Direito Civil

Infidelidade Virtual: Violação ao Dever Conjugal de Fidelidade Recíproca

Nome do autores:

Antonio José Cacheado Loureiro. Advogado. Professor de Direito da Universidade do Estado Amazonas. Mestre em Direito Ambiental (Universidade do Estado do Amazonas). loureiro.antonio@yahoo.com.br

Gabriel Cunha Alves. Administrador CRA-AM nº 20-13479. Especialista em Direito Militar (Faculdade de Maringá). gcalvesx@gmail.com;

Neila Aparecida Duarte Corá. Advogada. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Mestra em Direito das Crianças, Famílias e Sucessões (Universidade do Minho)

 

Resumo: Nos dias atuais é perceptível o considerável aumento de acessos à rede mundial de computadores, possibilitando avanços em setores tecnológicos, desenvolvendo um sistema avançado de comunicação e pesquisa. Nota-se que, conjuntamente, cresce o entusiasmo dos indivíduos a se relacionarem via redes sociais, relacionamentos estes que, por muitas vezes acabam por findar em traições aos companheiros conjugais. Objetivando discorrer sobre as divergências do tema, o trabalho apresenta os elementos históricos e atuais da infidelidade. O estudo tem como objetivo geral analisar se os casos de infidelidade virtual são considerados violação ao dever conjugal da fidelidade recíproca. No incremento do trabalho traçaram-se ainda objetivos específicos, quais sejam: conceituar e diferenciar relações reais de relações virtuais, identificar os principais motivos que induzem os indivíduos a prática de relações extraconjugais através do meio virtual e pesquisar a relevância e as consequências do comportamento usado em redes de relacionamento. Através da metodologia aplicada pode-se concluir que, mesmo não se tratando mais de crime em âmbito penal, as traições, além de infringirem o princípio da honra disposto pela Constituição Federal, geram graves danos e abalos sociais e psicológicos a parte não culpada, sendo passíveis inclusive de indenização perante o Poder Judiciário.

Palavras-chave: Infidelidade; Internet; Relacionamentos Virtuais; Traição.

 

Abstract: Nowadays, the considerable increase of accesses to the world-wide network of computers is possible, allowing advances in technological sectors, developing an advanced system of communication and research. It is noted that, together, the enthusiasm of individuals is growing to relate through social networks, relationships that, in many cases, end up in betrayals to conjugal partners. Aiming to discuss the divergences of the theme, the work presents the historical and current elements of infidelity. The study aims to analyze if cases of virtual infidelity are considered a violation of the conjugal duty of reciprocal fidelity. In the work increment, there were also specific objectives, such as: conceptualizing and differentiating real relations of virtual relations, identifying the main reasons that induce individuals to practice extramarital relations through the virtual environment and to investigate the relevance and consequences of the behavior used in relationship networks. Through the applied methodology, it can be concluded that, even if it is no longer a crime in the criminal sphere, betrayal, in addition to violating the principle of honor established by the Federal Constitution, causes serious harm and social and psychological harm to the non-guilty party. even subject to indemnification before the Judiciary.

Keywords: Infidelity; Internet; Virtual Relationships; Betrayal.

 

Sumário: Introdução 1. Surgimento e caracterização da internet. 2. Conceito e particularidades dos relacionamentos virtuais. 3. Diferenciação entre relacionamentos reais e virtuais. 4 A infidelidade virtual e suas causas motivadoras. 5. Repercussão e consequências jurídicas da infidelidade. 6. Resultados. 6.1. Acesso à Infidelidade. 6.2. Relacionamentos Reais e Virtuais. 6.3. Infidelidade Virtual e consequências. 6.4. Discussão. Conclusão.

 

INTRODUÇÃO

A infidelidade virtual, cujo conceito mais síntese resume-se na prática de determinadas experiências afetivas e/ou sexuais, por intermédio da rede, com parceiros alheios ao relacionamento conjugal, consisteno objeto de pesquisa deste artigo científico, tendo em vista que, através do conhecimento da abrangência da matéria, será possível a visualização da eficácia do dever conjugal da fidelidade expresso em lei diante da aplicabilidade em casos concretos, impondo as devidas medidas em face do seu descumprimento.

Diante da contextualização acima se faz o seguinte questionamento: A infidelidade virtual é considerada violação ao dever conjugal de fidelidade recíproca?

O desígnio do estudo foi apresentar a relevância e as consequências do comportamento empregado em redes de relacionamento, em razão dos conflitos existentes em torno do tema, tendo em vista tratar-se de questão relativamente nova para a legislação, a qual encontra maiores amparos nas doutrinas e jurisprudências.

Nesse sentido, o trabalho teve o objetivo geral de esclarecer se os casos de infidelidade virtual são considerados violação ao dever conjugal da fidelidade recíproca.

Menciona-se que os objetivos são: descrever as os conceitos históricos da internet, conceituar e diferenciar relações reais de relações virtuais,identificar os principais motivos que induzem os indivíduos a prática de relações extraconjugais através do meio virtual, pesquisar a relevância e as consequências do comportamento empregado em redes de relacionamento.

Quanto a metodologia, destaca-se que a forma de abordagem é qualitativa e quantitativa. Compreende-se como qualitativa em razão de haver a necessidade de interpretação do fenômeno que se encontra ligado em analisar se a infidelidade virtual é considerada violação aos deveres conjugais.

Visualiza-se o quantitativo por haver o uso das técnicas estatísticas, logo o estudo vai ser quantitativo por divulgar numericamente os índices de crescimento de relacionamentos virtuais durante a relação conjugal, bem como a divulgação da probabilidade média de relacionamentos virtuais se transformarem em relacionamentos reais.

Ressalta-se que o objetivo metodológico é descritivo e explicativo. Descritivo por conceituar e diferenciar relações reais de relações virtuais, bem como por pesquisar a relevância e as consequências do comportamento empregado em redes de relacionamento, e explicativo em razão de identificar os principais motivos que induzem os indivíduos a prática de relações extraconjugais através do meio virtual.

A amostra do estudo é não probabilístico intencional, pois o problema se originou com o pesquisador devido a uma inquietação do mesmo.Destaca-se que a amostra foi feita com cinquenta e três colaboradores. A coleta foi realizada por meio de questionário estruturado com questões fechadas. Declara-se que a análise dos dados foi realizada através de gráficos, quais auxiliaram na descrição do resultado.

No incremento da pesquisa foram empregados procedimentos técnicos por meio de estudos doutrinários e jurídicos, jurisprudência, legislação, análise de casos e decisões relevantes. O material necessário para o tema foi adquirido por meio de livros e acórdãosjurídicos e artigos que debatem a matéria.

Observa-se que o método de estudo é indutivo, haja vista provem do particular para o geral.

 

1 SURGIMENTO E CARACTERIZAÇÃO DA INTERNET

A internet, mundialmente conhecida como um aglomerado de computadores interligados por uma rede qual permite o acesso a informações e transferências de dados, teve origem em 1957, mais especificamente do dia 04 de outubro. (FONSECA, 2008)

O conceito foi desenvolvido durante a Guerra Fria, nos Estados Unidos, com a finalidade de assegurar a liderança tecnológica americana e evitar possíveis ataques, nasceu assim a Agência de Projetos para Pesquisa Avançada de Defesa (DefenseAdvancedResearch Project Agency – DARPA).

A agência projetou um circuito de computadores visando à aceleração da transferência das informações e impedindo a duplicidade de estudos existentes.

No entanto, os sistemas de informação possuíam uma estrutura centralizada, ou seja, em caso de destruição da rede central todos os canais estariam inoperantes. A solução foi criada através de distribuição das redes. O padrão TCP/IP garantiu a compatibilidade entre as redes, combinando-as. Desta comunicação entre as redes surgiu o termo ‘Internet’.

Em 1990 a central foi removida e a internet permaneceu operante e desenvolvendo-se em ritmo acelerado, representando a segunda maior criação tecnológica depois da televisão.

Na visão de Fonseca (2008), a Internet ‘revolucionou as formas de comunicação. Segundo seus criadores, é considerada um mecanismo de disseminação da informação e divulgação mundial e um meio para colaboração e interação entre indivíduos e seus computadores, independentemente de suas localizações geográficas’.

Atualmente, no Brasil, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, cerca de 77,7 milhões de brasileiros acessam a internet, 10 milhões de internautas a mais que no ano de 2009.

Constata-se que a internet auxiliou, de modo primordial, todos os setores de tecnologia, pesquisa e informação, e acelerou a comunicação desenvolvendo um avançado sistema de interligação de pessoas cada vez mais disseminado com alcance mundial.

 

2 CONCEITO E PARTICULARIDADES DOS RELACIONAMENTOS VIRTUAIS

A expansão do acesso à rede e seu modo de operação trouxeram consequências para o cotidiano de muitos indivíduos, vez que, como citado, possibilitam inúmeros progressos nos setores tecnológicos, desenvolvendo um sistema avançado de comunicação e pesquisa.

Nota-se que, conjuntamente, cresce o entusiasmo pelos relacionamentos via redes sociais. Guimarães (2008, p. 2) explica: “A era tecnológica apequenou o mundo e o homem está outra vez navegando, não mais pelo mar, mas sim pelo espaço cibernético ou espaço virtual, que está disponível para todos”.

Essas relações, via internet, mediadas pela utilização de funções de vídeo, câmeras digitais, telas interativas,e demais aparelhos de dispositivos móveis, são denominadas relacionamentos virtuais.

A prática dessas relações virtuais é motivada por diversas causas. Segundo ensinamentos de Rosa (2001, p. 27), “a motivação interna vai desde a curiosidade até a ausência afetivo-sentimental”.

Percebe-se que, enquanto muitos usuários procuram a rede em busca de entretenimento, lazer e até mesmo como forma de obter conhecimentos sobre determinados assuntos, outros fazem uso da rede para manter relacionamentos virtuais e vencer a solidão, o ócio e os aborrecimentos do cotidiano.

Nesse contexto, observa-se que, a comunicação ‘online’, em razão do seu simples e rápido acesso, motiva novas formas de socialização muito mais descomplicadas, considerando que na rede os problemas com complexos de beleza e a fobia social permanecem camuflados, podendo o usuário descrever padrões que nem sempre conferem com a realidade.

 

3 Diferenciação entre Relacionamentos Reais e Virtuais

Exposto o conceito dos relacionamentos virtuais e suas principais conjecturas, vale traçar a sua diferenciação com os relacionamentos reais. Nos reais, as pessoas se relacionam, inicialmente, por expressões faciais e sinais físicos, sendo a aparência e a proximidade corporal requisitos indispensáveis para que haja atração entre elas. Na comunicação ‘online’, tanto a aparência, quanto a proximidade espacial entre os indivíduos se reduzem consideravelmente, isto porque, não há necessidade da concretização do encontro físico para que o relacionamento se efetive.

Os relacionamentos reais demandam tempo, ponderando-se que o indivíduo, primeiramente, procura conhecer a pessoa com quem está se relacionando. Este conhecer, intercedido por encontros, sejam eles frequentes ou não, requer compromisso, paciência e disposição.

Diferentemente, no que se refere aos relacionamentos virtuais, a aproximação desenvolve-se muito mais rapidamente, considerando que, com apenas um clique, o indivíduo pode relacionar-se com outro, em qualquer parte do mundo.

Seguindo a classificação dada por Rosa (2001), esta relação pode ser divida em quatro fases demonstradas a seguir:

1ª Fase: Chats ou sites de relacionamentos pessoais. Nesta primeira etapa existe apenas um sujeito: o eu. Este eu começa a navegar na web sem maiores preocupações nem objetivos específicos. Nestas ocasiões o primeiro contato é motivado por qualquer razão ou pretexto. Após o primeiro contato normalmente se passa para o “reservado” e a conversa flui naturalmente. Havendo uma certa interação e interesse recíproco pode-se passar para a segunda fase.

– 2ª Fase: As pessoas trocam impressões pessoais sobre assuntos, se conhecem melhor, buscam saber mais de si e do outro. Como num namoro, o jogo de sedução, de impressionamento e surpresas. Em suma, nesta etapa, busca-se conhecer – com as limitações próprias – o outro, demonstrando-se aquilo que se é ou se quer ser.

– 3ª Fase: A terceira etapa se constitui na apresentação real, por meio de encontros. Normalmente isso acontece depois de muita conversa e interação entre os parceiros virtuais. Avançando-se para o contato pessoal desnudando-se do véu-virtual, abrem-se as possibilidades de interação pessoal.

4ª Fase: Passagem para o contato físico. Nesta etapa a distância do virtual e do real é superada e os amantes se entregam, finalmente, ao seu prazer físico. Com esta etapa, as peculiaridades do nascedouro do relacionamento são superadas pelo contato pessoal e dito normal, com as peculiaridades a ele inerentes”.

Essa prática virtual começa a ter importância jurídica quando, pelo menos um dos participantes da relação, for casado ou estiver vivendo sob o regime da união estável.

 

4 A INFIDELIDADE VIRTUAL E SUAS CAUSAS MOTIVADORAS

Antes de se aprofundar nos temas principais, cumpre destacar breves considerações acerca da constituição familiar e os dispositivos legais que dela versam.

A maioria dos sistemas jurídicos modernos optou pelo modelo monogâmico de instituição familiar, ou seja, a possibilidade de relacionar-se com apenas um parceiro durante a existência do vínculo jurídico estabelecido. Nesta conjuntura, observa-se que, do caráter monogâmico das relações decorre o dever jurídico da fidelidade mútua, preceituado como valor jurídico pelo Código Civil Brasileiro.

A fidelidade, nas palavras de Gama (2001, p. 194), “envolve o dever de lealdade entre os partícipes, sob os aspectos físicos e moral, no sentido de abster-se de manter relações sexuais com terceira pessoa, e mesmo praticar condutas que indiquem este propósito, ainda que não consume a traição.

A quebra deste dever de fidelidade recíproca é o fator gerador da infidelidade e do adultério. Sendo ambos conceituados como uma violação das regras e dos limites mutuamente estabelecidos. No entanto, a infidelidade é uma injúria grave, caracterizada pela falta de respeito com aquele qual se comprometeu, através da manutenção de ligações amorosas com parceiro alheio ao relacionamento jurídico, enquanto o adultério pressupõe a prática de conjunção carnal com parceiro diverso do habitual.

A infidelidade virtual aproxima-se do conceito dado por Cahali (2010, p. 345) quando define o quase-adultério como sendo um “comportamento conjugal intencional no sentido de congresso sexual com estranho, exaurindo nos atos preparatórios ou circundantes, como também se inclui o deslize envolto a sexualidade, porém despido de qualquer contato carnal, representando a infidelidade moral ou espiritual”.

Diante desse contexto, conceitua-se infidelidade virtual toda a prática de relacionamento paralelo, intermediada pela via eletrônica. Esta relação espúria de afeto virtual somente será classificada como adultério a partir do momento em que os parceiros virtuais concretizarem ato de conjunção carnal.

A verdade é que, com crescimento da internet, a facilidade de comunicação e o aumento do uso das redes sociais como forma de diálogo, o indivíduo sentiu-se motivado a buscar novas experiências com este modelo de interação que acabam por resultar em traições conjugais.

Nota que,nessa busca incessante pelo desconhecido,os indivíduos adentraram no mundo virtual, muitas das vezes, inclusive, para a satisfação de prazeres sexuais não atingidos pelas relações conjugais já desgastadas, encontrando, diante de qualquer desentendimento normal com o parceiro, um pretexto para embrenhar-se em uma aventura virtual, qual acredita não resultar em nenhum tipo de consequência ou prejuízo ao relacionamento conjugal.

Outro fator motivador destes relacionamentos é a falsa impressão de segurança que a realidade virtual passa ao usuário,sendo possível que a pessoa faça uso de ‘nicknames’ (apelidos) nem sempre verdadeiros, mantendo a sua identidade em sigilo, criando um ambiente de permissibilidade totalmente confortável ao navegante.

Em muitos casos, seguindo a dicção de Bembom (2008), “casados, ou que vivem em união estável, em face das mais variadas razões, como carência afetiva, fuga da rotina, incompreensão, por acreditarem estarem livres, por exemplo, de um flagrante de adultério, encontram no computador, via internet, o meio seguro de ‘trair’ sem consumar”.

A psicologia também busca entender as causas motivadoras das traições virtuais. Nos ensinamentos de Novaes (apud Guimarães 2008, p. 8), a motivação dos usuários “pode manifestar-se por uma dificuldade de estabelecer laços afetivos profundos, o que as leva a uma busca compulsiva de sensações e aventuras. A infidelidade também pode acontecer como fuga da vida real, quando falta coragem para promover a separação formal”.

No mesmo sentido, Guimarães (apud Nazário 2012), destaca que a realidade das relações virtuais engloba possibilidades de relações que variam desde a normalidade à patologia, dependendo do uso que cada indivíduo faça, seja um uso narcísico, seja um uso perverso ou uma forma de desviar-se da realidade externa ou interna.

Ainda no âmbito da psicologia, vale destacar as considerações de Ferrari (2011), qual aduz que “a fidelidade e a infidelidade dependem do conceito que o casal tem delas, e do pacto de confiança que estabelecem entre si”.

Analisando as explicações supramencionadas, cumpre, neste ponto, destacar a figura do poliamorismo ou poliamor. Este instituto se refere à prática de comprometer-se com mais de um parceiro simultaneamente e com o consentimento de todos os envolvidos.

Nas sábias palavras do jurista Stolze (2013), conceitua-se o poliamor “a situação jurídica em que os partícipes da relação, por ato consensual e livre, resolvem abrir a relação intersubjetiva para outros partícipes na relação de afeto”.

Essa relação de afeto aberta a terceiros, pode ser caracterizada como flexibilização do dever de fidelidade, desde que acordado por ambos os companheiros, por ato conjunto e recíproco. Tratando-se, no Brasil, de exceção à regra não absoluta da monogamia. Portanto, não havendo que se falar em adultério ou infidelidade, mesmo que virtual, em tais casos.

Percebe-se que, a concepção acerca da transgressão da fidelidade pode variar de indivíduo para indivíduo, vez que a lei é omissa em tal ponto, inexistindo atualmente definição do conceito e da abrangência da infidelidade.

A infidelidade virtual, as suas limitações, indagações e controvérsias, são, de fato, matérias relativamente modernas para a legislação, considerando que, mesmo visualizando-se o demasiado aumento da sua prática, ainda não encontra o devido amparo legal, vislumbrando, enquanto, maiores subsídios nas doutrinas e jurisprudências. Vejamos a seguir as repercussões e consequências que este instituto trouxe para a ciência jurídica.

 

5 Repercussão e Consequências Jurídicas da Infidelidade

Em decorrência da composição de uma relação afetiva, seja pelo instituto do casamento ou por intermédio de uma união estável, surgem as denominadas entidades familiares e, consequentemente, os direitos e deveres para os companheiros.

Esse conceito de instituição familiar encontra amparo constitucional, no art. 226 que menciona: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. §1º. O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º. O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. §3. O do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

No que tange aos direitos/deveres,o Código Civil Brasileiro estabelece, em seu art. 1565, que: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”, com os direitos e deveres expostos pelo art. 1.566 que preleciona como deveres de ambos os cônjuges: “I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos”.

No mesmo sentido, no âmbito das uniões estáveis, o CC no art. 1724, dispõe que: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”.

Nota-se a defesa do modelo monogâmico pelo legislador que, em ambos os modelos de entidades familiares, resguardou o dever de fidelidade e lealdade recíproca entre os cônjuges/companheiros.

Avançando o debate do tema em análise, cumpre destacar os fatores que podem desfazer acomunhão conjugal.

Em relação ao casamento, o art. 1571 do Código Civil Brasileiro expõe que: “A sociedade conjugal termina: I – pela morte de um dos cônjuges; II – pela nulidade ou anulação do casamento; III – pela separação judicial; IV – pelo divórcio”. O mesmo diploma legal, no seu artigo subsequente,adiciona que: “Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum”. No que importe à união estável, poderá igualmente ser rescindida em termos semelhantes aos utilizados ao casamento, podendo ser de comum acordo ou litigiosa quando descumprido algum dos deveres da união.

O artigo 1573 do CC elenca as possibilidades que podem tornar insustentável a comunhão, quais sejam: “I – adultério; II – tentativa de morte; III – sevícia ou injúria grave; IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante 1 (um) ano contínuo; V – condenação por crime infamante; VI – conduta desonrosa”. A parte final do dispositivo acrescenta que: “O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”.

Considerando as explicações do regimento legal, tem-se que o descumprimento de qualquer dos deveres por um companheiro surgirá ao outro a possibilidade de promover a separação com causa culposa, denominada de ‘separação-sanção’, que, nas palavras de Pereira (2012, p. 158), “objetiva aplicar ao cônjuge culpado a dissolução do matrimônio, com penalidade em face de seu comportamento infiel”.

O proponente deve provar, quando da separação judicial, o grau de responsabilidade do outro na dissolução da união. Nos casos de infidelidade virtual, a responsabilidade recai sobre aquele que deixa de cumprir com os deveres do matrimônio, aventura-se em relacionamentos virtuais e mantem relações de afeto paralelas com terceiro.

Segundo prescrito pela Constituição Federal (art. 5º), as provas, para fins processuais, somente podem ser admitidas quando forem obtidas por meios lícitos. Ou seja, são vedadas as provas que violem a dignidade humana, o domicílio, a privacidade, a intimidade, as comunicações entre outros direitos. As provas virtuais seguem o mesmo parâmetro, assim, ocorrendo qualquer violação de direito alheio, as provas virtuais serão consideradas ilícitas e não admissíveis legalmente.

Neste ponto, destaca-se a questão referente à intimidade e a privacidade, devidamente protegidas pela Constituição Federal, art. 5º, inciso X, como direitos e garantias fundamentais. Essa tutela constitucional também vigora em âmbito virtual, já que todos os usuários da rede devem possuir privacidade no acesso aos correios eletrônicos, programas e dados.

O laço afetivo firmado por meio do casamento ou da união estável não suprime os direitos personalíssimos de cada companheiro, concluindo-se, portanto, que a violação de dados do cônjuge fere os princípios constitucionais acima descritos. Rosa (2008, p. 120) expõe que: “caso seja a conta do provedor compartilhada pelos cônjuges/companheiros, sua entrada estaria autorizada. (…) Em suma, não pode haver intromissão arbitrária na conta do cônjuge sem o consentimento deste”. Pensamento igualmente defendido pela jurista Marilene Silveira, qual entende que, na hipótese do cônjuge infiel manter relações através de computador de uso familiar, sem uso de senha, a obtenção da prova através da entrada no correio eletrônico não poderá ser considerada invasão de privacidade ou violação do sigilo, já que o próprio usuário deixou de tomar as medidas cautelares cabíveis, do contrário, estando os dados sobre proteção, a violação dos direitos estará configurada.

Diante do exposto, para que o cônjuge possa produzir as provas desejadas e não transgredir este direito fundamental à privacidade e ao sigilo das comunicações pessoais deve recorrer ao judiciário.

 

6 RESULTADOS

Os relacionamentos, mantidos por intermédio de dispositivos de comunicação, são denominados virtuais, quando estes relacionamentos encontrarem-se paralelos aos relacionamentos conjugais surge a classificada infidelidade virtual.

Por tratar-se de um tema abrangente e relativamente moderno, ainda sem conceituação amparada pela norma vigente, necessitou-se da pesquisa de campo para investigar mais aprofundadamente este instituto.

A pesquisa de campo investigou o uso da rede para relacionamentos virtuais, a infidelidade virtual e as possibilidades de aplicação de sanções civis e criminais. A pesquisa quantitativa mostrou-se adequada em atender os objetivos da matéria em análise.

Participaram da pesquisa cinquenta e três pessoas, com idade entre 20 (vinte) e 29 (vinte e nove) anos. Os selecionados foram contatados pela internet, mediante questionário online, disponível no link http://www.survio.com/survey/d/C9A6J3E8M1|0U0M3C. Os dados pessoais dos participantes não foram identificados, garantindo o sigilo e prevenindo riscos.

A pesquisa foi satisfatória obteve os seguintes resultados:

 

6.1. Acesso à Internet

 

Gráfico 01: Satisfação de prazer sexual através da internet.

 

No que se refere aos acessantes da rede, aqui incluídos também aqueles indivíduos que não possuem vínculos conjugais, verificou-se que 44% dos participantes da pesquisa afirmaram que já fizeram uso da internet para satisfação de prazeres sexuais.

 

6.2. Relacionamentos Reais e Virtuais

 

Gráfico 02: Relacionamentos virtuais amorosos.         Gráfico 03: Transformação de rel. virtuais em rel. reais.

 

Com relação aos relacionamentos reais e virtuais, constatou-se que 46% dos participantes já mantiveram relacionamentos amorosos virtuais.

Ademais, 87% dos integrantes da pesquisa acreditam que os relacionamentos afetivos, mediados por dispositivos, podem ser transformados em relacionamentos afetivos reais duradouros.

 

6.3. Infidelidade Virtual e Consequências

 

Por meio da análise dos dados referente a infidelidade virtual e suas consequências, detectou-se que 27% dos entrevistados confirmam que já traíram virtualmente seus parceiros.

Outrossim, 87% dos entrevistados consideram a estabilidade de relações virtuais, durante o vínculo conjugal, como traição aos deveres do casamento/união estável. Neste sentido, 58% daqueles que consideram a infidelidade virtual como traição acreditam que esta transgressão de deveres deve gerar indenização a título de danos morais ao traído. Apenas 30% concordam que a traição virtual deve cominar em sanção penal.

 

6.4. Discussão

Venosa (2004) prepondera que: “A transgressão dos deveres conjugais pode gerar danos indenizáveis ao cônjuge inocente. Nossa posição é no sentido de que essa seara deve decorrer da regra geral do art. 186, o que implica o exame do caso concreto”.

No mesmo sentido, Cahali (2012) demonstra que: “o ato ilícito que configurou infração dos deveres conjugais posto como fundamento para a separação judicial contenciosa com causa culposa, presta-se igualmente para legitimar uma ação de indenização de direito comum por eventuais prejuízos ao cônjuge afrontado”.

Outrossim, Santos (2000), adverte que “a prática de ato ilícito pelo cônjuge que descumpre dever conjugal e acarreta dano ao consorte, ensejando a dissolução culposa da sociedade conjugal, gera a responsabilidade civil e impõe a reparação dos prejuízos, com o caráter ressarcitório ou compensatório”.

Os doutrinadores com posicionamentos divergentes defendem a substituição do princípio da culpa pelo princípio da ruptura, entendendo que a indenização por danos em caso de desfazimento da união é derivada da ideia antiga de que a união não podia ser desfeita, e ainda que muitos se utilizariam desta tese como instrumento de vingança para com o outro.

A jurisprudência tem se posicionado no sentido de ser possível o pedido de indenização a título de danos morais decorrentes de eventuais infidelidades virtuais, reconhecendo a obrigação de indenizar proveniente da transgressão dos deveres conjugais. Conforme os seguintes julgados:

Direito Civil – Ação de indenização – Dano moral – Descumprimento dos deveres conjugais – Infidelidade – Sexo virtual (internet) – Comentários difamatórios – Ofensa à honra subjetiva do cônjuge traído – Dever de indenizar – Exegese dos arts.186 e 1.566 do Código Civil de 2002 – Pedido julgado procedente (TJ/DF, Sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida. 21/5/2008).

(…) O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação. 3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais. STJ – 3ª turma. Resp. 37.051, Rel. Nilson Naves. Julgado em 17/04/2001. Publicado em25/06/2001”.

O dano moral, em seu sentido mais comum, é conceituado como a afronta a um indivíduo em seu animo psíquico, moral e intelectual, correspondendo às lesões sofridas pela pessoa humana em violações de natureza não econômica, quando um bem de ordem moral é maculado.

A infidelidade virtual então, vez que comprovada pelo judiciário, confirmando a inobservância do dever de fidelidade recíproca, enseja, além de violação dos deveres conjugais e transgressão aos princípios constitucionais da honra, da integridade e da dignidade, gera a possibilidade de pedido de reparação dos danos causados em sua decorrência.

Neste sentido, frente ao grave abalo familiar e psicológico que a infidelidade pode ocasionar ao indivíduo, vem sendo resguardada esta possibilidade de indenização por danos morais oriundo de separação.

Vale ressaltar que, no Brasil, a infidelidade, caracterizada de adultério, já foi capitulada como crime no artigo 240 do Código Penal que prescrevia: “Cometer adultério. Pena – detenção, de quinze dias a seis meses”. No entanto, o referido artigo foi revogado pela Lei 11.106/2005, passando a infidelidade ser considerado somente ilícito de caráter civil, passível apenas de indenização por danos morais quando devidamente comprovados.

 

CONCLUSÃO

É perceptível que a internet sofreu consideráveis progressos, desenvolvendo um sistema avançado de comunicação e pesquisa. Simultaneamente, criaram-se novos meios de interação pessoal, tais como sites de relacionamentos e redes sociais. Os indivíduos passaram a ter uma opção de lazer e entretenimento ao alcance da mão com apenas um clique.

Nota-se que esta maravilhosa ferramenta chamada internet trouxe a solução para diversos problemas da sociedade, dentre elas, as dificuldades de relacionar-se, tendo em vista que na rede os problemas de fobia social ficam escondidos por de trás da tela.

Em contrapartida de modo negativo, como consequência aos modelos de relacionamento online, a internet apresentou para o mundo um novo problema, que cresce de modo surpreende: A infidelidade virtual.

Atualmente, muito se discute acerca das consequências e repercussões jurídicas que esta modalidade de relacionamentos trás para a vida dos indivíduos.

As correntes doutrinárias majoritárias e as aplicações jurisprudenciais vêm socorrendo a aplicação do direito nos casos de infidelidade virtual, através do que se pode concluir ser possível, baseado no princípio da culpa disposto pelo direito de família e desde que devidamente comprovada à transgressão dos deveres da fidelidade e lealdade recíproca, que o cônjuge traído pleiteie, junto ao poder judiciário, indenização de cunho moral, tendo por base os graves danos e abalos sociais e psicológicos sofridos e ainda a infringência aos princípios da honra, da integridade, e dignidade.

O que se nota é que o ordenamento jurídico não é capaz de movimentar-se na mesma velocidade que a sociedade, necessitando de uma reforma modernizadora no sistema, a fim de positivar novos conceitos de fato já existentes no plano social.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL,Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>.

BRASIL,Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

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