Judicialização e democracia

É notável que nos últimos anos o STF tenha desempenhado papel tão ativo e decisivo na vida institucional brasileira. A decisão de importantes questões políticas tem gerado tanto aplausos como críticas e, não é somente uma peculiaridade brasileira.

Também outras cortes judiciais pelo mundo se destacaram historicamente assumindo o protagonismo nas decisões e na final e efetiva materialização de valores constitucionalmente protegidos e de políticas públicas e, provendo escolhas morais sobre temas bastante controvertidos.

Desde o final da Segunda Grande Guerra Mundial verificou-se o sensível avanço da justiça constitucional[1] em todo Ocidente sobre o espaço da política seja no âmbito do Legislativo, seja no âmbito do Executivo.

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No Canadá sua Suprema Corte fora chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de os EUA fazerem testes com mísseis em território canadense.

Em 2000, o derradeiro capítulo da eleição presidencial norte-americana fora decidido pela Suprema Corte, no julgamento de Bush versus Gore[2].

Em Israel, a Suprema Corte decidira sobre a compatibilidade com a Constituição e com os atos internacionais, da construção de um mero na fronteira com o território palestino.

Na Turquia no papel de preservar o Estado laico a Suprema Corte protegeu-o do avanço voraz do fundamentalismo islâmico. Também na Hungria e na Alemanha os planos econômicos tiveram sua validade decidida pelas mais altas cortes. Na Coréia, a Corte Constitucional restituiu mandato presidencial que fora cassado por impeachment.

É extremamente fluída a real divisão e definição entre a política e a justiça[3]no mundo contemporâneo. E, se destaca o caso brasileiro pela notável extensão e volume.

Somado a isso há ainda a transmissão direta dos julgamentos pela TV Justiça transformou os julgamentos numa espécie de reality show com direito a bizarrices verbais e jurídicas[4].

Barroso aponta que é mais positivo tal espetacularização do STF principalmente num país com histórico de pouca transparência como o nosso, onde assistir onze pessoas de notório saber jurídico decidindo as questões nacionais, sem dúvida, é uma boa imagem.

A visibilidade pública propicia maior controle social e melhor funcionamento da democracia. A judicialização envolve a transferência de poder para juízes e tribunais com alterações de linguagem, argumentação e modo de participação social.

A primeira judicialização ocorrera em função da redemocratização brasileira[5] que culminou com a promulgação da Constituição de 1988 alcunhada de “Constituição cidadã”. A recuperação de garantias da magistratura transformou o Judiciário em poder político capaz de concretizar a Constituição e as leis, inclusive no confronto de outras leis.

O ambiente democrático reavivou a cidadania antes adormecida ocasionando maior consciência de direitos e a maior busca de proteção de seus interesses perante juízes e tribunais.

Dentro do mesmo contexto ocorreu a expansão institucional do MP com aumento de sua importante atuação fora da área exclusivamente penal, bem como a maior presença e atuação da Defensoria Pública.

Resumindo: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário e aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira. A outra causa foi a constitucionalização, abrangente que centralizou a Constituição no ordenamento jurídico influindo diretamente inúmeras matérias.

De fato, a constitucionalização foi uma tendência mundial observada nas Constituições de Portugal de 1976 e da Espanha de 1978 que foi potencializada no cenário brasileiro na Constituição de 1988.

Constitucionalizar significa transformar a política em Direito[6]. Assim se é assegurado constitucionalmente o direito à educação e ao meio ambiente equilibrado é possível portanto, judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas praticadas.

A outra causa da judicialização é a existência de sistema brasileiro de controle de constitucionalidade[7] sendo considerado um dos mais abrangentes do mundo conforme menciona Gilmar Mendes. É um controle qualificado como híbrido ou eclético que combina dois diferentes sistemas: o americano e o europeu.

Desta forma, usamos o controle incidental e difuso que qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei ao caso concreto, caso considere inconstitucional. E, também usamos o modelo europeu que institui o controle por ação direta e que permite que em tese a matéria seja levada diretamente ao STF.

Somado o direito de propositura amplo que é previsto atualmente no art. 103 CF/1988 pelo qual vários órgãos sejam entidades privadas ou públicas, sejam sociedades de classe ou confederações sindicais possam ajuizar ações diretas.

Concluímos que nesse cenário quase toda e qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alcançada pelo STF. Mas a tendência não é inédita e vem crescendo nos últimos anos.

Deve-se ainda mencionar a virada da jurisprudência no tocante ao mandado de injunção, em caso que se determinou a aplicação do regime das greves[8] do setor privado àquelas que ocorram no serviço público.

Nos últimos tempos, o STF fora instado a se pronunciar sobre políticas governamentais tais como a Reforma da Previdência (contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (com a criação do Conselho Nacional de Justiça), sobre a determinação dos limites legítimos de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) com a quebra de sigilos e decretação de prisão e sobre o papel do MP na investigação criminal, sobre os direitos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão no caso de racismo (Caso Ellwanger[9]) e a possibilidade de progressão de regime penitenciário para os condenados pela prática de crimes hediondos.

Cumpre lembrar que sobre todas as decisões acima mencionadas o STF fora provocado a se manifestar e, o fez dentro dos limites dos pedidos formulados e ainda de sua competência.

E não caberia uma vez preenchidos todos os requisitos exigidos em lei, deixar de conhecer tais ações, ou deixar de se pronunciar sobre o mérito destas.

Não se pode imputar aos ministros que compõem o STF a alternativa ou ambição de em face dos precedentes referidos gestar um modelo juriscêntrico, ou instaurar a juristocracia, marcando a hegemonia judicial sobre os demais poderes instituídos.

A judicialização ocorrida também não fora resultado de opções ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se estritamente a cumprir seu papel constitucional em conformidade com a constituição vigente.

Há quem confunda a judicialização da política com o ativismo judicial. Mas, na verdade, como salientou Barroso são primos[10] e, portanto, pertencentes à mesma família embora não tenham as mesmas origens.

A judicialização decorre do modelo constitucional brasileiro que se adotou e, não um exercício deliberado de vontade política. O Judiciário decidiu tais casos porque era exatamente o que lhe cabia fazer, sem restar outra alternativa (princípio da inafastabilidade da jurisdição).

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Já o ativismo judicial é atitude um agir específico e proativo de interpretar a Constituição expandindo o seu sentido e alcance. E, normalmente se dá o ativismo judicial onde há retração do Legislativo, de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo o atendimento de demandas sociais bem como a efetividade de garantia e direitos constitucionalmente protegidos.

O ativismo judicial significa uma participação mais ampla e intensa no âmbito de atuação dos outros poderes. O ativismo se revela exemplificadamente pela aplicação direta da Constituição em situações não expressamente contempladas e inerentemente de manifestação do legislador ordinário; a declaração inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critério menos rígidos quando ocorre a patente e ostensiva violação da Constituição; na imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

É verdade que a origem do ativismo judicial remonta à jurisprudência norte-americana que numa primeira fase fora conservadora. A atuação mais produtiva da Suprema Corte foi para reforçar a conduta e os direitos dos grupos reacionários para justificar a segregação racial (Dred Scott versus Sanford, 1857) e para a invalidação de leis em geral (Era Lochner[11], 1905-1937) culminando no confronto do Presidente Roosevelt e a Corte Judicial com a orientação contrária ao intervencionismo estatal na economia.

Tal situação se inverteu completamente a partir da década de cinquenta quando a Suprema Corte sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973) produzira uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros, os acusados em processo criminal (Miranda versus Arizona[12], 1966) e mulheres (Richardson versus Fontiero[13], 1973), bem como referente o direito de privacidade (Griswold versus Connecticut[14], 1965) de interrupção de gestação (Roe versus Wade, 1973).

O oposto do ativismo judicial está na autocontenção judicial, onde o Judiciário procura mitigar sua interferência nas ações dos outros poderes, e evita aplicar diretamente a Constituição que não seja o âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; e utiliza critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos e também se abstém de interferir na definição de políticas públicas.

Até a CF/1988 esta era linha efetiva de atuação do Poder Judiciário brasileiro. O ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem invadir o campo da criação livre do Direito.

A autocontenção institucional do Judiciário restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas.

Veja na matéria de fidelidade partidária, o STF em nome do princípio democrático, declarou que a vaga no Congresso Nacional pertence ao partido político. Criando assim, nova espécie de perda de mandato parlamentar, além das previstas expressamente no texto constitucional.

No mesmo sentido, propôs o STF a vedação ao nepotismo dos Poderes Legislativo e Executivo com a expedição de súmula vinculante[15] que assumiu nítida conotação normativa.

E assim o fez com base nos princípios da moralidade e da impessoalidade. Recentemente, o STF declarou a inconstitucionalidade da aplicação de novas regras sobre as coligações eleitorais em face da eleição que se realizaria em menos de um ano de sua aprovação.

Desta forma precisou o STF exercer incomum competência, declarando a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, conferindo a regra de anterioridade anual da lei eleitoral o status de cláusula pétrea. O mesmo se pode dizer da decretada inconstitucionalidade da cláusula de barreira, ou seja, que impõe limitações ao funcionamento parlamentar de partidos políticos que não preenchessem requisitos mínimos de desempenho eleitoral.

É outro exemplo de ativismo judicial o caso de distribuição de medicamentos e determinadas terapias mediante decisão judicial. E se multiplicam decisões na esfera federal e estadual que condenam a União, o Estado ou Município e, por vezes, os três solidariamente a custear medicamentos e terapias que não constam das listas e protocolos do Ministério da Saúde ou das Secretarias Estaduais e Municipais. Em alguns casos, se referem aos tratamentos experimentais ou que devem ser realizados no exterior.

O binômio "ativismo-autocontenção judicial" presente na maior parte dos países que adotam o modelo de supremas cortes ou tribunais constitucionais para a competência de controle de constitucionalidade, perfazendo um movimento pendular que varia conforme o prestígio dos outros dois poderes.

Mas, no Brasil, o Executivo é de inegável popularidade, apesar de algumas medidas provisórias desagradarem, portanto, é limitada a superposição existente entre o Executivo e o Judiciário.

O mesmo não se pode cogitar do Congresso Nacional que atravessa séria crise de legitimidade[16] e funcionalidade, o que tem alimentado a expansão do Judiciário, em nome da Constituição com a prolatação de decisões que supram omissões e, por vezes, inovam a ordem jurídica, com caráter normativo geral.

Há um lado positivo que é o atendimento de demandas sociais que não foram satisfeitas pelo Legislativo, assim em temas como a greve no serviço público, vedação ao nepotismo ou regras eleitorais. Já o lado negativo é que expõe ainda mais as dificuldades enfrentadas pelo Legislativo, o que força uma reaproximação entre a classe política e a sociedade civil.

Alguns doutrinadores defendem que os ativistas devem ser eventuais, e só ocorrer em certos momentos históricos. Porém, não há democracia saudável sem haver igualmente uma atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem Congresso atuante e investido de credibilidade.

Até na agenda, o Judiciário tem se destacado mais que o Legislativo haja vista as audiências públicas e o julgamento sobre a pesquisa com células-tronco embrionárias que obteve a grande visibilidade pública e fomentou o debate para o processo legislativo.

Há, contudo, três objeções colocadas contra o ativismo judicial brasileiro. E, se concentram no risco para a legitimidade democrática, na indevida politização da justiça e nos limites da capacidade institucional do Judiciário.

A primeira objeção é que os juízes, desembargadores e ministros não são agentes públicos eleitos, não sofreram o batismo da vontade popular. E a ideia do órgão como STF sobrepor-se a uma decisão do Presidente da República sufragado por expressiva quantidade de votos ou do Congresso é identificada como a dificuldade contramajoritária.

Porém, existem duas justificativas: uma de natureza normativa e outra filosófica. A primeira justificativa decorrente da expressa disposição prevista na CF/1988 que atribuiu ao Judiciário e notadamente ao STF a parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos não recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial.

Portanto, os magistrados não possuem vontade política própria. E, ao aplicarem a Constituição e as leis apenas concretizam a vontade do constituinte ou do legislador, ou seja, dos representantes do povo.

Tal afirmação, contudo deve ser tomada com temperamento pois a atuação jurisdicional não seja meramente mecânica. Principalmente porque lhe cabem precisar o sentido mesmo ante as expressões vagas, fluídas ou indeterminadas, como a dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornando-se, por vezes, coparticipantes da criação do Direito.

Já a razão filosófica é mais sofisticada pois a definição do Estado Constitucional democrático é produto de duas ideias que se complementam, o constitucionalismo[17] e a democracia.

Apesar de que entre a democracia e o constitucionalismo[18], entre a vontade e a razão, entre os direitos fundamentais e governo da maioria podem surgir situações de tensão e conflitos aparentes.

Desta forma, a Constituição deve estipular as regras do jogo democrático permitindo ampla participação política, com o governo da maioria e alternância de poder.

Porém, a democracia não se resume ao princípio majoritário (não significa a ditadura da maioria)[19]. Havendo também outro papel da Constituição que é proteger os valores e direitos fundamentais mesmo contra a vontade circunstancial da maioria de votos.

Sua missão de velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um fórum de princípios não de política e de razão pública, não de doutrinas prevalentes, sejam estas ideológicas, políticas ou religiosas.

A jurisdição constitucional bem exercida configura assim uma garantia para a democracia e, não, um risco. Evidentemente apesar de o Judiciário ser o maior intérprete da Constituição, não pode suprimir a política, o governo de maioria e nem o papel do Legislativo. Impossível ser a Constituição ser ubíqua[20] (onipresente).

Observados os valores e fins constitucionais, caberá à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas.

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Portanto, só atual legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões com base na Constituição.

A teoria crítica do Direito já proclamava que Direito é política, denunciando a superestrutura jurídica como uma instância de poder e dominação. Apesar do recuo das concepções marxistas no momento atual, é fora de dúvida que já não subsiste a crença na ideia liberal-positivista de objetividade plena do ordenamento e da neutralidade absoluta do intérprete.

Mas o Direito não é política, não é possível tal equiparação, principalmente por submeter à noção do que é correto e justo à vontade daquele que detém o poder[21].

É verdade que no contexto pós-positivista, o Direito muito se aproxima da Ética, servindo de instrumento da legitimidade e da realização da dignidade da pessoa humana. Infelizmente a crítica mais desqualificante da decisão é a acusação seja política e, não propriamente jurídica.

Não se pode ignorar, contudo, a clara divisão existente entre Direito e Política, mas que nem sempre é tão nítida, e nem sendo fixa.

É verdade que a Constituição labora a interface entre o universo político e o jurídico, em um esforço para submeter o poder às categorias que mobilizam o Direito, como a justiça, a segurança e o bem-estar social.

Sua interpretação, portanto, sempre terá uma dimensão política, ainda que balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente. Afirmamos que Direito não é política no sentido de admitir escolhas livres, tendenciosas ou partidarizadas.

A liberdade[22] de expressão de quem pensa de acordo com a maioria não pode ser protegida de modo mais intenso do que a de quem esteja em minoria. O ministro do tribunal superior, nomeado por certo Presidente da República, não pode ter a atitude a priori de nada decidir contra o interesse de quem o investiu no cargo.

A rigor, uma decisão judicial jamais será política no sentido de livre escolha, de discricionariedade plena[23]. Mesmo nas situações que, em tese, comportam mais de uma solução plausível, o juiz deverá buscar a que seja mais correta e mais justa, à luz dos elementos do caso concreto.

O dever de argumentação e motivação racional é traço distintivo e relevante da função jurisdicional e dá a esta uma peculiar legitimação.

Na época da criação do primeiro tribunal constitucional, Hans Kelsen e Carl Schmitt travaram célere debate sobre quem deveria ser o guardião da Constituição.

Schmitt era contrário à existência da jurisdição constitucional e afirmou que a judicialização da política iria se perverter em politização da justiça.

Mas sua profecia não se cumpriu e o controle judicial da constitucionalidade se espalhou e evoluiu em todo mundo. Mas deve-se prevenir para que não se construa um jurisconcentrismo.

Cabe relembrar ao juiz que: só deve agir em nome da Constituição e das leis, não por vontade política própria; deve ser diferente para com as decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando a presunção de validade das leis.

Não deve o juiz perder de vista que embora não seja eleito para judicar, o poder que exercer é representativo[24], posto que emane do povo e em seu nome deve ser exercido, razão pela qual sua atuação deve estar em sintonia com o sentimento social, na medida do possível.

Porém, os juízes não podem ser populistas[25] e, em certos casos, terão de atuar de maneira contramajoritária. Devem promover a conservação e promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade e das maiorias políticas, é uma condição de funcionamento do constitucionalismo democrático.

Logo, a intervenção do Judiciário nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional dá-se a favor e não contra a democracia.

Na maioria dos Estados democráticos do mundo se organizaram em um modelo de separação de poderes[26]. E, as funções do Estado de legislar (positivando o direito), administrar (concretizar o Direito) e prestar serviços públicos como, por exemplo, julgar (aplicar o Direito nos conflitos). Não obstante, os poderes diferentes, estes exercem o controle recíproco sobre as atividades de cada um, de modo a impedir o surgimento de instâncias hegemônicas, capazes de ameaçar a democracia e os direitos fundamentais.

Frise-se que esses poderes interpretam a Constituição, devendo sua atuação respeitar os valores e promover os fins nesta previstos. Em caso de divergência na interpretação das normas constitucionais e legais a palavra final é mesmo do Judiciário. Mas tal primazia não significa que toda matéria deva necessariamente ser decidida em tribunais, nem legitima a arrogância judicial.

A doutrina contemporânea registra observações sobre as capacidades institucionais e a de efeitos sistêmicos. Por capacidade institucional entende-se a determinação de qual poder está mais habilitado ou apto a produzir a mais adequada decisão em determinada matéria.

É verdade que temas que envolvam aspectos técnicos e científicos muito específicos podem apresentar grande complexidade e podem não ter o juiz de direito como árbitro mais qualificado.

Apesar de que formalmente, os julgadores oficiais do Judiciário sempre conservarão a sua competência para o definitivo pronunciamento sobre os conflitos. Mas, podem existir situações normalmente precípuas que devem prestigiar as manifestações tanto do Legislativo como do Executivo.

Quanto aos riscos para a legitimidade democrática estes se atenuam na medida em que o Judiciário apesar de não ser eleito se atenha à aplicação da Constituição e das leis, e não atue por vontade própria.

Também é certo que diante do arsenal de cláusulas constitucionais abertas e fluídas, tais como a dignidade da pessoa humana, eficiência ou impacto ambiental o poder criativo do intérprete judicial se expande a um nível quase normativo.

Apesar dos riscos da politização da justiça, sobretudo da justiça constitucional, que não podem ser totalmente eliminados. A Constituição é, precisamente, o documento que transforma o poder constituinte em poder constituído, ou seja, Política em Direito.

Mas, a interpretação constitucional é missão sujeita aos cânones de racionalidade, objetividade e motivação das decisões judiciais, devendo reverência à dogmática jurídica, aos princípios de interpretação e aos precedentes.

A verdade é que a corte constitucional não deve ser cega ou mesmo indiferente às consequências políticas que de suas decisões surgem, inclusive no sentido de impedir resultados injustos ou prejudiciais ao bem comum ou aos direitos fundamentais.

Confirma-se que o Judiciário deve agir somente dentro das possibilidades e dos limites já traçados e delineados pelo ordenamento jurídico vigente.

O Judiciário na qualidade de guardião da Constituição deve zelar que tenha eficácia, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face de outros poderes. O que confirma que a eventual atuação contramajoritária sempre se dará em prol da democracia.

Para a definição da teoria da democracia há a confluência de três grandes tradições do pensamento político, a saber:

a) a teoria aristotélica que prevê três formas básicas de governo, e definiu a democracia como governo do povo, de todos os cidadãos e que se distingue da monarquia, com o governo de um só, e que se distingue do governo da aristocracia ou de poucos, igualmente chamada de oligarquia;

b) a teoria medieval de origem romana e apoiada na soberania popular conforme o poder derivasse do povo e se torna representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior;

c) a teoria moderna inspirada em Maquiavel e, nascida com o Estado Moderno na forma das grandes monarquias: cujas formas históricas de governo são essencialmente duas: monarquia e república.

O problema da democracia é bastante antigo tanto quanto qualquer reflexão sobre a política e tem sofrido reformulações em todas as épocas.

Os juristas medievais elaboraram a teoria da soberania popular, partindo de conhecidas passagens do Digesto particularmente de Ulpiano que fez a célebre afirmação quod principi placuit, legis hat vigorem, se diz que "o príncipe tem autoridade porque o povo lha deu" (ut pote cum lege regia quae de imereio eius lata est, populus ei et eum omne suum imperium et potestatem conferat), o de Juliano,onde se diz que "o povo cria o direito não apenas do voto, dando vida às leis e dando vida aos costumes".

Se por outro lado, enquanto a causa prima do Estado é o legislador, sendo executiva e instrumental pois no sentido de quem governa age pela autoridade que lhe foi outorgada para tal fim pelo legislador e segundo a forma que este lhe indicar.

Porém há uma diferença crucial do legislativo concebido por Locke, pois defendeu que deve ser exercido por representantes enquanto que Rousseau afirmou que deva ser assumido diretamente pelos cidadãos.

Importante é não confundir a doutrina da soberania popular com a doutrina contratualista até porque esta nem sempre teve êxitos democráticos (basta pensar em Hobbes e em Kant que foi contratualista sem ser democrático). Desta forma, é de se concluir que nem todo contratualismo é democrático assim como nem todo democratismo é contratualista.

Malgrado o pensamento grego ter preferido a teoria das três formas distintas de governo, sabe-se que este não desconhece as Leis de Platão, que propõe a contraposição entre as duas formas opostas da Democracia e da monarquia. Certamente foi a meditação da história da república romana, unida às considerações sobre as coisas do próprio tempo, que fez escrever a Maquiavel, que dedicou a obra ao principado.

A democracia moderna cada vez mais frequentemente definida como regime policrático oposto ao monocrático. Em geral, a linha de desenvolvimento da democracia aponta para os regimes representativos que pode figurar-se basicamente em duas direções:

a) no alargamento gradual do direito do voto, que inicialmente era restrito a uma exígua parte dos cidadãos com base em critérios fundados sobre o censo, a cultura e o sexo e que depois se foi estendendo, dentro de uma evolução constante, gradual e geral, para todos os cidadãos de ambos os sexos que atingiram certo limite de idade (sufrágio universal);

b) na multiplicação dos órgãos representativos (isto é, dos órgãos compostos de representantes eleitos), que num primeiro tempo se limitaram a uma das duas assembleias legislativas, e depois se estenderam, aos poucos, à outra assembleia, aos órgãos do poder local ou, na passagem da monarquia para a república, do chefe de Estado.

Em uma e em outra direção, o processo de democratização que consiste no cumprimento cada vez mais pleno do princípio-limite da soberania popular, se insere na estrutura do Estado Liberal (entendido primeiramente como estado de garantias).

Na teoria contemporânea a democracia tende a esgotar-se num elenco mais ou menos amplo expondo as seguintes definições:

a) o órgão político máximo, a quem é assinalada a função legislativa, deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo, em eleições de primeiro ou segundo grau;

b) junto do supremo órgão do legislativo deve haver outras instituições com dirigentes eleitos tal como acontece nas repúblicas;

c) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de censo e possivelmente de sexo, devem ser eleitores;

d) todos os eleitores devem ter direito a voto igual;

e) todos os eleitores devem ser livres e votarem de acordo com sua opinião formada o mais possível, isto é, numa disputa libre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional;

 f) devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais alternativas;

g) vale-se do princípio da maioria numérica;

h) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições;

 i) o órgão do Governo deve gozar de confiança do Parlamento ou do chefe do Poder Executivo, por sua vez, eleito pelo povo.

Há a democracia[27] formal e a democracia substancial. A primeira indica certo número de meios que são precisamente as regras de comportamento acima descritas independentemente da consideração dos fins. A segunda indica certo conjunto de fins, entre os quais se sobressai o objetivo de galgar a igualdade[28] jurídica, social e econômica, independentemente dos meios adotados para os alcançar.

Na teoria de Rousseau segundo a qual o ideal igualitário que tanto inspira a democracia como valor e se realiza somente mediante a vontade geral e na efetiva justiça. Evidencia-se que a democracia para ser efetiva e verdadeira precisa da afirmação da justiça principalmente para garantir e manter as conquistas históricas contra o totalitarismo.

A substituição da legitimidade do sistema político pelo sistema de justiça nos apresenta um impactante paradoxo, onde questionamos se prescindir da democracia numa época em que se alcança uma liberdade segmentada, seja como cidadão, consumidor ou mesmo como eleitor.

A judicialização da política[29] atingiu incríveis patamares no Brasil e o argumento de que estamos numa “democracia de direitos” e que o sistema de justiça passou a tutelar todas as áreas, interferindo em políticas públicas e imiscuindo-se no mérito do ato administrativo.

Cogita-se então de invasão ou transbordamento de competências por envolver-se com assuntos que violariam assim a autonomia dos poderes políticos, tudo submetendo a visão jurídica. Numa colonização do mundo pelo viés jurídico que se concretiza mediante alargamento do espectro argumentativo, desligando-se de qualquer vinculação à lei.

Enfim, a legitimidade da democracia ocidental decorre enfaticamente dos tribunais constitucionais. E, nesse modelo dá-se não apenas a judicialização da política, mas sua consequente conclusão de que a democracia emana do direito[30]. Porém, tal quadro contraria todo o afã libertário contido na modernidade e na pós-modernidade.

A legitimidade do sistema judicial decorre de sua atuação técnica e de seu respeito a uma ordem jurídica na qual as obrigações jurídicas e sentenças são democraticamente formuladas. Justifica-se o cumprimento dessas pelo referido cumprimento da expectativa de que estas se realizem conforme uma correção procedimental não sujeita aos humores, arbitrariedades ou imprevisibilidades.

Há uma assertiva por vezes muitas vezes repetida tal como um mantra dos juristas brasileiros: – “Cabe ao STF errar por derradeiro”. Esse poder de errar por último, blindaria suas decisões da crítica, tornando-as indisponíveis e inquestionáveis.

Daí, outro dogma decorre é que “as decisões judicias não se discutem, cumprem-se”. Tais propostas indicam claramente a supremacia judicial, construindo um protagonismo da justiça sobre os demais poderes políticos. (In: MOREIRA, Luiz. Judicialização política no Brasil. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1364 Acesso em 02/02/2014).

O tema da judicialização foi também trabalhado por dois autores institucionalistas, Tate[31] e Vallinder[32], que utilizaram estudos de caso para então apresentarem uma definição do termo.

Embora esta não se enquadre em qualquer realidade – como no caso brasileiro, por exemplo, ela será utilizada pela maioria dos autores que os sucedeu.

De acordo com tais autores, a judicialização da política caracteriza-se pela difusão de procedimentos judiciais em arenas de deliberação política.

Dessa forma, o conceito propõe que o ajuizamento de ações que envolvam questões políticas constitui, por si só, um processo de judicialização da política. No entanto, os estudos sobre esta temática têm demonstrado que o aumento da litigância na arena política pode ser ocasionado por mecanismos institucionais, os mais diversos, ou por uma alteração no modo de interpretar dos juízes (ativismo judicial).

Portanto, é bem provável que as causas da emergência da judicialização obedeçam a uma lógica bem particular, variando de país para país. (OLIVEIRA, Vanessa; CARVALHO, Ernani. A judicialização da política: um tema em aberto, 2002).

Concluímos que a judicialização da política apresenta novo arcabouço jurídico e institucional[33] mais preocupado com a efetivação dos direitos fundamentais, especialmente os direitos sociais.

Assim surgem diferentes atores envolvidos – Poder Judiciário, Ministério Público e a Defensoria Pública de um lado; e os Poderes Legislativo e Executivo como atores legitimados e para efetivação dos direitos fundamentais e formulação das políticas públicas. Ocorre assim a cidadanização em que medida que a judicialização da política contribui para o adensamento democrático.

 

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BARROSO, Luís Roberto Barroso. Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2008dez22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica . Acesso em 01/02/2014.
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Notas:
[1] Na França o fato de que os nove membros da Corte Constitucional sejam nomeados, em partes iguais, pelo Presidente da República (três), pelo Presidente da Assembleia Nacional (três) e pelo Presidente do Senado (três) auxiliou na politização da justiça. Na Alemanha, a nomeação dos membros da Corte Constitucional, realizada pelo Bundestag e pelo Bundesrat, atua no mesmo sentido. O processo de recrutamento em ambos os casos, é portanto, altamente partidário, com vinculações ideológicas geralmente bem conhecidas. Nos EUA, a nomeação dos juízes é também um processo extremamente politizado, cabendo aos presidentes republicanos e democratas o preenchimento de vagas da Suprema Corte por juízes mais conservadores ou mais liberais respectivamente. São inúmeros os exemplos de judicialização da política na Europa.

[2] Fora um caso relevante onde os três liberais também restaram isolados foi aquele relativo à disputa pela recontagem de votos da Flórida, na eleição presidencial de 2000. Vide: George W. Bush versus Albert Gore Jr., no processo nº 00-949 julgado em 12 de dezembro de 2000. Nessa ocasião, o chief Justice, o juiz Rehnquist, escreveu parecer onde relata que por 6 a 3, impediu-se a recontagem de votos que poderia inverter o resultado eleitoral em prejuízo do candidato republicano. Os republicanos majoritários na corte favoreceram a sua conveniência partidária, obstruindo a busca da verdade. Foi decorrência direta desta decisão da Suprema Corte que resultou o legado de oito anos de governo Bush atrelado às consequências desastrosas para a humanidade. A decisão também fora nociva do Direito, pois nas palavras do voto vencido exarado pelo juiz Stevens que alegou que embora nós possamos nunca saber com certeza a identidade do vencedor daquela eleição presidencial, a identidade do perdedor é perfeitamente clara. O perdedor é a confiança da nação no juiz como guardião imparcial da "the rule of law"(a regra da lei). Lembrando que cada juiz é fundamental, mas o próximo presidente terá a oportunidade de indicar um ou dois novos juízes.

[3] A judicialização da política é considerada um fenômeno observado em diversas sociedades contemporâneas. E apresenta dois componentes: a um novo ativismo judicial, ou seja, a disposição de tribunais judiciais no sentido de expandir o escopo das questões sobre as quais devem formar juízos jurisprudenciais (muitas dessas questões até recentemente restavam reservadas ao tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo); e o interesse de políticos é autoridades administrativas em adotar procedimentos semelhantes ao processo judicial; parâmetros jurisprudenciais em suas deliberações. Portanto, a judicialização da política, é fenômeno observado de comportamento institucional que revela a expansão do poder das cortes judiciais, e seria o resultado de diversas características do desenvolvimento histórico de instituições nacionais e internacionais e de renovação conceitual em disciplinas acadêmicas. Por outro lado, a judicialização da política corresponde também, como é óbvio, a politização da justiça. Tal condição institucional de introdução da jurisdição, sobretudo das cortes constitucionais, no processo de formulação de políticas públicas é uma parte auxiliada pelas regras orgânicas dos tribunais ou do Poder Judiciário como um todo.

[4] A relação do judiciário com o sistema político agrega, portanto a influência da opinião pública. Políticos e juízes publicam suas opiniões e avaliações mútuas na imprensa e concedem entrevistas, firmando posições frequentemente antagônicas sobre gastos excessivos atribuídos ao judiciário e "privilégios" de parlamentares, políticas governamentais, decisões judiciais, princípios como o das "cláusulas pétreas", "separação e independência dos poderes" ou sobre possibilidades de reforma institucional. Além disso, os tribunais passam a se preocupar objetivamente com a sua imagem perante a opinião pública (Conselho da Justiça Federal, 1995 e 1996). Esses fatos indicam que o judiciário e especialmente o STF, têm causado algum impacto sobre o Legislativo e sobre o governo, frequentemente através de concessão de liminares e de ações não jurisdicionais. Por outro lado, a atuação do STF mediante a produção jurisprudencial resultante do uso de garantias constitucionais, como o mandado de injunção (MI) e a ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), não se coaduna com uma clara disposição para a interação institucional estável. Sobre as ADIns dos partidos políticos entre 1988 e 1992 mostrou, por exemplo, que uma parcela diminuta dessas ações resultaram em decisões substantivas de mérito.

[5] A redemocratização do Brasil em verdade corresponde a dois processos de transição política que puseram fim aos regimes ditatoriais e totalitários. A primeira redemocratização ocorreu em 1945, com o fim do chamado Estado Novo (1937-45) que corresponde a um golpe militar implementado por Getúlio Vargas. A segunda transição aconteceu em 1985, com o fim o regime militar (1964-85). Apesar de ter durado mais de duas décadas, a ditadura militar brasileira já se encontrava em grande desgaste. A sociedade reivindicava as liberdades individuais restringidas e exigia que os presos políticos fossem soltos mas, mesmo com toda essa pressão, naquele momento o país não mostrava sinais evidentes de retornar à democracia. Após os chamados anos de chumbo que foram do governo Médici e Geisel assumiu a presidência em 1974 e trouxe nova esperança de retorno a normalidade democrática com abertura política que se deu de forma lenta e gradual. Com a aprovação da Lei da Anistia, em 1979, pelo governo de João Baptista Figueiredo, esperava-se que o regime cessasse rapidamente. Mas somente em 1985 a redemocratização brasileira fora concluída. Os militares enfrentavam dificuldades para recuperar e gerir a economia do país. Nesta época, os índices de inflação eram muito altos, além dos inúmeros casos de corrupção na máquina pública revelados pela imprensa. Os setores de saúde e educação enfrentavam graves problemas e sofriam rombos enormes em seus orçamentos. A eleição presidencial de Tancredo Neves, em 1984 pelo Colégio Eleitoral sagrou o fim da ditadura militar, apesar de não obter apoio de partidos da esquerda como o partido dos trabalhadores e o partido comunista. No entanto, Tancredo Neves morrera logo após ocupar o cargo da Presidência da República. E, quem ocupou seu lugar, fora o seu vice que era José Sarney. Durante o governo de Sarney, uma nova Constituição fora formulada e concluída em 1988 e seu texto previa o fim da censura e proclamava o direito às liberdades civis da sociedade. Em 1989, finalmente a sociedade brasileira votou diretamente para presidente, elegendo Fernando Collor de Mello que acabou sofrendo impeachment em 30 de dezembro de 1992.

[6] No debate da teoria política contemporânea ressalta o problema da justiça constitucional como um problema fundamental da política. Não por acaso, Ronald Dworkin afirmou que uma teoria do direito necessita de uma teoria política e que esta, por sua vez, necessita de uma teoria do direito. Isso ocorre, sobretudo, pela ascensão do estado democrático de direito, em que o compromisso com tema dos direitos, na dimensão civil, política e social, promove um empoderamento do judiciário diante dos outros poderes, convertendo-o, ao contrário das premissas do estado liberal do século XIX, em ator político ativo e orientado para a persecução dos valores políticos da democracia. Assim, por conta desse argumento, as democracias demandam uma forma de julgamento político assentado na imparcialidade. Como a capacidade dos cidadãos para julgar é limitada é fundamental pensar um fundamento institucional que permita estabelecer juízos factíveis e imparciais, capazes de assegurar a plena justiça (Rawls).

[7] O controle de constitucionalidade em princípio atua como mecanismo de correção presente em certo ordenamento jurídico, consistindo em um sistema de verificação da conformidade de um ato, lei ou decreto em relação à Constituição Federal. Não se admite que um ato, hierarquicamente, inferir à Constituição confronte suas premissas, caso em que não haveria harmonia das próprias normas, gerando pois insegurança jurídica para os destinatários do sistema jurídico. O controle de constitucionalidade visa restabelecer a unidade ameaçada, considerando a supremacia e rigidez das disposições constitucionais. Nesse sentido, ainda é preciso acrescentar duas premissas à existência do Controle de Constitucionalidade, quais sejam: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia, como acima exposto, traduz a posição hierárquica mais elevada da (Constituição) dentro do sistema e, além disso, para que possa figurar como parâmetro de validade à conferência dos demais atos, necessário é passar por um processo de elaboração diverso e mais complexo daquele aplicável aos demais atos. Essa rigidez leva à ideia de supremacia formal da (Constituição). Assim, todo ato de concretização de direito infraconstitucional envolve operação mental automática de Controle de Constitucionalidade, pois o intérprete deve certificar-se da constitucionalidade de uma pretensão consubstanciada e exteriorizada via atos infraconstitucionais antes de aplicá-la. Contudo, válida é a observação de Luís Roberto Barroso quanto à diferenciação terminológica entre Jurisdição Constitucional e Controle de Constitucionalidade. Muitos autores tendem a utilizar ambos os conceitos como se semelhantes fossem, o que não é verdadeiro. Jurisdição Constitucional designa a aplicação da (Constituição) por juízes e tribunais, podendo esta aplicação ser direta, quando a norma constitucional discipline determinada situação de vida ou indireta, quando a Constituição sirva de referência para atribuição de sentido a uma norma constitucional, ou seja, o próprio Controle de Constitucionalidade. Deste modo, Jurisdição Constitucional pode ser caracterizada como um gênero à espécie Controle de Constitucionalidade.

[8] Até 1998 todos os servidores públicos faziam parte do Regime Jurídico Único (RJU), ou seja, eram estatutários. A Emenda Constitucional 19/1998 alterou o art. 39 da CF/1988, não mais fazendo referência ao RJU. Com isso, entendeu-se que tais servidores poderiam ser contratados sob outros regimes. No dia 02 de agosto de 2007, com o julgamento da ADIN 2135/2000 que restabeleceu o caput do art. 39 da CF com efeitos ex nunc. Assim, os servidores desde então contratados passaram a ser regidos novamente pelo RJU. Somente seria possível a contratação de trabalhadores pelo regime celetista se existir legislação específica no âmbito do ente federativo, como, por exemplo, a Lei 9.962/2000, na esfera federal. Recentemente, em outubro do ano de 2007, o STF, em uma decisão histórica relativa ao Mandado de Injunção nº 670/712, declarou que é aplicável ao serviço público, enquanto não for disciplinada pelo Legislativo, a lei de greve do setor privado, qual seja, a Lei nº 7.783/1989. Em seu voto, o Ministro Celso de Mello assim julgou: “(…) viabilizar, desde logo, nos termos e com as ressalvas e temperamentos preconizados por Suas Excelências, o exercício, pelos servidores públicos civis, do direito de greve, até que seja colmatada, pelo Congresso Nacional, a lacuna normativa decorrente da inconstitucional falta de edição da lei especial a que se refere o inciso VII do art. 37 da Constituição da República”.

[9] O STF manteve a condenação do editor Siegfried Ellwanger imposta a ele pelo TJRS por crime de racismo. O julgamento do Habeas Corpus (HC 82424) ajuizado pela defesa de Ellwanger foi concluído em 17/9/2003. Por maioria de sete a três, o Plenário negou o recurso, vencidos os ministros Moreira Alves, Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto. Os dois primeiros consideraram o crime prescrito. Ayres Britto concedia o recurso de ofício para absolver o livreiro por falta de provas. "A questão de fundo neste habeas corpus diz respeito à possibilidade de publicação de livro cujo conteúdo revele ideias preconceituosas e antissemitas. Em outras palavras, a pergunta a ser feita é a seguinte: o paciente, por meio do livro, instigou ou incitou a prática do racismo? Existem dados concretos que demonstrem, com segurança, esse alcance? A resposta, para mim, é desenganadamente negativa", justificou. Em seguida, os ministros Celso de Mello, Carlos Velloso e Gilmar Mendes, Nelson Jobim e Ayres Britto ratificaram votos já proferidos sobre a matéria e, à exceção de Britto, indeferiram o pedido feito pela defesa do livreiro. Último a concluir voto, já no inicio da noite, o ministro Sepúlveda Pertence acompanhou a corrente majoritária que negou o Habeas Corpus, “A discussão me convenceu de que o livro pode ser instrumento da prática de racismo. Eu não posso entender isso como tentativa subjetivamente séria de revisão histórica de coisa nenhuma", votou ele.

[10] Barroso diferenciou ativismo judicial de judicialização. Explicou que a judicialização representa em grande parte a transferência de poder político para o Judiciário, principalmente, para o Supremo Tribunal Federal. “A judicialização é fato”, diz. O constitucionalista carioca apontou três causas: a redemocratização do país, que levou as pessoas a procurarem mais o Judiciário; a constitucionalização, que fez com que a Constituição de 1988 tratasse de inúmeros assuntos; e o sistema de controle de constitucionalidade. A Constituição, brinca, só não traz a pessoa amada em três dias. “A judicialização é um fato e não uma vontade política do Judiciário; é a circunstância do modelo constitucional que nós temos.”. Já o ativismo, ao contrário da judicialização, não é fato, diz Barroso, mas atitude. Acontece quando há um déficit de outros Poderes e o Judiciário aplica princípios a situações não previstas em leis. Barroso cita como exemplo a fidelidade partidária, quando o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu, e o Supremo confirmou, norma não prevista na Constituição em nome do princípio democrático. A demanda para acabar com o troca-troca de partido, diz, não foi atendida pelas instâncias políticas competentes. (In: ITA, Marina. Judicialização é fato, ativismo é atitude. Em 17.05.2009. Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-mai-17/judicializacao-fato-ativismo-atitude-constitucionalista Acesso em 31/01/2014.).

[11] A Era Lochner foi um período na história jurídica dos EUA em que a Suprema Corte tendeu a usar do devido processo substantivo para derrubar leis consideradas não infringir a liberdade econômica ou direitos contratuais privados. Teve seu início com o caso em 1905 Lochner versus New York. Nessa época a Suprema Corte norte-americana fora descrita como judicialmente ativa, porém politicamente conservadora. E por vezes invalidou legislação estadual e federal que inibiu negócios ou limitou o chamado mercado incluindo leis sobre o mínimo teto salarial, leis sobre o trabalho infantil, os regulamentos da banca de seguros e de transportes e indústrias.

[12] Esse caso foi predecessor de uma decisão da Corte Suprema dos EUA. E supôs que tanto as declarações inculpatórias como as exculpatórias realizadas em resposta a um interrogatório por um acusado em custódia da polícia é admissível a um juiz só se o fiscal pode demonstrar que o acusado foi informado antes de ser interrogado do que hoje em dia se conhece como advertência de Miranda: seu direito a consultar a um advogado defensor antes e durante interrogatório, e o direito a não se autoinciriminar.

[13] Foi um caso que representou um marco para a Corte Suprema dos EUA (em 17 de janeiro de 1973) que concluiu que os benefícios dados pelo exército dos Estados Unidos para a família de membros do serviço não pode ser dada de forma diferente por causa de sexo. Sharron Frontiero, uma tenente da Força Aérea dos EUA, aplicada para a habitação e assistência médica para seu marido Joseph, a quem ela alegou como um dependente. Enquanto os militares masculinos poderiam reivindicar para suas esposas como dependentes e obter benefícios para estas, automaticamente o mesmo direito deveria ter os militares femininos, mas tinham que provar que tais maridos eram dependentes. Qualquer regime legal que traça uma linha nítida entre os sexos exclusivamente com o fim de alcançar conveniência administrativa comandos necessariamente tratamento diferente para os homens e mulheres que estão em situação semelhante e, portanto, envolve o mesmo tipo de escolha legislativa arbitrária e proibida pela Constituição.

[14] É um caso histórico em que a Suprema Corte dos EUA decidira que a Constituição protege o direito à privacidade. O caso envolveu uma Lei de Connecticut que proibia o uso de contraceptivo. E, por uma votação de 7-2, a Suprema Corte invalidou a lei, alegando que ele violou o direito à privacidade conjugal. Embora o Bill of Rights não mencionar explicitamente privacidade. O Juiz William O. Douglas escreveu para a maioria que o direito era para ser encontrado nas penumbras e emanações de outras proteções constitucionais. O Juiz Arthur Goldberg escreveu um parecer favorável em que ele usou a Nona Emenda dos EUA para defender a decisão da Suprema Corte. Desde Griswold, a Suprema Corte citou o direito à privacidade em várias decisões, principalmente no caso Roe versus Wade, 410 EUA 113 (1973), em que o Tribunal decidiu que a escolha de uma mulher para ter um aborto foi protegida como uma decisão privada entre ela e seu médico. Para a maior parte, o Tribunal de Justiça fez estas decisões posteriores com base de Justiça Harlan substantivo devido processo racional.

[15] A súmula vinculante é mecanismo que tem força de lei e deve ser seguido por todos os tribunais. Foi criada em 2004 através da Emenda Constitucional 45, trata-se de mecanismo que obriga juízes de todos os tribunais a seguirem o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre determinado assunto com jurisprudência consolidada. Com a decisão do STF, a súmula vinculante adquire força de lei e cria um vínculo jurídico, não podendo mais, ser contrariada. É o caput do art. 103-A da CF/1988 que a define. Com tal mecanismo se assegura o princípio da igualdade nesse tipo de julgamento evitando que a mesma norma seja interpretada de formas distintas para situações idênticas, gerando distorções na aplicação da lei. O mecanismo foi criado com o fim de desafogar o STF, evitando assim que o tribunal continuasse a analisar o grande número de processos gerados pelo mesmo fato, ou tema, apesar de decisão tomada anteriormente pelos seus ministros. Para não restringir a atividade do juiz, poderá ser constatada, por essa autoridade judicial, ausência de similitude entre a matéria apreciada e a que é objeto da súmula vinculante. Dessa forma, e a partir da fundamentação dos fatos, o juiz poderá decidir sobre a questão, segundo o promotor público Fernando Capez.

[16] A ideia de legitimidade não se restringe à legalidade. A ideia de legitimação decorre da noção de validade ou adequação do exercício do poder político o qual, por sua vez, pode ser entendido como capacidade de alteração de condutas ou de provocação de efeitos em uma dada coletividade. m nosso ordenamento jurídico, o titular do poder político é o povo (parágrafo único do art.1º da CF/88), e este atribui ao Estado mediante seus órgãos, entidades e agentes a capacidade de criar e impor condutas. Será, portanto, legítimo o exercício deste poder pelo Estado se realizado de forma a ser considerada válida pelo titular do poder político, o povo. Importa frisar que a ideia de legitimidade não deixa de estar ligada à noção de legalidade (em sentido lato, ora inserida a própria constitucionalidade), pois há uma presunção de que o povo já autorizou o Estado a fazer leis e as impor ao grupo social. Há uma presunção ou, pelo menos uma tendência de legitimidade nos atos praticados conforme a lei. (In: MACHADO JÚNIOR, Agapito. A legitimidade do Poder Judiciário e a função de corte constitucional do Supremo Tribunal Federal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7992. Acesso em: 01 fev. 2014).

[17] O constitucionalismo se originou nos EUA, com a ideia de rule of law que implica na preservação de determinadas regras jurídicas fundamentais, limitadoras do poder estatal. Eis a justificativa do constitucionalismo adquire uma posição mais robusta, em que o governo, além de se encontrar limitado, assim está a partir de normas jurídico-constitucionais, requerendo em geral um texto escrito. A Constituição expressa não apenas um ser, mas também um dever ser. Para isso, é protegida por processos complexos de modificação. A contrapartida democrática exige que a democracia exerça o papel imprescindível, provocando o Judiciário e renovando-o através da aplicação e reaplicação da Constituição, sua interpretação e reinterpretação, seja pelo povo ou pelo Poder Judiciário.

[18] Realmente conciliar a democracia e constitucionalismo é tarefa árdua além de complexa. Pois nessa questão jaz um paradoxo: a democracia significa o povo decidindo as questões politicamente relevantes da sua comunidade, inclusive os conteúdos da constituição; e o constitucionalismo significa, por sua vez, limites à soberania popular. A Constituição se autoimpõe como manifestação da soberania popular e do poder constituinte, vinculando ambos. Assim, a conjugação entre o constitucionalismo e democracia remete a outra, que está na sua base, qual seja, entre soberania e poder constituinte. (In: CHUEIRI, Vera Karan; GODOY, G. Miguel. Constitucionalismo e democracia – soberania e poder constituinte. Disponível em: http://direitogv.fgv.br/sites/direitogv.fgv.br/files/09_1.pdf Acesso em 02/02/2014).

[19] A incompreensão sobre o fenômeno da judicialização da política é prejudicial. Há os entusiastas que sem entender a natureza do processo político, exageram muito as qualidades dos julgadores em face dos vícios dos parlamentares. Há os críticos da judicialização que enxergam apenas nas eleições o todo da democracia, e enxergam na democracia, o todo do Estado Democrático de Direito. Sem perceber que a democracia sempre precisou dos freios institucionais às manifestações das urnas, já identificados nos escritos federalistas. O Luís Roberto Barroso nomeado recentemente como ministro do STF entende bem esse fenômeno mas não se deve aguardar uma guinada no comportamento do STF. Como a maioria de seus colegas é igualmente favorável a separação de poderes, mas entende que a Constituição não é apenas uma carta de divisão de competências políticas, mas uma carta de direitos fundamentais, cuja efetivação é a responsabilidade do Judiciário tanto quanto do Legislativo.

[20] A Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um destes é o de estabelecer as regras do jogo democrático assegurando a participação política ampla, o governo da maioria e a alternância no poder. Mas a democracia não se resume apenas ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo grupo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Já o segundo grande papel da Constituição é proteger os valores e direitos fundamentais, funcionando como um fórum de princípios… por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios, como aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências e sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição.

[21] Oscar Vilhena Vieira mostrou como o STF ganhou musculatura num contexto político de amesquinhamento do Poder Legislativo. Alerta que, para vencer seus desafios, o STF deve abrir mão de arbitrar questões estritamente políticas e tomar suas decisões de maneira cada vez mais colegiada.

[22] A visão democrática de Kelsen apontou que são intrínsecos à noção de democracia dois postulados de nossa razão, ou seja, as exigências de liberdade e igualdade, a aversão a ser comandado por ou submetido ao alheio, ao igual. Assim, da ideia de que somos todos iguais, deduz-se ainda que ninguém deve mandar em ninguém. Porém, a necessidade prática impõe mudança no significado do princípio da liberdade que passa da ausência absoluta de domínio para a autodeterminação política do cidadão. E, desse modo, se a dominação for inevitável, o homem quer ser dominado por ele mesmo. A liberdade natural é, então transformada em liberdade social ou política, que significa sujeitar-se a uma ordem normativa de cuja criação o sujeito participe, ainda que através de seus representantes eleitos.

[23] “A conhecida história de que a decisão judicial deve ser subordinada à legislação é sustentada por duas objeções à originalidade judicial. De acordo com a primeira, uma comunidade deve ser governada por homens e mulheres eleitos pela maioria e responsáveis perante ela. Tendo em vista que, em sua maior parte, os juízes não são eleitos, e como na prática eles não são responsáveis perante o eleitorado, como ocorre com os legisladores, o pressuposto acima parece comprometer essa proposição quando os juízes criam leis. A segunda objeção argumenta que, se um juiz criar uma nova lei e aplicá-la retroativamente ao caso que tem diante de si, a parte perdedora será punida, não por ter violado algum dever que tivesse, mas sim por ter violado um novo dever, criado pelo juiz após o fato.” Nesta passagem, Dworkin deixa clara sua posição contraria a discricionariedade pregada por Hart. Propõe então, uma teoria que afirma a necessidade de correlação entre direito, princípios, moral, política e até mesmo economia para a solução do hard case. Segundo Dworkin, como dito acima, quando o magistrado apenas usa de sua discricionariedade perante o hard case que decidiu, acaba por incorrer em retroatividade de norma ao caso, ou seja, legisla sobre novos direitos jurídicos (new legal rights) (DWORKIN, 2007, p.127), vez que cria novo direito, o que é inadmissível. (In: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007).

[24] José Miguel Garcia Medina afirma que "(…) os juízes do Supremo são midiáticos, não num sentido pejorativo do termo, mas pelo fato de, querendo ou não, estarem na mídia. E, tudo o que dizem e fazem acaba sendo considerado importante. Os julgamentos transmitidos pela TV Justiça acabam revelando o lado demasiadamente humano dos juízes que têm suas falas, imagens e trejeitos exibidos. (…)". (In:

[25] "O último perigo para a independência dos juízes perante si mesmos é um pecado de orgulho, o amor próprio, o anseio de se mostrar, de aparecer, que se traduz no desejo de ver consagrada, em uma resolução do Tribunal Constitucional, uma posição pessoal precedente, tomada noutra sede, seja política, científica, forense ou judicial. Todos os juízes têm um passado profissional que pode tê-los levado a já haver tratado de questões que agora — sob o perfil constitucional — competem ao Tribunal de que fazem parte. Isto é inevitável. E mais, está implícito nos requisitos de experiência profissional que se lhes exige. Mas isto não justifica que se abuse da ocasião para envaidecer-se e vestir-se com as plumas do pavão constitucional.” (In: Gustavo Zagrebelsky. Principios y votos. El Tribunal Constitucional y la política. Madrid: Trotta, 2008, p. 86. Tradução livre).

[26] O conceito de separação de poderes sempre atormentou os teóricos do Ocidente, bem como assegurar o controle do exercício do poder governamental de maneira que não lhe fosse possível destruir os valores que havia sido instituído para promover. Os que advogam em favor do constitucionalismo são enfáticos em reconhecer o papel estratégico a ser desempenhado por uma estrutura governamental na sociedade, particularmente, atentaram também para a essencialidade em limitar e controlar o exercício desse poder. Todas as teorias políticas que procuraram amenizar a dicotomia de função e limitação de poder, a doutrina da separação dos poderes, foi a mais significante, vindo a influenciar diretamente os arranjos institucionais do Ocidente. Adquirindo, inclusive, o status de um arranjo que virou a substância no processo de construção e de aprimoramento do Estado de Direito, principalmente no sentido de se afirmar a legitimidade dos regimes políticos.

[27] “Uma boa democracia é, primeiramente, mais um regime amplamente legitimado que satisfaz completamente seus cidadãos (qualidade em termos de resultado)”. Quando instituições têm uma completa fundamentação na sociedade civil, elas conseguem perseguir valores de um regime democrático… Em segundo lugar, uma boa democracia existe quando os cidadãos, associações e comunidade que a compõem possuem pelo menos um nível moderado de liberdade e igualdade (qualidade em termos de conteúdo). Em terceiro lugar, numa boa democracia, os próprios cidadãos têm o poder de conferir e avaliar se o governo está perseguindo os objetivos de liberdade e igualdade de acordo com o Direito. Eles monitoram a eficiência na aplicação das leis existentes, na eficácia das decisões estabelecidas pelo governo, e na responsabilidade e ‘accountability” dos oficiais eleitos em relação às demandas da sociedade civil (qualidade em termos de procedimento). (MORLINO, Leonardo. What is a “good” democracy?, 2004, p. 12) .

[28] Um dos desafios da teoria constitucional é compatibilizar uma Constituição relativamente estável que assegure a proteção das liberdades e também limite o poder, com a intuição a favor de um autogoverno. A partir das ideias de constitucionalismo, a igualdade assume relevante papel, ao determinar que todas as pessoas possuem a mesma dignidade moral e são iguais em suas capacidades mais elementares. Da mesma forma, todo indivíduo tem igual direito de intervir a resolução dos assuntos que afetam a sua comunidade, vale dizer, todos merecem participar do processo decisório em pé de igualdade. Porém a igualdade material ou substancial somente se concretiza quando liberdades moralmente importantes, tal como a liberdade de expressão, de religião, de convicção, de orientação sexual, entre outras, forem constitucionalmente garantidas, protegidas e efetivadas. Enquanto que outras liberdades, tal como, por exemplo, a liberdade econômica, a liberdade de expressão que são importantes na medida de sua limitação pelo poder público. Tal noção de igualdade ora cogitada é a defendida por Ronald Dworkin, a qual se configura em não somente assinalar um valor idêntico a cada um, mas também em igual consideração e respeito.

[29] O judiciário é um poder institucional diferente por ser o único dos três poderes tradicionais, cujos integrantes são profissionais de carreira e não representam ninguém. É de fato fluída a fronteira existente entre a política e o direito no mundo contemporâneo. Mas é mais perceptível o caso brasileiro em razão da extensão e do volume de demandas. Apenas nos últimos dois anos, o STF tem decidido sobre as uniões homoafetivas, interrupção da gestação de anencefálicos e as cotas raciais. E, anteriormente, decidira sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias, nepotismo e demarcação de terras indígenas. E, ainda recentemente o emblemático julgamento do mensalão. Tudo midiaticamente potencializado em razão da transmissão ao vivo da TV Justiça. Mas é elogiável a transparência e a visibilidade pública que tanto contribui para a transparência, para o controle social e, enfim, para a saúde da democracia que no Brasil ainda é principiante.

[30] Novamente a influência de Hans Kelsen se percebe logo no primeiro artigo da Constituição da República da Áustria que contém a solene afirmação de que é uma república democrática. Seu direito emana do povo… tal célebre artigo viria a ser a expressão do princípio democrático, cuja concretização
se dá pelo reconhecimento do sufrágio universal, da existência de órgãos legislativos eleitos; da realização de consultas diretas ao povo, sob forma de plebiscitos e referendo, e, finalmente pelo direito de formação de partidos políticos. O juiz pela vigente Constituição brasileira de 1988 que prevê sua investidura por concurso público. E, ainda prevê o quinto constitucional e a indicação livre pelo Presidente da República, no caso de alguns tribunais, que são exceções que não rompem, ao menos de maneira a arruiná-lo com o ingresso através do concurso público. Mas é real a legitimidade do pode judiciário que é decorrente da Constituição, e se limita ao cumprimento da lei. Tal legitimidade do judiciário não se funda na vontade popular… mas na capacidade técnica de analisar a dogmática constitucional e de interpretação. No fundo, o juiz é servo da Constituição e esta, por sua vez, fruto da vontade popular. Enfim, a magistratura existe em nome do povo. Porém, o juiz não pode ser um "juiz do povo". Nem pode ser um déspota togado. Este presta contas de seus atos nas esferas criminal, correcional e administrativa. O Conselho Nacional de Justiça é prova inconteste da efetividade desse controle. Também não pode o juiz ser comissário, delegado ou procurador do povo. E nem porta-voz da opinião pública. Lembremos que as predileções do povo ou mesmo da opinião pública são voláteis e temperamentais. E, a opinião pública é afinal em grande parte apenas a opinião publicada.

[31] C. Neal Tate é PhD. da Universidade de Tulane, 1971. Professor de Ciência Política e Direito e Chefe do Departamento de Ciência Política, da Universidade de Vanderbilt.

[32] Torbjörn Vallinder (1925-2011) era advogado sueco e cientista política e especialista em imprensa. Doutor em 1962 com a tese na luta pela democracia. Sufrágio Movimento na Suécia (1886-1900). Foi editor de 1970-1984, Political Science Journal, e era um especialista na investigação da Lei de Imprensa. Além disso, ele era um jurado na liberdade de imprensa em Malmö e Helsingborg.

[33] As sociedades plurais requerem mais do que mera representação ou deliberação. É curial haver ampla representação e uma ampla deliberação e isso só é alcançado por meio da inclusão institucional daqueles que estão à margem do processo deliberativo. É ao escutar os reclamos e protestos que o constitucionalismo e a democracia podem e devem exercer o papel de inclusão e promover a igualdade de condições, para que tais sujeitos marginalizados se insiram finalmente no processo democrático e também tenham seus direitos concretizados. É, portanto produtiva relação existente entre constitucionalismo e democracia, fundada na relação entre o poder constituinte e a soberania. Longe de ignorar a tensão existente deve-se ao contrário potencializá-la em prol daconcretização de direitos e da ampliação do rol democrático.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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