Inventário e partilha pela via administrativa

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Resumo: Não há dúvida de que a sociedade é realmente dinâmica. Tal assertiva se mostra irretocável, principalmente nos tempos atuais, em que vivemos em uma época marcada pelos avanços tecnológicos e onde sentimos, até hoje, os efeitos da globalização de uma crise econômica. Por outro lado, o Direito tem se esforçado, e muito, para acompanhar a dinamicidade da sociedade. Neste sentido, o presente século está sendo marcado pela busca incessante do Direito em acompanhar as necessidades prementes de uma sociedade cada vez mais ávida por legislações que, de fato, contribuam de alguma forma para o melhoramento da vida do cidadão comum. Com tal objetivo foi promulgada a Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, legislação que possibilita a realização de inventário, partilha e divórcio consensual pela via administrativa. Por esta Lei foi instituído o chamado procedimento administrativo ou extrajudicial (escritura pública) visando a solução mais célere e econômica de problemas tratados pelo Direito de Família e pelo Direito das Sucessões.


Palavras-chaves: Inventário – Partilha – Extrajudicial – Escritura Pública.


Intrudução


A sociedade é dinâmica, mas o Direito nem sempre o é. Entretanto, nos últimos tempos, o Direito tem se esforçado para acompanhar a dinamicidade da vida social e os conflitos da vida moderna.


No campo legislativo, reconhecemos a existência de um esforço para se regular, através de modernas leis, os principais problemas e anseios de uma sociedade em constante transformação.


Neste sentido, o presente século está sendo marcado pela busca incessante do Direito em acompanhar as necessidades prementes de uma sociedade cada vez mais ávida por legislações que, de fato, contribuam de alguma forma para o melhoramento da vida do cidadão comum.


Com este ideal, temos acompanhado a entrada em vigor de importantes marcos da produção legislativa de nosso país, a exemplo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90; do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90; do Novo Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/02; do Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/03, dentre outros.


No campo das legislações setoriais específicas (aquelas que não são macro ou microssistemas jurídicos), tivemos, igualmente, nos últimos anos, a edição de inúmeras e importantíssimas Leis que vieram ao encontro dos anseios de nossa sociedade.


Neste sentido, podemos citar a Lei nº 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais); a Lei nº 10.048/00 (determina prioridade de atendimento às pessoas portadoras de deficiência, idosos, gestantes, lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo); a Lei nº 10.098/00 (estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida); a Lei nº 11.340/06 (cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher); a Lei nº 11.105/05 (Lei de Biossegurança); a Lei nº 11.698/08 (guarda compartilhada) e a Lei nº 11.804/08 (alimentos gravídicos).


Na seara do Direito das Sucessões (com repercussão também no Direito de Família), uma da novidades foi a promulgação da Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, legislação que possibilita a realização de inventário, partilha e divórcio consensual pela via administrativa.


Chamamos a atenção do dileto leitor para o fato de que suprimimos a expressão “separação consensual” das possibilidades constantes na Lei nº 11.441/07, tendo em vista a Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.


Por meio da Lei 11.441/07 foi instituído o chamado procedimento administrativo ou extrajudicial (realizado por meio de escritura pública) visando à solução mais célere e econômica de problemas tratados pelo Direito de Família e pelo Direito das Sucessões.


É este procedimento administrativo ou extrajudicial que será objeto de estudo no presente artigo, sendo que a análise limitar-se-á aos aspectos referentes ao inventário e à partilha (Direito Sucessório).


IMPORTANTES ASPECTOS DA LEI Nº 11.441, DE 4 DE JANEIRO DE 2007


Motivos preponderantes para a elaboração da lei


A Lei em referência veio em um importante momento de nosso país onde se discute a morosidade de nosso Poder Judiciário, bem como o excesso de formalidades existentes na realização de determinados atos.


Em razão disso, nosso Código de Processo Civil tem sofrido, nos últimos anos, constantes modificações com o fim de desburocratizar e racionalizar os procedimentos, caminhando para a obtenção de uma prestação jurisdicional célere, justa e que resolva verdadeiramente os conflitos de interesse postos à apreciação do Poder Judiciário.


A chamada “razoável duração do processo” tornou-se tão importante para a nossa sociedade que foi introduzida expressamente no rol dos direitos fundamentais de nossa Constituição Federal de 1988, através da Emenda Constitucional nº 45/2004[1].


A Lei nº 11.441/07 veio para ser um dos instrumentos legislativos capazes de desburocratizar e racionalizar os procedimentos de inventário e partilha, agilizando de maneira eficaz os procedimentos que podem ser feitos, agora, também extrajudicialmente.


Acerca dos pontos acima declinados, Carlos Roberto Gonçalves assevera que:


“Visando racionalizar os procedimentos e simplificar a vida dos cidadãos, bem como desafogar o Poder Judiciário, a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, oferece à coletividade um outro procedimento além do judicial, possibilitando a realização de inventário e partilha amigável por escritura pública, quando todos os interessados sejam capazes e não haja testamento”[2].


Se os procedimentos de inventário e partilha podem ser feitos, agora, também pela via extrajudicial (desde que atendidos os requisitos que veremos em tópico específico), uma conseqüência direta que se espera é a possibilidade de tal medida desafogar o Poder Judiciário.


Ora, antes desta Lei não havia alternativa: todo inventário deveria ser feito obrigatoriamente pela via judicial.[3]


Agora, com a possibilidade da adoção do procedimento extrajudicial, abre-se uma nova alternativa para as partes realizarem procedimentos importantíssimos para as suas vidas.


Neste sentido, o posicionamento de Sílvio de Salvo Venosa (discorrendo especificamente sobre o inventário):


“Entre nós, o inventário sempre fora um procedimento contencioso, embora nada obstasse que o legislador optasse por solução diversa, permitindo o inventário extrajudicial, mormente se todos os interessados forem maiores e capazes. Finalmente, a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, atendeu nossos ingentes reclamos […]. É importante que se libere o Judiciário da atual pletora de feitos de cunho administrativo e o inventário, bem como a partilha, quando todos os interessados são capazes, podem muito bem ser excluídos, sem que se exclua o advogado de sua atuação”[4].


Outro ponto perseguido com a edição de tal lei é a redução das despesas que as partes normalmente suportam com a realização dos procedimentos de inventário e partilha pela via judicial.


Conforme a lúcida lição de Salomão de Araujo Cateb, “sem dúvida que, há muito, busca a sociedade outro tipo de inventário, mais dinâmico e menos oneroso. Essa opção, pela via administrativa, pode resultar em solução mais rápida e, ao mesmo tempo, concorrer para o desafogo do Poder Judiciário.”[5]


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Esperamos que, com o procedimento extrajudicial ou administrativo, o custo efetivo para a realização de inventários e partilhas diminua consideravelmente, trazendo benefícios diretos para toda a sociedade, ávida por soluções efetivas, rápidas e menos onerosas.


Requisitos que autorizam a realização de inventário e partilha pela via administrativa


Inicialmente, chamamos a atenção do dileto leitor para o fato de que a Lei nº 11.441, de 4 de Janeiro de 2007, não deve ser o único instrumento a ser considerado para o completo entendimento das questões ligadas à realização de inventário, partilha e divórcio consensual pela via administrativa.


Esta não é uma questão de difícil entendimento. A Lei nº 11.441/07 é composta por apenas e tão somente cinco artigos, que estabeleceram importantíssimas e profundas modificações nos artigos 982, 983 e 1.031 da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, além de promover o acréscimo do art. 1.124-A no Código em referência.


Não obstante os inúmeros méritos da Lei 11.441/07, temos que o legislador pecou pela ausência de maiores e relevantes informações quanto ao modus operandi das mudanças por ela introduzidas.


Por esta razão, chamamos a atenção para o fato de que as disposições constantes na Lei 11.441/07 devem ser analisadas em conjunto com a Resolução nº 35/2007[6] do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, e com o Provimento nº 118/2007 do Conselho Federal da OAB – CFOAB[7].


Para se ter a exata dimensão da importância destes instrumentos, merece ser dito que, é na Resolução nº 35/2007 do CNJ (em seus 54 artigos) que encontramos algumas das principais regras para a devida compreensão e aplicabilidade prática da Lei nº 11.441/2007.


São, portanto, instrumentos de extremada importância para a devida compreensão do tema, não obstante estas informações devessem figurar no texto da Lei, conforme crítica feita por Sílvio de Salvo Venosa:


“A resolução nº 35 do Conselho Nacional de Justiça veio regulamentar essa Lei nº 11.441/07, que, de fato, deixava algumas dúvidas em aberto. Alguns dos tópicos regulamentados pareciam óbvios, outros, nem tanto. Foi boa a medida na tentativa de padronizar os procedimentos, aplicáveis às centenas de escrivanias do País. No entanto, essa regulamentação deveria ter partido do próprio Legislativo, que se mostra sempre um passo atrás das nossas necessidades sociais”[8].


Feitas estas considerações iniciais, passemos agora à análise dos requisitos que autorizam a realização de inventário e partilha pela via administrativa.


Partes capazes, concordes e ausência de testamento


A Lei nº 11.441/07 deu nova redação ao art. 982 do Código de Processo Civil. Tal dispositivo, com a sua nova redação, estabelece, expressamente, que, se todas as partes envolvidas forem capazes (ou emancipados) e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública (via administrativa), a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.


Sobre estes dois primeiros requisitos (partes capazes e concordes), não temos encontrado maiores problemas quanto à sua interpretação.


Entretanto, o cenário muda de figura quando o requisito é a presença ou não de testamento.


O já citado art. 982 do CPC inicia a sua nova redação determinando que “havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial […]”.


Motivados, talvez, pela redação do dispositivo acima mencionado, parte respeitável da doutrina entende que a ausência de testamento é dos requisitos necessários para a realização de inventário e partilha pela via administrativa, pois, nos termos do art. 982, havendo testamento, proceder-se-á ao inventário pela via judicial.


Neste sentido, Sílvio de Salvo Venosa aduz que “persiste a necessidade de inventário judicial se houver testamento ou interessado incapaz. No testamento, há interesse público para seu exame e, havendo incapaz, há que se assegurar sua plena proteção.”[9]


No mesmo sentido, Salomão de Araujo Cateb, ao defender que “desde que não haja menores, incapazes, nem testamento, estando todos os herdeiros concordes, far-se-á o inventário administrativo, se esse for o interesse das partes.”[10]


Em outra vertente, doutrina há que se manifesta no sentido de que o inventário só será obrigatoriamente judicial se o de cujus deixar testamento contendo disposições de ordem patrimonial. Se existir testamento com disposições apenas pessoais, abrir-se-á a possibilidade de que o inventário seja feito pela via administrativa, não obstante a existência daquele.


Tal posicionamento é defendido pela consagrada jurista Maria Helena Diniz, nos seguintes termos:


“Para que se aplique o regime notarial na sucessão causa mortis, será preciso que: a) todos os interessados sejam maiores e capazes ou emancipados; b) a sucessão seja legítima, pois o de cujus não pode ter deixado testamento contendo disposições de ordem patrimonial. Logo, nada obsta a que o inventário se dê administrativamente, se o testamento por ele feito contiver disposições pessoais, p. ex., emancipação de filho; reconhecimento de prole ou de união estável; instituição de tutor testamentário (CC, art. 1.729, parágrafo único) ou de bem de família convencional (CC, art. 1.711); revogação de testamento anterior, para que sejam aplicáveis as normas da sucessão legítima […]”[11].


Concordamos com o posicionamento da ilustre doutrinadora em referência. De fato, o testamento (diferentemente do entendimento preponderante difundido na sociedade), não se presta a disciplinar apenas e tão somente disposições de ordem patrimonial.


Desta forma, mesmo existindo testamento, o inventário poderá ser realizado administrativamente, desde que aquele contenha apenas disposições pessoais. Havendo disposições patrimoniais no testamento, o inventário será feito obrigatoriamente pela via judicial.


Obrigatoriedade da presença de advogado no procedimento extrajudicial


Conforme a nova redação dada ao art. 982 do CPC (determinada pelas Leis 11.441/07 e 11.965/09), a escritura pública do inventário e partilha somente será lavrada pelo tabelião se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou por advogados diversos (caso cada parte queira estar assistida individualmente por seu advogado), sendo que a qualificação e assinatura dos mesmos constarão do ato notarial.


Como os advogados comparecerão para a lavratura da escritura junto aos interessados e suas assinaturas também constarão do ato notarial, dispensa-se a apresentação de procuração (Resolução nº 35/2007 do CNJ, art. 8º).[12]


Como a presença do advogado é obrigatória neste procedimento administrativo, mais uma vez avulta-se a importância deste operador do direito, sendo que a Lei 11.441/07 está em consonância com a ordem constitucional vigente, especialmente com o art. 133 da CR/88, que aduz que o advogado é indispensável à administração da justiça.


A presença do advogado é de suma importância para as partes e também para o próprio notário. É o advogado que auxiliará na verificação da obediência, do procedimento, a todos os requisitos legais, fazendo a justa adequação dos interesses das partes envolvidas às normas previstas na legislação como um todo.


Ressalte-se que a obrigatoriedade da presença do advogado não deve ser entendida apenas como um mero requisito legal, algo a ser cumprido com a simples presença do advogado, mas sim como a materialização de um preceito constitucional. Neste sentido, a brilhante observação de Carlos Roberto Gonçalves:


“Cumpre salientar que assistência não é simples presença formal do advogado ao ato para sua autenticação, mas de efetiva participação na orientação dos interessados, esclarecendo as dúvidas de caráter jurídico e redigindo ou revisando a minuta do acordo para a partilha amigável. O advogado comparece ao ato e subscreve a escritura como assistente das partes, não havendo necessidade de procuração” [13].


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O art. 9º da Resolução nº 35/2007 do CNJ traz duas disposições importantes relativas aos advogados.


A primeira veda ao tabelião a indicação de advogado às partes. As partes deverão comparecer, para o ato notarial, já devidamente acompanhadas de profissional de sua confiança.


Como observa Sílvio de Salvo Venosa, “é difícil, nos casos concretos, impedir essa atividade antiética do tabelião, o qual, se incidir nessa prática, deve sofrer as devidas reprimendas administrativas.”[14]


A segunda disposição estabelece que se as partes não dispuserem de condições econômicas para contratar advogado, o tabelião deverá recomendar-lhes a Defensoria Pública, onde houver, ou, na sua falta, a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.


Interessante observarmos que a Lei 11.441/07 foi omissa quanto à possível participação de defensores públicos nestes procedimentos administrativos.


Em função desta lacuna legislativa, tramitou no Senado o PLC 110/08, projeto de lei que previa a participação do defensor público na realização de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais pela via administrativa.


Tal projeto foi votado e aprovado, transformando-se na Lei nº 11.965, de 3 de julho de 2009 – DOU de 06/07/2009, lei esta que determinou nova redação aos artigos 982 e 1.124-A do CPC.


Visando sanar o problema da lacuna legislativa mencionada, esta nova Lei dispôs efetivamente sobre a participação do defensor público na lavratura da escritura pública de inventário, partilha e de divórcio consensual.


Desta forma, houve renumeração do parágrafo único do art. 982, com nova redação dada pela mencionada Lei nº 11.965/2009, sanando-se definitivamente a lacuna existente até então.


Estes são os principais requisitos que autorizam a realização de inventário e partilha pela via administrativa.[15]


Facultatividade do procedimento administrativo e ausência de homologação judicial


Analisando a nova redação do art. 982 do CPC[16], encontramos a utilização do verbo “poderá”, verbo este que indica a facultatividade do procedimento administrativo para as partes.


Desta forma, mesmo que presentes todos os requisitos apontados nos itens anteriores para a realização do inventário e partilha pela via administrativa, nada impede que estas mesmas partes optem pelo procedimento judicial, realizando o inventário e a partilha pela via judicial.


O procedimento administrativo apresenta-se como uma faculdade, um caminho que pode ser escolhido pelas partes, e não como um caminho obrigatório a ser seguido até mesmo contra a vontade dos interessados.


Neste sentido, o ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves:


“A redação conferida ao retrotranscrito art. 982 do Código de Processo Civil, com a utilização do verbo “poderá”, indica o caráter ‘facultativo’ do procedimento administrativo. A escolha fica a critério das partes. Entende-se, pois, que a Lei nº 11.441/2007, ao criar inventário e partilha extrajudiciais, mediante escritura pública, não obsta à utilização da via judicial correspondente”[17].


Tal entendimento é corroborado pela doutrina de Maria Helena Diniz, para quem:


“O inventário extrajudicial é uma opção dada pela lei; nada obsta a que os interessados façam uso, se preferirem, do inventário judicial. E, além disso, nada impede que, a qualquer tempo, os interessados possam desistir do meio escolhido (judicial ou extrajudicial), para optar por outro”[18].


A escolha cabe, portanto, aos interessados.


O art. 2º da Resolução nº 35 do CNJ ainda foi mais longe. Por meio deste dispositivo, coloca-se, de forma explícita, que é facultada aos interessados a opção pela via judicial ou administrativa. Mesmo tendo sido escolhida a via judicial, os interessados podem ainda optar pela via administrativa, suspendendo o processo por 30 dias ou simplesmente desistindo da via judicial.


Em outra frente, é importante ficar claro que o procedimento administrativo previsto pela Lei 11.441/2007 é autônomo. Desta forma, a escritura pública de inventário e partilha independe de homologação judicial para ter reconhecida a sua plena validade jurídica. Na verdade, a escritura pública tem o mesmo valor legal do formal de partilha.[19]


Neste sentido, a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves:


“Ante a inequívoca redação dada ao art. 982 do Código de Processo Civil pelo art. 1º da citada Lei nº 11.441/2007, sempre que as partes maiores e capazes, estando concordes com a partilha, procurarem a via administrativa, a escritura pública lavrada pelo notário, de partilha amigável, valerá por si, como título hábil para o registro imobiliário, dispensando a exigência de homologação judicial”[20].


Uma vez lavrada, a escritura pública torna-se documento hábil para atender a todas as necessidades das partes no campo sucessório, conforme aponta Maria Helena Diniz:


“A escritura pública de inventário e partilha não depende de homologação judicial (CGJSP, conclusão 1.3) e é título extrajudicial hábil para o registro civil e o de imóveis para transferência de bens inclusive móveis e direitos, para promoção de atos necessários à materialização de transferências de bens e levantamento de valores no DETRAN, bancos, Junta Comercial, companhias telefônicas etc. (Res. nº 35/2007 do CNJ, art. 3º). Consequentemente, não se terá formal de partilha”[21].


Para espancar qualquer dúvida, o art. 3º da Resolução nº 35 do CNJ disciplina que “as escrituras públicas de inventário e partilha, separação e divórcio consensuais não dependem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores (DETRAN, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, instituições financeiras, companhias telefônicas, etc)”.


Escolha do tabelião de notas para a lavratura da escritura, gratuidade do procedimento e aplicação do procedimento administrativo a óbitos ocorridos antes da vigência da Lei em análise


Passaremos agora ao rápido enfrentamento das últimas questões que têm desafiado, na prática, o operador do direito.


A primeira questão diz respeito à escolha do tabelião de notas para a lavratura da escritura de inventário e partilha. Será que os interessados podem escolher livremente o cartório de notas para a lavratura da escritura ou deverão eles observar alguma regra de competência relativa ao inventário judicial?


Para se responder a esta indagação, é preciso ter em mente que as regras de competência previstas no Código de Processo Civil são direcionadas exclusivamente para a seara judicial, isto é, a jurisdição é monopólio do Poder Judiciário. O tabelião do cartório de notas não tem poderes jurisdicionais.


Desta forma, os interessados podem escolher livremente o tabelião de notas que fará a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei 11.441/2007. Não se aplicam, para esta hipótese, as regras de competência do CPC.


Tal entendimento é corroborado pela doutrina de Carlos Roberto Gonçalves:


“Para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei nº 11.441/2007 é livre a escolha do tabelião de notas, ‘não se aplicando as regras de competência’ do Código de Processo Civil. A competência é uma medida da jurisdição, que é monopólio do Poder Judiciário – e o tabelião não tem poderes jurisdicionais. Por essa razão, podem os interessados promover a lavratura da escritura no cartório da localidade que lhes for mais conveniente, independentemente do domicílio do autor da herança, da situação dos bens e de serem ali domiciliados ou não”[22].


No mesmo sentido, Salomão de Araujo Cateb. Para tal autor, “as partes procurarão e contratarão seus advogados, ou escolherão um único, elegendo, em seguida, o Cartório de Notas de sua preferência.”[23]


Como tal questão não foi tratada pela Lei, sua disciplina veio também através da Resolução nº 35 do CNJ. O art. 1º da Resolução em referência esclarece que “para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei 11.441/2007, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil”.


A segunda questão diz respeito à gratuidade deste procedimento administrativo.


Tal questão também foi disciplina pela Resolução nº 35 do CNJ. Conforme os arts. 6º e 7º da Resolução em referência, a gratuidade prevista na Lei 11.441/2007 compreende as escrituras de inventário e partilha (temas do presente artigo), bem como a de divórcio consensual. Para a obtenção de tal gratuidade, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído. Trata-se, sem dúvida, de importante disposição que dará plena efetividade ao procedimento em questão.


A terceira e última questão a ser aqui enfrentada diz respeito à possibilidade ou não da aplicação do procedimento administrativo a óbitos ocorridos antes da vigência da Lei 11.441/2007.


Para o devido entendimento desta questão, se faz de mister importância compreender que a Lei 11.441/2007 é norma de caráter procedimental.


Tal compreensão é necessária, pois as normas procedimentais a terem aplicabilidade são aquelas que estiverem em vigor no instante da realização do inventário.


Não podemos confundir normas procedimentais com normas substantivas. Quanto a estas últimas, na sucessão hereditária, aplicar-se-ão aquelas que estiverem em vigor na data da abertura da sucessão, conforme expressa determinação dos arts. 1.787 e 2.041 do Código Civil de 2002.


Desta forma, temos a plena aplicabilidade da Lei 11.441/2007 aos óbitos ocorridos antes de sua vigência, sendo que o inventário e a partilha dos mesmos podem ser feitos através do procedimento administrativo ora em análise, desde que atendam a todos os requisitos já tratados anteriormente.


Neste sentido, a doutrina de Maria Helena Diniz:


“Urge não olvidar que a CGJSP, na conclusão 4.26, admite a aplicação da Lei nº 11.441/2007, de caráter procedimental, também na hipótese de óbito ocorrido antes de sua vigência. Tal se dá porque as normas procedimentais a serem aplicadas são as que estiverem vigorando no instante em que se fizer o inventário; todavia, as normas substantivas relativas à sucessão hereditária serão as da época em que se deu a abertura da sucessão, ou seja, na data do falecimento do de cujus (CC, arts. 1.787 e 2.041)”[24].


No mesmo sentido, Sílvio de Salvo Venosa:


“Para que não paire a menor dúvida, o art. 30 dispõe que a Lei nº 11.441/07 aplica-se também a óbitos ocorridos antes de sua vigência. Não há que se falar em efeito retroativo porque se trata de norma procedimental e prejuízo algum haverá a quem quer que seja”[25].


Portanto, temos sim a aplicabilidade das disposições procedimentais da Lei 11.441/2007 aos óbitos ocorridos antes de sua vigência, 04 de janeiro de 2007.


CONCLUSÃO


Não há dúvidas de que, na seara do Direito das Sucessões (com repercussão também no Direito de Família), uma das últimas novidades legislativas está na promulgação da Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, legislação esta que possibilita a realização de inventário e partilha pela via administrativa.


Por meio desta Lei, foi instituído o chamado procedimento administrativo ou extrajudicial (realizado através de escritura pública), visando à solução mais célere e econômica de problemas tratados pelo Direito de Família e pelo Direito das Sucessões.


Como vimos, para a realização do inventário e partilha, pela via administrativa, se faz necessária a presença dos seguintes requisitos: partes capazes, concordes e ausência de testamento contendo disposições de ordem patrimonial.


Como tratamos, existindo testamento com disposições apenas pessoais, abre-se a possibilidade de que o inventário seja feito pela via administrativa, não obstante a existência daquele. Também é obrigatória a presença e o acompanhamento do advogado na realização do procedimento pela via administrativa.


Em outra frente, discorremos que a adoção do procedimento administrativo é facultativo para os interessados, pois, possuem eles a “faculdade” de escolher o procedimento administrativo ou o judicial. Ademais, podem os interessados desistir do meio escolhido anteriormente (judicial ou extrajudicial) e realizar o inventário e a partilha pelo outro.


Quanto à necessidade ou não de homologação judicial, verificamos que as escrituras públicas de inventário e partilha não dependem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores.


Ainda no campo da manifestação das partes, constatamos que os interessados podem escolher livremente o tabelião de notas que fará a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei 11.441/2007, pois não se aplicam, para esta hipótese, as regras de competência do CPC.


Por fim, sobre a aplicabilidade ou não da Lei 11.441/2007 aos óbitos ocorridos antes de sua vigência, constatamos a sua plena aplicabilidade, sendo que o inventário e a partilha dos bens podem ser feitos através do procedimento administrativo ora em análise, desde que atendam a todos os requisitos tratados ao longo do presente artigo.


Que a presente Lei consiga, ao longo do tempo, atingir verdadeiramente os seus objetivos de desburocratizar e racionalizar os procedimentos, resolvendo com eficácia estas questões afetas ao Direito das Sucessões e ao Direito de Família.


 


Referências

CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das sucessões, inventário e partilha. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

CATEB, Salomão de Araujo. Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 23. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 6.

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 7.

OLIVEIRA, Antonio José Tibúrcio de. Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 6.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. v. 7.

 

Notas:

[1]   O princípio constitucional da razoável duração do processo está expresso no art. 5º, inciso LXXVIII. Este inciso foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, possuindo a seguinte redação: ‘LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.

[2]   GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 489. v. 7.

[3] Note-se que todas as doutrinas com edições anteriores a 2007 confirmavam tal assertiva. Como exemplo, citamos a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira (edição de 2006) que, ao discorrer sobre o inventário judicial, ensinava que “a presença da matéria procedimental na ‘liquidação da herança’ é uma constante. E tanto mais inevitável que o inventário é hoje, obrigatoriamente, judicial.” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 369. v. 6). No mesmo sentido, na excelente doutrina de Antonio José Tibúrcio de Oliveira (edição de 2005) consta expressamente que “o inventário será sempre judicial, ainda que todos os herdeiros do de cujus sejam maiores e capazes.” (OLIVEIRA, Antonio José Tibúrcio de. Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 427)

[4]  VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 35. v. 7.

[5]  CATEB, Salomão de Araujo. Direito das sucessões. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 253.

[6]   Tal resolução disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/2007 pelos serviços notariais e de registro.

[7]   Tal provimento cuida da aplicação da Lei 11.441/2007, disciplinando as atividades profissionais dos advogados em escrituras públicas de inventários, partilhas, separações e divórcios.

[8]  VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 83.

[9]  VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 82.

[10]  CATEB, Salomão de Araujo. Direito das sucessões, p. 253.

[11]  DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 23. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 83. v. 6. 

[12] Há autores que entendem que o comparecimento pessoal das partes não é requisito essencial. Sobre o assunto, Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho defendem que “a nova redação do art. 982, parágrafo único, do Código de Processo Civil, introduzida pela Lei nº 11.441/2007, não exige como requisito essencial, o comparecimento pessoal das partes para lavratura e assinatura da escritura pública de inventário de partilha, como ocorre com o advogado, exigindo apenas que estejam assistidos, permitindo, portanto, sejam representados por procuradores com poderes especiais, mediante instrumento público. Veda-se, entretanto, a função de mandatário com a de advogado das partes (art. 12 da Resolução 35 do CNJ).” (CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das sucessões, inventário e partilha. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 223).

[13]   GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 494/495.

[14]  VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 83.

[15]  Existem outros requisitos, tais como a quitação dos tributos incidentes; ser o Brasil o último domicílio do falecido; bens não sujeitos a inventário etc. Não trataremos de tais requisitos no presente artigo tendo em vista a limitação de espaço. Por outro lado, reitere-se que os principais requisitos são os que foram adequadamente tratados no tópico em questão.

[16]  Artigo com redação determinada pela Lei 11.441/2007.

[17]   GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 490.

[18]  DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 405.

[19]  César Fiuza, discorrendo sobre o inventário e partilha extrajudicial, aduz que “pagos os tributos e lavrada a escritura, os bens serão repartidos entre os herdeiros. Com relação aos imóveis e demais bens sujeitos a registro, como automóveis, a escritura constituirá título hábil para a transferência junto ao órgão registral.” (FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 1081).

[20]   GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 491.

[21]  DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 405/406.

[22]   GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 491.

[23]  CATEB, Salomão de Araujo. Direito das sucessões, p. 254.

[24]  DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 405.

[25]  VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, p. 84.


Informações Sobre o Autor

Alan de Matos Jorge

Advogado. Mestre em Direito pela Universidade de Itaúna/MG – Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva/MG – Professor de Direito do Consumidor, Direito Processual Civil, Direito Civil e Direito Empresarial em Cursos de Graduação e Pós-graduação no Estado de Minas Gerais – Coordenador do Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – Unidade Mariana/MG – Professor de Direito do Consumidor, Direito Civil e Direito Empresarial no Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – Unidade Mariana/MG – Professor de Direito Processual Civil II e III na Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS – Núcleo Universitário Betim – Professor Convidado da Universidade Estadual de Montes Claros/MG – UNIMONTES (Pós-Graduação) – Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor na Faculdade da Cidade de Santa Luzia/MG – FACSAL. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG.


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