado do perigo, assegurado ao autor do dano o direito de regresso contra o terceiro que culposamente causou o perigo.”[61]
Conforme salienta José de Aguiar Dias, há divergências na doutrina quanto à obrigação de reparar o dano praticado em estado de necessidade. Segundo o autor, Chironi filia essa obrigação no princípio do enriquecimento sem causa, enquanto Ugo Cedrangolo, partilhando da mesma opinião, sustenta que o ato praticado nessas circunstâncias não fundamenta a reparação civil de si só, mas “reconhece, em face da alteração do direito do agente, que se traduza em vantagem para ele e prejuízo de terceiro a procedência da ação de in rem verso.”[62]
Prossegue o ilustre jurista citando René Demogue, para quem a reparação se funda em expropriação privada, já que a o dano foi causado pelo ato necessário em proveito do agente. Finalmente, Giorgi apud Dias, afirma que a reparação é fundada na equidade, solidariedade ou assistência social, critério que coincide com o ponto de vista de Aguiar Dias, para quem a obrigação de reparar surge da simples violação injusta do status quo.[63]
Esse também o entendimento de nossos Tribunais, conforme se observa da decisão proferida pelo ilustre Ministro Ruy Rosado de Aguiar:
“Responsabilidade civil – Estado de necessidade –Ônibus – Freada que provoca queda de passageira. A empresa responde pelo dano sofrido por passageira que sofre queda no interior do coletivo, provocada por freada brusca do veículo, em decorrência do estilhaçamento do vidro do ônibus provocado por terceiro. O motorista que age em estado de necessidade e causa dano em terceiro que não provocou o perigo deve a este indenizar, com direito regressivo contra o que criou o perigo. (Resp 209.062-RJ, 4ª T., Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar).
A doutrina iltaliana considera o estado de necessidade semelhante à força maior, na medida em que implica um sacrifício superior àquele normalmente requerido, sendo impossível respeitar o direito alheio. Igualmente ao nosso direito, exclui a antijuridicidade, porém subsiste dever de indenizar o lesado: “[…] la specifica previsione normativa che esonera da responsabilità l´autore del fatto necessitato ma non esclude l´esigenza di tutela dell´interesse del danneggiato prevedendo a suo favore la corresponsione di um indennizzo.”[64] Prossegue explicando que o fundamento da indenização é a equidade social: “Fondamento comune di tale obbliga comunque è un´esigenza di equità sociale che impone un esborso economico a carico di chi consegue la salvezza personale sacrificando un diritto altrui.”[65]
O Código Civil português trata da matéria colocando o estado de necessidade como exercício e tutela de direitos:
“Art. 339. Estado de necessidade. 1. É lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro. 2. O autor da destruição ou do dano é, todavia, obrigado a indenizar o lesado pelo prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indenização eqüitativa e condenar nela não só o agente, como aqueles que tiverem proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade.”[66]
7. Isenção da responsabilidade por exclusão do nexo causal
Nos casos até aqui elencados, constantes do art. 188 do Código Civil, ocorrem as causas de exclusão da ilicitude. Ou seja, apesar de presentes a conduta do agente, o dano e a relação de causalidade entre ambos, requisitos necessários à configuração da responsabilidade civil, não há a violação do dever jurídico por não estar o ato sob a censura da lei. A ilicitude é excluída por força da própria lei e, da mesma maneira, o dever de reparação do dano, ou, em se tratando do estado de necessidade, é previsto o direito de regresso contra o verdadeiro causador do prejuízo.
Há, porém situações em que ocorre a exclusão do próprio nexo causal. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, não raro, pessoas obrigadas a determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que apenas aparentemente deram causa. No entanto, “quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o dano ocorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas”.[67] O nexo causal é excluído, assim, nas causas de impossibilidade do cumprimento da obrigação não imputáveis ao dever do agente. De acordo com a doutrina tradicional, ocorre nas hipóteses de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
CASO FORTUITO e FORÇA MAIOR – Há autores, como Sérgio Cavalieri Filho, que entendem haver diferença entre as duas situações, esclarecendo que estaremos diante do “caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável”. Porém, em se tratando de fato superior às forças do agente, inevitável, ainda que previsível, como os fatos da Natureza, como o são as tempestades, enchentes etc., “estaremos em face da força maior, como o próprio nome diz. É o act of God, no dizer dos ingleses, em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitá-lo, ainda que previsível.”[68]
José de Aguiar Dias, ao analisar o parágrafo único do art. 393, afirma ter o Código de 2002 adotado a noção objetiva de força maior, mencionando renomados juristas que compartilham da mesma opinião, como Clóvis Bevilacqua, Carvalho de Mendonça e outros. Já a corrente subjetiva conta com a opinião de Espínola e Spencer Vampré. Ainda Aguiar Dias, citando Arnoldo Medeiros, afirma que a jurisprudência sempre se manteve fiel ao conceito clássico do caso fortuito, caracterizando-o pela imprevisibilidade ou inevitabilidade. A noção de um e outro decorre de dois elementos: um interno e de caráter objetivo, ou seja, a inevitabilidade do evento; outro externo ou subjetivo, a ausência de culpa. Adota um conceito misto ao dispor que “[…] não há acontecimentos que possam, a priori, ser sempre considerados casos fortuitos; tudo depende das condições de fato em que se verifique o evento. O que hoje é caso fortuito, amanhã deixará de sê-lo, em virtude do progresso da ciência ou da maior previdência humana.”[69]
O que determina as causas de isenção no seu papel de dirimentes é a supressão da relação de causalidade. Silvio de Salvo Venosa afirma que “ambas as figuras equivalem-se, na prática, para afastar o nexo causal.”[70] Esse mesmo autor afasta a teoria subjetiva, que procura identificar os fenômenos nas condições do agente e na ausência de culpa, filiando-se ao conceito de ordem objetiva, que gira sempre em torno da imprevisibilidade ou inevitabilidade, aliado à ausência de culpa, ressaltando que “às vezes o evento é previsível, mas são inevitáveis os danos, porque impossível resistir aos acontecimentos. Desse modo, desaparecido o nexo causal, não há responsabilidade.”[71]
As duas expressões, porém, são consideradas sinônimos por nossa Lei Civil que, em seu art. 393, as caracteriza como sendo o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. Importante é que o prejuízo não é causado pelo fato do agente, mas em razão de acontecimentos que escaparam a seu poder.
Esse o entendimento também de acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul:
“TRANSPORTE. HOMICÍDIO. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA AFASTADA. CASO FORTUITO EQUIPARÁVEL À FORÇA MAIOR. OCORRÊNCIA. Não há falar em responsabilidade da transportadora quando um passageiro, após descer do trem, é alvejado por tiro desferido por terceiro, dentro da plataforma de desembarque, vindo a falecer no hospital, pois tal fato é alheio a sua previsibilidade, o que afasta o dever de indenizar, em face da ocorrência de caso fortuito equiparável à força maior, mormente considerando que não há nexo causal entre o fato e o transporte realizado, levando ainda em conta que foi prestado o devido socorro à vítima (inteligência do art. 734 do Código Civil c/c o art. 14, 3º, II, do CDC). Apelação desprovida”. (Apelação Cível Nº 70020315842, Relator Voltaire de Lima Moraes, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 05.12.2007).
Também o direito italiano prevê a excludente nessas condições. C. Massimo Bianca, ensina que
“Nella responsabilità extracontrattuale possono riscontrarsi le medesime tipizzazioni giurisprudenziali delle ipotesi di impossibilita sopravvenuta, […] occorrendo pur sempre uma verifica puntuale del principio che identifica caso fortuito e forza maggiore nellàssenza di colpa (casus=non culpa).”[72]
Além disso, parte da doutrina italiana vê o caso fortuito e a força maior também como interrupções do próprio nexo causal, e não excluem a culpa quando o dano se deu por fato do agente ou sua omissão:
“[…] Il caso fortuito e la forza maggiore non sarebbero esimenti de responsabilità ma eventi interruttivi del neso causale tra il fatto del soggetto e il dano. Questa definizione non può essere condivisa in quanto il caso fortuitoe la forza maggiore escludono la colpa del soggetto per um dano che è causalmente riconducible al fatto del soggetto o allá sua omissione. il caso fortuito e la forza maggiore sono piuttosto concause del dano che rilevano como esimenti di responsabilità.” [73]
CULPA DA VÍTIMA – Também elide o dever de indenizar, já que impede que o nexo causal se concretize. O art. 945 do Novo Código menciona a culpa concorrente da vítima, ao dispor que “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.” Salienta Venosa que, “havendo culpa concorrente da vítima e do causador do dano, a responsabilidade e, consequentemente, a indenização são repartidas, […] podendo as frações de responsabilidade ser desiguais, de acordo com a intensidade da culpa.”[74]
Em seus estudos sobre o tema, Caio Mario da Silva Pereira defende que “a solução ideal, portanto, é especificar matematicamente a contribuição da culpa da vítima para o efeito danoso”[75], entendimento esse confirmado pela jurisprudência:
“Veículo automotor – Acidente de trânsito – Atropelamento – Ação de reparação de danos materiais e morais – Demanda de espólio contra empresa concessionária de serviço público, com lide denunciada à seguradora – Vítima que, ao tentar atravessar rodovia intermunicipal, foi colhida e morta por ônibus de propriedade da ré – Sentença de parcial procedência – Parcial reforma do julgado, apenas para melhor balizar o pensionamento mensal aos filhos menores da vítima – Responsabilidade objetiva – Teoria do Risco – Reconhecimento – Precedente jurisprudencial do STF – Concorrência de culpa da vítima – Circunstância que apenas serve para atenuar o valor da indenização, por todos os títulos – Valor de despesas com luto e funeral a ser comprovado em sede de liquidação – Adoção do piso da categoria profissional da vítima, à época da morte – Necessidade – Dano moral corretamente arbitrado – Correção monetária e juros a serem computados desde a data do falecimento – Súmula 490, do STF, e Súmula 54, do STJ – Aplicação. Apelo do espólio autor parcialmente provido.” (Apelação Cível nº 992.08.006379-8, Relator Marcos Ramos, 30ªCâmara de Direito Privado, TJSP, 22.09.2010)
Esse o entendimento de Salvat ao analisar situações em que há culpa concorrente:
“Parecería racional, en tal caso, establecer como un principio de derecho que el deudor no incurre en responsabilidad alguna y que cada parte debe suportar las consecuencias de su proprio hecho” […] los jueces tienen en esta materia un cierto poder de apreciación y que les es permitido, según las circunstancias especiales de cada caso, aplicar esse principio o resolver en la forma que parezca más equitativa, teniendo en cuenta la mayor o menor responsabilidad de cada parte.”[76]
Por outro lado, Aguiar Dias defende que, se se alude a ato ou fato exclusivo da vítima, fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso.[77] Sérgio Cavalieri aponta que “a boa técnica recomenda falar em fato exclusivo da vítima, em lugar de culpa exclusiva. O problema, […] desloca-se para o terreno do nexo causal, e não da culpa.”[78] O nexo desaparece ou se interrompe quando o procedimento da vítima é a única causa do evento.
Tal entendimento é compartilhado pela jurisprudência:
“RESPONSABILIDADE CIVIL – ATROPELAMENTO – CULPA DO CONDUTOR DA MOTOCICLETA NÃO CARACTERIZADA – INDENIZATÓRIA IMPROCEDENTE – RECURSO IMPROVIDO. Se a vítima surge inesperadamente à frente do veículo, em local inapropriado, impossibilitando qualquer tipo de reação por parte do motorista, resta configurada a sua culpa exclusiva pelo acidente”. (Apelação nº 992.08.051736-5, TJSP, Relator Renato Sartorelli, 26ª Câmara Cível, 10.08.2010)
FATO DE TERCEIRO – Ocorre a exclusão da responsabilidade quando o ato de terceiro é a causa do evento danoso. Aguiar Dias apud Sérgio Cavalieri define terceiro como “qualquer pessoa além da vítima e o responsável, alguém que não tem nenhuma ligação com o causador aparente do dano e o lesado.” E continua ao definir o ato de terceiro como “a causa exclusiva do evento, afastando qualquer relação de causalidade entre a conduta do autor aparente e a vítima.”[79]
Acrescente-se que essa dirimente só exclui a responsabilidade quando rompe o nexo causal entre o agente e o dano sofrido pela vítima, equiparando-se ao caso fortuito ou força maior, por ser uma causa estranha à conduta do agente aparente, imprevisível e inevitável.[80]
O mesmo entendimento é acatado pela jurisprudência:
“RESPONSABILIDADE CIVIL – Nenhuma prova produzida, nem alegação constante dos autos permite identificar a responsabilidade da empresa prestadora de transporte ferroviário em razão do homicídio do filho dos apelados – Configurada a excludente de responsabilidade, consistente em fortuito externo, uma vez que o homicídio do filho dos autores decorreu de fato exclusivo terceiro visto que inteiramente estranho ao contrato de transporte e sem nenhuma relação com a atividade, nem com a organização da empresa prestadora do serviço de transportadora – Julgamento de improcedência da ação. Recurso provido.”( Apelação Cível n° 994.09.377507-8, Relator Rebello Pinho, TJSP, 20ª Câmara de Direito Privado, 20.09.2010)
Salvat, ao analisar o fato de terceiro como causa exclusiva da responsabilidade no Código Civil argentino, o equipara ao caso fortuito e à força maior: “El hecho de un tercero que hace imposible el cumplimiento de la obligación, consituye también, al menos en principio, caso fortuito o fuerza mayor; la razón es siempre la misma: se trata de un hecho que el deudor no há podido evitar.”[81]
PRESCRIÇÃO – A prescrição, apesar de não figurar entre as excludentes de antijuridicidade ou do nexo causal, “afasta qualquer possibilidade de recebimento da indenização. A responsabilidade do agente causador do dano se extingue.”[82]
A regra geral é a da prescrição de 03 (três) anos. Sendo a ação de reparação de danos pessoal, está subordinada ao prazo do art. 206, § 3°, inciso V, do Novo Código Civil: “Art. 206. Prescreve: […[ § 3° Em três anos: […] V – a pretensão de reparação civil”.
Não se deve confundir o prazo especial do art. 206, § 2°, referente à prescrição da pretensão “para haver prestações alimentares”, já que diz respeito às prestações alimentícias devidas em razão de parentesco, casamento e união estável, reguladas no direito de família, diferentemente daquela estipulada em forma de pensões periódicas decorrentes de ato ilícito, previstas nos arts. 948 e 950 do Código.[83]
8. Conclusão
O Código Penal Brasileiro, através das excludentes de antijuridicidade (art. 23), deixa de incriminar ou atenua a pena do agente que, ao praticar os crimes de homicídio e lesão corporal, o faz por não lhe ser possível, nas condições em que ocorrem tais delitos, agir de maneira diversa. Isso se reflete no juízo da reparação e o Código Civil exonera ou diminui o dever de indenização do ofensor correspondente aos crimes praticados em tais circunstâncias.
Mesmo nos casos em que o agente é obrigado à reparação, presentes as excludentes, lhe é assegurado o direito de regresso contra o verdadeiro causador do dano.
Há situações em que o próprio nexo causal entre a conduta do agente e o dano é excluído, liberando-o completamente do ônus da reparação.
Ainda nos casos de responsabilidade objetiva, em que a culpa é presumida, as excludentes atuam na decisão do juízo cível.
Ante o exposto, conclui-se que nosso diploma penal busca isentar de pena o autor de crimes praticados em situações em que não se pode exigir dele conduta diversa, sendo tal decisão, na maioria das vezes, refletida na jurisdição civil. Proíbe a incriminação indevida do indivíduo, ao mesmo tempo em que afasta o dever de indenizar indevidamente a vítima de lesão corporal, ou seus familiares, em caso de homicídio, evitando o enriquecimento sem causa, preocupação constante em nossa legislação.
Informações Sobre o Autor
Eloise Zorat de Moraes
Advogada na área de Direito Civil, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.