Resumo: Esse estudo visa demonstrar que os atos de investigação realizados na fase preliminar à ação judicial têm validade para o processo penal. Visa demonstrar que os tribunais superiores têm se posicionado a favor em relação à validade das mesmas para a formação da convicção dos magistrados. Acreditamos que os atos realizados na investigação preliminar e as provas colhidas nessa fase tem mais que o objetivo de levar ao Ministério Público o conhecimento necessário para a abertura da ação penal, têm além de trazer luz a fatos delituosos ocorridos, demonstrando sua autoria e materialidade, a missão constitucional de ceder elementos que podem fundamentar uma futura sentença de condenação, servindo como um instrumento de justiça social, que visa alcançar aqueles que se desviam das condutas jurídicas legais no seio da sociedade.
Palavras-chaves: Investigação Preliminar. Provas no processo penal. Atos de investigação. Validade probatória da investigação policial.
Abstract: This study aims to demonstrate that the acts of investigation carried out at the preliminary stage to the lawsuit are valid for criminal proceedings. Aims to demonstrate that the higher courts have positioned themselves in favor regarding the validity of the same for forming the conviction of judges. We believe that the acts performed in the preliminary investigation and the evidence gathered in this phase is more than the goal of bringing to the public prosecutor the necessary knowledge to the opening of the prosecution, have besides bringing light to criminal acts occurred , demonstrating his own and materiality, the constitutional mission of giving evidence that could support a future sentence of condemnation , serving as an instrument of social justice , to reach those who deviate from the statutory legal conduct in society.
Keywords: Preliminary investigation. Evidence in criminal proceedings. Acts of investigation. Evidential validity of the police investigation.
Sumário: Introdução. 1. A instrumentalidade constitucional do processo penal. 2. A investigação preliminar no processo penal. 2.1 Definição. 2.2 Natureza Jurídica. 2.3 Modelos de Investigação Preliminar. 2.3.1 Investigação Preliminar Policial. 2.3.2 Investigação Preliminar Ministerial. 2.3.3 Investigação Preliminar Judicial. 3. Os atos de investigação preliminar. 3.1 Objeto da Investigação Preliminar. 3.2 Cognição na Investigação Preliminar. 3.3 O Sigilo dos Atos de Investigação. 3.4 Atos de Investigação ou Atos de Prova. 4. A prova no processo penal. 4.1 Finalidade e Objeto da Prova. 4.2 Os Meios de Prova. 4.3 Diferença entre Provas Ilícitas e Ilegítimas. 4.4 Nulidades na Investigação e suas Consequências. 4.5 Força Probatória da Investigação Preliminar. Conclusão.Referências.
Introdução
Há muito se discute em que medida as provas colhidas na fase de investigação policial tem eficácia probatória no processo penal. Dessa forma esse estudo tem como foco analisar se as provas produzidas na fase de investigação preliminar ao processo penal podem de alguma forma serem valoradas pelo magistrado e se servem para fundamentar futura sentença condenatória em processo judicial, ou se, tão somente, assumem caráter informativo para justificar o processo, ou o não-processo, por parte do Ministério Público em seu múnus publicum.
Após a nova ordem jurídica de 1988, com a constitucionalização e democratização do processo penal, a investigação preliminar assumiu outro papel. O investigado, antes considerado mero objeto, passou a ser sujeito passivo detentores de direitos constitucionalizados.
Nessa esteira, a investigação preliminar, pelo seu caráter inquisitivo e procedimental, passou a ser alvo de críticas, tendo sido duramente contestada a validade das provas colhidas nesta fase, sobremaneira no convencimento do magistrado em seu mister.
No entanto, e apesar da dispensabilidade legal da investigação preliminar para o processo penal, os tribunais têm dado cada vez mais importância às provas produzidas nessa fase em seus julgados, a ponto mesmo de invalidarem todo o processo judicial por ilicitude em provas produzidas nessa fase não processual.
Nesse estudo dividimos o trabalho em quatro capítulos. No primeiro buscamos antes analisar a real finalidade constitucional do processo penal frente à nova ordem jurídica. No segundo procuramos desnudar os modelos de investigação preliminar existentes, sua natureza jurídica e características de cada um. No terceiro capítulo fizemos um raio X dos atos praticados nessa fase preliminar, como objeto, sigilo e a forma dos atos praticados na investigação preliminar frente aos princípios constitucionais no estado democrático de direito. No quarto e último capítulo laçamos um olhar sobre a prova, meios, nulidades e a força probatória dos atos de investigação produzidos nessa fase.
O desenvolvimento do estudo se deu através de pesquisas bibliográficas, utilizando livros, artigos, documentos, internet e legislação vigente. Foram feitas leituras críticas de obras relacionadas ao tema, jornais online e em revistas especializadas na área jurídica e policial.
Por óbvio, não se objetiva esgotar o tema nem sair como única e verdadeira opinião, mas tão somente ser fiel e verdadeiro no posicionamento frente à pesquisa realizada. Descartes em Regras para a direção do espírito expõe em sua primeira regra: “A finalidade dos estudos deve ser a orientação do espírito para emitir juízos sólidos e verdadeiros sobre tudo o que se lhe depara”, e assim foi esse foi o escopo dessa breve pesquisa (DESCARTES).
1 A instrumentalidade constitucional do processo penal
Indubitavelmente o homem é um ser social e por isso mesmo necessita coexistir, não conseguindo viver por longos períodos sem intercâmbio social com outros da mesma espécie. Desse contato nascem naturalmente algumas insatisfações, frustrações e conflitos de interesses, desavenças sociais inerentes ao próprio convívio entre diferentes seres dessa comunidade.
Desse desacordo surgem afrontas a direitos e interesses alheios. Quando esses conflitos e ofensas aos direitos e desejos de outros indivíduos desta sociedade assumem determinadas proporções, e os demais meios de controle social mostram-se insuficientes ou ineficazes para harmonizar o convívio social, surge o Direito Penal como meio de controle formalizado (Bitencourt, Tratado de direito penal : parte geral, 1, 2012).
Mas nem sempre o foi assim. De forma diversa ocorria no período da vingança, o qual prolongou-se até o século XVIII. À época quando cometido um delito, logo ocorria a reação da vítima e, quando possível, até mesmo do grupo social em que ele estava inserido, gerando reações sem proporção, que atingiam não só o infrator, como também parentes ou outros membros daquele grupo social do qual pertencia o delinquente. (Duarte, 1999). Era então aplicado ao infrator o mesmo mal que ele causara, como uma espécie de pena, que era aplicada conforme os ditames do código vigente predominante à época, vigia a regra do “olho por olho, dente por dente” (Código de Hamurabi).
Mas o direito penal evoluiu, passou do período da vingança privada (“olho por olho, dente por dente”), para a vingança divina. Essa nova ordem pregava que “a repressão ao crime era a satisfação dos deuses”.
Continuando a linha evolutiva, progrediu-se então à vingança pública, em que os crimes passam a ser “punidos pelo soberano”, encerrando-se a fase da vingança penal.
Seguindo a evolução, fez chegar ao período humanitário, que consolidou de vez o estado como o detentor do monopólio do jus puniendi, contrapondo à arbitrariedade absolutista anterior, reclamando a melhor aplicação da justiça através do pensamento moderno dos iluministas.
O direito Penal avançou, surgindo então como forma de prevenir e reprimir infrações jurídicas, aquelas advindas de atitudes humanas injustas, ações estas que lesionam ou expõe a perigo bens e valores protegidos pelo ordenamento jurídico vigente. São ações humanas voluntárias e que geram juízo de desvalor na própria comunidade, merecendo por isso mesmo a respectiva e proporcional pena.
Daí o conceito atual de Direito Penal como sendo o conjunto de regras no ordenamento jurídico que fixa as características da conduta criminosa, regula o poder punitivo do Estado, associa-lhe a um delito e tem como consequência uma pena (Bitencourt, Tratado de direito penal : parte geral, 1, 2012).
Ao se falar em Direito Penal, fala-se automaticamente em infração penal e, por consequência, na correspondente pena advinda da injusta conduta. Entretanto não há como aplicar pena sem processo. Hodiernamente, em um estado democrático de direito, só há punição após o devido processo legal, pois assim assevera a lei magna pátria em seu art. 5º, LIV, que afirma: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
E mais, o processo penal está à disposição do Estado para aplicar o Direito e a respectiva pena, mas não só, serve-se também para garantir o status libertatis por meio de um processo penal conduzido por um juiz estatal, previamente determinado pela Lei e imparcial, corolários asseverados em princípios constitucionais no art. 5°, XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito), XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção), LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente), LXI (ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei) e LIV (ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal) da lei maior. (Tourinho Filho, 2010).
Desses princípios decorre a relação intima e necessária entre delito, processo e pena, sem o qual não há um sem o outro, sendo ao mesmo tempo complementares. Assim, a pena é efeito jurídico do delito, e mais além, é efeito do processo, mas o processo não é efeito do delito, senão da necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo e de garantir os direitos fundamentais, entre eles o status libertatis. (Lopes Jr., 2013).
Assim, a finalidade do processo não é apenas a materialização do jus puniendi estatal através da pena aplicada, visando a satisfazer a pretensão acusatória, é também um limitador do poder de punir do estado, ao garantir o direito constitucional de liberdade individual e presunção de inocência até o término do devido processo penal.
Muito mais que um dos princípios constitucionais basilares do processo penal, a presunção de inocência, ou de não culpabilidade como preferem alguns autores, é direito fundamental do ser humano, é uma garantia positivada no plano internacional na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que estabelece em seu artigo 9 que “todo homem é inocente até que seja declarado culpado” (“Tout homme étant innocent jusqu’a ce qu’il ait été declaré coupable”) (Novelino, 2013).
Destarte, presumir inocente o investigado ou acusado durante todo o processo é proteger o indivíduo contra abusos do jus puniendi do Estado-acusação, que só após o devido processo legal, com exercício de todas as garantias constitucionais individuais, e formada a convicção do Estado-juiz através dos meios legais de prova, estará autorizado aplicar a devida e proporcional pena, assim leciona Dr. Guilherme de Souza Nucci:
“O princípio tem por objetivo garantir que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz a culpa do réu.” (NUCCI, 2014, p. 56).
O grande constitucionalista Ministro Gilmar Mendes leciona no mesmo sentido, afirmando que o princípio da não culpabilidade “impede a outorga de consequências jurídicas sobre o investigado ou denunciado antes do trânsito em julgado da sentença criminal” (Mendes, 2014).
Como demonstrado, assim como não há se falar em pena sem o devido processo legal, nem processo sem delito, não há se falar em delito sem conduta injusta penalmente, cabendo aos agentes do estado apurar, através de provas suficientes e legais, a quebra, ou não, da presunção de não culpabilidade até ali considerada, cumprindo aí o processo penal o seu escopo constitucional.
É pelo processo penal devido e legal que se preserva o acusado e sua liberdade de eventuais desmandos do próprio Estado, impondo limites e oferecendo o direito àquele de ser julgado por um Juiz-estado previamente designado para tal, constituindo a expressão máxima dos princípios constitucionais e da administração da justiça, o direito a um juiz natural.
Conclui-se então o processo penal ser instrumento a serviço do projeto constitucional, o que nas lições de Aury Lopes:
“Trata-se de limitação do poder e tutela do débil a ele submetido (réu, por evidente), cuja debilidade é estrutural (e estruturante do seu lugar). Essa debilidade sempre existira e não tem absolutamente nenhuma relação com as condições econômicas ou sociopolíticas do imputado, senão que decorre do lugar em que ele é chamado a ocupar nas relações de poder estabelecidas no ritual judiciário (pois é ele o sujeito passivo, ou seja, aquele sobre quem recaem os diferentes constrangimentos e limitações impostos pelo poder estatal).” (LOPES JUNIOR, 2012, p. 91).
Destarte, corroboramos com a opinião do professor Aury Lopes Jr., que essa é a instrumentalidade constitucional do processo penal, que a nosso juízo, funda sua existência.
2 A investigação preliminar no processo penal
É com a notícia da prática do injusto penal que nasce a “possibilidade” do jus puniendi estatal por meio do processo. É a partir do conhecimento da prática de fato delituoso que passa o estado a desenvolver a persecutio criminis in judicio através do seu órgão acusador, o Ministério Público.
Mas por que dizer possibilidade? Por que também é possível que não haja o processo judicial penal, seria aí o chamado não-processo. É possível ainda que não haja a materialização da pretensão punitiva estatal, que no transcorrer do processo penal, quer seja na fase inquisitiva pré-processual, quer seja na fase contraditória judicial, não tenha suficientemente demonstrada provas da não-inocência do investigado/acusado. Há assim infinitos desfechos possíveis. Desde a possibilidade da notitia criminis ser falsa (quando de verdade nem ocorreu o fato delituoso), passando-se pela possibilidade de não se conseguir chegar a autoria do injusto, até mesmo à ausência de provas legais que encerem a presumida inocência do réu.
É pois, prima facie, a investigação preliminar que serve como espécie de filtro processual, que de posse das informações da possível infração penal, põe em funcionamento o Estado-acusação com objetivo de apurar se tal notícia se reverte de alguma “verdade pré-processual”, o que demonstraremos nas próximas linhas
2.1 Definição
Como bem demonstrado em linhas acima, o processo penal judicial não se deve iniciar sem uma prévia apuração dos fatos, sendo necessário juntar elementos suficientes que embasem uma acusação. Acusar para depois investigar seria afastar uma garantia constitucional e princípio basilar do processo penal, qual seja: a presunção de não-culpabilidade. E mais, seria (e o é) fazer o indivíduo sofrer ao longo de todo o processo uma injusta carga penal por uma descabida acusação.
Como bem leciona Aury Lopes Jr, “o processo penal encerra um conjunto de “penas processuais” que fazem com que o ponto nevrálgico seja saber se, se deve ou não acusar”. Exatamente por ser um “ponto nevrálgico” a decisão de acusar ou não-acusar, que agiganta a importância da investigação preliminar como ato preparatório à ação penal (ou a não ação).
Fácil perceber que a ação penal carece uma prévia preparação com fins de evitar uma indevida acusação. Essa preparação é realizada antes da abertura do processo, e por isso, chamada de pré-processual. A investigação é prévia, ou seja, preliminar e antes da fase judicial. Nessa fase preliminar averígua-se o quantum de verdade há na notitia criminis, é nessa fase que se busca angariar elementos mínimos e suficientes que possam servir à formação do opinio delicti do Estado-acusação, demonstrando assim ser cabível, ou não, o processo penal judicial.
A Investigação preliminar em suma é a busca de elementos de informação acerca de fato delituoso, devendo indicar autoria e circunstancias do fato criminoso para a formação da convicção do órgão acusador, justificando através de provas legais a acusação, ou a não acusação.
Como bem assevera Fernando da Costa Tourinho Filho:
“Como titular do direito de punir, quando alguém infringe a norma penal, deverá o Estado, para fazer valer o seu direito, procurar os elementos comprobatórios do fato infringente da norma e os de quem tenha sido o seu autor, entregando-os, a seguir, ao órgão do Ministério Público para promover a competente ação penal.” (TOURINHO FILHO, 2010, p. 123).
Visto isto, podemos acolher como a melhor definição de Investigação preliminar a utilizada por Aury Lopes Jr.:
“Concluindo, a partir da análise de definições legais, podemos conceituar a investigação preliminar como o conjunto de atividades realizadas concatenadamente por órgãos do Estado; a partir de uma notícia-crime ou atividade de oficio; com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal; que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delitivo, com o fim de justificar a exercício da ação penal ou a arquivamento (não-processo).” (LOPES JUNIOR, 2012, p. 90).
Em suma, investigação preliminar é uma série de atos com vistas a desvendar um suposto crime e seu autor, com objetivo precípuo de fornecer ao titular da ação penal informações suficientes que o possa, com relativa firmeza, apontar a ocorrência de determinado crime e seu autor em uma futura ação penal.
2.2 Natureza jurídica
A natureza jurídica da Investigação Preliminar vai depender sempre do sujeito encarregado e da predominância da natureza dos atos, ou seja, do órgão encarregado de a levar a cabo e da natureza da maioria dos atos nela praticados, podendo ser administrativa, ministerial ou judicial.
Diz-se administrativa quando o órgão encarregado é a polícia, ela subordina ao poder executivo, com predominância dos atos nela praticados sendo procedimentais administrativos e pré-processuais. A atividade investigativa policial carece do mando de uma autoridade com potestade jurisdicional e por isso não pode ser considerada como atividade judicial e tampouco processual, até porque não possui a estrutura dialética do processo. (Lopes Jr., Direito processual penal, 2014)
Quando levada a cabo por órgão do Poder Judiciário dizemos que a investigação preliminar é judicial. É o caso de investigação realizada por juízes de instrução, como na Espanha, ou mesmo pelo Ministério Público como na Itália, onde o MP pertence ao judiciário por mandamento constitucional. Apesar de ser dirigida por juízes de instrução (Espanha), ou pelo Ministério Público (Itália), a investigação continua a ter status de pré-processual (não mais administrativo pois não realizado por órgão do Poder Executivo). Não tem características de processo, pois não há predominantemente nos atos nela praticados atribuições de jurisdictio, ou seja, não há a característica dialética processual.
A menos que os Juízes de Instrução, além de terem poderes inquisitoriais de investigação preliminar, tivessem também a atribuição de julgarem àqueles mesmo que investigaram, poderíamos dizer que a investigação teria status jurisdicional e não tão somente judicial. Nesse caso teríamos características de atividade puramente processual, exercendo o titular da investigação preliminar a jurisdicione.
Seria conforme entendimento de Aury Lopes Jr., reunir as características que o dão feição de processo, como: exercício de uma pretensão; existência de partes potencialmente contrapostas; garantia do contraditório e da ampla defesa; existência de uma sentença e a produção da coisa julgada e existência do direito de recurso. (Lopes Jr., Direito processual penal, 2014).
2.3 Modelos de Investigação Preliminar
2.3.1 Investigação preliminar policial
Como explicitado em linhas acima, a investigação preliminar pode ser entendida como um procedimento pelo qual se procura descobrir pessoas ou coisas úteis para a reconstrução das circunstâncias de um fato que infringiu uma norma legal.
O Estado-acusação, como titular do jus puniendi, deverá para fazer valer o seu direito, investigando o fato infringente da norma e procurando elementos que comprovem quem tenha sido o seu autor, ou autores.
Cada país adota uma terminologia diferente para o seu procedimento investigatório preliminar ao processo penal propriamente dito. No brasil adota-se inquérito policial, quando a cargo da polícia judiciária, ou procedimento investigatório criminal (PIC), quando a cargo do Ministério Público. No estrangeiro por exemplo, como na Itália, adota-se nome jurídico de indagine preliminare, na Espanha diligencias previas ou instruccione complementare, e nos EUA de pre-arrest investigacion.
Sempre nas mãos do Estado o jus persequendi, esse papel é exercido pelo Estado-acusação através da Polícia, do Ministério Público ou por um Juiz de Instrução. Cada país de acordo com sua estrutura, política criminal e sistema processual vigente, adota um modelo de investigação preliminar e seu órgão encarregado. No Brasil, em que pese acirrado debate sobre a exclusividade das investigações criminais, adota-se, via de regra, o modelo de investigação policial, entretanto em casos pontuais ver-se a investigação a cargo do Ministério Público.
No modelo de investigação policial a titularidade das investigações é sempre da polícia, sob o comando da autoridade policial, não funcionando a polícia como mera auxiliar, mas sim com a devida autonomia para decidir conforme seu entendimento a melhor forma e os mais adequados meios a serem utilizados na investigação, sem nenhuma subordinação funcional ao ministério público e nem ao judiciário.
Nesse modelo tem-se como característica o first-line enforcer, ou seja, a polícia é a primeira instancia formal de controle social a conhecer, interagir e processar o evento delituoso, iniciando-se a partir daí as investigações preliminares com escopo de esclarecer autoria e materialidade. Isso torna-se uma vantagem sobre outros modelos, devido a celeridade com que iniciam-se as investigações. No entanto há críticas ao modelo, como por exemplo que a polícia está muito mais suscetível às contaminações e influências políticas, pois além de estarem subordinadas ao poder executivo, sofrem com mais facilidade das pressões dos meios de comunicação, levando os policiais a cometerem injustiças no afã de resolverem casos com maiores repercussões midiáticas.
Em que pese toda carga de preconceito que paira sobre a classe policial, certamente advinda de herança ainda da época da ditadura, entendemos como mais apropriado e eficiente o modelo de investigação preliminar policial, em que um certo e limitado poder discricionário das polícias faz frente ao combate e controle da criminalidade através da sua autonomia investigativa, sempre seguindo a lei e respeitando o estado democrático de direito. Vivemos outros tempos.
Vale ressaltar que todas as medidas cautelares que impliquem em limitação dos direitos fundamentais do investigado, devem passar pelo controle de legalidade, são autorizados pelo judiciário e dado vistas ao Ministério Público, que opina acerca da necessidade da medida. Há assim um estrito controle jurisdicional dos atos que possam de qualquer maneira ferir direitos constitucionais dos investigados, tais como mandados de busca e apreensão, interceptações telefônicas, mandados de prisão etc.
Há ainda defensores da tese de que a investigação preliminar seja exclusividade da polícia, pois assim asseverou a Constituição Federal em seu artigo 144 § 4º in verbis:
“Art.144 […]
§ 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto os militares.”
É uma discussão a ser aprofundada oportunamente, até mesmo por ser hoje é objeto de discussão no pleno do Supremo Tribunal Federal a possibilidade de investigações por parte do Ministério Público. Sobre o tema, veremos no próximo tópico.
2.3.2 Investigação preliminar ministerial
Nesse modelo, também chamado de Promotor-Investigador, o membro do Ministério Público é o titular da investigação preliminar, devendo ele receber a notitia criminis diretamente, ou indiretamente através do órgão policial, dando início a partir daí às investigações preliminares.
Esse modelo é tendência mundial e tem sido adotado em substituição ao decadente modelo de investigação judicial através do Juizado de Instruções e até mesmo ao modelo de investigação policial através do inquérito policial. Há aqui uma subordinação funcional da polícia ao ministério público, que após recebimento da notitia criminis, pode ele mesmo praticar os atos investigatórios ou delegar à polícia para que os procedam, sempre conforme a convicção e interesse do parquet, visando assim a melhor formação do seu opinio delicti que irá fundamentar a respectiva denúncia.
Nesse modelo, apesar da titularidade da investigação a cargo do MP, não há nenhuma atividade jurisdicional por parte dos promotores, devendo todas as medidas de caráter limitativo de direitos fundamentais de investigados, serem devidamente autorizadas por juízes, após requisição ministerial.
É válido lembrar que em alguns países, diferentemente do Brasil, o ministério público é parte do Poder Judiciário, como é na Itália, sendo assim lá promotores são considerados magistrados por força constitucional.
Por aqui muito ainda se discute sobre a possibilidade (constitucionalidade) ou não da investigação diretamente pelo Ministério Público, tendo recentemente sido alvo de acirrados debates quando da propositura da Proposta de Emenda Constitucional 37 (PEC 37) apelidada de PEC da Impunidade, que em sua redação dava exclusividade das investigações criminais à Polícia Judiciária. (Projeto de lei e outras proposições, 2011)
A 2ª turma do STF, por unanimidade, decidiu que o Ministério Público pode realizar investigações, segundo entendimento dos ministros o artigo 129 da Constituição Federal, que trata das atribuições do MP, apesar de não falar sobre a investigação pelo órgão, não a veda. No voto do eminente ministro Gilmar Mendes que proferiu, in verbis:
“Conforme voto por mim proferido nos autos do RE 593.727/MG, entendo que ao Ministério Público não é vedado proceder a diligências investigatórias, consoante interpretação sistêmica da Constituição Federal (art. 129), do Código de Processo Penal (art. 5º) e da Lei Complementar n. 75/93 (art. 8º). Explico. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem, reiteradamente, acentuado ser dispensável, ao oferecimento da denúncia, a prévia instauração de inquérito policial, desde que evidente a materialidade do fato delituoso e presentes indícios de autoria (HC 63.213/SP, rel. Min. Néri da Silveira, Primeira Turma, DJ 26.2.1988). Dessa forma, considerando o poder-dever conferido ao Ministério Público na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, da CF), afigura-se me indissociável a suas funções relativa autonomia na colheita de elementos de prova como, de fato, lhe confere a legislação infraconstitucional.”
Como é de notar, assim como a tendência mundial, há um entendimento por parte da corte superior ser possível a investigação preliminar também ministerial, e não apenas exclusividade da polícia.
Defensores da investigação preliminar ministerial alegam que esta seria uma decorrência natural da própria persecução preliminar penal, cujo escopo seria tão somente a formação do opinio delicti do órgão acusador, sendo assim natural que o próprio destinatário dos elementos informativos possa se manifestar acerca do prosseguimento ou não do persecutio criminis.
É exatamente aqui onde reside a celeuma acerca do(s) destinatário(s) da investigação preliminar e da validade dos atos nela produzido. Seria apenas o MP o destinatário dos elementos de provas produzidos nessa fase, ou ela serviria também para fundamentar a opinião da autoridade judiciária, tanto no recebimento (ou rejeição) da denúncia, quanto na valoração das provas no processo? O tema é polêmico, ainda mais após nova redação dada ao Art. 155 do Código de Processo Penal. O assunto será exposto no próximo capítulo.
2.3.3 Investigação preliminar judicial
Nesse modelo de investigação o protagonista é a autoridade judiciária, é ele que detém a titularidade da investigação preliminar, o Juiz de Instruções além de levar a cabo as investigações, ou seja, é o próprio quem colhe e produz as provas durante o procedimento judicial, detém ainda amplos poderes decisórios no controle da legalidade dos atos por ele investigado. O Juiz instrutor é livre para intervir, recolher e valorar o material probatório produzido.
Durante sua atividade de instrutor o Juiz não se subordina a ninguém, sendo o Ministério Público e a Defesa meros espectadores/colaboradores, que podem eventualmente peticionar determinadas diligências, que no entanto não vincula o juiz, que decidirá pelo deferimento ou não, conforme seu juízo, desde que as considere pertinente e úteis à investigação.
Tem o Juiz de Instrução à sua disposição a polícia judiciária, que de acordo com o entendimento da própria autoridade judiciaria, promoverá àquelas diligências que considerar necessárias, sendo a polícia totalmente dependente funcional do poder judiciário.
Na teoria o juiz instrutor deveria pautar sua atividade inquisitória com total imparcialidade, buscando não só elementos que forem favoráveis a uma futura acusação, mas também aqueles que sirvam para exculpar o investigado e sustentar a tese da defesa. Entretanto sabemos isso ser impossível. Na prática a imparcialidade do Juiz estaria de certo ameaçada, desde o início da persecução penal, pois é a partir do início da investigação preliminar, que já estaria o Juiz contaminado com elementos informativo colhidos com claro intuito de servir tão somente à acusação. Há um gravíssimo inconveniente quando a mesma pessoa que tenta descobrir autoria e materialidade tem que ela mesmo decidir sobre a necessidade de um ato de investigação e a partir dele valorar a sua legalidade.
Como bem leciona Aury Lopes Jr:
[…] “não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso da segurança individual; o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor.” (LOPES JUNIOR, 2014, p. 156).
É um modelo em total decadência e não mais utilizado em quase nenhum país do mundo, com exceção da Espanha, que apesar de adotar tal modelo, ainda toma precauções e medidas que visam certa imparcialidade, pois o Juiz que investiga, não é o mesmo que julga. Apesar disso, há ainda o inconveniente de um juiz ao mesmo tempo que colhe elementos informativos e decidi pela pertinência de um ato de investigação, também decide ele próprio pela sua legalidade e necessidade.
Definitivamente um modelo que remonta da inquisição e em nada coaduna com o Estado democrático de direito e a o sistema acusatório adotado na nossa Constituição Federal.
3 Os atos de investigação preliminar
Independentemente do modelo de investigação preliminar adotado, a investigação tem seu papel cumprido a partir do momento em que se evita acusações infundadas. Para isso a investigação preliminar busca trazer à luz determinado fato oculto, com seu respectivo autor, ou autores, e a devida e suficiente materialidade que faça o estado com máxima segurança exercer seu jus puniendi. Durante a persecutio criminis preliminar, ou jus persequendi, vários atos de investigação são realizados com escopo de esclarecer as reais circunstancias de tal fato oculto.
Acontece que, por mais importante que pareça a necessidade de se evitar uma infundada acusação em um demorado processo penal, a investigação preliminar nem sempre é obrigatória em todos os sistemas processuais penais. Alguns países adotam a investigação facultativa para exercício da ação penal, em outros são obrigatórios. Na Espanha, por exemplo, é adotado um sistema misto, em que para crimes mais graves a investigação preliminar é obrigatória e para crimes menos graves, é facultativa, assim assevera o art. 300 da LECrim Espanhola. (Lopes Jr., Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, 2001, pp. 101-103)
No Brasil entende a doutrina que o nosso sistema é facultativo, pois o inquérito policial não é obrigatório, podendo o Ministério Público dispensá-lo, conforme preceitua o Art. 39 § 5º do Código de Processo Penal, in verbis:
“Art. 39 […]
§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.” (grifo nosso).
Assim, a investigação poderá ser obrigatória ou facultativa. Já sobre os atos de investigação, podemos classificá-los em orais ou escritos; secretos ou públicos; e, ainda, quanto à eficácia probatória da investigação preliminar em atos de prova ou atos de investigação (relativo valor probatório). (Lopes Jr., Direito processual penal, 2014, p. 305).
3.1 Objeto da Investigação Preliminar
Se a investigação serve para evitar infundadas acusações, partindo de uma notitia criminis rumo ao esclarecimento do fato oculto supostamente delituoso, podemos então afirmar que o objeto da investigação preliminar é exatamente o fato constante na notitia criminis, ou seja, é o fato oculto a ser desvendado após a realização de diversos atos de investigação.
Segundo conceito narrado pelo professor Aury Lopes, entende-se que o objeto da investigação preliminar é “a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que a integram, isto é, os fatos narrados na notitia criminis ou obtidos ex officio pelos órgãos de investigação estatal”. (Lopes Jr., Direito processual penal, 2014, p. 293)
Assim, entende-se que o objeto da investigação preliminar é o commissi delicti constante na notitia criminis, pois é ele, no processo penal, que dá justa causa para que a acusação seja recebida pelo magistrado, conforme assevera o artigo 395, III do Codigo de Processo Penal, in verbis:
“Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.”
(Grifo nosso).
Pergunta-se então, o quantum de conhecimento do fato oculto deve ser apurado na investigação preliminar, se tão somente o necessário a se demonstrar a justa causa e convencer o juiz da necessidade do início da ação penal, ou realização de atos que apurem o máximo de verdade sobre o fato delituoso?
3.2 Cognição na Investigação Preliminar
Para respondermos essa indagação é necessária, ab initio, uma breve análise do art. 41 do Código de Processo Penal, in verbis:
“ Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.” (Grifo nosso).
Como demonstrado, por força legal do artigo 41 do CPP, é necessário que haja uma apuração de todas as circunstâncias do fato delituoso para que haja o início da ação penal. Ou seja, incumbe à investigação preliminar esclarecer o fato delitivo, buscando individualizar as condutas de modo que a denúncia seja determinada e certa, no sentido da individualização das responsabilidades penais a serem apuradas no processo. (Lopes Jr., Direito processual penal e sua Conformidade Constitucional, 2012, p. 426)
De certo, para a individualização das responsabilidades penais, é necessário que se tenha certo grau de conhecimento a respeito da autoria delitiva do fato apurado, não sendo suficiente apenas as circunstancias fáticas do fato de forma superficial, ainda mais em crimes mais complexos, como os financeiros e os afetos às organizações criminosas.
Acontece que, como era de se esperar, os atos delituosos são praticados a sorrelfa, de forma dissimulada, oculta, de índole secreta, e logicamente por motivos óbvios: tanto para não frustrar os próprios objetivos do criminoso, quanto para evitar as consequências do ato delitivo, ou seja, o devido processo penal e a respectiva pena, efeito jurídico do ato criminoso e do processo.
Por isso é necessário que os atos de investigação sejam direcionados com o objetivo de esclarecer, além de todas as circunstâncias acerca dos fatos trazidos na notitia criminis, como tempo do fato, modo (modus operandi) e lugar (locus delicti commissi), também a demonstração do Fumus Commissi Delicti, ou seja, a comprovação da existência daquele crime e indícios suficientes de autoria, exigência legal disposta no artigo 41, supra citado.
Entende-se aqui como indícios, as provas colhidas nessa fase que devem ser suficientemente capazes de embasar de forma segura a decisão do Juiz de receber a denúncia e daí dar prosseguimento à pretensão punitiva estatal, evitando-se injustas acusações em juízo.
Ainda em análise ao art. 41 do CPP, percebe-se que é necessário demonstrar indícios de autoria, e não a certeza absoluta de autoria. Isso quer dizer que não se pretende, com os atos de investigação, ter a certeza absoluta da autoria do fato criminoso, caso contrário seria a investigação um fim em si mesmo, dispensando-se o devido processo penal. Não é o caso, pois isso dizer que a investigação preliminar é uma investigação sumária, ou seja, limitada qualitativamente no campo probatório.
Não obstante, há casos em que a única prova de autoria do crime é a colhida no flagrante policial. Dispõe o artigo 6º do CPP que assim que a autoridade policial tiver conhecimento da prática da infração, deverá tomar providências imediatas, para que, em certos casos, não sejam alterados o estado e a conservação das coisas no cenário do delito cometido. Tourinho Filho entende que:
“Proibindo a alteração do estado e conservação das coisas, até terminarem os exames e perícias, a Autoridade Policial visa, com tal atitude, impedir a possibilidade de desaparecerem certos elementos que possam esclarecer o fato e até mesmo determinar quem tenha sido o seu autor” (grifo nosso) (TOURINHO FILHO, 2010, p. 282).
Conclui-se então que, via de regra, a investigação preliminar é limitada qualitativamente ao grau de cognição, ou seja, limita-se no campo probatório a criar um juízo de verossimilhança e não de certeza acerca da autoria delitiva, deixando para a fase processual a cognição plenária, sem limitações jurídicas de análise probatória de autoria.
3.3 O Sigilo dos Atos de Investigação
A publicidade dos atos processuais significa que são acessíveis a todos. É direito constitucional o acesso aos autos dos processos judiciais, salvo aqueles que tramitam em segredo de justiça. No entanto, apesar da publicidade ser regra, esta pode ser afastada quando necessário for para proteger a intimidade das partes, conforme corolário constitucional, in verbis:
“Art. 5º […]
LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;”
Como reza a Constituição Federal, apesar da publicidade ser a regra, excepcionalmente ela pode ser afastada em casos específicos, inclusive quando o interesse social exigir.
Fazendo-se uma comparação com os atos da investigação preliminar, que não são atos processuais, mas sim atos administrativos e pré-processuais, temos como regra atos também públicos. Publicidade é a regra, mas alguns atos podem ser declarados sigilosos. Os atos Sigilosos podem ainda ser divididos em atos de sigilo interno e atos de sigilo externo. (Lopes Jr., Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, 2001)
A publicidade dos atos processuais é regra e sobre o assunto paira pouca ou nenhuma dúvida, até por que, sendo um processo judicial, com direito ao contraditório, nada mais natural que as partes tenham acesso aos autos do processo e assim possam exercer plenamente seu direito constitucional da ampla defesa.
Já os atos da investigação preliminar são, via de regra e em tese, públicos para todos, que sem restrição alguma, podem ter amplo acesso ao procedimento investigatório. Mas assim como os atos processuais, que podem ter seu acesso restringido conforme o interesse social e a necessidade, os atos de investigação tem também seu grau de sigilo e restrito acesso, conforme necessidade da própria investigação e mandamento legal do art. 20 do Código de Processo Penal, in verbis:
“Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.”
A polêmica reside exatamente nessa restrição, haja vista a investigação preliminar ser um procedimento inquisitivo e sem direito ao contraditório.
O Superior Tribunal Federal em 2009 editou súmula vinculante nº 14 que consagra o entendimento de que o acesso aos autos dos procedimentos investigatórios criminais não pode ser negado aos advogados dos investigados, in verbis:
“SÚMULA VINCULANTE 14 – É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”
Vale ressaltar todavia, que o acesso diz respeito tão somente aos elementos de prova já documentados, ou seja, àqueles atos de investigação já concluídos dentro do procedimento investigatório, e por isso mesmo não carecerem mais de sigilo para o êxito das diligências investigativas.
O ministro Cezar Peluzo no HC 88.190 RJ faz a devida diferenciação dos atos que estão acobertados pelo sigilo e os atos que podem ser acessados pelo investigado. O eminente ministro divide os atos na fase preliminar em atos de investigação e atos de instrução. Segundo Min. Cezar Peluzo, é o caráter de definitividade que diferem as duas espécies de atos, sendo os já concluídos, documentados e que não mais se repetem considerados atos de instrução, in verbis:
[…] “diante da prática de atos de instrução de caráter definitivo, que não mais se repetem, deve-se reconhecer a possibilidade de exercício de defesa” […]
Assim os atos de investigação devem seguir sigilosos, desde que necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade, até cessar a necessidade para tal medida, visando sempre o não comprometimento do êxito e bom sucesso da investigação, devendo serem documentados após concluídas as diligências. Por óbvio seria um absurdo abrir ao próprio investigado as diligências ainda não concluídas e as ainda por fazer. Por isso a lógica do art. 20 do CPP.
3.4 Atos de Investigação ou Atos de Prova
Os atos de comprovação e averiguação do fato e da autoria, considerados genericamente como atos de investigação (quando a cargo da polícia ou MP) ou de instrução preliminar (quando a cargo de Juiz de instrução), podem ser valorados de distintas formas pelo sistema jurídico.
O critério para a classificação tem por base a sentença, ou seja, se esses atos podem ser valorados e servir de base para a sentença ou não, como bem leciona Aury Lopes Jr. (Lopes Jr., Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, 2001, p. 119)
Destarte, sendo o ato de investigação valorado como prova e servindo ao convencimento do julgador em sua sentença, seria ele considerado um ato de investigação com validade probatória. Para isso o ato de investigação realizado em fase preliminar deve ser realizado ante um juiz e sob o manto do contraditório, ou ratificado na fase processual.
Leciona Aury Lopes Jr. que atos de prova e atos de investigação tem natureza jurídica distintas. Segundo o nobre doutrinador os atos de investigação servem de forma distinta ao processo penal enumerando algumas de suas características, a saber:
– São desenvolvidos sobre premissas hipotéticas e não afirmações cabais;
– Formam um juízo de probabilidade e não de certeza;
– São via de regra produzidos sob sigilo e não sob o manto constitucional irrestrito da publicidade;
– Servem para a formação da opinio delicti do acusador;
– Servem a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo, ou o não processo;
– Também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação (indiciamento) e adoção de medidas cautelares pessoais, reais ou outras restrições de caráter provisional. (Lopes Jr., Direito processual penal, 2014)
Ainda no entendimento do professor Aury Lopes Jr os atos de prova por sua vez estão a serviço do processo penal de forma mais cabal e integram o processo penal. A seguir o que caracteriza os atos de prova segundo Aury Lopes Jr.:
– Dirigem-se a formar um juízo de certeza e não probabilidade;
– Servem à sentença;
– Exigem estrita observância da publicidade e contraditório;
– São praticados ante um juiz e
– Estão dirigidos a convencer o julgador da verdade de uma afirmação.
Vale ressaltar que ambos os atos podem ser praticados em sede de investigação preliminar, apesar de comumente os atos de provas serem realizados em fase processual.
Em que pese o posicionamento do ilustríssimo professor, há entendimentos doutrinários que filiam-se a corrente de que os atos de investigação também podem servir à sentença e de convencimento do magistrado na fase processual, como veremos a seguir.
4 A prova no processo penal
A Prova é, em matéria penal, a própria “alma do processo”. É ela que traz conhecimento, é a luz que vem esclarecer tudo a respeito dos direitos disputados no processo. Sem as provas de nada vale os argumentos utilizados no processo. As provas servem para demonstrar as afirmações feitas e levar com isso o julgador a decidir a favor de quem as argumenta, em consonância com a realidade dos fatos.
Bem ensina em suas lições Fernando Capez:
“Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto.” (CAPEZ, 2014, p. 76)
A prova é constituída pela demonstração no processo dos fatos em que se assenta a pretensão de uma parte em resistência a outra
4.1 Finalidade e Objeto da Prova
A função precípua da prova é formar a convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde do processo. Como assevera Tourinho Filho:
“O objetivo ou finalidade da prova é formar a convicção do Juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa. Para julgar o litígio, precisa o Juiz ficar conhecendo a existência do fato sobre o qual versa a lide. Pois bem: a finalidade da prova é tornar aquele fato conhecido do Juiz, convencendo-o da sua existência. As partes, com as provas produzidas, procuram convencer o Juiz de que os fatos existiram, ou não, ou, então, de que ocorreram desta ou daquela forma.” (TOURINHO FILHO, 2010, p. 232).
Como se pode perceber, sem provas não há condenação para fatos delituosos uma vez ocorridos, pois provar é, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade, e as provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la. Provar é, enfim, demonstrar a certeza do que se diz ou alega.
4.2 Os Meios de Prova
Consoante ensinamentos de Fernando Capez, “meio de prova compreende tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à demonstração da verdade que se busca no processo. Assim, temos: a prova documental, a pericial, a testemunha” (Capez, 2014)
Segundo lição de Pontes De Miranda, meios de prova são “as fontes probantes, os meios pelos quais o juiz recebe os elementos ou motivos de prova: os documentos, as testemunhas, os depoimentos das partes.”
Desta forma entende-se que tudo aquilo que esteja apto a demonstrar a verdade sobre um fato, será considerado meio de prova. Seriam “os instrumentos pessoais ou materiais aptos a trazer ao processo a convicção da existência ou inexistência de um fato”. (Greco, 2012)
Sabe-se que vigora no direito processual penal o princípio da verdade real, e neste sentido não se cogitaria a qualquer espécie de limitação a produção da prova, sob pena de ver frustrado o interesse do Estado na aplicação da lei, tanto é verdade que há unanimidade entre a doutrina e a jurisprudência que os meios de provas elencados nos arts.185 e 239 são meramente exemplificativos, podendo assim existir outros meios de produção probatória distintos. (Capez, 2014)
Também é sabido que essa liberalidade na produção probatória não é absoluta, pois se deve respeitar algumas restrições, e imposições legais, como por exemplo a exigência de corpo de delito para infrações que deixarem vestígios, observar as mesmas exigências e formalidades da lei civil para provas relacionada ao estado das pessoas, vedação daquelas obtidas por meio ilícito etc. (Capez, 2014)
De forma exemplificativa, as principais espécies de provas são: a testemunhal, prova documental e prova pericial. No entanto outros meios de prova se admitem, desde que compatíveis com os princípios de respeito ao direito de defesa e à dignidade da pessoa humana, são as chamadas provas inominadas.
Assim alguns atos de investigação podem ser meios de provas, como as acareações, reconhecimentos, interceptações telefônicas, perícias etc.
4.3 Diferença entre Provas Ilícitas e Ilegítimas
O direito à prova, decorrente do princípio do contraditório, e corolário posto na Constituição Federal, não é direito absoluto e ilimitado. Esse direito encontra limite na própria Constituição Federal, que prevê no seu art. 5º, LVI, são “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”
E não só, a Carta Magna impõe limites outros ao direito à prova, como direito de intimidade (inciso X); inviolabilidade do domicílio (inciso XI); inviolabilidade do sigilo da correspondência e das telecomunicações (inciso XII); além inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (inciso LVI).
O Código de Processo Penal em seu Art. 157 §§ é claro:
“Art. 157 – São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas” […]
A melhor classificação encontrada para distinguir provas ilícitas e provas ilegítimas é a ensinada por Aury Lopes Jr., quando afirma que a prova “ilegal” é o gênero, do qual são espécies a prova ilegítima e a prova ilícita. Assim:
“Prova ilegítima: quando ocorre a violação de uma regra de direito processual penal no momento da sua produção em juízo, no processo. A proibição tem natureza exclusivamente processual, quando for imposta em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo. Exemplo: juntada fora do prazo, prova unilateralmente produzida (como o são as declarações escritas e sem contraditório) etc.;
Prova ilícita: é aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento da sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre exterior a este (fora do processo). Nesse caso, explica MARIA THEREZA, embora servindo, de forma imediata, também a interesses processuais, é vista, de maneira fundamental, em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo. Em geral, ocorre uma violação da intimidade, privacidade” (LOPES JR., 2014, p. 178).
Dessa forma a vedação pode estar estabelecida por uma norma processual, ou por uma norma material (constitucional ou penal), ou pode ainda decorrer dos princípios gerais de direito.
As vedações processuais têm por escopo a proteção de interesses relativos à lógica e à finalidade do processo. As provas que se produzirem em sua afronta, serão provas ilegítima.
Já as proibições de natureza puramente substancial, justificam-se pela tutela aos direitos que o ordenamento jurídico pátrio reconhece ao indivíduo. As provas que violam tais vedações são chamadas provas ilícitas.
4.4 Nulidades na Investigação e suas Consequências
Prima facie é necessário avançar no dilema que é saber às consequências jurídicas das nulidades. Há na doutrina um impasse que é saber se as nulidades geram a invalidade do ato ou a sua ineficácia. Resta definir: nulidade é uma afronta a tipicidade constitucional ou uma sanção de caráter processual? (Lopes Jr., Investigação preliminar no processo penal, 2013, p. 334)
Essa diferenciação é de grande valia para o tema pesquisado, ou seja, saber as consequências das nulidades dos atos realizados na investigação preliminar.
Nessa esteira é forçoso lembrar que o CPP teria reconhecido o princípio da instrumentalidade das formas, senão vejamos a dicção do art. 563 do Código de Processo Penal, in verbis:
“Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.”
Vale ressaltar que as provas ilícitas devem ser desentranhadas, sendo assim entendidas aquelas obtidas com violação a preceitos constitucionais ou legais, bem como aquelas que lhe são derivadas, entendimento extraído da inteligência do art. 157 do CPP, bem como consequência da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), desenvolvida no âmbito da Corte Suprema dos Estados Unidos da América (precedente: Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385, do ano de 1920), que reza que todas as provas obtidas a partir da prova ilícita (árvore) são contaminadas pela ilicitude (frutos envenenados), ainda quando sejam, por si, lícitas. Trata-se de uma metáfora jurídica em que a “árvore envenenada” representa a prova ilícita e os “frutos”, aquelas provas lícitas a partir dela obtidas. (Jesus, 2012)
Nessa esteira resta saber se há possibilidade de nulidades na fase de investigação preliminar ou tão somente irregularidades, por ser um procedimento administrativo e não um processo judicial.
Há quem defenda que existam apenas irregularidades, pois é procedimento composto por meros atos de investigação voltadas a formação da opinio delictio, inclusive sendo posicionamento majoritário na doutrina.
Em que pese entendimento da maioria, cabe antes aqui salientar que a natureza administrativa da investigação preliminar policial não a blinda contra as garantias processuais próprias do sistema processual penal constitucional brasileiro. (Lopes Jr., Direito processual penal e sua Conformidade Constitucional, 2012).
Dentro dessa realidade jurídica, somada ao fato de os tribunais superiores já entenderem que os atos de investigação podem ser valorados na sentença, desde que cotejadas com as provas judicializadas, é forçoso admitir que a investigação preliminar faz parte do processo, e por isso mesmo, juntamente com a realidade constitucional do processo penal, são passíveis de nulidades, e não tão somente irregularidades, como defende o senso comum.
É o que Aury Lopes chama de “extensibilidade jurisdicional”, ou seja, a partir do momento em que a investigação preliminar torna-se material decisório ao juiz, e este nutre-se dos elementos contidos na fase administrativa da persecução penal para sustentar sua decisão, é inequívoco que tais elementos incorporaram-se ao processo, pois configurou aí um ato de natureza concessiva da prestação jurisdicional, logicamente passível de nulidade.
Ademais, afastar o controle de legalidade da investigação preliminar, seria dar-lhe uma absoluta presunção de regularidade, privilégio que nem mesmo os atos jurisdicionais gozam, como muito bem demonstrou o Min Celso de Mello, no julgamento do HC 73.271/SP:
“A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.” (Grifo nosso). (DJ, 4-10-1996, p 37.100).
A única forma de convalidar nulidades da investigação preliminar é repetir os atos em fase judicial, caso contrário aqueles atos de investigação deverão ser declarados nulos, bem como todas as demais provas derivadas daquele ato que serviram para sustentar uma eventual condenação.
Porém isso não implica automaticamente que os vícios inerentes a fase preliminar afete a sentença condenatória, mas tão somente aqueles que dele dependerem. Em se desentranhando aqueles atos nulos, se obrarem outros elementos que sustentem a condenação, ou o commissi delicti no caso da denúncia, o processo segue normalmente.
Destarte, o discurso do senso comum de que vícios da investigação preliminar não afetam o processo, não é uma verdade inatacável, nem uma regra geral, mas sim algo a ser sempre diligenciado com fins de evitar afrontas aos direitos constitucionais do investigado.
4.5 Força Probatória da Investigação Preliminar
A polêmica a respeito da validade probatória dos atos de investigação preliminar é constante e segue ainda mais acirrada após alteração do Art. 155 do CPP pela Lei n. 11.690/2008, que passou a ter nova redação, in verbis:
“CPP – Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” (grifo nosso)
Note-se que a polêmica gira em torno do termo “exclusivamente”, pois para parte da doutrina a sentença judicial jamais deveria basear-se em elementos colhidos na fase de investigação preliminar, mas tão somente nas provas produzidas em fase judicial, ou seja, sob o mato do contraditório, ampla defesa e publicidade. Defende esse posicionamento o professor Aury Lopes Jr.
Nesse embate doutrinário há posicionamentos que defendem que a sentença só não poderia se fundamentar “exclusivamente” em elementos colhidos através dos atos de investigação preliminar, mas isso não implica que o juiz não possa usá-los, desde que de forma cotejada com provas produzidas em fase judicial. Assim entende Tourinho Filho, afirmando que todas as provas colhidas na fase policial podem ser renovadas em juízo, sob o crivo da Defesa.
Exemplifica alguns exames periciais em que devido a certeza de desaparecimento dos vestígios em brevíssimo tempo, não podem ser renovados na instrução criminal, porque os vestígios já desapareceram, assim impossibilitada ficará a Defesa de insistir na feitura de novo exame, mas nem por isso perdem seu valor probatório na fase judicial. (Tourinho Filho, Processo penal, vol I, 2012).
O que são defensores da tese que o valor probatório da investigação preliminar é tão somente para embasar a denúncia, argumentam inclusive que eles não sejam carreados aos autos do processo após oferecimento da denúncia, pois seu fim se esgotaria no momento da propositura da ação penal.
No entendimento de Aury Lopes a natureza instrumental da investigação preliminar, serve tão somente para esclarecer o fato e individualizar a conduta dos possíveis autores, permitindo assim o exercício e a admissão da ação pena. No plano probatório, o valor exaure-se com a admissão da denúncia. (Lopes Jr., Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, 2001)
Para Tourinho Filho essa problemática é resolvida no momento em que se renovam em juízo as provas colhidas na fase preliminar, sob o manto do contraditório, na presença da autoridade judiciária e sob o crivo da própria defesa.
Vale lembrar dos casos em que as provas colhidas na fase preliminar, após renovadas em juízo, são levadas e utilizadas no processo em julgamentos do tribunal do júri, sendo inclusive manuseadas pelos jurados, que com base também naqueles elementos colhidos na fase preliminar, decidirão.
Ou mesmo ainda naqueles casos em que elementos informativos colhidos na fase preliminar, após ratificados em fase processual, são valorados pelo juiz e, juntamente com demais provas colhidas em fase processual, servirão para convencimento do juiz ao proferir a sentença condenatória.
Inobstante discordância de grande parte da doutrina em relação à utilização dos elementos informativos colhidos através dos atos de investigação preliminar, não rara as vezes essas informações são utilizadas de forma mediata, para fundamentar decisões do magistrado, seja durante o processo em decisões interlocutórias, seja até mesmo em sentenças. O juiz sempre se valeu das provas colhidas na fase de investigação preliminar, no entanto desde que em “harmonia” com as produzidas sob o crivo do contraditório.
Recentemente em Agravo Regimental, interposto pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, a Ministra do STJ ASSUSETE MAGALHÃES denegou Habeas Corpus em que argumentava a defesa nulidade da prova por serem colhidas na fase preliminar:
“ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA CONDENAÇÃO, PORQUANTO FUNDADA, EXCLUSIVAMENTE, EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. I. Na espécie, não se verifica o constrangimento ilegal, por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, porquanto, pelo que se depreende do acórdão impugnado, a condenação não está baseada, exclusivamente, em provas colhidas no Inquérito Policial, sendo corroborada por outros elementos probatórios.” (STJ – AgRg no HC: 185240 MG 2010/0171081-1, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 27/08/2013, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/05/2014).
Nesse contexto, entendeu a excelentíssima ministra que não se verificou o alegado constrangimento ilegal, por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, porquanto, ao contrário do sustentado pelo impetrante, ao que se depreende do acórdão impugnado, a condenação funda-se em outras provas, além das colhidas no Inquérito Policial. (grifo nosso).
Na mesma linha decidiu a sexta turma do STJ, que no voto da lavra do Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, decidiu:
“Não se admite a nulidade do édito condenatório sob alegação de estar fundado exclusivamente em prova inquisitorial, quando baseado também em outros elementos de provas levados ao crivo do contraditório e da ampla defesa” (HC n. 155.226/SP, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 1º/8/2012). (Grifo nosso).
No informativo STF de nº 667, noticiou-se o julgamento do HC 105.837-RS, de relatoria da Min. Rosa Weber, segundo o qual o Código de Processo Penal não impede que elementos informativos colhidos na fase de investigação preliminar, possam servir à formação de livre convicção do juiz, in verbis:
“O art. 155 do Código de Processo Penal não impede que o juiz, para a formação de sua livre convicção, considere elementos informativos colhidos na fase de investigação criminal, mas apenas que a condenação se fundamente exclusivamente em prova da espécie.” (Informativo STF 667, 2012).
Ao nosso entender, parece ser um entendimento pacificado nos tribunais superiores que, as sentenças condenatórias podem fundamentar-se nas provas colhidas na investigação preliminar, desde que não fundamentados exclusivamente nas provas colhidas nessa fase e desde que ratificadas em juízo.
É de se perceber que as provas colhidas através de atos de investigação na fase preliminar têm grande valor e podem ter seu valor.
Para se ter ideia do quão tem sido aceito o valor probatório dos atos de investigação, vejamos que STJ entende que, a ausência de apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o crime de tráfico. Interessante notar que o Superior Tribunal admitiu a prova da materialidade delitiva em crime de tráfico de drogas sem a apreensão de entorpecentes e a respectiva perícia técnica (laudo de constatação). Para tanto, levou em consideração outras provas, dentre elas as provas obtidas em investigação preliminar, como a quebra de sigilo telefônico:
“TRÁFICO. NÃO APREENSÃO DA DROGA.
A ausência de apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o crime de tráfico. No caso, a denúncia fundamentou-se em provas obtidas pelas investigações policiais, dentre elas a quebra de sigilo telefônico, que são meios hábeis para comprovar a materialidade do delito perante a falta da droga, não caracterizando, assim, a ausência de justa causa para a ação penal.” (HC 131.455-MT, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 2/8/2012).
Percebe-se que, com a redação dada ao Art. 155 do Código de Processo Penal, permitiu-se a utilização dos atos da investigação preliminar na fase judicial, desde que não constituam os únicos elementos de convicção do magistrado julgador, concluindo-se pela validade probatória dos atos de investigação no processo penal.
Conclusão
O presente trabalho objetivou realizar uma pesquisa e a necessária reflexão a respeito da validade probatória dos atos realizados na investigação preliminar. Como procedimento inquisitivo, contesta-se o uso dos elementos coletados nessa fase preliminar na formação da convicção do juiz na sentença condenatória frente ao processo penal constitucional.
Mostrou-se que, com a ocorrência de um crime, surge para o Estado o direito de punir em concreto, e para atingir esse objetivo, o próprio Estado criou mecanismos, primeiramente codificando aquelas ações consideradas mais lesivas a sociedade, e também os procedimentos mediante os quais tais fatos serão investigados e seus autores punidos.
Entre esses mecanismos, encontra-se a investigação preliminar, que tanto serve de base para oferecimento da denúncia e assim alcançar o criminoso, quanto de filtro processual, livrando os inocentes de uma descabida acusação estatal.
Como visto, os tribunais superiores e magistrados aquo, tem dado real valor ás informações colhidas nessa fase, não corroborando com a tese que a investigação preliminar serve tão somente a embasar a denúncia feita pelo Ministério Público.
Portanto, pode-se afirmar que, na prática, a finalidade da investigação preliminar policial não se restringe tão somente a servir como justa causa da denúncia, uma vez que esta possui grau relativo de influência na decisão dos juízes. O grau de influência é determinado por cada magistrado.
Dessa forma, podemos afirmar que os atos de investigação preliminar na prática servem muito mais que apenas base para a ação penal, passando a ser úteis no processo penal, principalmente aqueles que não possam ser reproduzidos em juízo, o que faz com que fatalmente sejam apreciados e valorados sem a observância do princípio do contraditório e da ampla defesa sem perderem sua validade probatória.
Assim inegável é a importância da investigação preliminar para a justiça social, principalmente devendo ser realizada sob o manto da legalidade, respeitando os direitos fundamentais da pessoa humana insculpidos na democrática Constituição Federal pátria.
Informações Sobre o Autor
Fernando Muniz Gadelha Sales
Agente da Policia Federal