ISS. Base de cálculo dos serviços prestados por notários e registradores

Sumário: 1. Introdução. 2. Tributação pelo preço do serviço prestado. 3. Tributação por valor fixo. 4. Considerações finais.


1. Introdução


Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, decidiu pela constitucionalidade da cobrança do ISS sobre os serviços notariais e de registro, apesar desses serviços serem prestados por delegação do poder público. Entendeu a Corte Suprema que sendo o serviço explorado em regime de direito privado (art. 236 da CF) não há razão para tributar os serviços concedidos ou permitidos e não tributar os serviços delegados (Adin nº 3.089, Rel. Min. Carlos Brito, Relator para acórdão Min. Joaquim Barbosa, DJe e DOU de 21-8-2008).


Contudo, a decisão do Plenário da Corte Suprema não eliminou, por completo, as dúvidas e incertezas quanto à base de cálculo do ISS. Os serviços notariais e de registros públicos são tributados pelo preço dos serviços prestados ou por quantia fixa?


A regra geral é a tributação pelo preço do serviço prestado (art. 7°, da LC n° 116/2003). Excepcionalmente, os trabalhadores autônomos e as sociedades de profissionais legalmente regulamentados podem ser tributados por alíquotas fixas, conforme prescrições dos §§1° e 3°, do art. 9° do DL n° 406/68 mantidos pela atual lei de regência nacional do ISS[1].


A doutrina não é unânime a respeito. Alguns autores posicionam-se pela tributação fixa; outros pela tributação com base no preço dos serviços prestados. A legislação municipal, também, não guarda uniformidade. Municípios, como o de São Paulo elegeram a tributação pelo regime especial estabelecendo um valor fixo; outras comunas mantêm a tributação pela regra geral, ou seja, incidência do imposto sobre o preço do serviço prestado. A jurisprudência do STJ caminha no sentido da tributação pela regra geral, porém, no pressuposto de que a questão teria sido dirimida pelo STF nos autos da ADI nº 3.089, como mais adiante veremos.


2 Tributação pelo preço do serviço prestado


Cleide Regina Furlani Pompermaier sustenta que o STF, ao se reportar à exceção prevista no art. 150, § 3° da CF, que se refere à tributação dos serviços explorados mediante pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, teria afastado a idéia de trabalho pessoal dos notários e registradores. Acrescenta que “nessa atividade, os serviços públicos são explorados com o intuito de lucro e lucro é algo que, obrigatoriamente, afasta-se da idéia do trabalho executado de forma pessoal e autônoma” [2]. Essa tese é igualmente sustentada pelo STJ, conforme ementa abaixo:


“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. BASE DE CÁLCULO. ART. 9º, § 1º, DO DL 406/1968. TRIBUTAÇÃO FIXA. MATÉRIA APRECIADA PELO STF. ADIN 3.089/DF.1. Hipótese em que se discute a base de cálculo do ISS incidente sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais. A contribuinte defende tributação fixa, nos termos do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968, e não alíquota sobre o preço do serviço (art. 7º, caput, da LC 116/2003), ou seja, sobre os emolumentos cobrados dos usuários.2. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a incidência do ISS, in casu, ao julgar a Adin 3.089/DF, proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg. Na oportunidade, ratificou a competência municipal e afastou a alegada imunidade pretendida pelos tabeliães e cartorários (i) ao analisar a natureza do serviço prestado e, o que é relevante para a presente demanda, (ii) ao reconhecer a possibilidade de o ISS incidir sobre os emolumentos cobrados (base de cálculo), mesmo em se tratando de taxas.3. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, focado na possibilidade de os emolumentos (que são taxas) servirem de base de cálculo para o ISS, afastou, por imperativo lógico, a possibilidade da tributação fixa, em que não há cálculo e, portanto, base de cálculo.4. Nesse sentido, houve manifestação expressa contrária à tributação fixa no julgamento da Adin, pois “descabe a analogia – profissionais liberais, Decreto nº 406/68 –, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei dispondo especificamente sobre a matéria. O art. 7º da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência do tributo sobre o preço do serviço”.5. Ademais, o STF reconheceu incidir o ISS à luz da capacidade contributiva dos tabeliães e notários.6. A tributação fixa do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 é o exemplo clássico de exação ao arrepio da capacidade contributiva, porquanto trata igualmente os desiguais. A capacidade contributiva somente é observada, no caso do ISS, na cobrança por alíquota sobre os preços, conforme o art. 9º, caput, do DL 406/1968, atual art. 7º, caput, da LC 116/2003.7. Finalmente, o STF constatou que a atividade é prestada com intuito lucrativo, incompatível com a noção de simples “remuneração do próprio trabalho”, prevista no art. 9º, § 1º, da LC 116/2003.8. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg, quando propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade, pretendia afastar o ISS calculado sobre a renda dos cartórios (preço dos serviços, emolumentos cobrados do usuário).9. A tentativa de reabrir o debate no Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial, reflete a inconfessável pretensão de reverter, na seara infraconstitucional, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que é, evidentemente, impossível.10. De fato, a interpretação da legislação federal pelo Superior Tribunal de Justiça – no caso a aplicação do art. 9º, § 1º, do DL 406/1968 – deve se dar nos limites da decisão com efeitos erga omnes proferida pelo STF na Adin 3.089/DF.11. Nesse sentido, inviável o benefício da tributação fixa em relação ao ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais.12. Recurso Especial não provido” (Resp n° 1.187.464/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 7-7-2010).

No mesmo sentido o Resp n° 1.185.119/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 20.8.2010) e AgRg no Resp nº 1.206.873/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 9-11-2010.


Em primeiro lugar, com a devida vênia, não nos parece que a Corte Suprema tenha decidido quanto ao regime de pagamento do ISS, matéria infraconstitucional a ser regulada pela legislação de cada Município, observadas as normas gerais da Lei Complementar nº 116/03. O STF, no nosso entendimento, limitou-se a decidir quanto à incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos notários e registradores, não fazendo distinção entre o serviço público concedido e o serviço público delegado, levando em conta apenas a prestação do serviço em caráter de regime privado, isto é, com intuito lucrativo. Por isso, julgou constitucionais os itens 21 e 21.l da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03. Sabidamente, não cabe à Constituição Federal prescrever regime jurídico de tributação de impostos.


Para clareza da exposição que estamos fazendo transcrevemos a ementa do V. Acórdão proferido pela Corte Suprema:


“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente” (ADI 3089/DF, Rel. Min. Carlos Britto, DJe– 142, Divulgado em 31-07-2008, e publicado em 01-08-2008).


Em segundo lugar, o fato de o serviço público delegado ser prestado com intuito lucrativo, por si só, não descaracteriza o caráter de trabalho autônomo. Sabemos que existem, por exemplo,  advogados e médicos de renome que cobram preços exorbitantes, eufemisticamente denominados de honorários,  respectivamente, a título de parecer jurídico e de cirurgia de alto risco, onde não é possível, ao senso comum, afastar a idéia de intuito lucrativo. Nem por isso eles perdem a condição de profissionais liberais ou de profissionais autônomos.


E o fato de o notário e o oficial de registro contar com a colaboração de substitutos e escreventes, nos termos do § 3º, do art. 20, da Lei nº 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da CF, também, não é relevante para descaracterizar o trabalho pessoal dos notários e registradores. Estes são pessoas físicas, profissionais de direito, dotados de fé pública e que, para efeito da legislação tributária recebem tratamento semelhante ao de profissional autônomo (profissional liberal). Como é sabido, a Constituição não autoriza a delegação do serviço público para uma pessoa jurídica, mas apenas à pessoa física que é investida no cargo por meio de concurso público de provas e títulos.


Escreventes são meros  colaboradores do titular do serviço público delegado. A presença de outros funcionários que executam simples atividade-meio, também, não caracterizam o titular de Cartório como um empresário. Prescreve o parágrafo único, do art. 966 do Código Civil:


“Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.


Merece exame a parte final do dispositivo. Constituir elemento de empresa significa ser elemento de atividade organizada sob forma de empresa, isto é, constituir-se em parcela dessa atividade e não atividade em si, isoladamente constituída. É o caso, por exemplo, de um médico que fornece hospedagem para clientes em um SPA e ao mesmo tempo atua na área de habilitação profissional dando-lhes atendimento médico. É o caso, também, de farmacêutico, que além de exercer o ofício de aviar as receitas, promove compra e venda de remédios. Nessas hipóteses, o médico e o farmacêutico devem inscrever-se no Registro Público de Empresas. Não é o caso dos notários e registradores que não praticam atos de mercancia no local da prestação de serviços públicos delegados.


Outrossim, dúvida não pode restar que o titular do serviço público delegado, necessariamente um bacharel em direito, exerce uma profissão intelectual de natureza científica.


Por outro lado, nada impede que os substitutos e escreventes sejam tributados por valor fixo juntamente com os notários e registradores, a exemplo do que ocorre com profissionais empregados de sociedade de profissionais legalmente regulamentados, submetida ao regime de tributação fixa por número de sócios e empregados, nos termos da legislação municipal fundada no § 3º, do art. 9º, do Decreto-lei nº 406/68.


3 Tributação por valor fixo


Em razão dos argumentos retro filiamo-nos à corrente que defende a tese da tributação por alíquota fixa. Do contrário, o imposto não teria existência por ausência de um dos elementos estruturais do fato gerador, que é o elemento quantitativo, ou seja, a base de cálculo e a alíquota.


Como já assinalado, a base de cálculo do ISS, de regra, é o preço do serviço prestado. E os notários e registradores não percebem preços, mas emolumentos.


E emolumentos, conforme jurisprudência do STF, tem natureza de taxa:


“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. 959, do Estado do Amapá, publicada no DOE de 30.12. 2006, que dispõe sobre custas judiciais e emolumentos de serviços notariais e de registros públicos, cujo art. 47 – impugnado – determina que a “lei entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2006”: Procedência, em parte, para dar interpretação conforme à Constituição ao dispositivos questionado e declarar que, apesar de estar em vigor a partir de 1º de janeiro de 2006, a eficácia dessa norma, em relação aos dispositivos que aumentam ou instituem novas custas e emolumentos, se iniciará somente após 90 dias da sua publicação. II. Custas e emolumentos: serventias judiciais e extrajudiciais: natureza jurídica. É da jurisprudência do Tribunal que as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais tem caráter tributário de taxa. III. Lei tributária: prazo nonagesimal. Uma vez que o caso trata de taxas, devem observar-se as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre essas, a prevista no art. 150, III, c, com a redação dada pela EC 42/03 – prazo nonagesimal para que a lei tributária se torne eficaz” (ADI n° 3694/AP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 6-11-2006, p. 30).


De fato, enquanto o preço é estabelecido livremente pelas partes resultando em uma obrigação ex voluntate,  a taxa é instituída em lei e tem o seu valor por ela fixado. Daí a sua natureza ex lege. É o caso dos emolumentos percebidos pelos notários e registradores, os quais nenhuma interferência têm na fixação do valor dos serviços que prestam.


Logo, se há uma nítida diferenciação entre o regime jurídico de um e de outra, não se pode considerar a taxa como sendo preço para o fim de submetê-la à incidência da lei de regência nacional do ISS que elegeu, como regra, o preço do serviço prestado como sendo a sua base de cálculo.


O valor do tributo, que não espelha aquisição ou circulação de riqueza como o preço, não pode servir de base de cálculo de outro tributo. Pode, quando muito, nos chamados tributos indiretos, compor a base de cálculo de outros tributos. Por exemplo, o valor do ICMS compõe a base de cálculo da COFINS que é a receita bruta, mas não se confunde com a base de cálculo da contribuição social em questão.


Certamente pode-se objetar que os emolumentos (taxas) recebidos pelo cartorário ou registrador não são recolhidos ao erário, mas incorporados ao seu patrimônio como se preço fossem. Recebem como taxas e não como preços porque se trata de execução de serviço público delegado pelo regime de direito privado. Logo, do ponto-de-vista econômico o resultado é idêntico: tanto faz o cartorário ou registrador perceber dinheiro a título de preço ou a título de emolumentos (taxas). Porém, do ponto-de-vista jurídico, principalmente, em direito tributário onde vige o princípio da estrita legalidade e tipicidade fechada, não se pode equiparar categorias jurídicas distintas, aliás, diametralmente opostas, em função do resultado verificado. Em um exemplo bem simples e até exagerado, com a devida vênia dos leitores, não se pode equiparar o homicídio ao suicídio em função do resultado morte.


Há, ainda, outro argumento de natureza constitucional que impede a sustentação da tese de que o ISS deve incidir sobre os emolumentos (taxas) percebidos pelos notários e registradores.


Dispõe a Constituição Federal no § 2º, do art. 145:


As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”.


A proibição constitucional da identidade de base de cálculo da taxa repousa no fato de que esta espécie tributária não configura tributo do tipo captação de riqueza produzida pelo particular, como acontece com a espécie imposto, mas tem o sentido de cobrir os custos dos serviços públicos prestados (taxa de serviços) ou do exercício do poder de polícia (taxa de polícia). É o que o legislador tem em mente quando institui a taxa e dimensiona o seu aspecto quantitativo. É claro que depois de instituída legalmente a taxa ela passa a ser exigida em função exclusiva da ocorrência do respectivo fato gerador com total abstração da noção pré-jurídica (custo da atuação estatal).


Logo, ao se fixar a tese da tributação pelo preço do serviço prestado pelos notários e registradores há necessidade imperiosa de enfrentar essa questão da identidade de base de cálculo, o que tornaria absolutamente inconstitucional a cobrança de emolumentos (taxas). Notários e registradores não poderiam cobrar essas taxas fundadas nos preços dos serviços prestados, porque seriam inconstitucionais. Se não se questiona a cobrança desses emolumentos ou taxas é porque se afasta o preço do serviço prestado pelo notário ou registrador público como base de cálculo do ISS. E aqui é oportuno asseverar que a Constituição proíbe a identidade de base de cálculo da taxa com a base de cálculo de qualquer imposto, e não o contrário. Daí porque a eventual inconstitucionalidade a ser detectada é a da taxa e nunca a do imposto.


Exatamente em função dessas considerações  a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro atendendo a uma consulta da ANOREG, no processo nº 2008-221348, fixou o seguinte entendimento:


“1. Os notários e oficiais de registro não estão obrigados a exibirem os livros próprios exclusivos da fiscalização judiciária aos Senhores Fiscais da Municipalidade, posto que a fiscalização dos serviços prestados por tais delegatários é privativa do Poder Judiciário (art. 236, § 1° da CF), através da Corregedoria Geral da Justiça (arts. 17, § 3°, 40 e 42 do CODJERJ);


2. É inviável a cobrança concomitante, dos serviços notariais e de registro, das Taxas incidentes sobre os Fundos e do ISSQN, se não aplicada a inteligência do artigo 9°, § 1°, do Decreto Lei n° 406/68. Assim, para o caso específico dos notários e registradores, o ISSQN deverá ser calculo por meio de valor fixo sobre a pessoa física do delegatário”.


De fato, se aceita a tese da incidência do ISS sobre o preço dos serviços prestados, imperioso é o afastamento da cobrança dos emolumentos (taxas), porque estes incidem, também, sobre o aludido preço dos serviços prestados.


4 Considerações finais


A única forma de compatibilizar o entendimento da Corte Suprema, expresso na ADI n° 3089/DF, é admitindo a tributação dos serviços de notários e de registros públicos por valores fixos. O caráter lucrativo do serviço reconhecido pelo STF, por si só, não afasta a idéia de trabalho executado de forma pessoal e autônoma, ainda que com a colaboração de substitutos e escreventes, como vimos. Quanto aos demais funcionários, como contínuos, há que se distinguir a atividade-meio da atividade-fim. Por oportuno, afasta-se a equivocada posição de alguns doutrinadores no sentido de que na chamada tributação fixa não existe base de cálculo. Nada mais equivocado. Sem a base de cálculo, elemento estrutural do fato gerador da obrigação tributária, o tributo deixa de ter existência no mundo jurídico. No caso de tributação fixa do ISS, a base de cálculo corresponde aos próprios itens de serviços tributados pelo regime especial, e a alíquota é representada pelo valor expresso em moeda corrente ou qualquer outra unidade referencial, como salário mínimo, as antigas UFIR, UFESP e UFM etc.


Por tais razões, cabe à lei de cada Município, e não à lei complementar, com fundamento no § 1º, do art. 9º, do Decreto-lei nº 406/68 definir um valor fixo para a tributação dos serviços prestados por notários e registradores. E aqui é preciso que o legislador municipal  observe o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de não fixar um valor incompatível com a capacidade contributiva do contribuinte, sob pena de incidir na proibição de instituir tributos com efeito de confisco. Tanto o regime jurídico  de tributação do ISS, quanto ao aspecto quantitativo do fato gerador desse imposto cabe a cada um dos mais de 5.500 Municípios estabelecer de conformidade com a peculiaridade local.


O Município de São Paulo, acertadamente, dispôs no art. 15 da Lei nº 13.701, de 24-12-2003, que adota-se o regime especial de recolhimento do imposto no importe de R$800,00  por profissional, quando os serviços “forem prestados por profissionais autônomos ou aqueles que exerçam, pessoalmente e em caráter privado, atividade por delegação do Poder Público”. É exatamente o caso dos notários e registradores públicos.


 


Notas:

[1] Súmula 663 do STF: “Os §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68 foram recebidos pela Constituição”.

[2] O ISS nos serviços notariais e de registros públicos. Blumenau: Nova Letra, 2010, p. 144.

Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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