Resumo: Estudo introdutório da questão da violência doméstica e familiar, abordada desde a perspectiva estrita do Direito Penal contemporâneo. Busca-se, pois, partindo-se da questão mais geral para a mais específica, abordar o tema e enfrentar de forma introdutória, vista como uma primeira aproximação à questão, alguns pontos controvertidos da dogmática da Lei nº 11.340/06.
Palavras chave: Direito Penal e Política Criminal; Violência Doméstica e familiar; Dogmática jurídico-penal; Punitivismo penal; Direito Penal simbólico.
Sumário: I. Precaução metodológica e introdução ao tema. II. Dados empíricos e normativos precedentes à Lei nº 11.340/06; III. Aspectos gerais da Lei nº 11.340/06, IV. Aspectos afetos à sistemática jurídico-penal. V. Algumas considerações doutrinárias sobre a Lei 11.340/06. Bibliografia
I – PRECAUÇÃO METODOLÓGICA E INTRODUÇÃO AO TEMA
Quando se tem por objeto solucionar algum problema, faz-se necessário, em primeiro lugar, estabelecer este os limites deste problema; e isso necessita um prévio conhecimento acerca de sua amplitude, sua complexidade, sua abrangência, enfim, de todos os elementos que o integram e o fazem ser o que é: um problema carente de solução. O segundo passo é estabelecer o método a ser aplicado na análise, de acordo com o propósito que a norteia. Conhecido o problema e estabelecido o método para a análise deste, cumpre, por fim realizar a apreensão no intuito de encontrar uma solução para algum problema encontrado, que pode ser, de acordo com os pressupostos mesmos do problema, uma, algumas ou até mesmo várias. Então radica aqui uma primeira questão: se o problema a ser analisado comporta em si muitos predicados, deve-se somente elencar como válidos para se alcançar uma solução acertada, aqueles que mantenham uma certa assimetria com o fim último da pesquisa, diga-se, a solução do problema do ponto de vista de determinada ciência.
O tema objeto, por evidente, comporta muitos predicados, que podem perfeitamente servir como ponto de partida para análises pautadas em finalidades completamente opostas, empreendidas por vários ramos da ciência. Mas o que aqui se quer é, com efeito, dedicar-se apenas ao estudo da matéria em seu aspecto jurídico-penal. Por isso, cumpre que nos apoderemos momentaneamente do tema objeto para nele empreender uma análise pautada somente nos objetivos específicos deste específico ramo da ciência jurídica. Ora, se assim é, parece que somente nos podem valer aqueles predicados que comunguem com a sistemática jurídico-penal propriamente dita; do contrário, as soluções possíveis de se encontrar podem distanciar-se por demais do nosso verdadeiro ponto de chegada. Além disso, com essa primeira aproximação, já podemos excluir do nosso objeto muitos elementos que, embora pudessem alcançar o que se deseja, nos conduziriam por caminhos que não se necessita – tampouco se quer – seguir.
Do que foi dito, é possível já inferir: a análise deve, por primeiro, encontrar o objeto; deve se pautar, em segundo lugar, nos seus aspectos afetos ao Direito Penal; deve ter por método, em terceiro lugar, àquele aplicável à sistemática jurídico-penal; e, por fim, deve procurar extrair desta conclusão pontos de aproximação plausíveis, e possíveis, do ponto de vista da ciência jurídico-penal. Com isso, parece estar, portanto, estabelecido o primeiro e principal critério para a condução desta apreensão.
Segundo aqui se pensa, a mim, como seminarista, portanto não palestrante ou orador, cumpre apenas expor o objeto. E a todos nós, leitores, pesquisadores, estudiosos, cumpre estabelecer e delimitar os problemas que, por intermédio do método ora eleito, devem ser analisados com vistas a uma ou algumas soluções plausíveis, do ponto de vista jurídico-penal. A mim cumpre, pois, apenas parte do primeiro passo da análise. Por isso mesmo, não me parece ser permitido nesta exposição introdutória ao tema da violência doméstica e familiar, impor opiniões particulares, tampouco tentar sozinho inferir conclusões: limitarei esta abordagem a uma introdução do tema com a demonstração de alguns de seus aspectos, de acordo com o que parece ser o nosso objetivo: a sua análise conforme a ciência jurídico-penal.
Agora bem, minha exposição interessa-se por todos os predicados do objeto, contudo, cumpre ser franco, apenas de forma superficial e não esgotante. Debruçar-me-ei, assim, com mais rigor, e mais detidamente, perante aqueles aspectos do tema que se têm como evidentemente especificada afetação da ciência jurídico-penal. Por isso, a exposição deve se seguir do seguinte modo: por primeiro, devem ser evidenciados alguns dados empíricos sobre o tema, todos colhidos anteriormente à positivação da Lei nº. 11.340/06; num segundo momento, deve-se empreender uma abordagem da Lei n. 11.340/06, na qual serão examinados os seus aspectos jurídicos, detendo-se a exposição no penal; o terceiro e último passo da exposição consiste, pois, em introduzir algumas considerações doutrinárias sobre a lei, extraídas de publicações nacionais. É neste momento, apenas neste momento, que alguns apontamentos introdutórios – que se mostrarão como uma primeira aproximação – passam a ser desdobrados.
II – DADOS EMPÍRICOS E NORMATIVOS PRECEDENTES À LEI Nº 11.340/06
Segundo pesquisa desenvolvida pelo IBGE no final dos anos oitenta, restou constatado que 63% das agressões físicas contra a mulher ocorreram no âmbito doméstico e os agressores, pessoas que com a vítima mantinham relacionamento pessoal ou afetivo.
Em uma pesquisa realizada em 2001, a Fundação Perseu Abramo constatou que pelo menos 6,8 milhões das brasileiras vivas, já haviam sido espancadas ao menos uma vez; Pelo menos 2,1 milhões de mulheres eram espancadas por ano no Brasil, na seguinte proporção: 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto = 01mulher espancada a cada 15 segundos.
Não somente por força de tais dados, mas é possível perceber que a lei 11.340/06 apóia-se em uma política de cunho internacional, formatada ao longo dos anos em Acordos e Tratados internacionais, dos quais o Brasil encontra-se como um dos signatários. São alguns deles: a Declaração dos Direitos Humanos (1984), da ONU; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a mulher (1980 e 1984), da ONU; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1995), da OEA; o Modelo de Leyes y Políticas sobre Violencia Intra-familiar contra las Mujeres, da OPS/OMS (2004).
Mas, além da influência da Política Internacional, há referências expressas na legislação interna para que se criasse um mecanismo de coação como a lei 11.340/06. Ora, especificamente o § 8º do art. 226 da Constituição Federal predica que incumbe ao Estado assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integrem, especificamente com a criação de mecanismos que coíbam a violência no âmbito de suas relações. Mostra-se, pois, a positivação da lei 11.340/06 como atendimento direto a este comando constitucional. Não é por outro motivo que dispõe seu preâmbulo que tal norma cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal (…).
III – ASPECTOS GERAIS DA LEI Nº 11.340/06
Como resultado de uma Política de nacional de proteção da família, positivou, pois, o Estado a Lei 11.340/06. Traz em seu corpo a norma em apreço um conjunto de regras penais e extrapenais, princípios, objetivos e diretrizes que buscam prevenir a “violência” ocorrida no seio doméstico e familiar, em especial, contra a mulher.
Expressa a Lei nº. 11.340/06 em seu Título I suas finalidades: a) prevenir e reprimir a violência doméstica e familiar contra a mulher; b) dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; c) estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres sem situação de violência doméstica e familiar; d) ditar diretrizes para programas de governo voltados à garantia dos direitos das mulheres; e, e) indicar os princípios orientadores da interpretação da norma posta.
Assim, no Título II, há a definição do que se deve compreender por “violência doméstica e familiar contra a mulher” para os efeitos da Lei:
De acordo com a sistemática disposta no art. 5°, configura-se “violência” contra a mulher, “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (caput).
A violência, conforme o vínculo entre as partes envolvidas, pode ser considerada: a) “doméstica”, quando se der “no espaço de convívio permanente de pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive esporadicamente agregadas” (5º, inciso I), b) “familiar”, quando ocorrer no seio de uma “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa” (5º, inciso II); e c) “íntima ou afetiva”, quando as partes envolvidas mantenham, ou tiverem mantido, uma relação de convivência, “independentemente de coabitação” (5º, inciso III) e de “orientação sexual” (5º, parágrafo único).
As formas de violência doméstica, familiar e/ou afetiva contra a mulher, segundo a Lei, devem ser interpretadas segundo a sistemática do art. 7° e seus incisos: a) “física”, compreendida como “qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal (inciso I); b) “psicológica”, entendida como qualquer conduta causadora de “dano emocional e diminuição de auto-estima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (inciso II); c) “sexual”, quando a conduta “a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos” (inciso III); d) “patrimonial”, quando a conduta [qualquer que seja] configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da vítima, “incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” (inciso IV); e, e) “moral”, a conduta que configure “calúnia, difamação ou injúria” (inciso V).
No Título III, cuida-se de estabelecer as diretrizes da Política pública voltada à coibição da violência doméstica e familiar, com (1) a elaboração de um conjunto articulado de ações governamentais, envolvendo todos os estes da Federação, e não-governamentais, (2) a criação de medidas específicas de assistência à mulher em situação e (3) o estabelecimento de procedimentos a serem adotados pela Autoridade Policial que conhecer o fato.
As medidas integradas de proteção (1), consistem em: a) integração operacional de órgãos públicos; b) promoção de estudos e pesquisas; c) intervenção nos meios de comunicação; d) implementação de atendimento policial especializado; e) promoção de campanhas educativo-preventivas; f) celebração de convênios entre governo e sociedade organizada; g) capacitação permanente dos órgãos oficiais de segurança pública; h) realização de programas educacionais; e, i) implementação de matérias específicas nas grades curriculares do sistema educacional.
A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar (2) é prestada, com observação aos princípios e as diretrizes estabelecidos na LOAS, no SUS e no SUSP, entre outras normas e políticas públicas de proteção, conforme o disposto no art. 9º da Lei.
E, no atendimento à mulher em situação de violência doméstica ou familiar (3), a autoridade policial deve, além das dispostas no ordenamento, adotar as medidas específicas dispostas nos arts. 11: a) garantir proteção à vítima (inciso I); b) encaminhá-la ao hospital ou IML (inciso II); c) fornecer à vítima e seus dependentes transporte para abrigo ou local seguro, no caso de risco á vida (inciso III); d) acompanhá-la, quando necessário, na retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar (inciso IV). A lei ainda dispõe sobre procedimentos que devem ser observados pela autoridade policial (art. 12).
Com efeito, o Título IV trata dos procedimentos que devem ser observados no processo, julgamento e execução das causas cíveis e criminais, dispondo sobre as medidas protetivas de urgência (art. 18 e 19 e respectivos incisos), que obrigam tanto o agressor (art. 22, incisos, parágrafos e alíneas) como a ofendida (art. 23 e incisos e art. 24 e seus incisos e parágrafo único), criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (art. 14) e sobre a atuação do Ministério Público (arts. 25 e 26 e incisos) nos processos, julgamentos e execuções de causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Neste título, além disso, define-se o foro competente para ações cíveis (art. 15), o horário de realização dos atos processuais (art. 14, parágrafo único) e a assistência judiciária (arts. 27 e 28).
O Título V vem tratar da criação de equipes de atendimento multidisciplinares atuantes nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (art. 29). Aqui a norma cuidou de estabelecer as atribuições da equipe (art. 30), entre as quais a de, de acordo com a complexidade do caso, indicar ao Juízo um profissional especializado para sobre ele se manifestar (art. 31). Além disso, autorizou o judiciário a prever em sua proposta orçamentária recursos para a criação e manutenção da equipe (art. 32).
No Título VI (Disposições Transitórias), a norma define competência às varas criminais para conhecer e julgar as causas cíveis decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 33) e determina que os casos afetos a esta Lei devem ter preferência no processo e julgamento sobre os demais processos criminais (parágrafo único do art. 33).
E no Título VII (disposições finais), a norma posta autoriza a criação e implementação de curadorias (art. 34), de centros de atendimento integral e multidisciplinar (art. 35, I) e de casas-abrigos para as mulheres e respectivos dependentes menores (art. 35, II) em situação de violência doméstica e familiar, de delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícias médico-legal especializadas (art. 35, III), de programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar (art. 35, IV) e, também, de centros de educação e de reabilitação para os agressores (art. 35, V); faz menção à observância dos princípios e das diretrizes dispostas na lei (art. 36); evidencia o procedimento de tutela de interesses transindividuais (art. 37 e seu parágrafo único); dispõe sobre a integração dos dados e estatísticas sobre violência doméstica e familiar e a implementação do sistema nacional de dados e informações relativas às mulheres (art. 38); e versa sobre a possibilidade de dotação orçamentária para a implementação das medidas pela lei estabelecidas.
A Lei traz, além dos inseridos nas medidas protetivas de urgência, alguns pontos de cunho processual penal: o art. 41 da Lei 11.340/06 determina que os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995; e o art. 42 faz inserir no art. 313 do Código de Processo Penal (que dispõe sobre a Prisão Preventiva) o inciso IV, que assim dispõe: “IV – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.
IV – ASPECTOS AFETOS À SISTEMÁTICA JURÍDICO-PENAL
Veda o art. 17 a aplicação de penas de “cesta básica” ou outras de prestação pecuniária. Impede também a substituição da pena privativa de liberdade por pena de multa isolada.
O art. 45 insere o parágrafo único no art. 152 da Lei de Execuções Penais (Lei nº. 7.210/84), in verbis: “Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e de reeducação”.
O art. 43 cria mais uma circunstância agravante no Código Penal: “Art. 61, II, ‘f’, (…) ou violência contra a mulher na forma da lei específica”.
Dispõe o art. 16 da Lei 11.340/06 que nas ações penais de iniciativa condicionam a representação nas hipóteses de aplicação desta lei, a renúncia à representação somente será admitida quando apresentada, antes do recebimento da denúncia, perante o Juízo, em audiência especificamente designada para este fim, após a oitiva do Ministério Público.
E o art. 44 altera a redação do § 9º do art. 129 do Código Penal, que passa a vigorar com a seguinte redação: “se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade: pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos”. E cria o § 11, também, do art. 129 do Código Penal, que descreve a seguinte causa de aumento de pena: “na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência”.
V – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE A LEI 11.340/06
Boa parte dos escritos sobre a lei 11.340/06 parecem se pautar por considerações inclinadas para alguma posição ideológica. Nem sempre abordam pontos como a necessidade, validade e efetividade da lei do ponto de vista da sistemática jurídica, principalmente jurídico-penal. Embora vasta a literatura sobre que intenta analisar de forma geral a lei, poucos estudos debruçam-se na norma com vistas na matéria especificamente afeta ao Direito Penal. Nestes estudos, a discussão parece girar em torno da validade e aplicabilidade do disposto no art. 41 da Lei nº. 11.340/06, pois, ao que parece, os demais efeitos desta lei no sistema penal estaria necessariamente ligados aquele dispositivo. Cumpre, portanto, expor alguns posicionamentos acerca do assunto.
Pois bem, Maria Berenice Dias, quando trata da Ação penal nas lesões corporais leves em seu escrito publicado no Boletim IBCCRIM n. 168, entende que com a nova lei, se praticadas no âmbito “doméstico ou familiar”, foi afastada a necessidade de representação para a propositura da Ação Penal, uma vez que o art. 41 da Lei 11.340/06 afastou a aplicação da Lei 9.099/95. Por isso, para esta autora, não há qualquer hipótese de desistência ou renúncia no caso de lesões corporais leves, se cometidas conforme os ditames da nova lei. Para ela, a renúncia à representação nos casos de violência doméstica e familiar somente é possível nas hipóteses que o Código Penal condiciona a ação, mas desde que antes do recebimento da denúncia e em audiência especificamente designada para tal propósito.
No que tange as penas, Maria Berenice entende que, por não incidir a lei dos juizados especiais criminais nos casos abrangidos pela Lei nº. 11.340/06, não é possível a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. Mas, ressalta, ainda é possível a suspensão condicional da pena (CP, art. 77). Entende ela que o disposto no art. 45 da Lei 11.340/06 é uma das inovações “mais salutares”, mas lamenta que a inexistência dos espaços necessários para a implementação da medida autorizada ao magistrado. Aliás, no seu escrito para a Agência de Informação Frei Tito para a América Latina – ADITAL, essa autora apóia a possibilidade do juiz determinar a o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação no fato de não mais ser possível a aplicação da entrega de “cestas básicas ou o pagamento de multa à título de condenação”.
Alexis Augusto Couto de Brito, em seu escrito “A Lei de Violência Doméstica (11.340/06) e a Lei nº. 9.099/95”, publicado no site do IBCCRIM, em sentido contrário, entende que a vedação de incidência da Lei nº. 9.099/95 restringe-se apenas ao procedimento sumaríssimo e não aos artigos 88, porque este artigos preconiza um instituto que é alheio ao objeto central da Lei dos juizados especiais, de modo que a necessidade de representação nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, inclusive atinentes à violência doméstica, continua válida.
Paulo Henrique Aranda Fuller, em publicação no Boletim IBCCRIM n. 171, quando trata da hipótese da incidência da Lei nº. 9.099/95, entende que nos casos de lesões corporais albergadas pela Lei 11.340/06, a afirmação da inaplicabilidade da lei dos juizados especiais criminais, implica no surgimento de duas categorias de lesões corporais qualificadas pela violência doméstica ou familiar (§9º do art. 129 do CP): uma, de ação penal pública incondicionada, se o sujeito passivo for a mulher; outra, de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, quando o sujeito passivo é um homem. Por isso, tal fato, para ele, representa uma frontal afronta ao princípio constitucional da isonomia, de modo que a ação penal, não obstante a Lei 11.340/06, deve permanecer condicionada à representação do ofendido, nos termos do art. 88 da Lei nº. 9.099/95. Argumenta, ainda, que se o legislador cercou de garantias o direito à renúncia ao direito de representação, prestigiando a vontade da ofendida, não pode ser coerente “ignorar esta mesma autonomia no caso do crime definido no art. 129, § 9º, do Código Penal”.
Luis Paulo Sirvinkas, no seu artigo “aspectos polêmicos…”, publicado no site do IBCCRIM, posiciona-se no sentido de que o disposto no art. 41 da Lei n. 11.340/06 fere o princípio da isonomia. Para ele, na interpretação do dispositivo não se pode afastar dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e o disposto no art. 41 contraria estes princípios. Por isso, a Lei 9.099/95 deve ser aplicável. Registra ainda que a não aplicabilidade da Lei nº. 9.099/95 afastaria a representação nos casos de lesões corporais leves, o que inviabilizaria a desistência da representação contida no art. 16 da Lei nº. 11.340/06.
Por fim, a Lei 11.340/06, mormente é tida como fruto do Direito Penal simbólico. Mas há uma posição no sentido contrário. Pertence a Fernando Vernice dos Anjos, manifestada no escrito publicado no Boletim IBCCRIM n. 167. Este autor entende que a Lei 11.340/06 não é necessariamente mais um fruto do movimento denominado “Direito Penal simbólico”. E nessa esteira, para ele, embora se poderia inserir um caráter simbólico no afastamento da incidência da Lei nº. 9.099/95, e seus efeitos nos fatos compreendidos como abrangidos pela nova lei, e no “aumento da pena máxima no crime de violência doméstica”, a Lei n. 11.340/06 não se ateve às medidas meramente simbólicas, senão que procurou esboçar medidas efetivas, de cunho eminentemente extra-penal, de modo tal que, segundo crê, o Legislador “encontrou uma forma justa de conciliar o caráter intrinsecamente simbólico das normas penais com o contexto democrático e funcionalmente orientado”. Conclui que, a Lei n. 11.340/06 “não é meramente simbólica (o que seria inadmissível), mas apenas a princípio simbólica, na medida em que usa parte penal reforça um plano maior de atuação estatal.
Informações Sobre o Autor
Carlos Henrique Pereira de Medeiros
Mestre em Filosofia, área de concentração Ética e Filosofia Política, pela Faculdade de São Bento – FSB. Professor nos cursos de Direito e Comunicação Social/Jornalismo da Universidade São Judas Tadeu – USJT, Professor no curso de Direito da Universidade Nove de Julho – Campus São Roque FAC/São Roque, Professor no curso de Direito da Faculdade Integrada Torricelli – FIT. Membro de equipe de pesquisa do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba – CCJ/UFPB. Palestrante do Instituto Parthenon. Vice-presidente da Comissão de Assuntos Legislativos e Parlamentares da 57ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil