Sumário: 1 Introdução. 2 Limites da controvérsia a serem dirimidos. 3 O exame do fato gerador da obrigação tributária. 3.1 O aspecto nuclear do fato gerador. 3.2 O aspecto subjetivo do fato gerador. 3.3 O aspecto temporal do fato gerador. 3.4 O aspecto quantitativo do fato gerador. 3.5 O aspecto espacial do fato gerador. 4. O critério isentivo na doação. 5 O exame das isenções na transmissão causa mortis e na transmissão inter vivos a título gratuito. 5.1 A isenção na transmissão causa mortis. 5.2 A isenção na trasnmissão inter vivos a título gratuito. 6 A inafastabilidade da interpretação sistemática. 7 A jurisprudência sobre a matéria. 8 O destinatário da isenção. 9 Conclusão.
1 Introdução
Grassa séria controvérsia sobre a isenção do ITCMD prevista no art. 6º, da Lei Paulista de nº 10.705/00 nos seguintes termos:
“Art. 6º Fica isento do imposto:
I – a transmissão “causa mortis”:
a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESP e os familiares nele residem e não tenham outro imóvel.
b) de imóvel cujo valor não ultrapassar 2.500 (dois mil e quinhentos) UFESP, desde que seja o único transmitido”.
Ambas as hipóteses cuidam de isenção de natureza subjetiva, isto é, outorgadas em função das peculiaridades do contribuinte, ainda que utilizando-se de dado objetivo para completar a composição da norma isentiva. No primeiro caso, exige-se que os familiares ou beneficiários residam no único imóvel que têm, contudo, limitada a isenção à transmissão de imóvel de valor venal de até 5.000 UFESPs. No segundo caso, levou-se em conta o fato de o imóvel a ser transmitido por morte ser o único de propriedade do de cujos, limitada a isenção, entretanto, a imóvel de valor venal de até 2.500 UFESPs.
Nos dois casos há rigorosa observância do princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF) e do princípio da isonomia tributária (art. 150, II da CF), o que se constata pela simples leitura ocular dos textos normativos retrotranscritos.
Os benefícios fiscais outorgados em função do imóvel ocupado pelo seu proprietário que não possua outro encontra amparo na súmula 539 do STF.
2 Limites da controvérsia a serem dirimidos
A controvérsia a que aludimos reside na interpretação acerca do valor venal do imóvel a ser transmitido, limitado a 5.000 UFESPs, ou a 2.500 UFESPs, conforme o caso.
A correta exegese da norma isentiva, no caso, exige necessariamente, interação disciplinar entre o Direito Tributário e o Direito Civil, sob pena de a conclusão, qualquer que ela seja, carecer de fundamento científico, situando-se no plano meramente extrajurídico.
Já vimos que a isenção sob análise atende aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia. Resta examinar a técnica de interpretação de normas isentivas. O art. 111, II, do CTN prescreve que o dispositivo legal que outorga a isenção deve ser interpretado literalmente, não comportando, portanto, a interpretação extensiva, muito menos, a analógica.
À primeira vista, apenas o imóvel que não ultrapassar o valor de 5.000 UFESPs ou 2.500 UFESPs, conforme o caso, estaria abrangido pela isenção. Ultrapassados esses limites não haveria a isenção independentemente do atendimento ou não das condições subjetivas previstas nas normas das letras “a” e “b”, do inciso I, do art. 6º, da Lei sob comento. É o que se depreende da chamada interpretação literal ou gramatical.
3 O exame do fato gerador da obrigação tributária
A interpretação literal não afasta, e nem pode afastar, o exame do fato gerador de cada tributo em seus múltiplos aspectos. Sendo a isenção um corolário da incidência, que o Código Tributário Nacional inclui dentre as hipóteses de exclusão do crédito tributário (art. 175, I), deve ela ser analisada à luz dos diversos aspectos do fato gerador da obrigação tributária. Examinemos, pois, os cinco aspectos do fato gerador para, ao depois, fazer a sua aplicação prática ao tema sob exame.
3.1 O aspecto nuclear do fato gerador
Em uma leitura atualizada do art. 35 do CTN à luz da Constituição Federal de 1988 (art. 155, I) pode-se dizer que o aspecto nuclear, objetivo ou material do fato gerador do ITCMD é a transmissão causa mortis de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil, e de direitos reais a eles relativos, exceto os de garantia, bem como a transmissão a título gratuito de bens de qualquer natureza.
Ocorrido no mundo fenomênico a situação abstratamente descrita na norma definidora do fato gerador do imposto surge a obrigação tributária. É a subsunção do fato concreto à hipótese legal.
3.2 O aspecto subjetivo do fato gerador
O aspecto subjetivo corresponde aos sujeitos da relação tributária. Com ocorrência do fato gerador surge, ipso facto, a obrigação tributária que pressupõe um sujeito ativo (Fazenda) e um sujeito passivo (contribuinte ou responsável tributário). No caso, o contribuinte deverá preencher todos os requisitos previstos nas normas de isenção, artigo 6º, inciso I e II da Lei nº 10.705/00.
3.3 O aspecto temporal do fato gerador
O aspecto temporal define o momento em que se tem por ocorrido o fato gerador, isto é, quando se considera surgida a obrigação tributária a ser tornada líquida e certa pelo lançamento tributário por uma das três modalidades conhecidas. Esse aspecto define, portanto, a legislação aplicável a cada caso concreto, segundo o princípio tempus regit actum.
Na transmissão causa mortis esse momento corresponde à data da abertura da sucessão (art. 1.784 do CC) que ocorre com a morte da pessoa.
De fato prescreve o art. 1.784:
“Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legitimados e testamentários.”
O legislador adotou claramente o princípio da saisini[1] pelo qual a posse decorre de imperativo legal. Por ficção jurídica os herdeiros entram na posse da herança ipso facto com a abertura da sucessão. Essa posse difere do ato de possuir que pressupõe ato de vontade.
Ignorando o dispositivo legal supra transcrito muitos autores de nomeada situam o aspecto temporal do imposto sobre transmissão causa mortis para o momento da aceitação da herança, sem o que não se poderia cogitar de transmissão de bens. Só que os defensores dessa corrente doutrinária não conseguem dar uma explicação plausível ao disposto no art. 1.806 do CC no sentido de que “a renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.” É claro que não cabe falar em renúncia de herança de que não é titular. A herança, como já salientado, transmite-se, ipso facto, com o evento morte por força do princípio da saisini incorporado pelo legislador brasileiro. Daí a faculdade do artigo 1.807 do CC no sentido de o herdeiro aceitar ou não a herança, bem como prescrição do artigo subseqüente que veda a aceitação ou a renúncia da herança em parte, sob condição ou a termo.
Entretanto, em se tratando de transmissão inter vivos a título gratuito (doação) o aspecto temporal do fato gerador do imposto é o registro do título de transferência (escritura de doação) no registro de imóveis competente, segundo a regra do art. 1.245 do CC. Esse aspecto é de suma importância quando formos analisar a questão da isenção pela conjugação do aspecto quantitativo do fato gerador do ITCMD com os demais aspectos da obrigação tributária.
3.4 O aspecto quantitativo do fato gerador
A generalidade dos conceitos de direito não são determinados. O tributo é um dos raros conceitos que é determinado. Não se exige ou não se paga um tributo que não tenha um valor líquido e certo. Não existe tributo de valor presumido. As eventuais antecipações sujeitam-se a um ajuste posterior. A base de cálculo e a alíquota cumprem a função de encontrar o valor certo e determinado do tributo.
No caso do imposto de transmissão causa mortis a base de cálculo é o valor venal da bem imóvel transmitido. Note-se, não é o valor venal do imóvel por inteiro, mas apenas o valor da parte transmitida que deve ser levada em conta. É que nessa transmissão não se computa a meação do cônjuge supérstite, pois apenas a herança é transmitida a herdeiros legítimos ou testamentários. A meação já pertencia ao cônjuge supérstite desde o início. A lei apenas tornou insuscetível de separação a meação em vida.
3.5 O aspecto espacial do fato gerador
O aspecto espacial do fato gerador diz respeito ao local da sua ocorrência e tem o condão de apontar o sujeito ativo do tributo. Neste estudo estamos considerando como entidade política tributante o Estado de São Paulo. Daí o exame da matéria à luz da legislação paulista.
4 O critério isentivo na doação
Na transmissão inter vivos a título gratuito é possível às partes convencionarem a transmissão de parte ideal do imóvel na proporção que bem entenderem. Além disso, na doação o critério isentivo é outro:
(a) transmissão de bem de qualquer natureza cujo valor não ultrapassar 2.500 UFESPs (art. 6º, II, a);
(b) transmissão de bem imóvel para construção de moradia vinculada a programa de habitação popular (art. 6º, II, b); e
(c) transmissão de bem imóvel doado por particular para o Poder Público (art. 6º, II, c).
Verifica-se dos textos acima que a isenção não se limita à transmissão de bens imóveis.
5 O exame das isenções na transmissão causa mortis e na transmissão inter vivos a título gratuito
Sendo diverso o momento da ocorrência do fato gerador na transmissão causa mortis e na transmissão inter vivos a título gratuito a isenção n’uma e n’outra hipótese deve ser analisada separadamente. É o que faremos.
5.1 A isenção na transmissão causa mortis
Foi dito que na transmissão causa mortis os herdeiros entram, ipso facto, na posse da herança com a abertura da sucessão por força do princípio da saisini. Foi dito, também, que a meação não integra a herança.
Acontece que a herança é una e indivisível até o momento da partilha, pelo que os herdeiros possuem a herança em regime de condomínio, por força do disposto no art. 1.791 do CC:
“Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.”
Logo, mediante conjugação dos quatro primeiros aspectos do fato gerador retro mencionados podemos concluir que a isenção no caso de transmissão causa mortis favorece os herdeiros ou legatários de herança de bem imóvel, cujo valor venal não ultrapasse o valor equivalente a 5.000 UFESPs ou a 2.500 UFESPs, conforme se trate de isenção referida na letra “a” ou na letra “b”, do inciso I, do art. 6º da Lei Paulista.
No momento da transmissão, isto é, quando surge a obrigação tributária, não há ainda a individualização do quinhão cabente a cada um dos herdeiros, o que acontecerá somente por ocasião da partilha. Daí porque descabe a cogitação de isenção do imposto segundo o valor da parte ideal transmitido a cada herdeiro.
5.2 A isenção na transmissão inter vivos a título gratuito
Diferentemente do que ocorre na transmissão causa mortis, na doação é possível haver transmissão de partes ideais na proporção que estipularem as partes, porque esse tipo de transmissão é regida pelo princípio da autonomia da vontade. Alguns doutrinadores querem aplicar esse princípio na transmissão causa mortis invocando a faculdade de recusar ou aceitar a herança. Já vimos que por força do princípio da saisini, adotado pelo art. 1.784 do CC, aberta a sucessão a herança deixada pelo de cujus transmitem automaticamente a seus herdeiros ou legatários, independentemente de os destinatários da herança terem tomado conhecimento da morte.
Logo, na transmissão inter vivos a título gratuito é possível transmitir-se a cada donatário uma determinada porção ideal do imóvel, ocorrendo o fato gerador do imposto no momento do registro do título de transferência (escritura pública de doação) no registro de imóveis competente. E é exatamente cada uma dessas porções ideais que é o objeto de tributação pelo ITCMD, sigla que abriga tanto o imposto sobre transmissão causa mortis, como o imposto sobre transmissão inter vivos a título gratuito (doação).
Desse modo, se a porção transmitida a título de doação não for superior a 2.500 UFESPs não haverá incidência do imposto, qualquer que seja a natureza do bem transmitido.
É o que resulta da interpretação sistemática dos dispositivos concernentes à isenção.
6 A inafastabilidade da interpretação sistemática
A interpretação sistemática, no caso, não pode ser afastada pela regra do art. 111, II, do CTN por se tratar do exame de aspectos do fato gerador da obrigação tributária. Não é possível a apuração do ITCMD sem a consideração de todos os aspectos do fato gerador retroexaminados.
Faltando qualquer um dos cinco elementos do fato gerador (aspecto nuclear ou material, aspecto subjetivo ativo e passivo, aspecto quantitativo, aspecto temporal e o aspecto espacial) o imposto deixa de ter existência. Há de ter sempre: (a) a definição da hipótese em que é devido o imposto (a norma legal); (b) os sujeitos da relação jurídico-tributária: a Fazenda de um lado, e o contribuinte de outro lado; (c) uma importância líquida e certa a pagar expressa em moeda corrente; (d) o momento em que surgiu a obrigação tributária; e (e) o local onde surgiu essa obrigação.
Sem essas considerações que resultam da interpretação sistemática do fato gerador do ITCMD fica difícil a sustentação de tese pela incidência, ou pela isenção do imposto na hipótese sob exame.
7 A jurisprudência sobre a matéria
A jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não é uniforme. Há decisões pela isenção e pela tributação, conforme ementas abaixo:
“ITCMD. Isenção. LE nº 10.705/00. Art. 6º, I, “b”. Valor total do imóvel superior a 2.500 UFESP. Valor da fração ideal arrolada inferior a 2.500 UFESP. – Isenção. Valor do imóvel. A LE nº 10.705/00 isenta do ITCMD a transmissão causa mortis de imóvel cujo valor não ultrapasse 2.500 UFESP, desde que seja o único transmitido; a lei considera o valor do imóvel, não da parte transmitida, e não pode o juiz ampliar a hipótese legal. A sentença está correta – Segurança denegada. Recurso do impetrante desprovido” (Ap. Civ. nº 994.05.018830-O ou 450.273.5/0.00; Rel. Des. Torres de Carvalho, 10ª Câmara de Direito Público, j. 22-11-2010).
“Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Imposto de transmissão causa mortis e doação. Pretensão de isenção do tributo sobre a meação com incidência apenas sobre a metade ideal inventariada, ou fração transmitida. Ausência ainda de comprovação de herdeiros ou familiares serem residentes no imóvel. Artigo 6º, I, a, da Lei n. 10.705/2000 e 111, II, do CTN. Liminar. Inadmissibilidade. Requisitos legais não atendidos. Recurso provido” (AI nº 789.712-5/2-00, 4ª Câmara de Direito Público, 27-11-2008, Rel. Des. Escutari de Almeida).
“ITCMD. Isenção. Bem herdado à metade. Valor venal do imóvel que não leva em conta quotas dos herdeiros, mas a integralidade do bem. Cálculo do imposto que se junge a tal entendimento. Restrição, ademais, porque os herdeiros não residem no imóvel. Inteligência do art. 6º, I, a, da Lei n. 10.705/2000, do Estado de São Paulo. Recurso não provido” (AI nº 538.114-4/3-00, 6ª Câmara de Direito Privado, 27-3-2008, Rel. Des. Percival Nogueira).
“Agravo de Instrumento – Mandado de segurança – Isenção de ITCMD. Isenção de ITCMD – Transmissão de parte do imóvel – Fragmento que ostenta valor venal inferior ao limite de 5.000 UFESPS, fazendo a Agravada jus à benesse legal – Aplicalidade do art. 6º, I, “a” da Lei 10.705/00 – Agravo desprovido” (AI nº 0141305-55-2012.8.26.0000. Rel. Des. Marrey Uint, 3ª Câmara de Direito Publico, j. em 27-11-2012).
“Arrolamento de bens – Isenção relativa ao ITCMD – A parte ideal objeto do presente inventário tem valor inferior ao limite de isenção determinado na nova lei, conforme verificado. E por isso não se pode deixar de reconhecer a isenção – Não há desrespeito algum à interpretação restritiva da lei que concede a isenção, pois no caso não houve ampliação do benefício, mas apenas inexistiu a transmissão da totalidade do imóvel – A presente hipótese está abarcada pela benesse legal, sendo indevido o imposto que a Fazenda tenta cobrar do agravante – Recurso provido.(…)
A transmissão causa mortes envolveu 50% do imóvel e não a sua totalidade. Por isso o imposto deve levar em consideração apenas esse percentual para o seu cálculo, que traz como fato gerador a transmissão efetivamente ocorrida com o falecimento.
A parte ideal objeto do presente inventário tem valor inferior ao limite de isenção determinado na nova lei, conforme verificado. E por isso não se pode deixar de reconhecer a isenção.
Não há desrespeito algum à interpretação restritiva da lei que concede a isenção, pois no caso não houve ampliação do benefício, mas apenas inexistiu a transmissão da totalidade do imóvel.
A presente hipótese está abarcada pela benesse legal, sendo indevido o imposto que a Fazenda tenta cobrar do agravante.
Dessarte, dá-se provimento ao recurso” (Agravo de Instrumento nº 0002656-47.2011.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. José Luiz Gavião de Almeida).
Como se verifica ambas as correntes jurisprudenciais invocam razões que não se afastam do bom direito.
A corrente que sustenta a tributação da transmissão de imóvel de valor superior a 5.000 UFESPs, no caso da isenção contemplada na letra “a”, do inciso I, do art. 6º da Lei nº 10.705/00, ou de valor superior a 2.500 UFESPs no caso da isenção prevista na letra “b” do mesmo permissivo legal considerou que o legislador, em um primeiro momento, tomou como parâmetro do benefício fiscal um dado objetivo básico: o imóvel cujo valor não ultrapassar de 5.000 UFESPs, para em seguida introduzir um fator subjetivo: que os familiares beneficiados residam no referido imóvel e não tenham outro. Procedeu-se a aplicação do art. 111, II, do CTN não permitindo a sua flexibilização sob pretexto algum.
A segunda corrente faz a conjugação dos aspectos subjetivo e quantitativo do fato gerador do ITCMD com os demais aspectos desse fato gerador, para concluir que é isento a transmissão da parte ideal do imóvel que não ultrapasse 5.000 UFESPs.
Na transmissão causa mortis, como é sabido, não há transmissão do bem imóvel por inteiro, mas apenas da parte correspondente à herança, que se transmite de forma una e indivisível. A individualização do quinhão de cada herdeiro só se dará com a partilha, isto é, após surgida a obrigação tributária pela ocorrência do fato gerador. Daí o acerto da decisão que isenta a transmissão da herança consistente em imóvel de valor venal de até 5.000 UFESPs. É importante que se repita que na herança não se inclui a meação.
Somente na doação é possível a definição exata do valor do bem transmitido a cada donatário para o efeito de isenção. Se a fração ideal recebida corresponder ao valor limitado a 2.500 UFESPs, qualquer que seja a natureza do bem (art. 6º, II, “a” da Lei Paulista), o donatário estará isento do imposto.
8 O destinatário da isenção
Nunca se pode esquecer que independentemente de o imposto ser de natureza pessoal ou de natureza real a obrigação de pagar o tributo é sempre pessoal. Portanto, o destinatário do favor fiscal que estamos examinando é o herdeiro ou o donatário.
Não é o imóvel que é isento, mas a sua transmissão à determinada pessoa. A isenção favorece o herdeiro que tem o seu patrimônio acrescido com a herança consistente em bem imóvel no valor de até 5.000 UFESPs ou 2.500 UFESPs, conforme o caso. No caso de doação a lei favorece o donatário de bem de qualquer natureza (móvel, imóvel ou semovente) de valor que não supere o equivalente a 2.500 UFESP.
9 Conclusão
Por tudo isso posicionamos a favor da segunda corrente sustentada pela 3ª Câmara de Direito Público e 9ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. É importante salientar que a norma isentiva diz respeito à transmissão de imóvel de valor até 5.000 UFESPs ou de até 2.500 UFESPs, conforme o caso. O que é transmitido é a herança, que não inclui a meação. Por isso, a meação não é tributada pelo ITCMD.
Finalmente, ao que saibamos não há jurisprudência sobre o limite da isenção no caso de transmissão por ato inter vivos a título gratuito que, como vimos, adota um critério diferente de isenção, da mesma forma que no momento da ocorrência do fato gerador há uma definição exata do valor da parte ideal cabente a cada donatário, na hipótese de haver mais de um. Isso possibilita a mensuração da base de cálculo do imposto de cada donatário para fins do teto previsto na norma de isenção.
[1] Instituto jurídico próprio do Direito das Sucessões que o legislador pátrio adotou, segundo o qual ocorrendo a morte, um evento natural, propicia, ipso facto, e por ficção jurídica a posse indireta dos bens que compõem a herança deixada pelo de cujus. A morte constitui-se em fato jurídico que tem o condão de tornar realidade uma expectativa de direito, qual seja, com o passamento do de cujos os seus herdeiros entram imediatamente na posse indireta de seus bens deixados, independentemente de terem tomado conhecimento da morte, por força do princípio da saisini. O vocábulo saisini vem da palavra latina sacire que significa apropriar-se, se imitir na posse. É a saisini que assinala o momento da ocorrência do fato gerador do ITCMD.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.