Resumo: Pretende-se, no presente estudo, abordar quais os requisitos necessários à decretação da medida cautelar de indisponibilidade de bens em sede de improbidade administrativa, procedendo-se, inicialmente, a um estudo sobre as principais características da Lei n. 8.429/92, que regulamenta os aspectos procedimentais sobre improbidade administrativa. As providências cautelares previstas no Código de Processo Civil exigem determinados requisitos para a sua concretização. Tratando-se das medidas de arresto e seqüestro, por exemplo, o Código de Processo Civil impõe, como condição necessária à sua decretação, eventual comprovação de que o sujeito esteja dilapidando os seus bens, ou, ao menos, na iminência de dissipá-los. No entanto, em se tratando de improbidade administrativa, demonstrar-se-á que os requisitos para a decretação da providência cautelar de indisponibilidade de bens – conquanto esta tenha efeitos similares às medidas de arresto e seqüestro – devem ser tratados de forma diferenciada, em consonância com os propósitos da Lei de Improbidade Administrativa, no sentido de tutelar, com máxima efetividade, os danos causados ao erário.
Palavras-chave: Improbidade administrativa, Indisponibilidade de bens, medida cautelar, requisitos, periculum in mora, Lei n. 8.429, de 02 de junho de 1.992.
Sumário: 1. Considerações introdutórias; 2. Breves considerações sobre a Lei n. 8.429/92; 3. Da indisponibilidade de bens no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa; 4. Dos requisitos necessários à decretação da indisponibilidade dos bens em sede de improbidade administrativa; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas.
1. Considerações introdutórias
O tema que se propõe a discorrer neste breve estudo tem por objetivo averiguar os requisitos necessários à decretação da indisponibilidade de bens do indivíduo processado por ato de improbidade administrativa, cuja legitimidade para o ajuizamento de ação pertence ao Ministério Público ou à pessoa jurídica interessada, a teor da norma prevista no art. 17 da Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).
Com efeito, a Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), previu, em seu texto, severas sanções de caráter civil ao agente processado pela prática de atos contrários à probidade administrativa, como, por exemplo, de perda de função pública e suspensão de direitos políticos.
Além disso, a Lei de Improbidade Administrativa, no intuito de assegurar o ressarcimento do patrimônio público lesado pelo agente ímprobo, elencou algumas medidas cautelares, das quais fariam parte: indisponibilidade de bens; seqüestro de bens (a doutrina entende que abrange, também, o arresto de bens), e; afastamento cautelar do agente público de seu cargo ou função.
No presente trabalho, colima-se abordar tão-somente os requisitos atinentes à indisponibilidade de bens, que tem assento no art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, regulamentado posteriormente pelo art. 7º da Lei n. 8.429/92.
Sem embargo, antes de adentrar no assunto proposto, impende traçar algumas considerações acerca da Lei de Improbidade Administrativa.
2. Breves considerações sobre a Lei n. 8.429/92
De antemão, é imperioso ressaltar que a expressão “improbidade” significa aquilo que não é probo, isto é, que carece de lealdade, honestidade, honorabilidade.
Nesse particular, Fábio Medina Osório, ao conceituar o que seria improbidade administrativa, preleciona que “a improbidade decorre da quebra do dever de probidade administrativa, que descende, diretamente, do princípio da moralidade administrativa, traduzindo dois deveres fundamentais aos agentes públicos: honestidade e eficiência funcional mínima”.[1]
Vale lembrar que o Brasil houve por bem adotar a república como forma de governo, segundo a qual o chefe de Estado, inclusive seus agentes públicos, deve gerir a coisa pública com desvelo e honestidade, sob a fiscalização do povo.
A forma de governo republicana caracteriza-se pela imposição de limites aos seus agentes públicos, ou seja, não prevalece mais a irresponsabilidade do chefe de Estado, típica da fase absolutista da Monarquia (que não se confunde com as Monarquias modernas, também chamadas de Monarquias constitucionais), que atingiu seu apogeu com Luís XIV, quando pronunciou a famosa frase “O Estado sou eu”.
Pois bem, atendendo aos anseios da sociedade, que clamava por uma legislação mais severa e eficaz contra os agentes públicos que atentassem contra o patrimônio público, ainda que moralmente, publicou-se, em 02 de junho de 1992, a Lei Federal n. 8.429, conhecida popularmente como a “Lei de Improbidade Administrativa”, que trouxe, em seu bojo, rígidos mecanismos e sanções, no sentido de coibir a contumaz prática de atos de corrupção e outras condutas contrárias aos comezinhos princípios da Administração Pública. Além disso, conferiu-se legitimidade ao Ministério Público, bem como às pessoas jurídicas interessadas, para o manejo das ações por ato de improbidade administrativa.
É de ser ressaltado que a Lei n. 8.429/92, responsável pela revogação das Leis n. 3.164/57 (Lei Pitombo-Godói Ilha) e n. 3.502/58 (Lei Bilac Pinto), tem sua matriz estampada na Constituição Federal de 1988 que, em seu art. 37, § 4º, assentou que:
“Art. 37 (…)
§ 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
Não é demasiado lembrar, por outro lado, que o Poder Constituinte, em outros dispositivos, revelou, inequivocadamente, a sua intenção de reprimir os atos que atentassem contra a Administração Pública, máxime porque estabeleceu no art. 37, caput, da Constituição Republicana, os princípios basilares do Direito Administrativo, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A inserção do princípio da moralidade no texto constitucional foi uma das grandes inovações do constituinte e, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “foi um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção e à impunidade no setor público. Até então, a improbidade administrativa constituía infração prevista e definida apenas para os agentes políticos. Com a inserção do princípio da moralidade na Constituição, a exigência de moralidade estendeu-se a toda a Administração Pública, e a improbidade ganhou abrangência maior, porque passou a ser prevista e sancionada com rigor para todas as categorias de servidores públicos e abranger infrações outras que não apenas o enriquecimento ilícito”.[2]
Por consectário, como a moralidade é um dos princípios vetores da Lei n. 8.429/92, o agente público, para incorrer em ato de improbidade administrativa, não precisa auferir valores ilicitamente ou malbaratar o patrimônio público. Basta que a sua conduta atinja o patrimônio moral da Administração Pública. Por exemplo, se determinado Município resolvesse promover um concurso público, e o filho do Prefeito porventura se inscrevesse no certame, não se coadunaria com a moralidade administrativa se o chefe do Poder Executivo Municipal participasse da comissão do concurso, corrigindo as provas realizadas pelo candidato. Assim, se o Prefeito, no exemplo citado, participar da comissão do concurso público realizado por seu filho, na condição de responsável pela correção das provas e por homologar o resultado final, certamente responderá por ato de improbidade administrativa, ainda que não tenha havido comprovação de ato fraudulento ou prejuízo ao erário, bem como eventual enriquecimento ilícito por parte do Alcaide[3].
Cabe ressaltar, outrossim, que o art. 15, V, da Carta Constitucional de 1988, estatuiu que a improbidade administrativa é uma das causas deflagradoras da suspensão dos direitos políticos, o que reforça a intenção do constituinte de tutelar com veemência a probidade administrativa.
Volvendo à análise da Lei n. 8.429/92, denota-se que o legislador ordinário houve por bem alargar o rol de sanções estabelecidas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, que previu a suspensão dos direitos políticos, perda de função pública, ressarcimento dos prejuízos causados ao erário e indisponibilidade de bens.
No que concerne à indisponibilidade de bens, objeto precípuo do presente estudo, não se estaria propriamente falando de sanção, mas sim de uma providência cautelar, pois conforme frisado por Di Pietro, essa medida “tem nítido caráter preventivo, já que tem por objetivo acautelar os interesses do erário durante a apuração dos fatos, evitando a dilapidação, a transferência ou ocultação dos bens, que tornariam impossível o ressarcimento do dano”.[4]
De acordo com a Lei de Improbidade Administrativa, as sanções devem ser aplicadas conforme a conduta perpetrada pelo agente público, que se dividem, basicamente, em 3 (três) modalidades, quais sejam:
a) enriquecimento ilícito (art. 9º);
b) prejuízo ao erário (art. 10)
c) violação de princípios da Administração Pública (art. 11)
Em cada uma dessas modalidades, previstas separadamente nos arts. 9º, 10 e 11, da Lei n. 8.492/92, há um extenso rol exemplificativo de atos ímprobos.
O art. 9º da Lei n. 8.492/92 preceitua que “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão de cargo, mandato, função (…)”, elecando, em diversos incisos, condutas caracterizadoras de tal enriquecimento ilícito (Lembre-se que o rol não é exaustivo).
O art. 10 da aludida legislação estatui que “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei (…)”, elencando, também, diversos exemplos de condutas ímprobas atinentes ao prejuízo ao erário.
O art. 11, por sua vez, apregoa que “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (…)”, estabelecendo, da mesma forma, um rol de incisos exemplificativos.
Se o agente público, porventura, incorrer em improbidade administrativa consistente em enriquecimento ilícito, cujas condutas estão insertas no art. 9º da Lei n. 8.429/92, estará sujeito às seguintes sanções: a) Devolução dos valores auferidos indevidamente; b) ressarcimento integral do dano, quando houver; c) perda da função pública; d) suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos; e) pagamento de multa civil em até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial; f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 10 (dez) anos.
Caso o ato violado não enseje enriquecimento ilícito, mas tão-somente prejuízo ao erário, aplicam-se as seguintes sanções: a) ressarcimento integral do dano; b) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância; c) perda da função pública; d) suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito); e) pagamento de multa civil em até 2 (duas) vezes o valor do dano; f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 5 (cinco) anos.
Finalmente, se o ato violar princípios da Administração Pública, haverá as seguintes sanções: a) ressarcimento integral do dano, se houver; b) perda da função pública; c) suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos; d) pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 3 (três) anos.
Registre-se, por outro vértice, que a condenação do agente público por ato de improbidade administrativa não obsta que se lhe imponha a condenação na esfera penal, considerando que as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa têm natureza civil.
Aliás, comumente, quem pratica ato de improbidade administrativa, incorre também em crime contra a Administração Pública.
Desta forma, se, v.g., determinado agente público solicitar, em razão de seu cargo, vantagem indevida, incidirá no crime tipificado no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva), cuja pena é de 2 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão. Além disso, na esfera cível, será responsabilizado por ato de improbidade administrativa, na modalidade “enriquecimento ilícito”, cujas sanções, conforme ressaltado linhas acima, consiste em: a) Devolução dos valores auferidos indevidamente pelo agente; b) ressarcimento integral do dano, quando houver; c) perda da função pública; d) suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos; e) pagamento de multa civil em até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial; f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 10 (dez) anos.
3. Da indisponibilidade de bens no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa
A indisponibilidade de bens do agente processado por improbidade administrativa, conforme ressaltado alhures, não se trata tecnicamente de uma sanção, a despeito da redação contida no art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, mas sim de uma medida cautelar, que tem por desiderato assegurar a execução de eventual sentença condenatória.
Não se deve confundir as tutelas cautelares, que têm caráter assecuratório, com o instituto da tutela antecipada, de cunho satisfativo. Esta última, que também é um instituto de urgência, encontra suporte no art. 273 do Código de Processo Civil, e tem por escopo satisfazer, antecipadamente, o próprio provimento pretendido pelo autor da ação.
Abordando as referidas tutelas de urgência, Luiz Guilherme Marinoni posiciona-se da seguinte forma:
“A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é ‘satisfativa sumária’. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado.”[5]
Por conseguinte, conquanto ambos os institutos sejam marcados pela urgência, a medida cautelar difere da tutela antecipada, já que esta se reveste do atributo da satisfatividade, ao passo que aquela não goza de tal característica.
A indisponibilidade de bens (que é o objeto do presente estudo), por exemplo, é uma medida cautelar, pois não tem caráter satisfativo. Almeja apenas assegurar futura condenação.
Conceituado a providência acauteladora em estudo, Wallace Paiva Martins Júnior sustenta que tem por objetivo “assegurar a eficácia dos provimentos condenatórios patrimoniais, evitando-se práticas ostensivas, fraudulentas ou simuladas de dissipação patrimonial”, concluindo, em seguida, que “Seu escopo é a garantia da execução da sentença que condenar à perda do proveito ilícito ou ao ressarcimento do dano”.[6]
Registre-se que, com o advento da Lei n. 10.444/02, que conferiu nova redação ao art. 273, § 7º, do Código de Processo Civil, ao implantar a fungibilidade entre a cautelar e a tutela antecipada, não há mais óbice para a decretação da indisponibilidade de bens no curso do processo de conhecimento. Dispensa-se, portanto, que se instaure processo autônomo para requerer a citada providência cautelar.
Com base nessa premissa, não há razões que impeçam a concessão da indisponibilidade de bens no curso do próprio processo principal de improbidade administrativa.
A propósito, como já se orientou o Superior Tribunal de Justiça, “A indisponibilidade de bens na ação civil pública por ato de improbidade, pode ser requerida na própria ação, independentemente de ação cautelar autônoma”.[7]
Normalmente, a providência cautelar em tela, quando concedida, consiste na determinação para que os cartórios averbem, na matrícula do imóvel, a inalienabilidade do bem (quando a indisponsibilidade recair em bens imóveis). Pode, no entanto, ser manifestada por outras formas, como, por exemplo, bloqueio de contas bancárias e de aplicações financeiras[8].
Na Lei n. 8.492/92, a indisponibilidade de bens está disciplinada em seu art. 7º, cuja redação segue transcrita abaixo:
“O art. 7º – Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.”
Interpretando-se literalmente o preceito legal supracitado, poder-se-ia concluir que somente nos casos de enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário seria possível decretar a indisponibilidade de bens do agente ímprobo. Caso a ação de improbidade fosse calcada exclusivamente em violação a princípios, não se poderia efetivar tal medida assecuratória.
Mas, como bem colocam Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, “embora de rara ocorrência, nada impede, de lege data, a decretação da medida quanto aos atos de improbidade de que cuida o art. 11 da Lei n. 8.429/92 (“violação de princípios”), mormente no que diz respeito à garantia de reparação do dano moral”[9].
4. Dos requisitos necessários à decretação da indisponibiliade dos bens em sede de improbidade administrativa
Na doutrina e na jurisprudência, prevalece o entendimento de que a decretação da indisponibilidade dos bens do agente público, em ação de improbidade administrativa, ficaria condicionada aos requisitos inerentes às cautelares contempladas pelo Código de Processo Civil, quais sejam: fumus boni juris e periculum in mora [10].
O fumus boni juris, na tutela de urgência em estudo, consiste na probabilidade de os fatos imputados ao agente público serem verossímeis. Não é necessário, por óbvio, que o ato ímprobo esteja cabalmente provado, já que tal pressuposto é averiguado por ocasião da sentença.
A grande controvérsia reside na configuração do periculum in mora, requisito este que Ovídio Baptista prefere chamar de “perigo de dano iminente e irreparável”.[11]
Para uma corrente doutrinária e jurisprudencial, o periculum in mora só estaria presente se o autor da ação comprovasse que o agente público estivesse na iminência de dilapidar o seu patrimônio, à guisa das medidas cautelares do arresto e seqüestro, catalogadas nos arts. 813 a 825 do Código de Processo Civil (Vale ressaltar que embora haja certa confusão na doutrina, prevalece o entendimento de que a indisponibilidade de bens não se confunde com o arresto nem com o seqüestro).
Nessa diretriz, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais deixou assentado que:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS IRREGULARES DE TRANSPORTE E DE MUDANÇAS PARA PESSOAS HAVIDAS POR CARENTES. LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. AUSÊNCIA DE FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. A indisponibilidade de bens, ainda que para fins cautelares, é medida extrema que somente se justifica se houver indícios de desfazimento ou dilapidação patrimonial. Se não há prova ou alegação de prática de atos que impliquem em alteração ou redução de patrimônio, capaz de colocar em risco o ressarcimento ao erário, na eventualidade de procedência da ação, não se deve determinar a medida[12].”
Para outra corrente doutrinária e jurisprudencial, o periculum in mora, nas ações de improbidade administrativa, não deveria ser analisado à luz das regras tradicionais das medidas cautelares insertas no Código de Processo Civil. Tal requisito, em verdade, normalmente estaria presumido com a deflagração da ação de improbidade administrativa. Vale dizer, o Magistrado, constatando a presença de robustos indícios da prática de improbidade administrativa, já estaria autorizado a decretar a indisponibilidade dos bens do réu, independentemente de provas de que este estivesse dissipando o seu patrimônio.
Nessa ordem de idéias, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves advertem que “exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente de furtar-se à efetividade da condenação representaria, do ponto de vista prático, o irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal”.[13]
Seguindo essa linha de raciocínio, Fábio Medina Osório, ao comentar a indisponibilidade de bens nas ações de improbidade administrativa, conquanto equiparando-a ao seqüestro (lembrando-se que tais medidas cautelares não se confundem), preleciona que:
“(…) não se mostra crível aguardar que o agente público comece a dilapidar seu patrimônio para, só então, promover o ajuizamento de medida cautelar autônoma de seqüestro dos bens. Tal exigência traduziria concreta perspectiva de impunidade e de esvaziamento do sentido rigoroso da legislação. O periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário.
A indisponibilidade patrimonial é medida obrigatória, pois traduz conseqüência jurídica do processamento da ação, forte no art. 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal.
Esperar a dilapidação patrimonial, quando se tratar de improbidade administrativa, com todo respeito às posições contrárias, é equivalente a autorizar tal ato, na medida em que o ajuizamento de ação de seqüestro assumiria dimensão de ‘justiça tardia’, o que poderia se equiparar a denegação de justiça.”[14]
Sopesando as teses expostas acima, poder-se-ia concluir que a segunda corrente estaria mais coerente com o especial tratamento dado à probidade administrativa no texto constitucional e na legislação federal ordinária, ou seja, o periculum in mora, no que tange à indisponibilidade de bens, estaria normalmente implícito nas ações de improbidade administrativa.
Aliás, de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Republicana, o constituinte não fez qualquer menção à necessidade de se aguardar que o agente público malbaratasse seus bens, para que só assim o Julgador decretasse a indisponibilidade de seu patrimônio. Diga-se o mesmo em relação à legislação ordinária (Lei n. 8.429/92), que também não fez tal exigência.
Se o legislador pretendesse condicionar a decretação da indisponibilidade à comprovação da dilapidação dos bens pelo agente público, ele certamente o teria feito de forma expressa, à semelhança do que ocorreu com as medidas cautelares do seqüestro e arresto, cujos dispositivos legais (art. 813 c/c art. 822 do Código de Processo Civil) catalogam situações que configuram o perigo na demora.
Por outro lado, essa segunda corrente doutrinária, conquanto possa transparecer mais coerência com o espírito da Lei de Improbidade Administrativa, não deve ser interpretada de forma absoluta. É dizer, seria temerário afirmar que o simples ajuizamento de uma ação de improbidade administrativa seria suficiente para a decretação da indisponibilidade do agente acusado de improbidade administrativa.
O Superior Tribunal de Justiça, nesse particular, já se manifestou no sentido de que a propositura da ação de improbidade administrativa não pode servir, por si só, como pressuposto para se decretar a indisponibilidade dos bens do agente ímprobo.[15]
Não seria prudente, a propósito, decretar a indisponibilidade de bens de um agente público que praticasse infração ímproba despida de qualquer conotação patrimonial, ou, quiçá, perpetrasse um ilícito ímprobo de pequeníssima expressão econômica. Nem seria razoável decretar a indisponibilidade de bens do agente processado injustamente por improbidade administrativa, sem qualquer resquício de sua culpabilidade, lembrando-se que, na prática, não é incomum ajuizar-se ação de improbidade administrativa com supedâneo em falsas declarações de ordem eleitoral (que, às vezes, não são percebidas, de início, pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário, mas apenas ao final do processo), com nítido propósito de prejudicar determinados agentes políticos.
Por corolário, essa análise diferenciada do periculum in mora, primada pela corrente doutrinária mais flexível quanto à decretação da indisponibilidade de bens, não deve ser vista de forma absoluta, merecendo, por isso, alguns temperamentos.
Nesse sentido, cabe invocar o seguinte precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em acórdão da lavra do Desembargador Cid Goulart:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INDISPONIBILIDADE DOS BENS – REQUISITOS DO FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA PRESENTES. A caracterização do periculum in mora nas medidas cautelares tradicionais depende da comprovação de que o agente esteja dilapidando o seu patrimônio, ou, ao menos, esteja na iminência de dissipá-lo. Todavia, tal pensamento não se coaduna com o espírito da Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), porquanto esta legislação, ao reverso das antigas Leis n. 3.164/57 (Lei Pitombo Godói Ilha) e n. 3.502/58 (Lei Bilac Pinto), tem por desiderato resguardar o patrimônio público da forma mais eficaz possível, impondo, para tanto, sanções e medidas rigorosas. Por esta razão, o perigo na demora reside na própria possibilidade de o erário não ser ressarcido, porque o bem tutelado pertence à própria coletividade.
Isto não quer dizer que todo ato ímprobo esteja sujeito à indisponibilidade do bens, pois o periculum in mora deve ser analisado em cada caso concreto, devendo o julgador sopesar a gravidade do fatos, os indícios da prática do ato, bem como as conseqüências trazidas ao erário. No caso em tela, presentes indícios suficientes de que o agente público praticou infração prevista na Lei de Improbidade Administrativa, que teria acarretado prejuízo ao erário, mostra-se acertada a decretação da indisponibilidade de seus bens, independentemente da comprovação de dilapidação patrimonial, haja vista o risco de a sociedade não ser restituída dos danos causados[16].”
O precedente judicial que se invocou acima parecer revelar uma terceira via para análise do periculum in mora, no sentido de não reconhece-la implicitamente com o simples ajuizamento duma ação de improbidade administrativa, mas apenas, no caso concreto, diante de elementos que revelem a sua efetiva necessidade.
Nesse particular, Fábio Medina Osório sugere que o periculum in mora se concretize, via de regra, “dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário.”[17]
Assim, quando houver fortes indícios de que o agente público tenha causado dano de considerável monta ao erário, é prudente que o Julgador, calcado em outros elementos que revelem a necessidade da decretação da medida e, analisando o caso concreto, determine a indisponibilidade de seus bens, independentemente da comprovação de que ele possa estar dissipando o seu patrimônio.
A propósito, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o periculum in mora “repousa no dano em potencial que decorre da demora natural no trâmite das ações principais, de modo que, se não indisponibilizados os bens, o agravante poderia deles se desfazer, tornando-se ineficaz os pedidos formulados nas ações civis públicas”[18].
Para arrematar, vale ressaltar que providência cautelar em estudo deve recair apenas sobre os bens cujo valor seja necessário ao integral ressarcimento do dano erário, consoante se infere do art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92. É por esse motivo que a doutrina sugere que o autor da ação, em sua inicial, proceda à estimativa do dano causado[19]. No magistério de Wallace Paiva Martins Júnior, a indisponibilidade deve recair “não somente sobre os bens ou valores incorporados ilicitamente ou expressivos da lesão patrimonial, mas também sobre bens ou valores do patrimônio do réu que sirvam para a satisfação da sentença condenatória”.[20]
5. Considerações finais
Analisando o que foi exposto neste estudo, conclui-se que a indisponibilidade de bens, nas ações de improbidade administrativa, merece tratamento distinto daquelas medidas cautelares elencadas no Código de Processo Civil, mais precisamente o arresto e o seqüestro.
É que, data venia aos entendimentos contrários, não seria coerente com a finalidade da Lei de Improbidade Administrativa sempre aguardar que o agente público esteja na iminência de dilapidar o seu patrimônio para que se lhe decrete a indisponibilidade de seus bens. A simples possibilidade de o erário não lograr, futuramente, o ressarcimento do dano que lhe foi causado, aliado à gravidade da conduta e os indícios robustos do ato ímprobo, constituem elementos indicativos – ao menos em tese – para a concessão da indisponibilidade dos bens do agente público.
Assim, a despeito da austeridade da medida cautelar em foco, é imperioso que se lhe imprima uma interpretação preventiva ao erário, no sentido de evitar maiores desfalques ao patrimônio público lesado, direito indisponível e pertencente à toda a coletividade. Vale dizer, sopesando-se o patrimônio público e o patrimônio particular, é preferível restringir este último a correr o risco de o bem público lesado não ser restituído.
Em suma, não se está repelindo o requisito do periculum in mora, tampouco clamando por sua presunção em toda e qualquer ação de improbidade administrativa. O que se propõe é que tal requisito seja analisado de forma mais flexível, dispensando ao autor da ação o pesado ônus de provar, necessariamente, que o réu esteja em vias de dilapidar o seu patrimônio, lembrando-se que o Magistrado, antes de decretar a providência cautelar em estudo, deve analisar o caso concreto, sopesando a gravidade do fato e os indícios de autoria do ilícito cometido, a fim de evitar possíveis arbitrariedades.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Andrade Viviani
Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça de Santa Catarina; Advogado licenciado; Pós-graduado na Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina; Pós-graduando no curso de especialização de Direito Constitucional promovido pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes – LFG e Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, em parceria com o Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP