Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade do terceiro intervir em incidentes de formação de precedentes, possibilidade esta que, atualmente, não possui previsão legal no Brasil. O ordenamento brasileiro vem, gradativamente, realizando reformas pontuais, no sentido de conceder eficácia vinculante ou persuasiva a determinados precedentes, influenciando ou determinando outros processos que tratam de relações jurídicas semelhantes. Desta forma, entende-se que a teoria do stare decisis, já utilizada pelo common law, vem influenciando as modificações realizadas no Direito Brasileiro, sendo necessário um maior estudo acerca da teoria do precedente judicial. No entanto, as referidas reformas pontuais possuem lacunas que devem ser preenchidas pela doutrina. E, sendo assim, destaca-se a importância de se atentar para possibilidade de o terceiro intervir em procedimentos de fixação de teses perante os Tribunais, com o objetivo de adequar a teoria dos precedentes a princípios constitucionais, como o do devido processo legal, o da ampla defesa e do contraditório. Trata-se, portanto, acerca da criação de uma modalidade de intervenção, considerada sui generis, que deve cumprir requisitos estabelecidos, como o da legitimidade e o interesse, sob pena de tumultuar os mencionados procedimentos.
Palavras-chave: Direito Processual Civil; Intervenção de terceiros; Amicus Curiae; Precedente Judicial.
Sumário: 1. Introdução; 2. Precedente judicial; 2.1. Conceito; 2.2. Estrutura; 3. Intervenção de terceiros nos incidentes de formação de precedentes; 3.1. Intervenção do amicus curiae; 3.2. Intervenção sui generis; 3.3. Requisitos para a intervenção; 3.3.1. Legitimidade; 3.3.2. Interesse; 4. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
A sociedade atualmente vem se relacionando de forma massificada. A tendência iniciada há algum tempo, se reflete nas relações jurídicas, que vêm sendo acertadas de forma semelhante, denominando-se, desta forma, de relações jurídicas de massa. O maior exemplo são as relações de consumo, nas quais apenas as partes se alteram, sendo o objeto da relação o mesmo, afinal se trata de contratos de adesão. Este é apenas um exemplo, dentre vários de fácil percepção na sociedade moderna.
Sendo assim, as modificações ocorridas no âmbito social começam a refletir no Poder Judiciário, pois no momento em que existem inúmeras relações jurídicas semelhantes, inevitavelmente, as discussões jurídicas acerca dos objetos dessas relações chegam ao Judiciário, através de ações, que começam a se repetir.
Por outro lado, como forma de adaptar o Poder Judiciário a esta nova realidade, começou-se a pensar em formas de adequar o ordenamento às causas repetitivas. Assim, uma das formas encontradas vem sendo realizada através de reformas com o objetivo de conceder eficácia vinculante ou persuasiva a precedentes judiciais. Ou seja, a eficácia de uma decisão proferida no bojo de um processo, passa a ser ultra partes, influenciando ou determinando outros processos, em que há semelhança na relação jurídica discutida. No entanto, no momento em que o ordenamento começa a conceder eficácia a determinados precedentes, faz-se necessário pensar na possibilidade de o terceiro intervir nos mencionados procedimentos, que fixam o entendimento de um Tribunal, uma vez que princípios como o da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, podem ser mitigados, desrespeitando, assim, a Constituição Federal.
O presente trabalho tem como objetivo analisar de que forma o terceiro poderá exercer a ampla defesa e o contraditório nos procedimentos que busquem uniformizar o entendimento nos Tribunais, sem que cause um tumulto processual, afinal, como se trata de relações de massa, inúmeras pessoas serão influenciadas pelo precedente criado.
2. PRECENDENTE JUDICIAL
O estudo do precedente judicial vem ganhando importância no ordenamento brasileiro, diante da multiplicação das relações de massa, nas quais se discutem relações jurídicas semelhantes, bem como diante das reformas realizadas pelo legislador, no sentido de criar procedimentos para fixação de teses perante os Tribunais.
Pode-se afirmar que os precedentes judiciais estão presentes em qualquer ordenamento, uma vez que são decisões proferidas em um processo com a possibilidade de influenciar outros casos semelhantes, o que se diferencia, é a eficácia que o sistema lhe atribui.
O common law é um sistema jurídico em que a jurisprudência, e os costumes são fontes do direito, e sendo assim, os precedentes possuem eficácia. Já o civil law, surge do Direito Romano, e tem como premissa básica a submissão à lei.
Deve-se atentar para o fato de que a teoria do stare decisis – na qual o precedente judicial, sobretudo aquele emanado de Corte Superior, é dotado de eficácia vinculante (DIDIER JR, BRAGA, OLIVEIRA, 2010, p. 385), possuindo assim duas características: a força obrigatória dos precedentes e a ideia de hierarquia funcional entre eles – não se confunde com o common law, como bem faz a distinção Marinoni (2010, p. 33):
“A elaboração de regras e princípios regulando o uso dos precedentes e a determinação e aceitação da sua autoridade são relativamente recentes, para não se falar da noção de precedentes vinculantes (binding precedents), que é mais recente ainda. Além do common law ter nascido séculos antes de alguém se preocupar com tais questões, ele funcionou muito bem como sistema de direito sem os fundamentos e conceitos próprios da teoria dos precedentes, como por exemplo, o conceito de ratio decidendi.”
Ou seja, pode-se afirmar que o common law que tem existência bem anterior à teoria do stare decisis, hoje a utiliza, tendo como fundamentos o respeito à decisões hierarquicamente superiores. É importante se distinguir o sistema do common law, da teoria do stare decisis, para, principalmente, afirmar que o ordenamento que se utiliza do civil law, tem condições de adotar a referida teoria, sem no entanto, se afastar dos princípios inerentes ao mesmo.
No Brasil, sempre preponderou o civil law. O ordenamento brasileiro sempre deu um grande destaque a lei escrita, a Constituição, seguida por inúmeras leis ordinárias, complementares, sendo a principal fonte do direito brasileiro. Até hoje, perdura a discussão se a jurisprudência seria uma fonte do direito. Discussão essa, que vem sendo superada, pois na atividade jurisdicional há muito mais que uma mera técnica de interpretação e aplicação do Direito. Há verdadeiramente uma criação do Direito, o que garante à jurisprudência a condição de fonte do Direito. (DIDIER JR., BRAGA, OLIVEIRA, 2010, p. 386)
Não podemos deixar de afirmar que o civil law no Brasil, vem mudando as suas premissas. Atualmente, não há quem entenda que o juiz é apenas a boca da lei não podendo criar o Direito, e é nesse sentido que percebemos uma gradativa aproximação entre o civil law e o common law, no que diz respeito à teoria do stare decisis. No Brasil, só para citar como exemplo, temos a súmula vinculante, a repercussão geral nos recursos extraordinários, os recursos especiais repetitivos, entre outros, que são casos em que o legislador já concede eficácia à decisão dada no bojo desses processos que vinculam as próximas decisões em casos semelhantes.
Sem dúvida, tais mudanças não significam que, no Brasil, a lei deixa de ter primordial importância. Tenta-se conceder eficácia às decisões, sem deixar de lado os princípios da civil law, o que significa que a doutrina, a jurisprudência e os legisladores estão procurando adaptar a teoria do stare decisis, à realidade do ordenamento pátrio.
Deve-se ter em mente também, o fato de que a realidade do direito vem mudando. Hoje as relações jurídicas são de massa, o que ocasiona em demandas repetitivas, em que se vislumbra a mesma discussão jurídica. Como exemplo característico, pode-se citar as relações de consumidores com empresas de telefonia, nas quais, caso ocorra uma cobrança ilegal por um serviço, inúmeras pessoas poderão ingressar em juízo, buscando a mesma tutela jurídica. E, sendo assim, não há motivo para os Tribunais Superiores analisarem diversas vezes a mesma situação, se o seu entendimento já está posto.
Por isso, pode-se falar que o fato dos precedentes possuírem eficácia, consubstancia pelo menos quatro princípios: da segurança jurídica, da economia, da celeridade processual e da isonomia.
Luiz Guilherme Marinoni (2012, p.2-3), afirma que “A ordem jurídica deve ser coerente, a ordem jurídica, como é óbvio, não é formada apenas pelas leis, mas também pelas decisões judiciais. Múltiplas decisões para casos iguais revelam uma ordem jurídica incoerente”.
Por fim, conclui-se que o ordenamento brasileiro deve, sim, conceder eficácia ultra partes aos precedentes, de forma que uma decisão proferida em um processo seja seguida em relações jurídicas semelhantes, não permitindo uma livre interpretação do magistrado sobre casos já decididos por Tribunais Superiores. Não se deseja que o juiz seja apenas um aplicador de precedentes, mas que exista uma coerência no ordenamento, existindo uma lógica, através de entendimentos já sedimentados.
2.1. CONCEITO
O precedente judicial é uma decisão judicial tomada no bojo de um processo, com algumas peculiaridades. Não se pode afirmar que qualquer decisão tomada em um processo, será um precedente, e sendo assim, só poderá ser considerado como tal, caso a fundamentação da decisão (ratio decidendi) sirva de base para outros casos semelhantes.
Defini-se, portanto, que “Precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos” (DIDIER JR, BRAGA, OLIVEIRA, 2010, p. 381).
Como será visto um pouco adiante, uma decisão judicial capaz de influenciar outros processos, é formada por diferentes partes, criando-se assim, uma norma jurídica de caráter geral, em que será exposta a interpretação das normas legais, diante daquele caso concreto. É nesse momento que, por exemplo, o magistrado irá preencher um conceito indeterminado, e por isso a norma poderá ser utilizada para decidir outro processo. Dentro da decisão, há também a norma individual, essa terá eficácia apenas entre as partes, na qual o juiz irá expor a conclusão acerca daquele processo, ou seja, irá julgar a procedência, improcedência, honorários, custas, entre outros.
Seguindo a linha doutrinária acima citada, pode-se afirmar que o precedente é um ato-fato jurídico. É fato, pois em qualquer lugar existirá o precedente, variando apenas, o grau de eficácia que o ordenamento irá atribuir. Por outro lado, é ato, pois o agir humano (proferir uma decisão), irá produzir efeitos previstos na lei, ou seja, efeitos ex lege, sendo um efeito anexo à decisão judicial.
2.2. ESTRUTURA
Diante ao exposto, pode-se afirmar que dentro de um precedente, que como afirmado cria duas normas jurídicas (uma geral e outra individualizada), há diferentes partes, de fundamental importância para o estudo, pois irá determinar aquilo que irá influenciar ou determinar outros processos.
Sendo assim, afirma-se que um precedente possui a ratio decidendi e a obiter dictum.
Para Marcelo Alves Dias de Souza (2007, p.125-126), pode-se definir ratio decidendi, com base em algumas definições extraídas da literatura jurídica inglesa, como regra de Direito explicitamente ou implicitamente estabelecida pelo juiz como base de sua decisão, isto é, a resposta dada à questão de Direito do caso.
Percebe-se assim, que para o estudo da eficácia dos precedentes essa parte da decisão ganha importância, pois é nela que irá ocorrer uma criação por parte do Judiciário, e consequentemente, uma norma jurídica de caráter concreto será criada e utilizada em outros processos semelhantes. Encontra-se ainda, a expressão holdings que é sinônimo de ratio decidendi, no entanto a primeira é mais utilizada pelos norte-americanos e a segunda pelos ingleses.
Para Cruz e Tucci (2004, p.175):
“A ratio decidendi (….) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law). Ela é composta: 1) da indicação dos fatos relevantes da causa (statement of material facts), 2) do raciocínio lógico jurídico da decisão (legal reasoning), e 3) do juízo decisório (judgement).”
Percebe-se assim, que diante da importância que possui a referida parte do precedente, o julgador deve expor de uma forma clara e compreensível tais elementos listados pelo doutrinador, no entanto, muitas vezes isso não é feito, o que dificulta a visualização do ratio decidendi, e consequentemente à aplicação em outros processos.
Prosseguindo na estrutura dos precedentes, deve-se analisar a obiter dictum.
Quanto à terminologia, afirma-se que dictum é uma proposição de Direito, constante do julgamento do precedente, que, apesar de não ser ratio decidendi, tem considerável relação com a matéria do caso julgado e maior poder de persuasão.
O obter dictum, ou simplesmente dictum, consiste, dessa forma, nos argumentos que são expostos apenas de passagem na motivação da decisão, consubstanciando juízos acessórios, provisórios, secundários, impressões ou qualquer outro elemento que não tenha influência relevante e substancial para a decisão. Normalmente é definido de forma negativa: é obiter dictum a proposição ou regra que não compuser a ratio decidendi, não possuindo dessa forma, força vinculativa. (SOUZA, 2007, p. 140-141).
3. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS NOS INCIDENTES DE FORMAÇÃO DE PRECEDENTES
O ordenamento jurídico brasileiro vem sendo reformado no sentido de conceder eficácia a determinadas decisões, influenciando ou determinando a solução a ser proferida em outros processos que versem sobre lides semelhantes. No entanto, tais reformas são realizadas de forma pontual, ou seja, o legislador não se preocupa em modificar o sistema como todo, e por conta disso, existem lacunas, que devem ser preenchidas pela doutrina.
Percebe-se que as reformas no sentido de criar incidentes que formam precedentes com eficácia vinculante ou persuasiva precisam observar o devido processo legal, sendo necessário analisar de que forma terceiros, que irão ser influenciados por aquele precedente, podem intervir no caso em que ele será criado. Por isso, faz-se necessário elaborar parâmetros que permitam intervenções em tais procedimentos, como forma de consubstanciar princípios constitucionais, como o do contraditório e da ampla defesa.
Dessa forma, se de um lado o ordenamento que adota a teoria do stare decisis, concedendo eficácia ultra partes a decisões tomadas no bojo de processos, pretende efetivar princípios como o da segurança jurídica, isonomia, e a coerência do ordenamento jurídico, de outro lado, não se pode mitigar outros princípios como o do devido processo legal, contraditório e o da ampla defesa, previstos no art. 5º, incs. LIV e LV da CF.
Sendo assim, no momento em que uma decisão dada no bojo de um processo irá influenciar ou determinar diversas outras relações jurídicas, é necessário haver formas para que terceiros possam se manifestar, ou trazer novas teses jurídicas, no momento em que se discute a criação de um precedente.
Insta salientar que na formação de um precedente com eficácia vinculante ou persuasiva, a participação de terceiros, de entidades representativas, do amicus curiae contribuem para a formação de um posicionamento mais estável com a exposição de teses, com a representação de interesses de uma parcela da sociedade. (BASTOS, 2012, p. 186).
Entende-se que no momento que se cria um precedente vinculante ou persuasivo, deve-se analisar o maior número de teses relevantes, com o objetivo de dar uma maior legitimidade à decisão e evitando a sua superação a todo o momento. Sem dúvida, apesar da participação de terceiros, legitimando a criação do precedente, a sua superação poderá acontecer, caso ocorra, por exemplo, uma lei posterior, ou mudança dos aspectos sociais.
Conclui-se assim que, diante das reformas pontuais ocorridas no ordenamento brasileiro, utilizando-se da teoria do stare decisis, deve-se pensar em um sistema que não deixe de aplicar princípios como o da ampla defesa e do contraditório. Por fim, o presente trabalho pretende analisar a forma com que, atualmente, vem sendo tratado o tema e ainda, trazer parâmetros para permitir que terceiros interessados nas decisões, possam intervir em incidentes de criação de precedentes.
3.1. INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE
Atualmente, no ordenamento brasileiro, não existe uma intervenção típica para procedimentos que fixam precedentes vinculantes ou persuasivos. Sendo assim, cada procedimento possui características distintas acerca da possibilidade de o terceiro se pronunciar, cabendo à doutrina, analisar e estabelecer os parâmetros que não são abordados pela lei.
A intervenção mais conhecida e mais aceita em procedimentos que fixam teses perante Tribunais é do amicus curiae. Esta figura processual surge nos Estados Unidos com o objetivo de efetivar a democracia deliberativa e participativa, bem como possibilitar que outros setores da sociedade, que não se encontravam envolvidos processualmente na lide, pudessem debater acerca do tema.
O ordenamento brasileiro, em algumas oportunidades, autoriza a participação de terceiros com o objetivo de aprimorar decisões, no entanto a doutrina e a jurisprudência, como serão trazidas, vêm entendendo que tal intervenção é, exatamente, a do amigo da corte.
O primeiro ponto a ser discutido, trata-se da intervenção nos incidentes de criação de súmula vinculante. A lei federal 11.417/2006 no seu art. 3º, §2º, afirma que o relator poderá admitir a manifestação de terceiros nos procedimentos de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Por conseguinte, o RISTF, no seu art. 354-B, afirma que após o recebimento da proposta de súmula vinculante e verificado o atendimento dos requisitos formais, será publicado edital no sítio do Tribunal e no Diário da Justiça Eletrônico para ciência e manifestação de interessados no prazo de 5 (cinco) dias.
Palhares Moreira Reis (2008, p.202-203), afirma que tal intervenção é, exatamente, a do amicus curiae. Segundo ele, a sua participação se dá por meio de um memorial, e sem ser parte no processo, mas buscando auxiliar a Corte no desfecho da demanda, o amigo da corte deverá trazer informações essenciais para a discussão travada no Supremo.
Esse também é o entendimento de Didier Jr, Braga e Oliveira (2010, p. 401-402), ao afirmarem que tal manifestação é mais um caso de intervenção do amicus curiae, e tem por objetivo ampliar, no âmbito social, a discussão acerca do conteúdo da súmula, com o objetivo de conferir maior legitimidade democrática à normatização empreendida pela Suprema Corte.
A intervenção do amicus curiae, por sua vez, não pode ser entendida como uma típica intervenção de terceiro, uma vez que essa figura é considerada um auxiliar do juízo, que tem como escopo aprimorar as decisões do Poder Judiciário com informações técnico-jurídicas, não sendo necessário comprovar algum interesse no deslinde da causa. Dessa forma, arremata Reis (2008, p. 205) afirmando que a participação dessa figura não se trata de intervenção de terceiros no processo, será, portanto, apenas, uma contribuição de relevância para o esclarecimento no debate.
Outro ponto que merece reflexão é a questão da intervenção trazida pela lei 11.418/2006, que inseriu os arts. 543-A e 543-B no CPC, disciplinando a repercussão geral nos recursos extraordinários. Assim, o §6º do Art. 543-A afirma que o relator poderá admitir a manifestação escrita de terceiros, mediante procurador, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. No RISTF, o art. 323, §3º prevê que mediante decisão irrecorrível, o Relator poderá admitir de ofício ou a requerimento, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral.
Depreende-se assim, que mais uma vez está prevista a possibilidade de o terceiro intervir em um procedimento que fixará uma tese, devendo ser seguida em outros processos semelhantes, criando-se, assim, um precedente vinculante.
Antes de tratar qual a modalidade de intervenção que estaria estampada no texto legal, deve-se lembrar que, o STF vem “objetivando” o controle difuso realizado por meio de recurso extraordinário, aproximando-o do controle concentrado de constitucionalidade. Ou seja, vem se entendendo que as decisões proferidas pelo Pleno da Corte, em controle difuso, que ainda não foram consagradas em súmulas vinculantes, possuem eficácia ultra partes. Sendo assim, tais decisões tratam-se de precedentes vinculativos, que podem ser revistos pelo Pleno, na hipótese de novos argumentos ou tendo em vista a evolução do pensamento a respeito do assunto. (DIDIER JR e CUNHA, 2011, p. 350).
Diante de tal constatação, tem-se entendido que a intervenção permitida pelos dispositivos legais, e pelo RISTF, é a do amicus curiae. Para Cassio Scarpinella Bueno (2006, p. 554), haveria duas questões que possibilitariam tal intervenção. A primeira delas, seria o fato de que o termo repercussão geral, trata-se de um conceito jurídico indeterminado, que carece, em certa medida, de preenchimento valorativo. Além disso, o doutrinador afirma que a disposição expressa no §5º do art. 543-B do CPC “dá o tom do impacto que o julgamento paradigmático assumirá na vida de terceiros”.
Conclui-se assim, que por conta dos motivos acima abordados, como a objetivação do recurso extraordinário, dando eficácia ultra partes às decisões proferidas pelo Pleno do STF, além dos dispositivos legais, que preveem a possibilidade de terceiros se manifestarem acerca da repercussão geral, é certo que o amigo da corte pode intervir nessas situações aprimorando as decisões da Corte e trazendo elementos técnico-jurídicos que acrescentem ao debate. Deve-se mais uma vez lembrar que tal figura é considerada um auxiliar do juízo, não se tornando parte, no momento em que participa do procedimento.
No entanto, o legislador trouxe a possibilidade de intervenção apenas na análise da repercussão geral, ou seja, segundo depreende-se da leitura do texto legal, o amigo da corte apenas poderia intervir no momento em que o Pretório Excelso discute a repercussão geral, que é um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Porém, não houve previsão da participação dessa importante figura no momento em que o STF discute o mérito do recurso, oportunidade na qual seria de fundamental importância um maior debate, uma vez que a decisão proferida atinge outros processos semelhantes, em decorrência da sua eficácia ultra partes.
Neste sentido, é que Bueno (2006, p. 557) sustenta que a intervenção do amicus curiae deveria ser utilizada no mérito da questão. Segundo o doutrinador, a atuação do amicus deve dirigir sua atenção ao mérito da questão, dando-lhe os contornos que justificam a sua própria intervenção, trazendo novas informações, elementos, e apenas, excepcionalmente, a atuação deverá ocorrer no plano relativo à admissibilidade.
Atenta-se, contudo, para o fato de que, no caso específico da repercussão geral nos recursos extraordinários, a questão da admissibilidade, não versa apenas sobre uma questão processual, podendo o direito material ser o objeto acerca do qual gira o debate. Sendo assim, parece que a intervenção do amigo da corte deve ocorrer no momento da análise da repercussão geral, mesmo sendo este um requisito de admissibilidade, bem como no mérito da questão, pelos argumentos trazidos pelo doutrinador.
Deve-se ainda lembrar que a lei 10.259/2001, nos seus arts. 14 §§ 4º ao 9º, e art. 15, além do RISTF, já permitia a intervenção dos amici curiae, no debate das questões de mérito dos recursos extraordinários no âmbito dos juizados especiais federais. Importante ressaltar, que tal disposição já existia antes das modificações realizadas no recurso extraordinário.
Há ainda no nosso ordenamento, outra possibilidade de intervenção, que a doutrina, como Didier Jr. e Cunha (2011, p. 315), entende tratar-se do amicus curiae. Tal possibilidade encontra-se estampada no § 4º do art. 543-C, afirmando que, nos casos de recursos especiais repetitivos, que serão julgados por amostragem, o relator poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos, ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria.
Analisa-se ainda outra manifestação do friend of court, por conta do disposto no parágrafo único do art. 481 do CPC. O referido dispositivo prevê que nos casos de incidentes de inconstitucionalidade em que a questão suscitada já tiver sido objeto de discussão do Plenário daquele Tribunal ou do Pleno do STF, o órgão fracionário não submeterá a questão novamente ao Plenário.
A possibilidade da intervenção, no caso acima referido, está prevista nos parágrafos do art. 482 do CPC. Ao analisar o caso, o Tribunal irá fixará o leading case, para todos os demais feitos em trâmite no tribunal, que envolvam a mesma questão.
Sendo assim, Didier Jr e Cunha (2011, p. 577) afirmam que é por isso que, assim como ocorre na ADI e ADC, é possível a intervenção do amicus curiae neste incidente, como já disposto no CPC, no art. 482.
Percebe-se, portanto, que o ordenamento brasileiro já estabelece, em algumas oportunidades, a intervenção desse auxiliar do juízo em incidentes que formam precedentes. É certo que essas possibilidades devem ocorrer com o objetivo de aprimorar as decisões vinculantes e persuasivas, dando uma maior legitimidade às mesmas.
É importante ressaltar que a intervenção do amigo da corte, pode ocorrer mediante pessoas jurídicas, como órgãos, associações, sindicatos. Por outro lado, também é possível ocorrer a intervenção de pessoas físicas como amicus curiae, como nos casos que demandem informações técnicas para o deslinde, e que médicos, sociólogos, por exemplo, tenham capacidade para auxiliar o Poder Judiciário.
Lembra ainda Cassio Scarpinella Bueno (2006, p. 56) que tal intervenção consubstancia o princípio da cooperação, uma vez que com a manifestação haverá uma troca de informações, municiando o magistrado com todas as informações possíveis e necessárias para melhor decidir.
Por outro lado, alerta Antonio Adonias Bastos (2012, p. 184), que a admissibilidade deve ser norteada pelo critério da apresentação de argumento que enriqueça e pluralize o debate, não havendo porque permitir a participação de quem queira apenas repetir argumentos já apresentados pela Corte, sob pena de tumultuar o procedimento e retardá-lo indevidamente.
Enfim, conclui-se que o ordenamento brasileiro prevê em alguns procedimentos para fixação de tese pelos Tribunais, a possibilidade de intervenção, e a doutrina, como acima citada, vem se posicionando no sentido de que tal intervenção se refere a do amicus curiae. Entretanto a participação dessa figura processual não configura uma intervenção de terceiros, pois se trata de um auxiliar do juízo que tem como objetivo aprimorar as decisões do Judiciário, não possuindo, necessariamente, qualquer tipo de interesse no deslinde da causa.
E, assim sendo, faz-se necessário pensar em uma modalidade de intervenção de terceiros para os procedimentos que criam precedentes vinculantes e persuasivos, uma vez que apenas a intervenção do amicus curiae parece não ser suficiente para os mencionados procedimentos.
3.2. INTERVENÇÃO SUI GENERIS
Percebe-se assim que é de fundamental importância a criação de maneiras para que terceiros, que serão influenciados por decisões criadas a partir de procedimentos que fixam teses nos Tribunais, tenham oportunidade de se manifestar no curso dos referidos procedimentos, sob pena de violação dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
Apesar de alguns procedimentos já permitirem uma intervenção, na qual a doutrina entende ser do amicus curiae, percebe-se que não é suficiente, uma vez que não se trata de um terceiro com direito subjetivo a intervir no procedimento de criação de precedentes vinculantes ou persuasivos.
Constata-se, portanto, a lacuna existente no ordenamento.
O Supremo Tribunal Federal enfrentou tal problemática ao julgar o Recurso Extraordinário nº 550.769/RJ interposto por uma Indústria de Cigarro em face da união Federal. O referido recurso contestava a decisão do TRF da 2ª Região, que considerou constitucional a redação do dispositivo do Decreto-lei 1.593/77 pela Lei 9.822/99.
O que vale registrar acerca desse Recurso Extraordinário, é que o seu desfecho iria criar um precedente no tocante às Indústrias de Cigarros, em face da “objetivação” do referido recurso, e do efeito ultra partes, e por conta disso, o Sindicato da Indústria do Fumo do Estado de São Paulo – SINDIFUMO pleiteou a intervenção, que foi acatada pelo STF, como assistência simples, como pode ser observada na Questão de Ordem decidida pelo Pleno da Corte, em 28 de fevereiro de 2008.
No entanto, como afirma Antonio Adonias Bastos (2012, p. 188), apesar de ter sido deferida a intervenção como assistência simples, o sindicato não mantinha nenhuma relação jurídica conexa com a que consistia no objeto litigioso do feito, não possuindo interesse jurídico nos moldes preconizados pela doutrina nacional, no entanto o seu ingresso tinha como objetivo a participação na formação do entendimento do Tribunal acerca da constitucionalidade de determinados meios de coerção indireta para o pagamento de tributos, ou seja, naquele caso o interesse jurídico dizia respeito a uma relação jurídica coletiva, envolvendo a proteção de direitos individuais homogêneos.
A intervenção admitida, portanto, não podia ser considerada assistência simples, pois, como visto em tópico anterior, tal intervenção se caracteriza pela existência de uma relação jurídica conexa com aquela discutida em juízo, o que não aconteceu no caso em questão.
Apesar de atualmente não existir uma modalidade típica de intervenção, percebe-se a necessidade de sua ocorrência como forma de consubstanciar princípios constitucionais e legitimar a decisão. Nesse sentido, Bueno (2006, p. 626) afirma que a única forma de legitimar decisões com efeitos vinculantes e persuasivos é reconhecer que se deve, previamente, dar ouvidos a pessoas ou entidades representativas da sociedade civil, verificando em que medida estão configurados adequadamente os interesses, os direitos e os valores em jogo de lado a lado.
Deve-se lembrar que o instituto da intervenção de terceiros é de suma importância para o desenvolvimento de um processo justo. A Constituição Federal (CF), no seu art. 5º, inciso LV, afirma que é assegurado o contraditório e a ampla defesa, a qualquer litigante, em processo judicial ou administrativo. Sendo assim, não se pode falar em aplicação imediata, em especial, desses dois princípios, se o legislador infraconstitucional não viabiliza a intervenção de pessoas que podem sofrer os efeitos da decisão e se encontram estranhas à triangulação processual.
Diante ao exposto, e tendo em vista o RE 550.769/RJ, em que o STF apesar de permitir a intervenção utilizou a modalidade equivocada, percebe-se que é necessário pensar em uma modalidade de intervenção de terceiros para os incidentes de formação de precedentes, que não se assemelha a nenhuma daquelas já tipificadas, e por isso, pode ser considerada sui generis.
A mencionada modalidade não pode ser considerada assistência, uma vez que o terceiro interviniente não possui relação jurídica conexa com a discutida naquele procedimento, não justificando a intervenção. Como visto o assistente simples é um legitimado extraordinário subordinado, uma vez que seria necessária a presença do titular do direito discutido, ou seja, o assistente simples auxilia a parte a obter sentença favorável, não defendendo direitos próprios.
No caso da intervenção sui generis, ocorrerá a defesa de direitos próprios, uma vez que a decisão proferida naquele processo, irá influenciar diretamente a relação jurídica semelhante discutida em outra lide, e por isso não se encaixaria na assistência simples. Ademais, não há de se falar em assistência litisconsorcial, uma vez que o terceiro não é titular daquela relação que irá resultar na fixação do precedente, pois a sua relação jurídica está sendo discutida em processo autônomo.
Outra modalidade existente no nosso ordenamento é a oposição que significa a demanda por meio da qual terceiro deduz em juízo pretensão incompatível com os interesses conflitantes de autor e réu de um processo cognitivo pendente (DINAMARCO, 2004, p. 381-382). Sem dúvida, a intervenção em incidentes de formação de precedentes não pretende pleitear direito que já está sendo discutido em outro processo. A relação jurídica do interviniente já está sendo tratada em processo próprio. Será influenciada, apenas, pela fixação da tese pelo Tribunal cujo processo paradigma está correndo, por isso não se trata de oposição.
A nomeação à autoria consiste em uma modalidade de intervenção de terceiros, na qual se corrige o polo demandado do processo, sem a necessidade de extinguir a ação, por carência. As possibilidades nas quais se permitem a aplicação dessa intervenção vêm elencadas no CPC. Sem dúvida, a intervenção sui generis não pretende regularizar o polo processual, e sim trazer argumentos novos e plausíveis, para que o Poder Judiciário analise no momento de fixação da tese, portanto não há como considerá-la nomeação à autoria.
A denunciação da lide pode ser considerada uma demanda, um exercício do direito de ação (DIDIER JR. 2010, p. 366). Tal demanda teria algumas características particulares, como a pretensão regressiva, eventual, provocada e antecipada. Ou seja, trata-se de uma modalidade de intervenção de terceiros, na qual a parte principal afirma que por conta de outra relação jurídica, caso sucumba naquele processo, o responsável pela sucumbência será o denunciado.
Diante da resumida explicação sobre este instituto, percebe-se que a intervenção de terceiros sui generis não se enquadra como denunciação da lide, uma vez que não há de se falar em direito de regresso em caso de sucumbência, e ainda não pode se falar que essa modalidade é provocada, uma vez que trata-se de modalidade espontânea, só devendo ocorrer caso o terceiro traga novos argumentos à questão discutida, além de possuir legitimidade.
Seguindo nas modalidades típicas existentes no nosso ordenamento, encontra-se o chamamento ao processo, que é considerado um incidente pelo qual o devedor demandado chama para integrar o mesmo processo os coobrigados pela dívida, de modo fazê-los também responsáveis pelo resultado do feito (THEODORO JR., 2007, p. 157). A intervenção que aqui se aborda, como já afirmado, não se refere á mesma relação jurídica, trata-se sim, de relações semelhantes, mas não a mesma. Sendo assim, não se pode encaixá-la como chamamento ao processo, uma vez que não se trata de coobrigação, nem de responsabilidade solidária.
Ou seja, o terceiro que pretende intervir no procedimento de criação de precedentes, não possui com os polos processuais daquela demanda, uma relação de coobrigação, de solidariedade. Mais uma vez lembra-se que o objetivo dessa intervenção é legitimar as decisões vinculantes ou persuasivas que irão ser construídas.
Após essa análise, e concluindo-se que a intervenção sui generis não se enquadra em nenhuma das modalidades já previstas, deve-se atentar para importância dessa figura para o ordenamento brasileiro, no momento em que vem se criando procedimentos, cujas decisões possuem eficácia ultra partes.
Seguindo a linha de Antonio Adonias Bastos (2012, p. 189), entende-se que a participação de terceiros é útil no procedimento em que se debaterá a questão jurídica, por permitir a exposição de uma maior variedade de fundamentos, uma vez que quanto maior for a quantidade de argumentos analisados na formação de um precedente, mais estável ele será, tornando-o mais difícil a modificação do entendimento no tribunal, embora isso possa acontecer.
Portanto, conclui-se no sentido de ser necessário possibilitar a participação de terceiros nos procedimentos de criação de precedentes, como forma de aprimorar e legitimar os entendimentos a serem fixados, além de evitar a sua fácil superação, mesmo que possível. No entanto, tal intervenção deve obedecer alguns parâmetros, limites, para que não seja um ato discricionário do relator diante do caso concreto, mas também não tumultue o processo, sob pena de comprometer outros princípios, como o da celeridade e da razoável duração do processo.
No próximo tópico serão trazidos alguns parâmetros com o objetivo de nortear a intervenção sui generis.
3.3. REQUISITOS PARA A INTERVENÇÃO
Assim como nas outras modalidades de intervenção de terceiros já previstas no ordenamento brasileiro, para a ocorrência da intervenção sui generis faz-se necessário a presença de alguns requisitos, sob pena de tumultuar o processo. Por outro lado, não deve depender apenas da discricionariedade do julgador diante do caso concreto, como ocorre, atualmente, com o amicus curiae nos procedimentos que se permite a sua participação, como os acima tratados.
Portanto, serão trazidos requisitos como a legitimidade e interesse, que deverão se fazer presentes no momento em que um terceiro pretenda intervir em procedimentos que visam à criação de precedentes vinculativos ou persuasivos.
3.3.1. Legitimidade
Primeiramente deve-se lembrar que em todas as modalidades de intervenção de terceiros, deve-se comprovar a legitimidade interventiva, sob pena de indeferimento da intervenção, neste sentido se manifesta Didier Jr. (2010, p. 351). Sendo assim, na intervenção sui generis não poderia ser diferente, sendo necessário ter bem claro quem são os legítimos a participarem de procedimentos de fixação de teses perante os Tribunais.
Primeiramente, deve-se analisar a legitimidade de pessoas jurídicas representativa dos interesses das partes.
Como bem afirma Antonio Bastos (2012, p. 187), percebe-se que as pessoas jurídicas representativas possuem legitimidade para intervir nos procedimentos de criação de formação de precedentes vinculativos. No entanto, deve-se atentar para a questão da adequada representação das class actions do processo coletivo.
Percebe-se assim, que a intervenção de pessoas jurídicas nos procedimentos de fixação de entendimento pelos Tribunais se assemelha à tutela coletiva, uma vez que a entidade representante irá atuar em benefício de indivíduos que serão influenciados por uma decisão vinculante, e que muitas vezes não possuem condição ou interesse em intervir por conta das dificuldades encontradas e pela falta de informação acerca desta intervenção.
Por isso que, assim como nas class action, deve-se aceitar entidades representativas de classes como legítimas, analisando-se, no entanto, a adequada representação, para permitir a citada representação. A adequada representação significa que os entes legitimados devem estar aptos a defenderem os interesses da coletividade e corresponder aos anseios da classe, pois, do contrário estaria comprometida a representatividade da legitimação coletiva. Por isso, analisam-se aspectos, como pertinência temática, recursos, entre outros.
Conclui-se, portanto, que nos incidentes de criação de precedentes as entidades representativas são legitimadas para intervir, desde que demonstrem a possibilidade de exercer uma adequada representação, nos moldes exigidos na tutela coletiva, que tem como base as class action americanas.
Além das entidades representativas, entende-se que pessoas físicas interessadas, que são partes em processos, cuja relação jurídica discutida seja semelhante àquele que está sendo analisado pelo Tribunal e que criará um precedente com eficácia ultra partes, também possuem legitimidade para intervir.
A possibilidade decorre do fato de que as referidas partes serão influenciadas pela decisão dada no processo de criação do precedente, e por conta dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, previstos no art. 5º, inc. LIV e LV da CF, têm direito de se manifestarem em tais procedimentos.
Sem dúvida apesar de legitimados, tais partes devem cumprir o requisito do interesse, que será abordado adiante.
Deve-se alertar para o fato de que procedimentos que visam à criação de precedentes vinculantes decorrem de relações jurídicas repetitivas, ou demandas de massa, e sendo assim, pode-se pensar que tal intervenção irá tumultuar o processo, diante da possibilidade de uma grande quantidade de pessoas intervirem nesses procedimentos. No entanto, outros critérios deverão ser analisados impossibilitando a ocorrência de inúmeras intervenções, viabilizando, desta forma, o andamento processual.
Por fim, e exatamente pelo motivo acima trazido, da possibilidade de incontáveis intervenções, é que entende-se que pessoas, físicas ou jurídicas, excetuando-se as entidades representativas, que possuem relações jurídicas semelhantes à discutida nos Tribunais, no entanto ainda não possuem um processo em andamento, não são legítimas para intervir, sob pena de tumultuar o procedimento.
Nesse sentido Antonio Adonias Bastos (2012, p. 189-190) afirma que de certa maneira, tais indivíduos estarão no âmbito da eficácia do precedente, já que ele poderá influenciar na prática de atos nas relações, contudo, parece não ser aconselhável que se admita a intervenção dessas pessoas, tendo em vista a potencialidade de provocar muito mais inconveniências e prejuízos do que proveitos para a fixação da tese.
Seguindo o entendimento do doutrinador, a utilidade seria uma maior diversidade de argumentos a ser analisado pela Corte, o que tornaria o precedente mais estável, no entanto, no momento em que se admite a participação de entidades representativas e de partes de processos semelhantes sobrestados, o argumento perde um pouco a sua importância. Aponta-se ainda, o fato do interesse ser reflexo e eventual, ou seja, não necessariamente tais pessoas serão influenciadas pelo entendimento fixado, e caso essa relação venha a ocasionar um processo judicial, terão a oportunidade de apresentar argumentos capazes de superar o precedente, através das técnicas vistas anteriormente.
Após a análise do primeiro requisito, qual seja, a legitimidade, passa-se a verificar o interesse, por ser também requisito essencial à intervenção sui generis.
3.3.2. Interesse
Os requisitos da intervenção sui generis devem ser analisados com bastante atenção, sob pena de tumultuar o processo, uma vez que se trata de causas repetitivas, decorrentes de relações de massa. Sendo assim, após a análise da legitimidade sob a ótica dos critérios acima abordados, o terceiro deverá comprovar que possui interesse jurídico no desfecho do debate que vem sendo travado no procedimento e que irá fixar o entendimento do Tribunal.
Primeiramente, deve-se ressaltar que assim como nas outras modalidades de intervenção de terceiros já previstas no ordenamento, aqui o terceiro também deverá comprovar o interesse jurídico. Assim sendo, Didier Jr. (2010, p. 344) tratando acerca das intervenções de terceiros já tipificadas, afirma que o terceiro deve demonstrar que há interesse jurídico, não sendo admitida a intervenção com base em interesses econômicos ou morais.
O interesse jurídico a ser demonstrado nas intervenções sui generis, gira em torno da prova de que aquela decisão irá influenciar a relação jurídica do terceiro, por ser semelhante ao caso em debate.
Ante ao exposto, alerta Antonio Adonias Bastos (2012, p. 188), para o fato de que no caso das intervenções de entidades representativas de classes, o interesse presente será indireto, uma vez que não influi nas relações jurídicas materiais de que tais entes são titulares, mas na defesa processual dos interesses dos representados, e sendo assim são parciais, podendo apresentar argumentos favoráveis ou contrários a certa tese.
Depreende-se, portanto, que assim como nas modalidades típicas previstas no nosso ordenamento, na intervenção sui generis, deve-se atentar para a presença do interesse jurídico, ou seja, o terceiro deverá comprovar que a sua relação jurídica irá ser influenciada pela tese a ser fixada, mesmo que indiretamente como nos casos das entidades representativas.
Ademais, cumpre ainda afirmar que o terceiro para intervir, deverá trazer argumentos novos, ainda não analisados no processo em questão, sob pena do temido tumulto processual. Não haveria sentido, a permissão de terceiros que não acrescentassem ao debate, novos argumentos, pois o que pretende-se não é apenas oportunizar a manifestação do terceiro, o que se quer é que o entendimento a ser fixado possua uma legitimidade diante da análise de diversos argumentos, permitindo uma aproximação da tese com a sociedade que efetivamente será influenciada pela decisão.
Utiliza-se aqui a mesma ideia do princípio da cooperação trazido na análise do amicus curiae. Se o objetivo desse princípio, como afirma Bueno (2006, p. 56), é fazer com que o juiz obtenha o maior número de informações relevantes para melhor decidir a causa, logicamente, ao permitir que terceiros tragam novos argumentos ao debate, aplica-se, efetivamente, o referido princípio.
Sendo assim, considerando os motivos acima abordados, especialmente o respeito aos princípios constitucionais, bem como ao princípio da cooperação e a legitimidade dos entendimentos fixados pelos Tribunais, entende-se pela possibilidade da intervenção sui generis, ainda que sem previsão legal.
Ou seja, como o escopo da intervenção de terceiros nos procedimentos de formação de precedentes é consubstanciar princípios, inclusive constitucionais, não haveria necessidade de expressa previsão legal para que os Tribunais aceitassem a intervenção, desde que respeitados os requisitos abordados.
Seguindo nessa linha, caso o ordenamento seja reformado no sentido de positivar a possibilidade de o terceiro intervir nos referidos procedimentos, tais hipóteses não deverão ser limitadas através de um rol taxativo. Isto porque a intenção dessa modalidade de intervenção é, justamente, evitar que a esfera jurídica de um terceiro seja influenciada, sem que lhe seja dada a possibilidade de se manifestar.
Desta forma, observa-se que a referida intervenção deve ser permitida em qualquer incidente que pretenda criar um precedente com eficácia vinculante ou persuasiva, influenciando, assim, a esfera jurídica de terceiros.
Conclui-se, portanto, que a intervenção sui generis não se assemelha a nenhuma modalidade já prevista no nosso ordenamento, apesar de ter uma fundamental importância para a legitimidade dos precedentes. No entanto, é necessário estabelecer requisitos e limites à tal possibilidade, sob pena de inviabilizar o instituto. Só assim, princípios constitucionais serão efetivamente respeitados, e a teoria do stare decisis terá uma aplicação congruente no ordenamento brasileiro.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, percebe-se a importância do tema, uma vez que as características das relações jurídicas vêm mudando, e, por outro lado, no momento em que o ordenamento brasileiro vem adotando a teoria do stare decisis, faz-se necessário pensar no sistema como um todo, pois, no momento em que são realizadas, apenas, reformas pontuais, princípios como o da ampla defesa, do contraditório e o do devido processo legal podem ser mitigados, desrespeitando, desta forma, a Constituição.
Constata-se, portanto, a importância da previsão de uma modalidade de intervenção de terceiros nos incidentes de fixação de entendimento perante os Tribunais.
Entende-se assim que tal intervenção deve ocorrer ainda que a modalidade respectiva não possua previsão legal. Ou seja, como o objetivo da intervenção de terceiros nos incidentes de formação de precedentes é, justamente, consubstanciar princípios constitucionais, não haveria necessidade de expressa previsão legal, para que os Tribunais defiram a intervenção, desde que respeitados os requisitos abordados.
Informações Sobre o Autor
Felipe Marinho Amaral
Graduado em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS. Pós Graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito. Assessor Jurídico do Ministério Público do Trabalho da 5ª Região