Jurisdicionalização da execução penal e as garantias da Lei 7.210/84

Resumo: este artigo é parte de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida sobre ressocialização de sentenciados penais, sendo que o recorte ora apresentado se refere ao momento do surgimento da jurisdicionalização da fase executória da pena, o que se deu com a publicação da Lei de Execuções Penais. A modificação da forma como se dá o cumprimento da sentença penal condenatória, trouxe consigo a possibilidade dos reclusos recorrerem ao judiciário para terem resguardados todos os direitos que não haviam sido atingidos pela sentença condenatória. Em suma, trata-se de mostrar um novo período para o sistema carcerário, em que há observância do princípio da legalidade durante toda a fase pós sentença até o momento da extinção da punibilidade. A metodologia utilizada é a ampla pesquisa em leis, doutrinas e jurisprudência referente ao tema, bem como a uma análise de toda e qualquer informação relacionada por parte da imprensa, seja ela escrita ou televisiva. Os resultados que se pretende alcançar se relacionam a um esclarecimento sobre o momento de mudança da fase administrativa para a jurisdicionada, no que se refere ao cumprimento da sentença penal condenatória.


Palavras-chaves: direitos, execução penal, jurisdicionalização


Introdução


O sistema carcerário atual se apresenta, em sua forma prática, repleto de falhas e, portanto, sujeito a críticas constantes. Mas, no âmbito teórico, as mudanças já começaram a ocorrer.


Antes da publicação da Lei 7.210/84 (Lei de execução penal) o momento de cumprimento da sentença penal condenatória era através de procedimentos administrativos, em que tudo era decidido dentro do próprio estabelecimento carcerário, sem a intervenção do poder judiciário.


A mudança foi significativa com a nova Lei, pois o momento da execução penal passou a ser jurisdicionado, ou seja, a partir de então os reclusos puderam recorrer ao judiciário para assegurar que todos seus direitos que não foram atingidos pela sentença fossem protegidos.


Passa a imperar o princípio da legalidade pós sentença, pois antes só havia preocupação judicial até o momento da condenação.


Com a Lei de Execução Penal os presos passaram a ter direitos expressos nesta lei, que deveriam ser garantidos dentro do estabelecimento prisional, sob pena de os mesmos recorrerem ao judiciário para terem sua situação resguardada.


Desenvolvimento


Até 1984, antes da publicação da Lei de Execução Penal, as fases penal e processual eram jurisdicionadas e a fase penitenciária era administrativa, cabendo aos dirigentes do estabelecimento prisional tomar todas as decisões a partir da sentença penal condenatória.


O que se conhece do direito penitenciário anterior a LEP é suficiente para saber que antes da publicação da referida lei, quando a fase executiva da pena se dava de forma administrativa, o sistema era repleto de obrigações sem que houvesse os respectivos direitos. Na fase executiva da pena administrativa os dirigentes usavam os fatores relacionados à necessidade da disciplina para justificar os abusos que ocorriam e a total falta da preservação dos direitos dos sentenciados, atingindo até mesmo direitos que não haviam sido abrangidos pela sentença penal condenatória.


Esse procedimento penitenciário sem a previsão de resguardo do mínimo de direitos que deve ser conferido a todo ser humano feria profundamente o princípio da legalidade, pois só havia observação de qualquer direito até o momento da condenação, após este momento os sentenciados ficavam a mercê dos dirigentes do sistema carcerário, sem que houvesse uma lei que permitisse que estes fossem ao judiciário para requerer a proteção de qualquer direito, pois simplesmente não haviam direitos, ou os poucos que haviam não mais existiam após a fase condenatória. 


Com os dispositivos expressamente previstos na Lei 7.210/84, o sistema prisional passa a ser jurisdicionado (processual), e a partir de então, pelo menos no âmbito teórico, surgem os direitos dos reclusos.


A Lei 7.210/84 dispõe sobre direitos que devem ser assegurados aos presos durante o período em que se encontrarem no cárcere.


Entre os inúmeros direitos resguardados pela Lei de Execução Penal e também pelo Código Penal brasileiro, está que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. 


A LEP sabiamente também prevê que devem ser assegurados os direitos básicos, como o de alimentação, vestuário, alojamento, saúde.


Também há na Lei 7.210/84 disposições referentes ao convívio social, como o direito a visitas, o direito de comunicação com advogados, entre outros.


Nosso ordenamento bem cuidou das disposições legais acerca da observância dos direitos dos reclusos, mas para que não passe de um “amontoado de papéis” é preciso dar seqüência a este trabalho e cuidarmos dos direitos dos apenados no cotidiano destes, para que a legislação e o trabalho dos operadores do direito sejam instrumento de transformação social, cabendo não só aos três poderes instituídos em nosso país (legislativo, executivo e judiciário) mas também a cada um de nós, colaborar para que a redução da criminalidade seja uma meta possível de ser alcançada.


É preciso acreditar na pessoa humana ao invés de somente estigmatizá-la e discriminá-la, pois como bem trata Roxin, o que a sociedade faz para o preso, retorna para ela.


 Os estabelecimentos prisionais, da forma como se apresentam atualmente são escolas de criminosos, pois a pessoa entra no sistema prisional pelo cometimento de um furto, que é um ilícito de baixo potencial ofensivo, e saí, muitas vezes, disposto a cometer crimes muito mais graves, que ferem bens jurídicos muito mais relevantes, como por exemplo, o homicídio e o tráfico de entorpecentes.


Para que o sistema prisional passe a ser não mero instrumento de punibilidade, mas também um meio de transformação de pessoas que praticaram ilícitos em pessoas dispostas a viver de acordo com a legalidade é preciso respeitar os direitos do recluso durante o cumprimento da sentença penal condenatória, lembrando que ao preso são assegurados os direitos a dignidade da pessoa humana e a integridade física e moral, entre tantos outros de igual relevância.


Conclusão


O sistema penitenciário vem caminhando a passos lentos. A mudança trazida pela LEP (Lei de Execução Penal) foi de grande importância para que se iniciasse uma transformação no sistema penitenciário; mas no plano fático não vem ocorrendo o que esperam os estudiosos do assunto.


Autores consagrados clamam pela reavaliação do sistema carcerário, para que se preservem todos aqueles direitos que não foram atingidos pela sentença penal condenatória, e que estão previstos tanto na Lei 7.210/84 quanto na atual Constituição Federal de 1988.


É preciso que se observem os direitos dos reclusos, tornando nosso sistema totalmente apto a ressocializar, e não criminalizar, como tem feito da forma como se encontra.


A teoria garantista do direito penal é meio para se atingir um fim maior, que é o de uma sociedade com menor índices de reincidência e, conseqüentemente, de redução da criminalidade.


Os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro devem ser garantidos a todos, sentenciados ou não, pois estes já tem as devidas limitações impostas pela sentença, e assim, não devem ter, durante o cumprimento da pena, outros direitos sonegados.


 O garantismo penal se apresenta como uma boa opção de mudanças para a sociedade carcerária, pois busca meios de evitar que ilícitos sejam cometidos contra os sentenciados meramente por estes estarem em um momento em que tem sua liberdade restringida pelo Estado. A prática de um crime não justifica a prática de outros, e quando não se protege, por exemplo, a integridade física de um sentenciado, esta se tolerando que um bem jurídico seja violado sem que nenhuma atitude seja tomada para fazê-lo cessar.


O ideal seria que a LEP, apesar de já não tão nova no ordenamento jurídico, fosse apenas o início de uma transformação maior no sistema prisional brasileiro.


 


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Informações Sobre o Autor

Thais Caroline Mallmann

Bacharel em Direito


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