Fabrício Guedes de Oliveira Malvar – Pós-graduado em Direito Processual Civil. Advogado e Consultor Jurídico.
RESUMO: O presente trabalho tem como finalidade de demonstrar a moral como terceiro elemento do direito, tornaria o magistrado mais subjetivista para julgar. O Estado e seus três Poderes têm como base a harmonia e independência, mas a Carta Magna assevera efetivação dos direitos fundamentais, mesmo que adentre em outro Poder da Republica para se efetivar. O Judiciário deve cumprir e fazer, com que os Direitos Fundamentais sejam cumpridos. Ademais, conforme a Constituição, o Estado possui o ônus da efetivação dos direitos fundamentais, e o magistrado efetiva-os por meio da coerção. Por fim, diante de decisões contramajoritárias, e utilizando a teoria do mínimo existencial, os magistrados aplicam os direitos fundamentais no caso concreto, utilizando-se de meios como o sopesamento, dentre outros.
Palavras chaves: Mínimo existencial, judicialização, moral, decisão judicial, sopesamento.
ABSTRACT: The purpose of the work is the idea that morality is the third element of law, would make the magistrate more subjectivist to judge, according to articles 369,371 and 372 of CPC/15. The Federation and its own powers have a basis of harmony and independence, but as a Magna Carta for the realization of fundamental rights, even if it is a means of payment Power of the Republic for the law, Judiciary must comply and do, with which the Copyright have been complied with. In addition, according to the Constitution, the State has the right to effect fundamental rights, and the magistrate must effect by means of coercion. Finally, the principles of contradictory decision, and using a theory of existential merit, magistrates enforce the fundamental rights in the concrete case, using means such as the weighing.
Keywords: Morality, Power of the Republic, Judiciary, Fundamental Rights.
SUMÁRIO: Introdução; 1.0-Deve o magistrado utilizar a discricionariedade para julgar? A relação entre moral, discricionariedade e direito; 1.1- A moral como terceiro elemento do direito e a correção como meio de efetivar os direitos fundamentais; 1.2- Da discricionariedade do magistrado, a relação entre moral e coerção. 2.0- Seria possível uma intervenção nos outros Poderes da República, promovida pelo Poder Judiciário, obrigando os outros Poderes a praticarem políticas públicas? Como exigir a efetividade dos direitos fundamentais sociais? 2.1- A Efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais; Conclusão; Referência.
INTRODUÇÃO
O trabalho em tela tem como fundamento demonstrar, primeiramente, a inserção da moral dentro do direito como terceiro elemento. Os Direitos fundamentais são em sua maioria a moral institucionalizada. No momento em que o magistrado faz a ponderação de princípios, existe uma decisão da qual a moral deve prevalecer. Em que pese às críticas dos conservadores, não deve o direito se ater somente à legislação fria, como muitos juristas acreditam ser a verdade social. A uma os representantes eleitos não possuem, em sua maioria, capacidade intelectual para exercer a legislatura, porque para ser legislador no Brasil, necessário apenas possuir alfabetização, ou melhor, o ensino básico.
A duas, mesmo possuindo curso superior, os membros do Congresso conseguem criar legislação viciada, fazendo-se necessário o controle de constitucionalidade, ou seja, princípio contramajoritário. Nesse sentido, os positivistas mesmo negando a moral, esta é o terceiro elemento do direito e, por isso, o princípio democrático deve ser relativizado em alguns casos. Estes casos são os hard cases (casos difíceis), muitos são oriundos da ação negativa, ou seja, omissão, podendo ser também, ação positiva desrespeitosa à Carta Magna, na sua maioria, diz respeito às políticas públicas mal planejadas, ou a falta destas. Podendo ser também para declarar qual princípio prevalece sobre o outro, como no caso de liberdade de expressão versus intimidade.
O terceiro aspecto analisado é como o magistrado deve proceder em uma demanda de hard case. Pois bem, os Direitos Fundamentais são em sua maioria ponderação de princípios, tendo estes como ideia basilar conceitos muito caros à sociedade, como: vida, liberdade, segurança, igualdade, dentre outros. O magistrado poderá aplicar a proporcionalidade, por meio do sopesamento, criado pelo Eminente professor Robert Alexy da Universidade de Kiel-ALE, com a finalidade de ser prudente no caso concreto. Além disso, os alemães possuem a tese de quanto mais técnica for à questão debatida, o assunto deve ser tratado pelo Legislativo. Já quanto mais jurídica for à questão, esta deve ser decidida pelo judiciário.
O quarto aspecto analisado diz respeito aos direitos fundamentais, com base na teoria do mínimo existencial, de origem alemã, a qual serve de norte para os julgadores. Ademais, seus requisitos são: o princípio da dignidade humana, juntamente com os direitos fundamentais sociais. Dessa forma, o trabalho proposto tem como condão a pesquisa das políticas públicas sob a óptica dos direitos fundamentais sociais, e como o Poder Judiciário busca alternativas para impor aos outros Poderes o dever de cumprir a Constituição.
1.0 Deve o magistrado utilizar a discricionariedade para julgar? A relação entre moral, discricionariedade e direito
1.1 A moral como terceiro elemento do direito e a correção como meio de efetivar os direitos fundamentais
O direito é visto de diversas formas, desde o sistema de proteção e regramento social, dos sujeitos, coisas e a sociedade em caráter amplo ou sendo analisado como ciência lecionada nas faculdades, ou forma de reflexão, na ciência social aplicada. O direito pode ser visto de alguns níveis de reflexão ou dimensões, e de debate: sendo o primeiro como filosofia, de per si, temos a filosofia do direito. Em relação à técnica, existe a ideia do direito exercido nos fóruns e Tribunais, e por fim a teoria crítica.
A primeira trata-se da filosofia jurídica como uma atividade. A filosofia é uma atividade em si mesma, por conseguinte, o valor subjetivo ou intrínseco também tem de ser verdade em relação à filosofia legal. Nesse sentido, à teoria crítica, como forma de pensar o direito, objetivando um meio de sanar demandas postuladas de alta complexidade, ou seja, hard case. O direito, como ciência, possui seus tubos de ensaio, devendo resolver os problemas sociais por meio da coerção. Assim, o Eminente professor Robert Alexy leciona sobre, o tema: “Agora não é mais apenas o direito, objeto da filosofia jurídica, uma atividade. A própria filosofia é uma atividade em sim mesma. Ora, se a reflexividade é um valor intrínseco, isso também tem de ser verdade em relação à filosofia legal. A reflexividade está sempre em perigo de reiteração infinita. Esse perigo, contudo, parece não ser real se nos movermos a um nível exatamente adiante e perguntarmos o que nós estamos fazendo quando nos engajamos na filosofia jurídica. Essa questão, novamente, é interessante por três razões. O seu valor filosófico é óbvio e seus efeitos técnicos são facilmente demonstrados. Ademais, a reflexão sobre a que nós estamos fazendo quando pensamos sobre o direito pode melhorar a nossa reflexão sobre o direito tornando-o mais preciso, transparente e coerente. A melhoria desse modo na reflexão de alguém sobre o direito pode contribuir para a melhoria do próprio direito. Finalmente, o papel da dimensão crítica no meta-meta-nível é definido pela questão de porque e como nós devemos estar ativos no meta-nível, isto é, na filosofia jurídica. Assim é que aquela reflexividade crítica ou normativa se junta à cognitiva no meta-meta-nível. Nós não apenas perguntamos o que estamos fazendo quando nos engajamos na filosofia do direito, mas também porque e como devemos nos engajar nela.” (ALEXY, 2008 p. 56.57)
Diante disso, é necessário esclarecer o direito e a moral como natureza do direito. O direito como regra e coerção é originário dos princípios e regras do ordenamento jurídico. Já a moral, possui como nascedouro a educação social, familiar, religiosa e cultural de uma determina sociedade. Na lição do professor Alexy: “O terceiro problema central da natureza do direito é o problema do relacionamento entre direito e moral. Essa problemática compreende muitas questões, sendo a fundamental aquela que diz respeito à existência de qualquer tipo de conexão necessária entre direito e moral. As duas mais elementares e gerais respostas são as teses de separação e de conexão. A tese de separação diz não haver conexão necessária entre direito e moral; tese esta não esgotando o positivismo jurídico, que pode ser certamente encontrado em seu âmago. A tese de separação é, por isso, necessariamente pressuposta pelo positivismo jurídico. E isso significa que a negação dessa tese necessariamente leva ao não-positivismo. A negação da tese de separação é a de conexão, na medida desta ultima dizer que há pelo menos um tipo de conexão necessária entre direito e moral.” (ALEXY, 2008, p. 62)
Nessa linha de raciocínio, a moral faz parte do direito para Alexy. No entanto, a tese da separação tem como conteúdo aquela que não engloba elementos morais, pressupondo assim, uma não conexão conceitual necessária entre direito e moral. Kelsen entendia o sentido da tese, então o conteúdo do direito pode ser absolutamente nada. Com efeito, Kelsen vê o direito como um conjunto de normas que direciona os Tribunais a aplicar sanções pela quebra de deveres.
Desse modo, as teses sobre a teoria do direito apresentado por Alexy são, inicialmente, contraditórias em relação ao entendimento de Kelsen, ou seja, há um determinado embate. Com isso, Alexy explica a teoria da separação, sendo esta o conceito de direito não possuidor da moral. Por outro lado, a tese da conexão adota a moral como elemento do direito, então, para Alexy há moral, sendo esta o terceiro elemento do direito.
Entretanto, o Eminente Professor Joseph Raz da universidade de Oxford adere à ideia do positivismo exclusivo que, segundo o conceito de direito, a moral seria um tanto quanto complexa. Grandes dificuldades existem em assimilar um determinado conceito para delimitar o campo da moral, portanto distinguindo o que é moral e direito, seria assim uma ruptura do direito com a moral, como leciona o professor Raz: “De acordo com Alexy, uma característica comum a todas as teorias jurídico-positivistas é a tese de separação que diz que o conceito de direito está por ser definido como aquele que não engloba elementos morais. A tese de separação pressupõe que não há conexão conceitualmente necessária entre direito e moral […] O grande positivista jurídico Kelsen capturou isso na assertiva, então o conteúdo do direito pode ser absolutamente nada. […] Já que Kelsen vê o direito como um conjunto de normas que direcionam os tribunais a aplicar sanções pela quebra de deveres, segue-se: a)- que o direito pode consistir apenas de normas; b)- que ele deve direcionar tribunais; c)- que ele deve estipular a aplicação de sanções, e d)- que sua aplicação deve ser condicionada a certas condutas. […] Eu devo explicar porque a assertiva de Kelsen citada por Alexy não embasa, mesmo se verdadeira, a tese de separação. Mas antes, é preciso que ponderemos o que tal tese é. No percurso de classificar a tese, a irrelevância que alegação de Kelsen tem para ela se tornará mais clara. A tese, de acordo com Alexy, diz que “conceito de direito está por ser definido como aquele que não engloba elementos morais” presumivelmente a definição. E, como a definição é uma proposição, os elementos aos quais se refere devem ser conceitos. Portanto, a tese é de que não há conceitos morais na definição de direito.” (RAZ, 2011 p. 40)
Diante disso, Joseph Raz critica a teoria de Alexy, tendo como norte a teoria da separação, entendida como não havendo conexão entre direito e moral. Contudo, dizer que o conceito de direito não possui moral, é de fato, isolar o direito em relação a moral, sendo que na realidade, há no direito um mínimo de moral. Destarte, podemos dizer como exemplo o ponto conceitual do direito, o fato de poder ser visto como justo ou injusto, um fator conceitual moralmente melhor ou mais justo que o outro. Assim sendo, existe conexão conceitualmente entre direito e moral que os positivistas não podem negar.
Além disso, o direito em sua natureza, também apresenta um elemento chamado de coerção. Esta possui como ideia central a correção pela força, de uma ação praticada dentro da sociedade, isto é, pelo indivíduo que ali vive. O direito em seu aspecto mais popular tem como escopo a coerção, um mandar fazer ou deixar de fazer, proferida pelo Magistrado. Aqui, cabe mencionar Alexy: “O segundo problema sobre a natureza do direito, isto é, o problema da realidade social do direito pode, como vimos, ser dividido em três subproblemas. Concentrar-me-ei no primeiro deles, a saber, o problema da relação entre direito e coerção ou força. Parece ser um fato empírico que o direito geralmente inclui a aplicação de correção baseada nas decisões de autoridade que representem a comunidade jurídica. Mas isso é necessário? A coerção pertence à natureza do direito? Isso será o caso se o contrário de direito incluir o conceito de coerção. A resposta a essa questão é contestada. Uma resposta pode ser encontrada em um autor já mencionado, Kelsen. De acordo com quem o conceito de norma, ou a categoria designada por dever é o genus proximum, conceito de norma, e o conceito de coerção, o differentia specifica do direito. Isso se enquadra como um caso claro de inclusão do conceito de coerção dentro do conceito de direito. (ALEXY,2008, p. 63)”
O Direito e Coerção é preciso lembrar-se da ideia de Kant quanto ao direito, explanando que os direitos dos cidadãos são determinados pelo direito, sendo este um aspecto central da natureza oficial do direito. A segunda premissa, tão ou mais importante, diz respeito ao problema cognitivo não suficiente, na tentativa de assegurar os direitos dos cidadãos a determinação desses direitos pela legislação e adjudicação deve ser completada, como diria Kant: “pela coerção extrema publicamente legítima”. Assim sendo, determinação e aplicação, por si só, não criaram uma certeza jurídica perfeita, ou seja, segurança fática.
Contudo, a determinação e aplicação, por si só, não criaram uma certeza jurídica perfeita (segurança fática). Porém, se aplicadas em determinados casos, podem produzir algumas certezas jurídicas (segurança jurídica), que sejam adequadas ao ordenamento jurídico. Afinal, o direito supera o estado de natureza, onde o ser humano estava só, para a ideia de convívio social.
A segurança jurídica, usada na determinação e aplicação, proíbem atrocidades na sociedade gerando direitos e deveres. Principalmente para o Estado, além disso, serve como fator social, ou melhor, impacto coercitivo, pois ao verificar determinada conduta como ilícita e apenada pelo Estado, seja com o cárcere ou como a pena pecuniária no direito público ou no direito privado, o cidadão se vê coagido a não praticar determinado ato, ou deixar de fazer determinado ato. Por conseguinte, a coerção em Alexy, torna-se necessária, pelo fato de um praticar social que vislumbra determinadas funções básicas como definidas pelos valores da certeza e eficiência jurídica. Diante desse cenário, o Direito tem como elemento a moral e a coerção como forma de coação social.
Sendo assim, a tese exposta por Alexy tem como base a incorporação da moral ao direito, dando ao Magistrado o poder de decidir conforme critérios morais diante dos casos difíceis ao envolver princípios constitucionais, vinculados aos direitos fundamentais. Vejamos a lição segundo Dra. Juliana Diniz professora de hermenêutica constitucional UFSC e o Professor Dr. Ivan Rodrigues membro do grupo de estudos Robert Alexy:“A argumentação a ser desenvolvida na aplicação de direitos fundamentais abre necessariamente o direito para a moral porque os direitos fundamentais são relacionados aos conceitos materiais básicos de dignidade, liberdade e igualdade. Com eles, os princípios mais importantes do direito racional moderno são incorporados à constituição e, com isso, ao positivismo. Na verdade, segundo Alexy, direitos fundamentais equivalem à cristalização constitucionais de direitos fundamentais são a absorção jurídica de direitos humanos como direitos jurídicos dotados de máxima hierarquia sistêmica, máxima força jurídica, máxima importância social e máxima indeterminação semântica. Assim, a simples incorporação constitucional de direitos fundamentais implica a incorporação da moral ao direito.” (RODRIGUES, 2015 p. 17)
Diante disso, os casos difíceis envolvendo colisão de princípios fundamentais, acarreta ao julgador uma complicada tarefa de argumentar sobre conteúdos morais, já que os direitos fundamentais são transcrições jurídicas dos direitos humanos.
Os direitos fundamentais são internos, enquanto os direitos humanos são positivados no âmbito do direito internacional. Desse modo, o julgador possui tais argumentos para melhor decidir o caso difícil, ou seja, julgar com argumento moral.
Ademais, tais casos abririam o direito para a moral fazendo com que o julgador a observasse dentro do direito. De fato, entende e coaduna com a possibilidade da coerção moral, na tese da dupla natureza do direito, sendo a moral um componente necessário no elemento do direito. Com efeito, Alexy defende a ideia de que o direito possui uma segunda dimensão, aberta para crítica moral e, portanto, teria uma natureza dupla.
Neste passo, Alexy advoga os argumentos em que o discurso jurídico é conexo ao discurso moral, embora o discurso prático geral não se reduza ao discurso moral. Razões morais penetram na argumentação jurídica, portanto, ela tem uma dupla natureza, comportando duas dimensões indissoluvelmente conectadas. Assim, uma dimensão livre, não institucional, composta por razões morais como os direitos humanos, direitos fundamentais, direitos coletivos e éticos.
Igualmente, todo Estado Democrático Constitucional contém por definição um ordenamento jurídico desenvolvido, criado democraticamente e protagonizado por uma Constituição que assegura direitos fundamentais, marcados por princípios e logo, necessariamente, abertos à moral. Com isso, a natureza dupla de Alexy seria fática ou real, ou quanto à outra seria: ideal ou crítica. A primeira, real está ligada ao elemento produção, formalmente adequada e da eficácia social. Já em relação à ideal, aqui temos a correção moral.
Assim sendo, a tese de Alexy não é positivista. A ideia central é vista como uma institucionalização da razão, sendo o sistema elaborado em três passos: a-correção do discurso; b- positividade; c-institucionalização da razão. Como consequência, a pretensão de correção se compõe então, da Asserção de correção, esta garantia de fundamentação; expectativa de aceitação. Desse modo, estando vinculado às instituições da lei e decisão judicial a coerção se faz necessária. No caso do direito é uma prática social que preenche suas funções formais básicas como definidas pelos valores da certeza e eficiência jurídicas.
1.2 Da discricionariedade do magistrado, a relação entre moral e coerção
Como visto acima, Alexy entende que a moral pode corrigir o direito, caso a moral esteja institucionalizada, assim seria uma norma. Nada mais correto, tendo em vista os direitos fundamentais com sua correção moral inclusa no direito. Pode citar tais normas, como o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal Brasileira.
Desse modo, é normatizado e publicado aos cidadãos brasileiros o direito a dignidade da pessoa humana, dever de todos os indivíduos da República o respeito, porque é um princípio fundante da República brasileira. Assim há uma norma possuindo no seu apogeu, uma correção institucional, e outro elemento: a moral institucionalizada.
Por outro lado, a crítica que se faz a Alexy é em relação a discricionariedades como apogeu da sua tese, fazendo com que os magistrados se tornem mais subjetivistas. Pode ser analisada como uma falácia, pois a teoria Alexyniana não aduz, tampouco, assevera tal pensamento. Caso ocorra tal manifestação, é sem sombra de dúvida a aplicação equivocada das teorias de Alexy. Nessa linha de pensamento, o eminente professor Habermas formulou algumas críticas às ideias de Alexy, inclusive, a discricionariedade. O professor assim aduz: “Faz com que direitos sejam diminuídos ao nível de objetivos, políticas, valores, perdendo sua normatividade, já que todas as razões podem assumir a forma de argumentos. A ponderação gera o risco de irracionalidade, sendo arbitrária ou irrefletida, na medida em que está de acordo com padrões sociais e hierarquias costumeiras. 2) Gera o afastamento da esfera do certo ou errado, correção ou não correção, da exigência de justificação, em direção ao que é adequado ou inadequado, o que conduz à discricionariedade. Pode levar o julgamento a um resultado, mas não é capaz de justificá-lo, porque se encaixa em julgamentos que apenas refletem a ordem de valores concreta, real.” ( HABERMAS, 1996, p. 286)
Diante de tal situação, Habermas coloca a tese de Alexy sob julgamento por causa da subjetividade racional, isto é, seria capaz o julgador na ponderação de princípios retirarem da sua racionalidade interpretativa e cognição jurídica a subjetividade e aplicar ao caso uma ponderação. Assim para Habermas, está inserida na ponderação a discricionariedade, como consequência, deixa de aplicar a norma no seu valor máximo e eficácia máxima, retirando tal valor objetivo, inserindo um subjetivismo moral do julgador, diferentemente da moral institucionalizada. Alexy então responde às críticas realizadas pelo professor Habermas, no que diz respeito à discricionariedade: Há uma estrutura racional de ponderação, explicitada na lei da ponderação, que busca a demonstração de que a ponderação não só não é um risco aos direitos, mas, ao contrário, é meio necessário para sua proteção. Ponderação não é uma alternativa para a argumentação, mas uma forma indispensável do discurso prático racional. O Direito está necessariamente ligado à pretensão de correção e, se a ponderação fosse contrária à correção e à justificação, então não encontraria lugar no Direito. Assim, a demonstração do processo de ponderação em leis (logicamente dispostas em fórmulas) o tornaria uma atividade controlável racionalmente. Ela pode, então, ser subdividida em três estágios:1)- Estabelecimento do grau de interferência no primeiro princípio;2)-Estabelecimento da importância de satisfação do princípio colidente; 3)-Resposta à pergunta sobre se a importância da satisfação do princípio colidente justifica a interferência no primeiro.
Sendo assim, Alexy quis dizer que há no ordenamento jurídico uma estrutura básica de normas e princípios, sendo usada racionalmente, tornando-se um meio necessário à ponderação em casos difíceis, ou seja, hard cases. Nesse sentido, o Alexy refuta a crítica feita por Habermas. Desse modo, contesta os argumentos da ponderação retiraria da justificação a fundamentação da decisão judicial, como consequência a retirada da correção pelo direito. Com efeito, a justificação é formada por razões, não só a ponderação deve ser realizada de forma reflexiva, sem arbitrariedade do julgador. Sendo assim, Habermas observa os padrões de decisões que desvinculariam a norma da coerção criando o direito dos Tribunais, sendo assim teríamos tais meios, mas, há outras fontes, normas, princípios, costumes.
Dessa maneira, respondendo a primeira pergunta: Pode o magistrado utilizar-se da discricionariedade para julgar casos concretos? Sim, usando alguns procedimentos. Somente se usa a discricionariedade em casos evidentemente complexos, em que o Parlamento ainda não normatizou, ou se deixou lacunas, que os julgadores possam reflexivamente fechar a lacuna até o parlamento se manifestar sobre determinada questão. Mas, se a manifestação não for de encontro com os princípios-constitucionais como dignidade da pessoa humana, pluralismo político, dentre outros, poderá o Judiciário corrigir e aplicar coerção aos outros Poderes por meio da própria Constituição.
Entretanto, nos casos ligados as leis infraconstitucionais, ou casos ordinários, corriqueiros, não afetam a norma matriz (Constituição), sem a necessidade de ponderação principiológica, devendo o magistrado observar a lei de introdução às normas de direito brasileiro, nos seus artigos: “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. ( BRASIL, 2015)
Por isso, a tese sofrerá com as críticas dos conservadores, principalmente a mais comum das criticas, na qual os magistrados seriam oriundos dos concursos e não pela representação popular.
Desta sorte, a argumentação possui o axioma não tanto racional, mas sim emocional. Como a Constituição adotou um sistema político para nomeação dos candidatos aos cargos superiores da Magistratura existe, a sabatina no Senado, indicação e ratificação pelo Presidente da República, como consequência de tal sistema político, há escolhas populares indiretas. Como ocorre nos impostos cobrados da população.
Ademais, é importante citar a eminente professora Dr.Clarissa Tassinari, citando Hebert Hart, aduz: “E é aqui que, novamente entra a questão da moral, pois, em resposta à crítica de Dworkin, no posfácio de sua obra, Hart afirma que a norma (regra) de reconhecimento pode incorporar, como critério de validade jurídica, a obediência a princípios morais ou valores substantivos. Como se pode notar, Hart desenvolve uma noção forte de sistema de regras. Isso é resultado de sua insurgência contra o realismo jurídico, que preconiza o papel dos Tribunais na determinação do conceito de direito, como já demonstrado pelo posicionamento de Oliver Wendell Holmes. Com isso, preconizava um conceito de direito que não dependesse exclusivamente do entendimento dos juízes, mas que reconhecesse a importância das regras, pois, para ele um jogo de beisebol, cujas regras fossem desconhecidas ou ignoradas por decisão do árbitro seria qualquer tipo de jogo –o jogo do arbitro talvez- menos jogo de beisebol. Apesar disso, desta “defesa das regras do jogo”, Hart admite que as regras que constituem o direito possuem uma textura aberta. Isto é, para o autor, todas as regras possuem um núcleo rígido de significado e uma zona de incerteza, que ele denomina de zona de penumbra. Na decisão judicial, o juiz (ou Tribunal), em face dessa zona de incerteza, tem o poder de escolha”. (DINIZ, 2015, p .8)
Assim, podemos resumir as ideias expostas, assim: O direito é um sistema de regras e princípios, em que a moral faz parte deste como um terceiro elemento. O direito possui uma textura aberta, ou seja, uma zona de penumbra ou lacuna.
Por tudo isto, a moral e possibilidades interpretativas são em sua essência vinculadas ao direito, desde que esteja expressa no texto normativo. A textura aberta faz com que escolhas sejam realizadas pelos Tribunais, porém não o monopólio de dizer ou conceituar o que é direito. A escolha feita pelos magistrados, não significa esquecer ou não aplicar as regras do jogo, pois existem regras no sistema jurídico, devendo ser obedecidas, senão é qualquer coisa, menos direito.
2.0 Seria possível uma intervenção nos outros Poderes da República, promovida pelo Poder Judiciário, obrigando os outros Poderes a praticarem políticas públicas? Como exigir a efetividade dos direitos fundamentais sociais?
Os Poderes da República foram introduzidos pela Constituição de 1988, no artigo 2º com o texto normativo: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Assim, são os três Poderes da República possuindo os elementos do artigo mencionado, sendo: independentes e harmônicos entre si. Elementos que criam a independência dentre os Poderes, não devendo subordinação, gerindo e aplicando às normas conforme entendimento discricionário. Porém, como consequência, o único impedimento seria a Carta Magna e a legislação infraconstitucional. Nesse sentido, a harmonia traria a ideia de não interferência, isto é, um equilíbrio entre os Poderes da República. Ademais, existem alguns princípios como o da divisão de Poderes. Já, o Poder Político, princípio da democracia. Assim, o Princípio da divisão dos Poderes possui como núcleo central a ideia que cada Poder exerce uma função na República, sendo que as funções estão inseridas nos artigos 44 a 75, 76 a 91 e 92 a 135 da CRFB.
De igual forma, o Poder Político sendo um fenômeno social, ou seja, fato da vida social, por consequência, o princípio da democracia, possui como núcleo o ideal de participação popular no Poder, elegendo representantes ou sendo eleito, que teoricamente, representaria o cidadão no Legislativo e no Executivo. Ainda sim, cabe a lição do Professor José Afonso da Silva: “A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: a)-especialização funcional, significado que cada órgão é especializado no exercício de uma função; assim, às assembleias se atribui a função legislativa; ao Executivo a função executiva; ao Judiciário, a função jurisdicional; b) independência orgânica, significado que além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Trata-se, pois, como se vê, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder.” (SILVA, 2008 p. 493)
Sendo assim, os Poderes segundo a Constituição são independes e harmônicos, porém com o advento do pós- positivismo, isto é, o neoconstitucionalismo sendo a nova forma de interpretação constitucional. O Estado constitucional de direito tem sua consolidação no pós-segunda guerra mundial, após as atrocidades realizadas pelos nazistas. Anteriormente à guerra, a Constituição era vista como apenas um documento político, sem força de concretude, ou seja, um ideal a ser alcançado fazendo-se necessária a dependência do desenvolvimento por meio do legislativo ou administrativo. Carecia de regulamentação, não gerando direitos, salvo os regulamentados, tampouco havia ali controle jurisdicional.
Destarte, ali vigorava a centralidade da lei e a supremacia do parlamento frente ao Judiciário e Executivo. Lado outro, no Estado de direito Constitucional, a Carta Magna passa a ter força normativa em relação a todo o ordenamento, além disso, torna-se o apogeu. A partir daí, começa a disciplinar o modo de produção das leis e atos normativos, estabelecendo limites para seu conteúdo, também gerando deveres ao Estado. Então, nesse novo modelo vigora a centralidade e a supremacia judicial, como tal entendida a interpretação da Suprema Corte, sendo vinculando às normas constitucionais.
Nesse sentido, temos a jurisdição constitucional, sendo este órgão dentro do Poder Judiciário com a competência para julgar demandas constitucionais. No caso do Brasil é o Supremo Tribunal Federal. No entanto, a Constituição dá a outros magistrados tal competência, por meio do controle difuso, com efeito nas demandas individuais também. Porquanto, supramencionado, a Constituição passa a ser o centro do ordenamento, gerando seus efeitos irradiadores no sistema jurídico. Assim, cabe a lição do Eminente Professor da UERJ, Luís Roberto Barroso: “A jurisdição constitucional compreende duas atuações particulares. A primeira, de aplicação direta da Constituição às situação nela contempladas. Por exemplo, o reconhecimento de que determinada competência é do Estado, não da União; ou do direito do contribuinte a uma imunidade tributária; ou do direito à liberdade de expressão, sem censura ou licença prévia. A segunda atuação envolve a aplicação indireta da Constituição, que se dá quando o interprete a utiliza como parâmetro para aferir a validade de uma norma infraconstitucional (controle de constitucionalidade) ou para atribuir a ela o melhor sentido, em meio a diferentes possibilidades (interpretação conforme a constituição). Em suma: a jurisdição constitucional compreende o poder exercido por juízes e tribunais na aplicação direta da Constituição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder público em geral e na interpretação do ordenamento infraconstitucional conforme a Constituição.” (Barroso, 2011, p. 26-27)
Portanto, a Constituição que não era vista como uma norma jurídica e apenas como uma carta política torna-se o centro do ordenamento. Nesta linha de pensamento, os princípios fundamentais ou estruturantes, passaram a serem normas jurídicas.
A judicialização possui como base pontos de vistas políticos, sociais ou morais, sendo estes decididos em caráter final pelo Judiciário, transferindo o poder para instituições judiciais, em detrimento das instâncias ou Poderes tradicionais, que são o legislativo e executivo. Assim sendo, torna-se uma forma radical de se pensar o direito baseado no mundo romano-germânico. Em contra partida, há no mesmo tema, o ativismo judicial, sendo esta uma expressão criada nos Estados Unidos da América e seu emprego ocorreu como forma de alcunha para atuação da Suprema Corte da América, durante o período compreendido 1954 até 1969, presidida pelo Ministro Earl Warren.
Nesse contexto, os conservadores tornam-na uma expressão de cunho negativo, quase depreciativa qualificada como exercício irregular, equivocado ou impróprio do Poder Judiciário. A ideia em si, está ligada a maior participação e mais efetiva do Poder Judiciário, na concretização dos axiomas e finalidades Constitucionais, mesmo que interfira em outros Poderes, pelo motivo de deixarem espaços vazios, isto é, em casos de lacuna ou omissão legislativa, tendo em vista o dever institucional.
Portanto, a judicialização é um fato, uma circunstância da sociedade brasileira. Entretanto, o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Aqui, especificamente no Brasil, pelo fato de demandas sociais não serem atendidas há intensa atividade jurisdicional. Além disso, o contraponto do ativismo é a autocontenção judicial, conduta na qual o judiciário tenta reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes.
Com isso, cabe a diferenciação, a uma o ativismo busca extrair, ou interpretar valorativamente o máximo do texto Constitucional, inclusive, e especialmente construindo regras, ou requisitos de conduta a partir de enunciados vagos (princípios, conceitos jurídicos indeterminados).
Por sua vez, a autocontenção aufere a ideia central de justamente aumentar mais o espaço para atuação dos Poderes Políticos, tendo por fundamento o forte entendimento em relação às ações e omissões desses últimos. Nesse sentido, ocorrem críticas, ao expansionismo do Poder Judiciário, sendo às três: 1- a primeira diz respeito ao modo de investidura dos magistrados e membros dos Tribunais Superiores, 2- sua formação específica e por fim, o tipo de discurso realizado que é utilizado, exigindo reflexão. Assim, o Judiciário seria ao ver dos críticos, um Poder hegemônico e com o discurso monopolizado. Portanto, não deve ser usurpada do Legislativo o poder-dever de interpretar a Constituição, mesmo de forma equivocada, podendo após o ato legislativo, o Judiciário corrigir o equivoco no ato; devendo ao Poder Julgador, aplicar à prudência e a moderação no ativismo.
Nesses termos, a primeira crítica é a ideológica, tendo por base o argumento de que os magistrados não são votados, e sim empossados por meio de concurso público, assim não vem do batismo popular. Igualmente, quando invalida ato originário do Poder Legislativo ou Executivo, coloca-lhe deveres de atuação, o judiciário desempenha papel que é expressamente político. Logo, as instituições colocariam suas decisões acima da vontade popular, realizada por meio dos agentes políticos eleitos gerando a dificuldade contra majoritária.
De igual maneira, a crítica quanto à capacidade institucional os três Poderes possuem o dever de interpretar a Constituição, sendo que toda e qualquer matéria deve ser decidida pelo Tribunal, não significando que o judiciário possui primazia sobre as matérias ali julgadas. Como consequência, a doutrina brasileira busca limitar ou diminuir a ingerência do Judiciário, por meio do argumento da capacidade institucional que envolve a determinação de qual Poder seria o mais habilitado para produzir melhores efeitos na decisão sabre à matéria que está em debate, ou seja, possui aspecto controvertido. Dessa forma, temas com grande relevância técnica ou cientifico de alta complexidade podem não ser o magistrado o mais habilitado para proferir a decisão, por falta de conhecimento.
Nessa linha, possui também, o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis ou indesejáveis, devendo o magistrado assim proceder com cautela e de deferência por parte o Judiciário, isto porque, senão observar os impactos de sua decisão, como na economia ou no serviço público, poderá causar um caos social.
A terceira critica tem por finalidade a limitação do discurso, seria pelo fato do direito ter como linguagem, interpretações e métodos próprios, sendo sim uma ciência. O domínio instrumental exige treinamento e conhecimento específico, não sendo acessível à generalidade das pessoas. A primeira consequência é a elitização do discurso e do debate, gerando a exclusão dos que não entendem ou dominam a linguagem. A segunda consequência é a transferência do debate público para o judiciário, trazendo uma dose excessiva de politização dos Tribunais dando lugar a paixões em um ambiente de razões. Desta forma, os magistrados trocariam a racionalidade pelo discurso político.
Por outro lado, o papel realizado pela Suprema Corte tem como condão promover os direitos fundamentais e em defesa das regras do jogo democrático. No caso de eventual atuação contramajoritaria do Judiciário em defesa dos elementos essenciais da Constituição se dará a favor e não contra a democracia. Destarte, a justiciabilidade, ou seja, exigir judicialmente a aplicação de um direito fundamental, nasce no momento em que encontra limitações do poder estatal frente a omissão ou atos que não obedecem a Carta Magna.
Outrossim, o argumento a ingerência indevida é desmontada quando observamos os princípios dos freios e contrapesos, bem como o principio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Assim, não pode se falar em ingerência indevida, no momento que é obrigatória a correção judicial de atos ou omissões dos Poderes da República. Porquanto, se o Judiciário não fizer, estaria endossando a conduta equivocada do Estado. Além disso, estaria o Estado descumprindo suas próprias ordens, sendo as normas constitucionais que positivam e criam ônus para o Estado.
Diante disso, o magistrado deve buscar requisitos ou critérios para aplicabilidade dos direitos fundamentais. O primeiro seria observar os cidadãos comprovadamente afetados pelo ente público, além da sua inadequação ao texto constitucional ou insuficiência de ações dos Poderes Públicos (Executivo e Legislativo) em relação aos direitos objetos a que se destina. O segundo aspecto é composta pela completa omissão do legislador ou Administrador público, na sua função de regulamentação das normas Constitucionais. Além do controle de evidencia, devem ser observados alguns requisitos ou fatores, como: certeza epistêmica; efetividade do ordenamento jurídico; legitimidade democrática do ordenamento jurídico. Como se vê a aplicação de competência e atribuição, não é um trabalho de fácil instituição, pois pelo aspecto de sua implicação social e sua diversidade social. Vejamos a decisão a seguir do Supremo Tribunal Federal: “REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. GILMAR MENDES PACTE.(S) :RENATO DE SALES PEREIRA IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDATOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA. 1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. 1.1. Mandatos constitucionais de criminalização: A Constituição de 1988 contém significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a) controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais. (Grifo nosso) 2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica o porte de arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem crimes as meras condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais oude caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. 3. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa. 4. ORDEM DENEGADA.”
Portanto, a exigibilidade torna-se cristalina no momento em que há nítida gradação, de tal modo a ser aplicada à revisão judicial. Este é o chamado controle de evidencia, com sua origem na doutrina alemã. Desse modo, a resposta é positiva, o Poder Judiciário deve promover procedimentos com intuito de fazer os outros Poderes cumprirem seu papel institucional, principalmente quando houver omissões e atos contrários aos direitos fundamentais, principalmente ao mínimo existencial.
2.1- A Efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais
O conceito dos direitos fundamentais possui origem na França do século XVIII, sendo à época de mudanças, o movimento político-social para a declaração dos direitos do homem e cidadão, em 1789. Neste sentido, na Alemanha do século XIX, se espalhou pelo pensamento jurídico alemão, culminando na expressão Grundrechtte, sendo assim um sistema jurídico com direitos e deveres básicos, na relação indivíduo versus Estado, como fundamento para toda ordem jurídica.
Como consequência, o entendimento alemão e sua reflexão nos leva a perceber que os direitos fundamentais são, a priori, direitos humanos ou “do homem” passaram por um processo de positivação, ou seja, tornaram-se normas. Assim sendo, os direitos fundamentais estão longe de ser apenas uma forma de reducionismo ou limitação do poder estatal, mas também a aplicação desses nas relações privadas (entre particulares).
De qualquer forma, se faz necessário conceituar as dimensões subjetivas e objetivas dos direitos fundamentais. Segundo a ideia alemã que trabalha os direitos fundamentais como sendo objetivo e subjetivo, os aspectos objetivos dos direitos fundamentais são formadores do ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito, a dimensão objetiva coloca os direitos fundamentais, como um verdadeiro norte de eficácia irradiante para fundamentar o ordenamento jurídico. A concepção objetiva é mais recente, é o típico constitucionalismo social, partindo das seguintes premissas, explica o Eminente Professor da UFMG Bernardo Gonçalves: “As Constituições democrático-sociais vão ser consubstanciadas por um sistema de valores que os direitos fundamentais à luz dessa perspectiva, explicitam e positivam; Com isso, eles acabam por influenciar todo o ordenamento jurídico, servindo de esteio para a atuação de todos os poderes estatais; No mesmo diapasão, é mister salientar que os mesmos vão se estabelecer como verdadeiras diretrizes para a interpretação e aplicação de todo o ordenamento jurídico; Daí eles serem considerados uma forma de interligação entre todos os direitos existentes e dotados de validade. Portanto, tornaram-se (pela dimensão objetiva) a base do ordenamento jurídico do Estado e da sociedade, sendo dotados do que autores como Enzo Darlet, entre outros, conceituam como “eficácia irradiante”. Com isso, não há direito que não deva passar pelo filtro dos direitos fundamentais previstos na Constituição (nessa visão: uma espécie de interpretação conforme os direitos fundamentais nos moldes conforme a Constituição).” (GONÇALVES, 2015, p. 110)
Nesse sentido, conceituar a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, aqui, importa na faculdade de impor uma atuação negativa ou positiva aos titulares do Poder Público. Portanto, os direitos fundamentais vão além da ideia de direito de defesa, como consequência a um dever de omissão Estatal, ou seja, não fazer ou interferir no universo privado.
Além disso, os direitos de prestação, ou seja, de fazer ou de realizar por parte do Estado, sendo assim, um vetor a ser seguido pelo Estado, isto é, Poder Público e pelo particular para interpretar e aplicar das normas constitucionais e infraconstitucionais. Com isso, os direitos fundamentais passam a ser no ordenamento brasileiro uma característica de vetor para as normas, isto é, não podendo o legislador desrespeitar tais vetores, nem o Poder Executivo poderá deixar de concretizar os direitos fundamentais.
Neste corolário, a lei máxima nacional, ou seja, a Constituição protege os direitos fundamentais, pelo meio da rigidez, sendo complexa a sua modificação. Nesta linha, cabe explanar a lição da teoria do mínimo existencial, esta tem como origem a decisão do Tribunal Administrativo Federal Alemão, em 1954 pela decisão BVerwGE 1,159.
A decisão reconheceu como direito subjetivo, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, o auxílio material do Estado para a existência do indivíduo carente. Assim, leciona a Eminente Professora Cláudia Toledo: “Desde então, a definição de mínimo existencial vem sendo consolidando tanto na Alemanha, país de onde é originário, quanto em todos os demais Estados Democráticos de Direito, que buscam sua institucionalização cada vez mais sólida. Isso porque (i) se o Estado é democrático, é formado pela vontade dos membros da sociedade, que, através de representantes, normatizam seus valores e interesses tornando-os direitos – deles, os mais relevantes são os direitos fundamentais; (ii) se o Estado é de Direito, funda-se em ordem jurídica hierarquizada, na qual a Constituição ocupa o ponto ápice- as normas constitucionais de maior peso axiológicos são aquelas que declaram direitos fundamentais; (iii) a relação entre esses direitos e o mínimo existencial é direta, conceitual; mínimo existencial é o conjunto dos direitos fundamentais sociais mínimos para garantia de patamar elementar de dignidade humana.” (TOLEDO, 2016, p. 821)
Sendo assim, o mínimo existencial é composto por direitos fundamentais sociais mínimos e dignidade da pessoa humana. Porquanto, na ideia exposta os direitos fundamentais são os direitos de prestação positiva, podendo ser normativa ou fática. Desse modo, as prestações fáticas podem ser na forma de bens, serviço ou pecúnia, ou seja, os direitos sociais como a saúde, educação, trabalho, moradia podem ser prestados em relação às formas acima.
O primeiro aspecto a ser analisado, diz respeito à delimitação do conteúdo mínimo existencial, sendo reduzida por definição a identificação dos direitos. Conforme leciona a Professora da UFJF Claudia Toledo: “Não obstante, ser a delimitação do conteúdo do mínimo existencial reduzida por definição, à identificação dos direitos fundamentais sociais mínimos que o integram é controversa tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Na Alemanha, adota-se majoritariamente o conteúdo proposto por Robert Alexy: direito à educação fundamental, média e profissionalizante; direito à moradia simples; e direito a um patamar mínimo de assistência médica.” (TOLEDO, 2016, p. 822)
Nesse passo, a dignidade da pessoa humana é, a priori, um complexo acervo de direitos, e sendo o segundo elemento do mínimo existencial, possui como característica aleatoriedade, sendo esta oposta à precisão científica, como leciona a Eminente professora da UFJF Claudia Toledo: “Aleatoriedade é característica oposta à precisão científica. A cientificidade do conceito exige a utilização apenas de notas a ele essenciais, exclusivamente necessárias, isto é, aquelas que dadas, fazem com que o objeto se apresente como tal e, se retiradas, o objeto deixar de existir. Ora, todo ser humano é pessoa. Portanto, a expressão dignidade humana da “pessoa humana” é absolutamente redundante. Não por outro motivo tal problema não ocorre no idioma alemão (Menschenwürde) da qual deriva o conceito de mínimo existencial ou no idioma internacional utilizado na produção cientifica o inglês (human dignity).” (TOLEDO, 2016, p. 823).
Assim temos a ideia central, do mínimo existencial, como pressuposto para a validade da norma fundamental, possuindo como elementos os direitos fundamentais sociais mínimos e a dignidade da pessoa humana. Ademais, o mínimo existencial: “É o conjunto dos direitos fundamentais sociais mínimos para a garantia de patamar elementar de dignidade humana”. No entanto, a própria Alemanha, no Tribunal Constitucional Alemão em 18 de julho de 1972, no caso conhecido como Leading Case “decisão numerus clausus”, o tribunal decidiu por fixar em relação ao ingresso de alunos ao ensino superior. Não obstante, também criou requisitos para aplicação da reserva do possível, sendo esta composta pelos elementos razoabilidade entre satisfação do interesse individual, em face do bem coletivo; empenho necessário para satisfação do ônus, havendo equilíbrio no orçamento.
Desse modo, o mínimo existencial seria aplicação positiva dos direitos fundamentais sociais, como saúde, educação, previdência, dentre outros. Lado outro, a reserva do possível limita tais aplicações, desde que o bem jurídico tutelado não esteja em contradição com o orçamento e seja razoável o pedido da demanda. O Supremo Tribunal Federal vem adotando a tese do mínimo existencial para os casos em relação à politicas publica, vejamos uma decisão proferida pelo Supremo em relação à pré-escola: “CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE – ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA – SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA – LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS – EDUCAÇÃO INFANTIL – DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) – COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO – DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO – INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL – PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA – QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” – INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. – A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). – Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. – A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. – Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. – Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. – O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional – transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. – A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. – A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. – A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras “escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. – A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. – A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV (grifo nosso). A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. – O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados. LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS “ASTREINTES”. – Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A “astreinte” – que se reveste de função coercitiva – tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato sentencial. (grifo nosso). Doutrina. Jurisprudência.(ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)”
Ao analisar o acórdão acima, pode se verificar que o Ministro Celso de Mello, usou como fundamento da decisão o mínimo existencial. Inicialmente, a ideia exposta acima tem como norte, o mínimo existencial em contrário a reserva do possível. Em segundo plano, esta aplicação de multa pelo descumprimento estatal de direitos fundamentais. Neste sentido, cabe lecionar a ideia de que para o Ministro, não se faz possível à aplicação da reserva do possível em direitos fundamentais consagrados na Carta Magna. Inclusive, não podendo o ente estatal retroceder a direitos conquistados. Para efetivar tais direitos o Judiciário usa-se por meio da multa.
Dessa forma, é cabível a aplicação do mínimo existencial em face da reserva do possível. Por conseguinte, criando meios para efetivar as decisões judiciais, como: multa; bloqueio de verbas e até mesmo prisões de gestores. Com isso, se faz necessária à aplicação do princípio, com a finalidade de obrigar o Poder Executivo cumprir com o seu papel constitucional ao aplicar o mínimo existencial dos Direitos Fundamentais, na sociedade, respeitando o texto constitucional, e ao mesmo tempo criando o Estado de bem-estar.
3.0 CONCLUSÃO
O trabalho proposto estuda de forma restrita os fundamentos para decisões em relação à judicialização das políticas publicas. Incialmente buscou-se explanar a ideia da moral como terceiro elemento do direito, tornando o juiz mais subjetivista para apreciação da prova, e aplicação do direito, não sendo uma realidade se aplicada à teoria correta de Alexy. Como consequência Alexy defende a tese de que a moral faz parte do direito, sendo um dos defensores da moral como terceiro elemento do direito, bem como, os direitos fundamentais são no entendimento dele a moral institucionalizada. Já para Raz a moral não faz parte do direito, as decisões devem basear-se na lei, criada pelos representantes do povo.
Nesse sentido, o magistrado poderia aplicar a norma, utilizando-se dos princípios nos casos difíceis, os hard cases. Em relação ao direito ordinário, o magistrado deve seguir a norma vigente. De fato, os casos em que há grande ponderação de princípios constitucionais, como ocorre em casos relacionados com políticas públicas a decisão se faz necessária de princípios constitucionais, por meio da hermenêutica. Já os direitos utilizados ordinariamente, devem respeitar a Constituição por causa dos efeitos irradiantes, porém, não se faz necessária sua hermenêutica constitucional, somente ocorrendo tal situação se por razão de inconstitucionalidade no caso concreto ou intepretação não recepcionadas pela Constituição. Assim sendo, não é a tese do sopesamento que torna o magistrado subjetivista e sim o próprio julgador que não a aplica corretamente. Criando uma arbitrariedade estatal, pois o se não respeito às regras, pode se tudo menos direito; a coerção possui a ideia de criar um ônus para o ente público que não observa os direitos fundamentais, porquanto não deve o ente descumprir sua própria norma.
Assim, a intervenção do Pode Judiciário para sanar equívocos criados pelos outros Poderes da República se torna necessária no momento em que a Carta Magna está sendo agredida. As decisões contramajoritarias possuem como finalidade preservar o direito fundamental do cidadão e a Constituição de atos arbitrários, desde meras multas tributarias até prisões arbitrarias, passando por corrupção. O cidadão deve ter em mente que a Constituição foi criada com intuito de limitar o poder estatal em relação aos seus súditos.
Com isso, o trabalho analisou aplicação do mínimo existencial desde Alemanha e aplicado ao Brasil, juntamente como a dignidade da pessoa humana faz com que os Poderes da República, efetivem os direitos fundamentais, cujo próprio Poder politico criou em 1988. Ou seja, o STF somente faz o que o Poder Constituinte determinou o direito inclusivo, isto é, por meio de programas os legisladores e os administradores criam políticas públicas. Assim, quando não exercem a legislatura ou administração positiva, sendo o direito fundamental resguardado na Carta Magna, deve o Judiciário obrigar os outros Poderes a fazer ou deixar de fazer.
Dessa forma, o fenômeno da judicialização é nada mais que a efetivação dos direitos fundamentais consagrados na Constituição. Como consequência da ineficiência dos Poderes da República em transformar a Constituição em direito inclusivo. Assim, o cidadão busca efetivá-los, obrigando o ente a fornecer, fazer ou criar o que determina a Constituição.
Referências
Alexy, Robert. A natureza dos argumentos acerca da natureza do direito; página 56, 57; Tradução: Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira e Bruno Costa Teixeira. http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/view/Op_3.1_2008_56-69.
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