Resumo: A Constituição Federal, preocupada com os grupos mais vulneráveis da nossa sociedade, estabeleceu um tratamento diferenciado aos menores de dezoito anos, garantindo a inimputabilidade perante a Lei penal mas sujeitando-os a uma legislação especial. Diante desse consagrado dispositivo constitucional o presente estudo pretende demonstrar a impossibilidade da redução da inimputabilidade penal fixada pela Carta Maior em 18 anos, sob o fundamento de constituir ofensa ao direito individual dos menores, garantido em cláusula pétrea.
Palavra chave: Inimputabilidade Penal. Maioridade Penal. Cláusulas pétreas.
Abstract: The Federal Constitution, aware of the most vulnerable of our society, established a differential treatment to children under eighteen years, ensuring inimputabilidade to the criminal law but subject them to a special law. In light of this constitutional device as the present study aims to demonstrate the impossibility of reducing criminal inimputabilidade set by the Charter Highest in 18 years, on the ground constitute harm to the right of individual children, in clause Pétra guaranteed.
Keyword: Criminal Inimputabilidade. Criminal majority. Petras Clause.
Sumário:. Introdução. 1. A inimputabilidade penal dos menores de 18 anos na Constituição Federal. 2. O processo de alteração constitucional. 3. Limites materiais ao poder de reforma: cláusulas pétreas. 4. A inimputabilidade penal como cláusula pétrea. 5. Considerações finais
INTRODUÇÃO
A delinqüência juvenil sempre existiu e é inerente a qualquer sociedade, contudo, constata-se uma recrudescência deste fenômeno todos os dias, sendo a responsabilidade penal dos menores alvo de constantes discussões, gerando grande celeuma em nossa sociedade.
Diariamente são nos oferecidos inúmeros exemplos de infrações penais cometidas por menores, observando serem eles cada vez mais jovens, o que faz com que muitos, diante de fatos graves noticiados na TV, passem a acreditar na possibilidade de uma reforma constitucional visando à redução da maioridade penal.
Diante da regra constitucional disposta no artigo 228 da Constituição Federal, que trata da inimputabilidade penal aos menores de 18 anos, demonstraremos através do presente artigo que a alteração constitucional é impossível e inviável diante da natureza jurídica de cláusula pétrea da norma em comento, por tratar-se de garantia individual da criança e do adolescente.
Ao estabelecer um tratamento diferenciado, a Constituição Federal, preocupada com grupos mais vulneráveis da nossa sociedade, garantiu aos menores de 18 anos, a inimputabilidade perante a Lei penal, sendo que, contudo, estabeleceu a responsabilidade pelos atos cometidos perante a legislação especial, caracterizando um direito fundamental à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
1 A INIMPUTABILIDADE PENAL DOS MENORES DE 18 ANOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Primeiramente, imputar significa atribuir a alguém a responsabilidade de algum ato ou de alguma coisa. No campo do direito penal, “imputabilidade é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e de agir de acordo com esse entendimento”(DELMANTO et al, 2000, p.50).
Assim, a imputabilidade é o conjunto de condições de maturidade e de sanidade mental que permite ao sujeito a capacidade de entendimento e autodeterminação.
Antonio Carlos da Ponte (2007, p.62), aduz que:
“O código penal não traz um conceito positivo de imputabilidade, mas fornece as hipóteses em que esta é verificada. Partindo do principio de que só é imputável o individuo que tem a capacidade de entender e querer, nosso diploma legal funda a responsabilidade no elemento subjetivo da vontade consciente, exigindo, para tanto, que o agente revele certo grau de desenvolvimento mental, maturidade, normalidade psíquica, entendimento ético jurídico e faculdade de autodeterminação.”
Seguindo a tendência internacional consagrada na Convenção dos Direitos da criança, que considera como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos, foi instituída no artigo 228 de nossa Carta Política, preceituando que: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos as normas da legislação especial”
A Constituição Federal seguiu o critério biológico, ou seja, a idade do autor do fato, sem observar se o mesmo possui desenvolvimento mental completo ou capacidade de discernimento no momento da ação ou omissão.
Assim, significa dizer que a imputabilidade penal, começa aos 18 anos completos e o menor de 18 anos não está sujeito, em nenhuma hipótese à sanção penal, ainda que plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
A Constituição, agindo assim, prevê uma presunção absoluta de inimputabilidade.
O menor de dezoito anos, devido a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, é isento de pena, devido, exclusivamente, não ter atingido a idade mínima para ser responsabilizado perante o Código Penal, independentemente de outros aspectos, mas, contudo, devido a esta condição peculiar está sujeito á norma da legislação especial.
Ao dispor sobre essa regra especial, a Constituição Federal consagrou aos menores de dezoito anos uma garantia individual, qual seja: “a de não estarem sujeitos ás normas penais antes de completarem dezoito anos de idade, mas sim, às normas especiais”.
2. O PROCESSO DE ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL
Embora as constituições sejam concebidas para durar no tempo, a evolução dos fatos sociais pode reclamar ajuste e modificação no texto constitucional, uma alteração posterior, visando ajustar as vontades do poder constituinte originário e da sociedade.
O poder constituinte de reforma é o poder instituído pelo poder constituinte originário para alterar a Carta Constitucional visando à adaptação do texto original ás modificações ocorridas na sociedade, adequando-se as exigências sociais que são mutáveis, podendo essa reforma consistir no acréscimo, modificação ou supressão de partes do texto constitucional.
“O poder constituinte de reforma é um poder secundário ou derivado” (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2008, p.10), criado pelo poder constituinte originário que lhe estabelece o procedimento a ser seguido e as limitações a serem observadas. Assim, não é inicial, nem incondicionado, nem ilimitado, é um poder que está subordinado ao poder originário, caracteriza-se pela possibilidade de poder alterar o texto constitucional, função exercitada por órgãos determinados pelo poder originário, respeitando a regulamentação prevista pela própria Constituição.
A Constituição brasileira, por ser rígida, prevê a possibilidade a alteração de seu texto mediante duas formas: Emenda e Revisão. A Emenda constitucional é a espécie normativa que integra o processo legislativo, sendo seu objeto a reforma da Constituição, uma vez aprovada, promulgada e publicada, a emenda passa a situar e ter a mesma eficácia da Constituição, já a revisão é a ampla alteração do texto constitucional, dedicando-se ao processo de mudanças constitucionais pelos processos e conformidade aos limites estabelecidos na Carta Magna.
Como em nosso país, a revisão constitucional foi feita em 1993, não existe possibilidade de alteração por esse meio, somente sendo possível a alteração do texto constitucional por meio de emenda.
A Emenda Constitucional prevista no artigo 60, da Magna Carta de 1988, sujeita-se a limites formais( procedimentais), circunstanciais e materiais. O que nos interessa nesse estudo são os limites materiais, também chamados de cláusulas pétreas.
3 LIMITES MATERIAIS AO PODER DE REFORMA: CLÁUSULAS PÉTREAS
O constituinte originário estabelece para defesa de sua obra cláusulas de irreformabilidade total ou parcial da Constituição. Bastos (2000, p.35), nos ensina que “[…] limitações de fundo ou materiais, fenômeno que dá lugar ás chamadas ‘cláusulas pétreas’, ‘intocáveis’, ‘irreformáveis’ ou ‘eternas’.”
As cláusulas pétreas são limites fixados ao conteúdo ou substância de uma reforma constitucional e que operam como verdadeira limitação ao exercício do poder constituinte reformador. Elas traduzem um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, impedindo que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanças de identidade.
Mendes, Coelho e Branco (2008, p.218-219), destacam que:
“O significado último das clausulas pétreas esta em prevenir um processo de erosão da Constituição. A cláusula pétrea não existe tão-só para remediar situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução e de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro.”
A fixação de cláusulas pétreas é comum nas Constituições rígidas e nada mais faz senão adjetivar a rigidez constitucional, conferindo-lhe uma técnica ideológica da qual não se desvincula durante toda a permanência na vida do Estado.
O objetivo maior das cláusulas pétreas não é proteger a redação de uma norma constitucional, mas evitar a ruptura com princípios e estruturas essenciais à Constituição, sendo essas estruturas essenciais que se encontram ao abrigo de imutabilidade pelo poder reformador.
Assim, a cláusula pétrea protege os princípios constitucionais modelados na norma e não a norma em si.
Dispõe o artigo 60, §4, da Constituição Federal que:
“ Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I- a forma federativa de Estado;
II- o voto direto, secreto, universal e periódico;
III- a separação dos poderes;
IV- os direitos e garantias individuais.”
4 A INIMPUTABILIDADE PENAL COMO CLÁUSULA PÉTREA
Como vimos, a regra da inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos está contida no artigo 228 da Constituição Federal, por se tratar de texto constitucional somente é admitida a reforma, alteração ou supressão mediante emenda constitucional.
Diante do aclames da sociedade poderíamos dizer que somente o poder constituinte reformador, ou a competência reformadora, poderá alterar o texto constitucional, através de emenda constitucional, contudo, o próprio constituinte originário prevê limites de atuação do poder reformador, limites materiais implícitos e explícitos em todo o texto constitucional.
Esses limites, como já visto, não podem ferir cláusulas pétreas.
Pergunta-se seria possível uma proposta de emenda constitucional visando a alteração do artigo 228 para reduzir a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos?
Por tratar-se de direito individual inerente aos menores de dezoito anos acreditamos ser impossível uma proposta de emenda para reduzir o conteúdo do artigo 228.
A questão é muito simples de ser resolvida, vejamos:
Primeiramente, temos que definir o que quer dizer a expressão ‘tendente a abolir’, que significa nada mais que “mitigar, reduzir”(MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p.221), no disposto do artigo 60. Assim, a Constituição veda expressamente qualquer proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
Uma proposta de emenda que verse sobre a redução da maioridade penal estipulada pelo Constituinte Originário em dezoito anos, estaria reduzindo a idade imposta pelo poder originário, mitigando o direito de somente ser responsabilizado pela Lei penal, a partir da idade mínima disposta no texto constitucional- dezoito anos.
Pois bem, vencido o primeiro ponto, concluímos que uma emenda que altere o texto constitucional no sentido de reduzir a inimputabilidade penal, estaria suprimindo o direito de um determinado grupo, no caso, menores de 18 anos, de somente ser imputável perante a lei penal ao atingir 18 anos, antes, contudo estariam sujeitos a uma legislação especial.
O segundo ponto é sabermos se o dispositivo do artigo 228 seria um direito individual dos menores de 18 anos.
No entanto, a priori, precisamos entender o que quer dizer a expressão ‘ direitos individuais’. José Afonso da Silva ( 2009, p.191), leciona que :
“[…] Concebêmo-los como direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado.” (grifo do autor)
Assim, direitos e garantias individuais são aqueles derivados da própria existência humana e que se colocam acima de toda e qualquer norma, mesmo porque, para alguns autores, baseiam-se em princípios supraconstitucionais, com o objetivo maior de proporcionar e assegurar condições de liberdade individual, de sobrevivência e de valorização social.
É cediço que a lei penal sujeita seu infrator à penas previamente definidas, com caráter preventivo e repressivo, variando conforme os tipos legais de crimes, de acordo com as modalidades previstas na Carta Política, ou seja, privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa, suspensão ou interdição de direitos, diante disso, constata-se que a lei penal atinge a esfera da liberdade individual da pessoa e todos os bens juridicamente tutelados: liberdade, propriedade, privacidade, entre outros, com exceção á vida, pois não é permitido a pena de morte.
Com relação aos menores de dezoito anos, a vontade do constituinte, devido a tendências internacionais, foi fixar a imputabilidade penal em dezoito anos, excluindo-os da esfera da punibilidade penal, com tratamento diferenciado em virtude da proteção especial, com obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade, consoante disposto no artigo 227, § 3, V, da Constituição Federal.
Assim, entendemos que essa legislação especial é uma garantia, um direito individual do menor de dezoito anos de ser responsabilizado pelos seus atos perante uma legislação especial, devido a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Sendo essa regra um direito individual, estaria no rol das cláusulas pétreas, descrita no artigo 60, § 4, inciso VI, sendo, portanto, insuscetível de supressão, alteração ou reforma, que implique na redução da regra estabelecida por meio de emenda.
Alexandre de Moraes( 2005, P.2176) deduz que:
“Assim, o artigo 228 da Constituição Federal encerraria a hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art.5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao artigo 150, III, b (Adin 939-7 DF) e consequentemente, autentica clausula pétrea prevista no artigo 60, § 4.º, IV.”
O mencionado autor também destaca que:
“Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo (MORAES, 2005, p.2176)”
Por ser cláusula pétrea, a redução da imputabilidade penal possui o atributo de intangibilidade e são imunes a qualquer arremetida do poder constituinte reformador. A reforma da Constituição não pode, pois, chegar ao extremo de retirar-lhe a identidade e seus postulados básicos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito embora os menores de dezoito anos sejam considerados inimputáveis perante a lei penal, os mesmos estão sujeitos a responsabilização perante a legislação especial, no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei n.º8.8.069 de 13 de julho de 1990( ECA)
Prevê a legislação menorista um procedimento especial e diversas medidas protetivas e socioeducativas para serem aplicadas aos menores de 18 anos.
Define o Estatuto o conceito de criança e adolescente a partir de um critério biológico, sendo criança, a pessoa que não atingiu a idade de 12 anos e adolescente a pessoa que possui de 12 a 18 anos de idade.
Ao praticar um ato infracional que é uma conduta descrita na lei penal como crime ou contravenção penal as crianças ficam sujeitas á medida de proteção, enquanto os adolescentes estão sujeitos à aplicação de medidas sócioeducativas, com caráter sancionatório-punitivo.
A medida sócioeducativa tem natureza penal, mas é diferente da pena porque tem um componente pedagógico em razão da condição de desenvolvimento do adolescente.
É evidente que existe punição e que a inimputabilidade não significa impunidade já que os adolescentes que praticam atos infracionais ficam regidos pelas medidas sócioeducativas onde são sim responsabilizados pela sua conduta infracional, ou seja, punidos, nos termos da legislação especial.
A redução da imputabilidade penal é impossível por tratar-se de cláusula pétrea. Assim, qualquer projeto que atente para esse fim é inconstitucional, sendo vedado expressamente ao Congresso Nacional, de acordo com o art. 60, § 4º, inciso IV, deliberar sobre proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Isso significa que o menor de dezoito anos, no Brasil não pode ter restringindo o direito de se submeter ao tratamento da legislação especial devido a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
O que podemos dizer que a solução para as celeumas da sociedade referente à delinquência juvenil não está na questão de reduzir a imputabilidade penal de nossos jovens, mas sim em procurar seguir os preceitos norteadores da recuperação e reinserção social, aplicando o disposto no artigo 227 da Carta Constitucional que assim prevê:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar. e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (grifo nosso)
Informações Sobre o Autor
Daniela Queila dos Santos Bornin
Mestranda em Direito Constitucional- área de concentração: Sistema Constitucional de Garantia de Direitos pela Instituição Toledo de Ensino- ITE- Bauru- SP. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Unirp/São José do Rio Preto-SP. Advogada Militante na área Cível e Criminal na Comarca de Olímpia-SP