Introdução.
Ser proprietário de alguma coisa sempre foi e continuará sendo uma das razões de viver do ser humano. Desde a mais tenra idade, tomadas as devidas proporções, nós já temos consciência do que a nós pertence e lutamos (ou choramos) para que ninguém nos ameace, ou ao que nos pertence.
Já na dimensão do direito e sua ciência, ou seja, no que toca aos estudos científicos relativos à implementação de normas ou padrões de conduta humana, a propriedade também merece e mereceu os maiores rigores na sua proteção. Há até quem diga que a propriedade é sagrada.
A História da civilização ocidental é marcada por dois períodos bastante distintos. É comum se falar no mundo antes e depois da Revolução Francesa de 1789. É que a monarquia absolutista teria sido substituída pelos conceitos republicanos ou democráticos.[i] Era nascido o Estado de Direito, ou seja, aquela sociedade politicamente organizada onde o governo ou poder público estabelecem e respeitam as leis em uma relativa igualdade aos cidadãos comuns.
O período do liberalismo que se seguiu foi marcado por uma clara liberdade econômica e respeito à propriedade individual daqueles que conseguissem ser proprietários de alguma coisa, principalmente de terras ou bens imóveis.
A partir de 1848, ano em que se deu a I Internacional Socialista, os valores e as práticas capitalistas começaram a sofrer contestações à cada vez mais intensas. As próprias correntes de constitucionalistas chamadas de primeira, segunda e terceira gerações, vislumbravam na primeira corrente os direitos civis e políticos, enquanto que na segunda geração os direitos sociais.
O século XX, principalmente após a I e a II Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945) foi palco do crescimento e da valorização crescentes do estabelecimento e do respeito aos direitos chamados de segunda geração, ou direitos sociais. As constituições mexicana e a de Weimar na Alemanha são importantes referências à esta onda de direitos que surgiu nas primeiras décadas do século passado.
O século XX também assistiu ao nascimento do direito econômico. É aqui obrigatória a referência ao professor Washington Albino Peluso de Souza, professor emérito de Direito Econômico da Faculdade de Direito da UFMG, como um de seus importantes teorizadores. O que ocorria era a interferência do Estado por meio de sua Administração Pública na economia ou, como era também conhecido, o dirigismo estatal.
Seja como for, após tudo isto, a propriedade teria deixado de ter o seu valor intocável para assumir uma função, ou seja, uma atribuição, uma atribuição social.
O que se busca com a atribuição de um valor social à propriedade é, na verdade, a sua utilização de forma que se obtenha o maior proveito das propriedades imóveis em benefício da sociedade, ou seja, do conjunto organizado de pessoas que as circundam ou no qual estão inseridas.
O Brasil é um país marcado pelas diferenças sociais e econômicas. Nos anos 80 do século passado foi até apelidado de Belíndia, ou seja, um país com as características de um desenvolvido país europeu,a Bélgica, e de miséria da Índia.
Independentemente do que ocorreu, o nosso país também é marcado por severos problemas fundiários, ou seja, problemas agrários, problemas relativos a terrenos.
Cabe indagar como a propriedade no Brasil poderá realizar, fundamentalmente, a sua função social.
A Constituição Federal de 1988.
Godoy faz interessante estudo a respeito da propriedade imobiliária na Constituição de 1988. Lembra que a Carta consagra o direito de propriedade como direito fundamental (art. 5º, XXII) e como princípio da ordem econômica (art. 170, II).
A previsão do art. 5º insere o Brasil no conjunto de países que foi inspirado pela Declaração dos Direitos de 1789, art. 17 e a do art. 170 como um país com orientação econômica capitalista.
Firmou-se o direito de propriedade, suas garantias e o dever de atender a sua função social.[ii]
A doutrina atual teria ultrapassado a idéia de propriedade absoluta, ou seja, aquela pela qual o uso e o gozo da propriedade visava a satisfazer apenas o seu titular.
A disposição no texto constitucional faz com que a idéia da propriedade imobiliária ligada à função social informe todo o sistema jurídico nacional.
Citando Fábio Konder Comparato, Godoy afirma que o direito de propriedade somente poder ser gerado, e assim garantido na ordem constitucional se empregado com vistas ao cumprimento da função social que lhe é peculiar.[iii]
A Constituição trata a propriedade imobiliária sob os dois enfoques distintos da Política Urbana e da Política Agrária.[iv]
A Política Agrária vem disciplinada nos arts. 184 a 187. São concedidos ao Poder Público os instrumentos da política agrícola e da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.[v]
O autor de São Paulo cita diferentes limitações constitucionais e infra-constitucionais que interferem no regime de propriedade imobiliária privada. A que maior influência teria exercido seria a respectiva ao meio ambiente.[vi]
Citando o falecido autor mineiro, Caio Mário da Silva Pereira, e o professor da UERJ, Gustavo Tepedino, Godoy escreve uma página de sua Dissertação:
“Na verdade, crescem os processos expropriatórios, sujeitando a coisa à utilidade pública e aproximando-a do interesse social. Condiciona-se o uso da propriedade predial a uma conciliação entre as faculdades do dono o interesse do maior número; reduz-se a liberdade de utilização e disposição de certos bens; sujeita-se a comercialidade de algumas utilidades a severa regulamentação; proíbe-se o comércio de determinadas substâncias no interesse da saúde pública; obriga-se o dono a destruir alguns bens em certas condições. De certo modo os legisladores e os aplicadores da lei em todo o mundo, segundo afirma Trabucchi, mostram-se propensos a atenuar a rigidez do direito de propriedade”.[vii]
A função social da propriedade imobiliária agrária.
Godoy cita Paulo Guilherme de Almeida da seguinte forma:
“A Constituição considera que uma propriedade imobiliária agrária atende ao vetor da função social quando cumpre, simultaneamente,os requisitos da produção (uso racional e adequado), da ecologia (preservação e conservação dos recursos naturais) e social (respeito aos direitos trabalhistas).[viii]
Observação final.
Para iniciar a matéria, é importante concluir que o exame do usos satisfatório destas condições de utilização da terra irá impedir que a propriedade seja declarada de interesse para desapropriação com fins de reforma agrária.
Bibliografia: GODOY, Luciano de Souza. Direito Agrário Constitucional – O Regime de Propriedade, 2ª edição, São Paulo: Editora Atlas S.A, 1999.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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