LUANA RIBEIRO NUNES[1]
OSNILSON RODRIGUES SILVA (Orientador)[2]
RESUMO: Este artigo teve como questão central a verificação sobre a possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos e transsexuais. O objetivo geral e também um dos objetivos específicos foi destacar, através da interpretação extensiva, a aplicação da referida norma, como instituto que ampara situações de violência doméstica relacionadas ao gênero. A ênfase dessa temática para a área do conhecimento está situada na exploração de princípios, doutrinas e jurisprudências que de maneira ampla, sustentam, o ordenamento jurídico brasileiro. Desenvolveu-se uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, cujo lado metodológica é de procedimento bibliográfico teórico realizadas em livros, jurisprudências e artigos. Conclui-se que, com a disposição doutrinária e jurisprudencial feita ao longo do trabalho, ser perfeitamente possível a aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos e transsexuais com o fundamento da presença do gênero feminino.
Palavras-chave: Aplicação. Lei Maria da Penha. Interpretação Extensiva.
RESUMEN: Este artículo ha tenido como cuestión principal la verificación sobre la posibilidad de aplicación de la Ley Maria da Penha a las parejas homoafectivas y trasnssexuales. El objetivo general y también uno de los objetivos específicos fue destacar, a través de la interpretación extensiva, la aplicación de dicha norma, como instituto que ampara situaciones de violencia doméstica relacionadas con el género. El énfasis de esta temática para el área del conocimiento está situada en la explotación de principios, doctrinas y jurisprudencias que de forma amplia, sostienen, el ordenamiento jurídico brasileño. Se desarrolló una investigación exploratoria con abordaje cualitativo, cuyo lado metodológico es de procedimiento bibliográfico teórico realizadas en libros, jurisprudencias y artículos. Conclui-se que, com a disposição doutrinal e jurisprudencial feita ao longo do trabalho, es perfectamente posible la aplicación de la Ley Maria da Penha a las parejas homoafectivas y transexuales con el fungido de la presencia del género femenino.
Palabras-clave: Aplicación. Ley Maria da Penha. Interpretación Extensiva.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Contexto histórico da criação da Lei Maria da Penha. 2. O princípio da isonomia/igualdade como preceito aplicacional da Lei Maria da Penha. 2.1 Da interpretação extensiva dada à Lei Maria da Penha. 3. Aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos e transexuais. 4 Considerações Finais. 5 Referências.
Com a mudança de comportamento e valores sociais, novos entendimentos acerca da convivência familiar doméstica ganharam destaques. As normas jurídicas regularão eventuais conflitos presentes nessas novas relações.
Fruto dessa mudança, há diferentes configurações de famílias e diferentes tipos de problemas familiares para além dos que já ocorrem em famílias de casais heterosexuais. Estes estão presentes nas relações pessoais independente da orientação a ser seguida, muitas das vezes motivados por ciúmes e pela noção de superioridade de uma das partes o que implica na ocorrência de agressões físicas.
O presente artigo possui como finalidade demonstrar a possibilidade da aplicação da Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06 aos casais homoafetivos e transsexuais no âmbito da violência doméstica. Dito de outro modo, verifica-se a possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha para acabar com toda espécie de violência doméstica e familiar independente do gênero ou do comportamento social.
Para alguns Tribunais do país, não se torna possível a aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos e transsexuais, já que a norma possui seu campo de aplicação voltado para a mulher.
Já para outros autores (BIANCHINI, 2016; DIAS, 2014), e a jurisprudência unificada nacional, em casos concretos, vem admitindo a aplicação da Lei Maria da Penha para casais homoafetivos e transsexuais garantindo, por sua vez, entre outros princípios, a aplicação da igualdade. Sendo assim, utilizou-se para confecção do presente trabalho, o método dedutivo, de caráter bibliográfico.
Na primeira parte deste trabalho, será abordada a evolução da Lei Maria da Penha no intuito de destacar as transformações do instituto. Em seguida, apresenta-se à disposição da isonomia como fonte igualitária de aplicação da referida norma. Já na terceira parte, demonstra-se por meio da extração doutrinária e jurisprudencial a possível ampliação por meio da extensão da norma aos casais homoafetivos e transsexuais. Por fim, destaca-se uma argumentação em favor da extensão da Lei.
Destacar o contexto histórico da criação da Lei Maria da Penha é, acima de tudo, dizer que os direitos das mulheres em seu campo atuacional esteve e está em constante evolução do ponto de vista da aquisição de novos direitos e perspectivas sociais.
Nesse sentido, para Valéria Diez Scarance Fernandes (2015, p. 05) tal ascenção está consusbtanciada na própria mulher enquanto participante do meio social. Acrescenta a autora que por mais de cinco séculos, entre as Ordenações Filipinas até o Código Penal de 1940, os direitos das mulheres eram restritos à proteção contra os crimes sexuais que, por sua vez, não protegiam por inteiro a própria mulher e sim a sua honra e de sua família.
Em um determinado período vivido pelo Brasil Colônia percebeu-se a presença de um conjunto mandamental denominado de sistema patriarcal. Por este sistema, as mulheres carregavam em si mesmas alguns traços presentes nessa época, a de serem destinadas aos afazeres domésticos, ao casamento e subordinadas aos homens. “Ao tempo do Brasil Colônia (1500 a 1822) reinava no País um sistema patriarcal. As mulheres eram destinadas ao casamento e aos afazeres domésticos, com total submissão e obediência aos homens”. (FERNANDES, 2015, p. 06).
A Revolução Industrial marca a introdução da mulher no mercado de trabalho e a luta por direitos. Neste contexto, a mulher sai da esfera da obrigatoriedade para com o homem e entrava no mercado de trabalho, acumulando algumas funções entre estas, os afazeres de casa e o próprio trabalho desenvolvido. “A Revolução Industrial permitiu o ingresso das mulheres republicanas no mercado de trabalho como operárias, cumulando as funções de mães, donas de casa e trabalhadoras”. (FERNANDES 2015, p.11).
Quanto ao contexto histórico dos direitos das mulheres precisamente na Constituição República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/1988, o legislador constituinte após revogar o sistema patriarcal até então vigente, optou por determinar a igualdade entre homens e mulheres no que diz respeito a direitos e obrigações (artigo 5°, inciso I), tendo em vista este contexto de grande relevância, surge então um instrumento garantidor e reparador denominado de Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006).
Sobre a parte histórica de tal instrumento normativo, conforme Assembleia Legislativa Secretaria de Recursos Humanos (2012, online), teria sido construída no ano de 1983 com o acontecimento de fatos que ensejaram todo processo de elaboração da referida lei.
Nesse sentido, a Senhora Maria da Penha Maia Fernandes, referência do nome dado a presente lei, sofria constantemente agressões domésticas por parte de seu cônjuge, em destaque a tais eventos, revela-se o momento em que adquiriu de seu próprio companheiro um disparo de arma de fogo, produzindo como resultado catastrófico a perda da locomoção de suas pernas. Após se recuperar do fato ocorrido, as agressões ainda continuaram, seu marido a manteve presa em sua própria casa, além de praticar uma outra tentativa de homicídio. Tendo a situação matrimonial sida inconcebível a autora da Lei resolveu procurar a justiça para ver os seus direitos amparados, Assembleia Legislativa Secretaria de Recursos Humanos (2012, online).
Em complemento, segundo o Portal Brasil (2012, online) a busca pela solução do conflito de início começou por parte da autora Maria da Penha em informar os órgãos competentes para regular tal demanda, sendo assim buscou o Centro pela Justiça Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Juntos os órgãos realizam perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) uma denúncia contra seu marido agressor. (PORTAL BRASIL, 2012, online).
Finaliza ainda Assembleia Legislativa Secretaria de Recursos Humanos (2012, online), que juntamente com o ocorrido, surgiu ainda outro debate nessa esfera a qual foi feito uma observação por parte de um consórcio da ONGs Advocacy, Agende, Cepia CFEMEA Clademi/Ipê e Themis. Dessa forma, foi dado ênfase à nível internacional ao referido assunto, que, após ser reformulado, foi enviado ao Congresso Nacional. Nesse sentido, com a grande participação da sociedade civil e inúmeras audiências públicas sobre o assunto, autoriza-se por parte do Presidente da República a criação da Lei nº 11.340, em 07 de agosto de 2006, Assembleia Legislativa Secretaria de Recursos Humanos (2012, online).
Por fim, em um contexto de evolução dos direitos das mulheres destaca-se com relação a Lei Maria da Penha a sua finalidade bem como a sua aplicação que em suma destina-se a proteger, garantir, erradicar, bem como coibir todo tipo de violência no âmbito da convivência comum familiar e doméstica praticada contra a mulher. (DIAS, 2008, p. 24, apud Lei 11.340, de 07.08.2006).
Nesse contexto histórico de evolução de direitos das mulheres bem como o espaço que se originou a criação da própria Lei Maria da Penha, faz se necessário destacar um outro contexto qual seja, a parte principiológica constitucional, que recai sobre o tema, assim adiante passaremos a destacar o efetivo princípio que faz nascer a hipótese de aplicação da lei maria da penha aos homoafetivos e transsexuais.
O conceito aplicacional de isonomia se torna muito difundido e debatido no ordenamento jurídico brasileiro, nesse sentido torna-se importante e necessário sua breve conceitualização do ponto de vista aplicacional neste trabalho. Cumpre destacar que o referido princípio encontra-se exposto entre os objetivos primordiais da República Federativa do Brasil, assim “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: […] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. […]”.
Por outro lado o mesmo preceito originário constituinte assim também revela:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […].
Como disposto no diploma normativo acima, o princípio da igualdade funciona como um direito bem como, uma garantia que ampara a coletividade, de forma que a referida disposição servirá como instituto a ser observado a fim de que não haja discriminação alguma no que diz respeito à aplicação da lei.
Assim, nos ensinamentos dos doutrinadores Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marioni e Daniel Mitidiero (2017) apud José Joaquim Gomes Canotilho e Vital temos que:
[…] o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando dialeticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social”, tal como (também) o é o Estado projetado pela Constituição Federal brasileira, de 1988. (SARLET, MARIONI e MITIDIERO, p. 575).
Como destacado pelos doutrinadores, percebe-se que o conceito do referido instituto encontra-se amparo no sistema jurídico constitucional e nesse sentido volta-se a um princípio presente nas questões liberais, gerais e que se pauta em um sistema coletivo de direitos, sendo assim, inerente a função essencial de Estado.
Por outro lado, necessário se ater aos ensinamentos de Clever Vasconcelos (2016) que:
Ante o exposto, nota-se que o princípio da igualdade possui dois planos diferentes. De uma parte, ante o legislador ou o próprio Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedido que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. O segundo plano é atinente ao dever do intérprete, basicamente a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, afastando diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. (VASCONCELOS, 2016, p. 153).
Como visto acima, destaca-se o entendimento no sentido da ocorrência do princípio da isonomia em dois momentos, no primeiro momento o referido princípio ocorre quanto da observação estrita da lei, nesse caso a lei seria um parâmetro de observação para aplicação do referido princípio, que assim estaria proibida a ocorrência de tratamentos distintos do ponto de vista da mesma situação. No sentido social, fonte de interesse deste trabalho, o princípio da isonomia se apresenta como forma de aplicação no sentido de observância da lei, porém o que se busca nesse ponto é a erradicação das diversas formas de diferenças quanto da aplicação da lei.
Por outro lado, é importante destacar quanto a parte classificatória do referido instituto que se classifica, segundo os autores Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marioni e Daniel Mitidiero (2017) apud Maria Glória Garcia, no que diz respeito ao seu campo de atuação, nesse sentido o conceito de isonomia, em um primeiro momento, estaria pautada na observância estrita da lei e, essa por sua vez seria o instrumento regulador do direito. Por outro lado, observa-se o conceito de isonomia voltada para o preceito mandamental da não ocorrência de segregação, assim sendo a isonomia funciona como um parâmetro de não descriminalização, nesse sentido:
Nesta perspectiva, é possível, para efeitos de compreensão da evolução acima apontada, identificar três fases que representam a mudança quanto ao entendimento sobre o princípio da igualdade, quais sejam: (a) a igualdade compreendida como igualdade de todos perante a lei, onde a igualdade também implica a afirmação da prevalência da lei; (b) a igualdade compreendida como proibição de discriminação de qualquer natureza; (c) a igualdade como igualdade da própria lei, portanto, uma igualdade “na” lei. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 577-578).
Em contrapartida, observa-se quanto a disposição do referido princípio, no que diz respeito a sua formação, que pode este ocorrer tanto da acepção formal quanto material, assim necessário se faz se ater às suas características. No que se refere ao sentido formal, temos o entendimento de que este acontece quanto da observação da convencional da lei, ou seja, o princípio da isonomia observa a própria lei no sentido da sua formação, assim tal formalidade se revela no campo da própria aplicação da lei. Por outro lado, no que diz respeito ao contexto material, tem-se que este se aplica quanto ao sentido concreto da lei, dessa forma, se revela como lei que se aplica a situações fáticas, nas palavras de Ana Paula de Barcellos (2018):
A isonomia formal visualiza a questão sob a perspectiva das normas e sua aplicação, como se verá, ao passo que a isonomia material se ocupa da situação real em que as pessoas se encontram, embora as duas dimensões interagem continuamente. […]. (BARCELLOS, 2018, p. 147).
Por derradeiro, importante chamar atenção para aplicação do princípio da igualdade como meio de erradicar as descriminalizações feitas aos casais homoafetivos e transsexuais. Neste sentido o princípio da igualdade se perfaz em um primeiro momento, ao mesmo tempo no próprio princípio da igualdade e ainda na liberdade de escolha da orientação sexual a ser seguida, sendo assim vedado às distinções e discriminação que possa surgir sobre esta vontade de escolha (SILVA, 2010, p. 224).
Assim, faz-se necessário então destacar no intuito de verificar o caráter aplicacional da Lei Maria da Penha aos homoafetivos e transsexuais, a possibilidade de sua extensão aos que não são descritos por ela de forma determinada, sendo assim passa-se ao próximo tópico quanto a sua interpretação extensiva.
2.1 Da interpretação extensiva dada à Lei Maria da Penha
Do campo aplicacional da referida norma, importante dizer quanto ao seu alcance geral que por sua vez que regula a relação da violação doméstica contra a mulher no âmbito familiar doméstico. Quando criada o legislador ordinário apenas se referiu a palavra mulher, não se referindo de fato o que seria mulher se relacionado ao gênero ou se relacionado ao contexto em que se ache mulher.
Dessa forma importante mencionar que, se torna necessário aumentar o grau de aplicação da Lei Maria da Penha para que torne-se a tratar também dos homosexuais e transexuais, assim para Alysson Leandro Mascaro (2015, p. 174) a interpretação extensiva faz se necessário uma vez que a referida forma de interpretação estende o campo de compreensão da norma jurídica. Nesse sentido destaca ainda o referido autor acerca da interpretação extensiva “ […] As hipóteses normativas são ampliadas pelo jurista, de tal modo que previsões originalmente não estipuladas passem a ser compreendidas no âmbito de implicações de uma determinada norma”.
Por outro lado, verifica-se quanto esse campo a própria hermenêutica relacionado ao tema, sendo assim destaca-se que a própria hermenêutica não se preocupa tão somente a situações jurídicas abstratas mais sim se preocupa ainda com casos concretos a exemplo a própria interpretação judicial (NADER, 2017, p. 264). Dessa forma, visto a características da extensão dada a norma, importante mencionar que o sistema jurídico não pode tratar e prever somente os casos de violência doméstica contra a mulher, deixando de lado ou ainda sendo omissa, quanto ao tratamento de violência doméstica que incide sobre os casos homoafetivos e transexuais.
É nessa hipótese que nasce os ensinamentos de Roger Raupp Rios (2006), que aduz por sua vez que, se levar em consideração direitos produzidos tão somente em virtude da própria realidade e voltados privativamente as características femininas estaríamos diante da produção de lacunas, uma vez que existem uma gama de diversidades encontradas. Com esse contexto, a interpretação extensiva da Lei Maria da Penha nasce como forma de afirmar os direitos humanos no intuito de ser aplicado às hipóteses que nela não são previstas, sendo assim, destaca Roger Raupp Rios (2009):
Não se pode esquecer que os direitos humanos, especialmente quando reconhecidos constitucionalmente de modo amplo e extenso, em um texto jurídico fundamental aberto a novas realidades históricas, têm a vocação de proteger a maior gama possível de situações. (RIOS, 2009, p. 9)
Desse modo, como bem destacado, assim pode se dizer que, conforme leciona o autor, que a interpretação extensiva feita sobre a Lei Maria da Penha recai sobre os próprios direitos humanos, sendo de todo modo de forma extensiva, garantindo assim um maior alcance aos necessitados, observando assim sempre os preceitos constitucionais. Por outro lado importante mencionar o contexto doutrinário e jurisprudencial a qual faz nascer esse tema passando a seguir a tratar sobre o contexto existente de pensamentos acerca da hipótese de aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos e transsexuais.
Nesse ponto de efetivo contexto social e valorativo vivido pelas pessoas, nasce a importância de verificar o campo aplicacional da Lei Maria da Penha como campo regulador de direitos nela não previstos. Importante mencionar que quanto a aplicação da referida norma aos casais homoafetivos e transsexuais não encontra na doutrina uma produção vasta com relação a esse tema, já por outro lado é na jurisprudência que, por estar sempre regulando e evoluindo com relação aos conflitos que se encontra maior a produção jurídica com relação a esse tema. Destaca-se ainda que nesse ponto será abordado correntes relacionadas ao tema que por sua poderão recepcioná-lo ou não do ponto de vista aplicacional. Sendo assim passa- se a destacar entendimentos que colaborarão para o desenvolvimento deste trabalho.
Com relação ao primeiro entendimento, e por esse trabalho adotado, temos a possibilidade de extensão da Lei Maria da Penha aos que nela não são previstos quais sejam os casais homoafetivos e transsexuais, assim de início importante mencionar e destacar o que dispõe a própria Lei Maria da Penha com relação a esse assunto, assim vejamos:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
[…]
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Como visto acima no diploma destacado, percebe-se que o mesmo regula toda aplicação da Lei Maria da Penha sendo aplicada aos casos independentemente da orientação sexual a ser seguida, entendido e alcançando assim as mulheres hétero, homoafetivas e ainda as transexuais, sendo que essas duas últimas hipóteses entrariam no contexto de gênero a qual seriam amparadas pelo sistema normativo em destaque, voltado a proteção contra violência no âmbito doméstico e contra a questão de gênero. Dessa forma também se baseia o entendimento de Alice Bianchini (2016, p. 59).
Por outro lado, destaca ainda e muito bem, a autora Alice Bianchini (2016) com relação a decisão da Juíza de Direito Ana Cláudia Veloso Magalhães, da Primeira Vara Criminal da Comarca de Anápolis no processo nº 201.103.873.908-TJGO. Que por sua vez verificou total possibilidade de aplicação a Lei Maria da Penha ao caso ali levantado uma vez que a referida hipótese que se tratava de caso concreto de cirurgia de redesignação sexual, assumindo assim o indivíduo o chamado “sexo” social ou seja, passou-se a adotar uma nova identidade perante a sociedade, alterando assim perfeitamente seu estado de gênero, dessa forma para a Juíza a não aplicação da Lei Maria da Penha poderia gerar uma mal maior relacionado ao “preconceito e discriminação”.
Ainda no que diz respeito a própria Lei Maria da Penha, temos que informar também que a referida norma mais uma vez em seu corpo normativo preliminar (artigo 2º) consagra que sem depender de classe, raça, etnia e, destaca-se, orientação sexual, é assegurada a mulher seus direitos fundamentais, sendo garantido a ela mecanismos referentes a facilidade de se viver sem violência, dessa forma, no intuito de fazer valer o dispositivo ora comentado, faz-se necessário aclamar pela aplicação dessa norma aos casais homoafetivos e trnassexuais. Nesse ponto importante mencionar quanto ao conceito de família trazido pela própria Lei Maria da Penha que nos revela ser um conceito novo e amplo uma vez que nesse ponto como objetivo de proteger a mulher acabou por criar uma nova perspectiva de união entre as pessoas (DIAS, 2014, p. 467).
Nesse contexto de família e levando em conta o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal – STF quanto a união familiar entre pessoas do mesmo sexo, nasce então o que ensina Maria Berenice Dias (2014) quanto a possibilidade de de aplicação da Lei Maria da Penha aos homossexuais, assim:
A Lei Maria da Penha (L 11.340/06) alargou o conceito de família para albergar as uniões homoafetivas. A partir da decisão do STF, que assegurou às uniões homoafetivas os mesmos direitos e deveres da união estável, passou a ocorrer a conversão da união estável em casamento. (DIAS, 2014, 267)
Importante destacar a posição da jurisprudência pátria acerca da parte aplicacional da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos e transsexuais. Nesse sentido destaca-se o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 477.554 Minas Gerais do Relator Ministro Celso de Mello a qual trata-se em sua base da análise do caso concreto relacionado a união civil entre duas pessoas sob a perspectiva jurídica constitucional.
Chama atenção a referida jurisprudência para a própria questão da impossibilidade de se restringir os direitos por motivo relacionado a preferência sexual. Destaca ainda o referido julgado quanto a questão dos homossexuais no intuito de estes também estarem amparados por essa proteção jurídica, sendo incabível bem como, considerado arbitrário, qualquer forma de intolerância que desiguale as pessoas em virtude de sua orientação sexual.
Nesse mesmo sentido segue o Informativo nº 175 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que tratou de hipótese de crime de lesão corporal de natureza grave praticada por uma mulher contra outra mulher, passando a entender os desembargadores que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada ao caso tendo em vista que regulou a proteção da mulher enquanto entendimento de gênero adotado.
Em seguinte temos também a decisão recente do Juiz de Direito André Luiz Nicolitt, proferido nos autos nº 0018790-25.2017.8.19.0004, na comarca de São Gonçalo (RJ), tratando com especificidade o caso concreto aplicacional da Lei Maria da Penha aos transsexuais, nesses termos vale destacar:
Com efeito, entendemos que todas as normas não penais, ou seja, processuais, civis e administrativas, contidas na Lei Maria da Penha, são aplicáveis ao homem que exerça o papel social de mulher, isto é, que possua o gênero feminino, como os travestis, transexuais, gays, por exemplo. (NICOLITT, 2017, p. 10)
Como visto para o respeitável juiz, entende-se ser perfeitamente possível aplicar a lei maria da Penha aos casais homossexuais e transsexuais uma vez que estes, exercem a condição voltada a questão social da mulher, possuindo por sua vez então a característica essencial da aplicação desta Lei qual seja o gênero feminino. Como visto até aqui mostra-se perfeitamente possível a aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos e transsexuais em virtude do próprio ato normativo nela dispor, isso tudo em obediência ao regramento constitucional e principiológico que rege ao tema, sem contar ainda que esse tema está em constante evolução a fim de regular todo e qualquer caso compatível e que necessite de proteção da Lei.
Visto isso tudo, passaremos a destacar alguns argumentos presentes na corrente contrária que por sua vez não admite a aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homossexuais e transsexuais, assim passaremos a destacar.
Para esse tipo de entendimento a questão da não aplicação da Lei Maria da Penha aos casais homoafetivos e transsexuias baseia-se no próprio ato normativo, ou seja o princípio da reserva legal que faz se presente nesse entendimento como forma de restringir o campo aplicacional da lei maria da penha a palavra mulher. Nesses termos interpretando a palavra mulher disposta pela Lei Maria da Penha de forma ampla ocorreria a violação do princípio da reserva legal no âmbito penal e consequentemente se recorreria a analogia como campo aplicacional a assegurar o tema.
Por outro lado, importante observar que esse tipo de entendimento não encontra um campo doutrinário e jurisprudencial vasto acontecendo em certas hipóteses, frise-se, bem poucas, relacionadas aos casos concretos. Cite-se então a necessidade de interposição de mandado de segurança nº 20973616120158260000 SP contra decisão do juiz de primeiro grau que negou-se a aplicar medida protetiva em face de um transsexual.
Dito isso tal entendimento encontra-se uma certa resistência quanto a evolução social dos valores, sendo assim pouco ou quase utilizado no meio jurídico.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de toda a pesquisa, ficou destacado a questão da evolução social da mulher enquanto sujeito de direitos, observou-se então que no início a mulher, no que diz respeito aos seus direitos, não era de certa forma amparados em sua totalidade. Dito isso, necessário foi que fosse adotado e criado direitos e garantias tendentes a amparar todo e qualquer espécie do direito feminino.
Nesse sentido, cria-se então mecanismos principiológicos constitucionais capazes de regularem situações e garantir a aplicação de direitos que antes não eram regulados. Dessa forma com relação e no intuito de regular situações até então não previstas recorre-se a chamada interpretação extensiva da norma Lei Maria da Penha como mecanismo ampliador de direitos e garantias, passando assim a regular e estabelecer situações, que a própria Lei Maria da Penha prévia porém não eram postas em práticas ou ainda aplicadas aos casos concretos.
Nesse sentido pôde se perceber que a Lei Maria da Penha objetiva-se erradicar toda e qualquer violência no âmbito doméstico e familiar contra mulher e ainda é presente em situações que envolvam a violência de gênero. Por outro lado, observou-se ainda que no caso concreto a Lei Maria da Penha com relação aos casais homossexuais e transsexuais tende a ser aplicada de forma específica, de acordo com o caso concreto, sendo assim regulada pela jurisprudência e evoluindo de acordo com a necessidade social.
Certo é que esse assunto será palco de grandes discussões futuras, uma vez que é notável a existência de certas resistências, cite-se poucos casos de efetiva aplicação da Lei Maria da Penha, relacionado a aplicação da referida norma, existindo assim um campo de direitos e deveres a serem seguidos como forma de tutela estatal.
Desta feita, conclui-se que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada aos casais homossexuais e transsexuais, que sofrerem violência doméstica e de gênero no âmbito da convivência familiar. Aderir essa hipótese, não é difícil, é respeitar e garantir a aplicação dos princípios constitucionais relacionados não só com as igualdades mas também outros de cunho garantidor, tudo isso no intuito de dar maior efetividade quanto a aplicação da própria norma em comento e como consequência inerente, a ocorrência efetiva de ausência de discriminações. Assim tal fundamento de aplicação, mais uma vez, relacionado a identidade de gênero construída é merecedora de amparo normativo.
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[1] Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins. luanaribeironu@gmail.com.
[2] Professor da Faculdade Católica do Tocantins. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. osnilson@catolica-to.edu.br.
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