A Lei Complementar n° 135, de 4-6-2010, resultado do projeto de lei complementar n° 518/2009 que, por sua vez, veio à luz como conseqüência do exercício da cidadania representado por mais de 1,3 milhões de assinaturas, parece que veio para ficar, sendo aplicável de imediato para as eleições de 2010, conforme assinalamos em dois artigos anteriores.
Houve tentativa, no Senado Federal, de retirar a eficácia imediata da lei por ocasião da apreciação do respectivo projeto legislativo aprovado pela Câmara dos Deputados. Como se recorda, o ilustre Senador Dornelles apresentou uma emenda alterando a expressão “os que tenham sido condenados” pela expressão “os que forem condenados” dando a entender que seriam inelegíveis apenas os candidatos condenados após a vigência da nova lei, como, aliás, sugere a interpretação literal.
Por conta dessa dúvida que a emenda suscita, inúmeros candidatos condenados anteriormente requereram o registro de suas candidaturas. Todos os pedidos estão sendo indeferidos pelos TREs de todo o País na esteira do entendimento esposado pelo TSE em vários pedidos de consultas.
Aquele alto Tribunal afastou-se do literalismo jurídico para dar a interpretação conforme com a Constituição e prestigiar a cidadania em proveito da sociedade como um todo, e não em proveito de alguns de seus membros.
É verdade que não houve unanimidade dos Senhores Ministros componentes do Colendo TSE. Houve quem entendesse, inclusive, que a LC n° 135/10 só terá aplicação a partir de 2012 em razão do princípio da anualidade previsto no art. 16, da CF que cuida de alteração do processo eleitoral, no qual estaria abrangida a legislação que estabelece os casos de inelegibilidade. Parece tratar-se de posição equivocada, porque nos termos da própria definição dada pelo TSE o processo eleitoral “consiste num conjunto de atos abrangendo a preparação e realização das eleições, incluindo a apuração e a diplomação dos eleitos”.
Outra objeção manifestada foi no sentido de que a aplicação da nova lei em relação ao candidato condenado, por exemplo, a três anos de inelegibilidade por prática do ato de improbidade administrativa conduziria à violação da coisa julgada, pois a lei vigente comina para tal infração a pena de oito anos de inelegibilidade. Parece claro que a lei deve sempre respeitar o direito adquirido, o ato perfeito e a coisa julgada que se inserem no âmbito das garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal em nível de cláusula pétrea.
No caso, está havendo confusão entre aplicação imediata da nova lei, com a sua aplicação retroativa. Parece óbvio que quem foi condenado a três anos de inelegibilidade não pode, em função da nova lei, passar à condição de condenado a oito anos, com a agravante de não ter sido submetido a novo julgamento. A nova lei tem aplicação imediata, pois a inelegibilidade e, por conseguinte, a elegibilidade são questões a serem aferidas no momento da apresentação do pedido de registro da candidatura. No nosso entender, ainda que a nova lei tivesse sido aprovada durante o período de registro das candidaturas ela seria aplicável em relação aos candidatos que apresentassem o pedido de registro após sua vigência.
A confusão entre aplicação imediata da lei e sua aplicação retroativa não é nova. Ela vem de longa data. A confusão se acentua em se tratando de retroatividade em grau mínimo, quando opera maltrato ao direito adquirido, por sua vez, confundido, não raras vezes, com mera expectativa de direito.
A confusão entre uma coisa e outra levou, por exemplo, o STJ a promover aplicação retroativa da Lei n° 10.174/01, que facultou à RFB a utilização de dados bancários concernentes à CPMF para instauração de procedimento fiscal e conseqüente constituição do crédito tributário, sob o fundamento de se tratar de norma de natureza procedimental a viabilizar aplicação imediata para alcançar fatos pretéritos.
Ora, antes da nova lei vigorava o § 3°, do art. 11, da Lei n° 9.311/96 que instituiu a CPMF:
“§ 3° A Secretária da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos”.
Portanto, tratava-se de prova ilegal para fins de constituição de créditos tributários que não fosse relativo à CPMF. E o que era ilegal não pode passar a ser legal com efeito retroativo, pois isso implica reconhecer que a lei proibitiva, durante todo o período de sua vigência, não produziu resultado algum, isto é, era uma proibição legal que não precisaria ser respeitada pelo fisco. Tamanha heresia jurídica não poderia haver. Animado pela jurisprudência do STJ o CARF editou uma Súmula dispondo sobre a utilização dos dados bancários obtidos na vigência da CPMF. No entender dos componentes desse colegiado, órgão julgador de segunda instância administrativa em matéria tributária, como a CPMF não mais existe as proibições contidas na sua legislação podem ser desconsideradas.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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