Jurisprudência sobre dano moral ambiental

Sumário: Introdução. 1. Dano Moral Ambiental: classificação, fundamentação teórica e legal. 1.1. Classificação.  1.2. Fundamentação teórica. 1.3. Aparato Legislativo Aplicável. 2. Jurisprudencial Ambiental. 2.1 Julgados relativos ao dano moral ambiental. 2.2 Dano extrapatrimonial coletivo: decisão pioneira. 3. Elementos da quantificação do dano ao ambiente. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

Os problemas que passaram a acometer a sociedade nos últimos tempos, típicos de uma sociedade de risco, trouxeram a necessidade de reconstrução de novos paradigmas (não negando os tradicionais, mas dando-lhes novos contornos), a fim de que o direito possa responder com segurança e efetividade as demandas sócio-político-econômicas emergentes, tendo sempre em vista a dignidade humana[1].

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Em se tratando de meio ambiente, essas questões tomam dimensões globais e, por isso, exige-se, hoje, não mais um direito retrospectivo e conservador, comprometido ainda com valores privatistas típicos da sociedade patrimonialista, mas um direito prospectivo (compromissado com as gerações vindouras e com o futuro do planeta) e transformador (preocupado com a melhoria da qualidade dos meios naturais e de vida, e não apenas com sua proteção)[2].

É cediço que nas últimas décadas do século XX, procurou-se firmar os direitos difusos a fim de efetivar a garantia de dignidade humana. Consolidou-se nos textos legais, em muitos Estados, o meio ambiente sadio e equilibrado como um direito inalienável e necessário à dignidade humana e à sadia qualidade de vida[3]. Contudo, numa época em que o poderio econômico e a idéia de lucro suplantam, muitas vezes, as promessas constitucionais, faz-se fundamental dar efetividade e continuidade aos direitos assegurados. Por isso, para que a firmação desses novos direitos não signifique apenas um plus nos ordenamentos jurídicos, é necessário que se somem a eles mecanismos para a sua efetividade.

Na redefinição dos institutos jurídicos, fundamental para que o Direito possa responder satisfatoriamente às demandas advindas da sociedade de risco, não há dúvida que se tem como objeto possível a configuração do dano moral ambiental coletivo,bem como a adequação da responsabilidade civil clássica às exigências da tutela jurídica ambiental.

Para o desenvolvimento desse tema, primeiramente, tratar-se-á do conceito e da classificação de dano ambiental. Em seguida, abordar-se-ão os principais fundamentos jurídicos para a aceitação do dano moral ambiental. Logo após, no estudo do direito aplicado, será desenvolvida uma análise jurisprudencial dos principais julgados a esse respeito. Por último, ilustrativamente, serão propostos alguns parâmetros para a quantificação do dano ao ambiente.

1 DANO MORAL AMBIENTAL: CLASSIFICAÇÃO, FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E LEGAL

1.1 CLASSIFICAÇÃO

Embora a legislação brasileira não tenha conceituado expressamente dano ambiental, pode-se depreender da análise do sistema normativo brasileiro de responsabilidade civil[4] que, doutrinariamente, “dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem”[5].

Pode-se compreender o meio ambiente como um todo unitário, indivisível, incorpóreo e imaterial ou como os elementos naturais que compõem esse todo unitário e indivisível (água, florestas, ar, etc). No primeiro caso fala-se em macrobem e os caracteres de unidade, indivisibilidade e integralidade fazem-se necessário para a garantia efetiva de um meio ambiente equilibrado, que é necessário à qualidade de vida de toda a coletividade. A dominialidade, aqui, é difusa, e os benefícios de um meio ambiente sadio são de todos, ao passo que os malefícios de um meio ambiente degradado também. No segundo caso, fala-se em microbem, ressaltando-se os elementos que compõem o macrobem. A dominialidade do microbem pode ser pública stricto senso (relativa ao Estado) ou privada, dependendo da propriedade na qual se situam os elementos do referido microbem.

De acordo com a extensão do dano ao ambiente, é possível subdividir o gênero dano ambiental, em duas espécies: dano patrimonial e dano extrapatrimonial ou moral. Existirá dano patrimonial quando os bens lesados forem bens materiais, exigindo-se, portanto, a restituição; quando o prejuízo ao indivíduo ou à coletividade for não-patrimonial (por ter lesado bens imateriais), haverá dano extrapatrimonial ou moral. Não obstante a ampla aceitação do termo dano moral, nota-se que a denominação dano extrapatrimonial é menos restritiva, pois não vincula a possibilidade de dano à palavra moral que pode ter várias significações e tornar-se, assim, falha por imprecisão e abrangência semântica.

O dano extrapatrimonial, por sua vez, é dividido em dois aspectos, sendo que para a compreensão dessa divisão, é fundamental a noção de macrobem e microbem, já exposta. O aspecto subjetivo do dano (em que o interesse ambiental atingido diz respeito a um interesse individual) ocorre quando a vítima experimenta algum sofrimento psíquico, de afeição ou físico. Na hipótese de lesão ambiental, configura-se subjetiva quando, em conseqüência desta, a pessoa física venha a falecer ou sofrer deformidades permanentes ou temporárias, acarretando sofrimento de ordem direta e interna. Ocorre o que se chama de dano reflexo, ou efeito ricochete, isto é, uma lesão ao meio ambiente resvala no indivíduo, causando-lhe problemas de ordem pessoal.

Verifica-se, por outro lado, o dano moral ambiental em seu aspecto objetivo (quando o interesse ambiental atingido é difuso) quando não há repercussão na esfera interna da vítima de forma exclusiva, mas diz respeito ao meio social em que vive. Nesse caso, o dano atinge valores imateriais da pessoa difusa ou da coletividade, como, por exemplo, a degradação do meio ambiente ecologicamente equilibrado ou da qualidade de vida, como um direito intergeracional, fundamental e global. Não é, nessa perspectiva, o meio ambiente um meio intermediário entre o dano e o lesado; mas é ele próprio lesado, ocorrendo uma perda de qualidade de vida das presentes gerações e um comprometimento à qualidade de vida das futuras gerações (humanas e não humanas). Entra-se aqui em uma visão antropocêntrica alargada, na qual a preservação ambiental não corresponde apenas a interesses humanos imediatos, mas preponderantemente, a um valor ínsito do meio ambiente, que, se preservado, culmina na sadia qualidade de vida de toda a coletividade.

Ver-se-á, mais a frente, na análise de jurisprudências, que pode ocorrer o fato de um mesmo dano ambiental afetar concomitantemente a esfera subjetiva e a esfera objetiva. A reparação de um dano moral objetivo visa a proteger o ambiente como valor autônomo e como macrobem pertencente à coletividade, ao contrário do dano moral subjetivo, cuja reparação objetiva proteger um interesse particular de uma pessoa.

Pode-se constatar que o dano ambiental, além de poder se relacionar intimamente com uma suposta vítima ou grupo de vítimas determináveis na sociedade (requisito clássico para a configuração do dano moral); pode também se relacionar com toda a coletividade, uma vez que esta tem a sua qualidade de vida afetada, mesmo que de maneira não diretamente perceptível. A colaboração ao impedimento de um desenvolvimento pleno da personalidade advindo com o dano ambiental, afeta toda a coletividade e não apenas supostas vítimas diretas.

Nota-se, então, a possibilidade (por que não necessidade?) de tutela ambiental em duas frentes complementares: tutela do meio ambiente como microbem, relacionando-o a interesses individuais e tutela do meio ambiente como macrobem, relacionando-o a interesses difusos, em que o titular do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não pode ser identificado, uma vez que se confunde com toda a coletividade.

1.2 IMPORTÂNCIA DA ADMISSIBILIDADE DO DANO MORAL AMBIENTAL

Em texto recente, Canotilho indica que um dos elementos necessários à efetivação do Estado constitucional ecológico consiste na criação de uma política global, pois “a proteção do ambiente não deve ser feita a nível de sistemas jurídicos isolados (estatais ou não) mas sim a nível de sistemas jurídico-políticos, internacionais e supranacionais, de forma a que se alcance um standard ecológico ambiental razoável em nível planetário e, ao mesmo tempo, se estruture uma responsabilidade global (de estados, organizações, grupos) quanto às exigências de sustentabilidade ambiental”[6]. A política sugerida exige, portanto, ação em duas dimensões: espacial (planetária) e temporal (intergeracional). A dimensão espacial significa a necessidade de um direito de ambiente mundial, envolvendo as organizações supranacionais, pois somente dessa forma seria possível a resolução dos problemas ecológicos da sociedade contemporânea (como a camada de ozônio, mudanças climáticas, biodiversidade), que ultrapassam as fronteiras de um país. Já o elemento da temporalidade exige um direito de cidadania ambiental, para defesa do ambiente em termos intergeracionais, visto que o direito do ambiente de cada um é também um dever de cidadania na defesa do ambiente.

A partir dessas considerações, observa-se que o postulado globalista envolve, além de uma política precaucional e preventiva, também uma política de responsabilização efetiva e em nível planetário. Não há, realmente, Estado de Direito Ambiental, se não é oferecida a possibilidade de sancionar aquele que ameace ou lese o meio ambiente. Princípios como o da precaução, atuação preventiva e cooperação podem oferecer subsídios importantes à edificação de um Estado mais justo do ponto de vista ambiental, contudo, isoladamente não são suficientes.

À política global sugerida por Canotilho, deve ser somada uma política interna e local de cada Estado-nação, calcada nos mesmos princípios de prevenção, precaução e responsabilização.

Além da admissão do princípio da responsabilização do causador do dano no ordenamento jurídico, é fundamental que os mecanismos de responsabilidade formem um conjunto completo e coeso para que nenhum dano fique sem reparação[7].

Relaciona-se o meio ambiente com os direitos da personalidade, uma vez que não é possível que se desenvolva a personalidade sem um meio ambiente sadio e equilibrado. Não se trata de um direito “interno” da personalidade, pelo contrário, é externo, porém, irremediavelmente necessário à formação da personalidade. O simples fato de “existirmos” significa uma interação com o ambiente que nos circunda e não se faz possível um desenvolvimento sadio da personalidade do sujeito sem que esse ambiente circundante esteja sadio. Portanto, o direito da personalidade ao meio ambiente justifica-se, porque a existência de um ambiente salubre e ecologicamente equilibrado representa uma condição especial para um completo desenvolvimento da vida do homem. Com efeito, se a personalidade humana se desenvolve em formações sociais e depende do meio ambiente para a sua sobrevivência, não há como negar um direito análogo a este.

A consciência ecológica das últimas décadas, que trouxe preocupação ecológica e novas feições ao direito ambiental, trouxe também a percepção da necessidade de novas posturas em relação aos direitos da personalidade. A figuração do meio ambiente como direito da personalidade vem integrar e completar a concretude dos outros direitos da personalidade. Não se trata de desfigurar os clássicos direitos da personalidade, mas tão somente garanti-los de maneira mais efetiva em consonância com as constatações a respeito da necessidade do meio ambiente salubre para a garantia do desenvolvimento pleno da personalidade e da esgotabilidade que este bem está prestes a sofrer.

Faz-se mister ressaltar que a qualidade de vida aqui referida não se refere somente à questão da saúde humana. A qualidade de vida pode estar relacionada ao sossego das pessoas, obtido através de determinada situação ecológica que a rodeia ou mesmo à necessária e saudável integração do ser humano com os outros elementos da natureza; haja vista que ele é também um elemento biológico natural, não perdendo esse caráter por sua capacidade racional.

Dessa forma, importante e necessário faz-se a inclusão da responsabilização por danos morais ambientais nesse sistema. A responsabilização por danos morais ambientais enseja mais uma possibilidade para a efetiva e interal compensação do dano, servindo também à certeza da aplicação da sanção civil. Tem, portanto, função reparatória, porque a indenização é utilizada para a recuperação do ambiente afetado; punitiva e pedagógica, para que o causador do dano não volte a cometê-lo.

A ocorrência do dano moral ambiental subjetivo ou individual, por dizer respeito à pessoa determinada, lesada em seu suporte físico, psíquico ou de afeição, é mais facilmente verificável no caso concreto. Já o dano moral coletivo ou difuso, aquele que afeta o meio social, ou seja, o ambiente de uma coletividade, terá sempre caráter menos evidente e, portanto, de verificação e prova mais difíceis. Com isso, nem todo dano ambiental será um dano moral e somente os danos morais mais significativos (intoleráveis) serão indenizáveis.

Considerando-se o meio ambiente como macrobem, verifica-se que a sociedade é afetada como um todo, não havendo possibilidade de reparação direta a cada um dos afetados. Numa época, em que a própria ciência declara a necessidade de preservação ambiental a fim de que se possa manter a qualidade de vida no planeta Terra (que por sinal, já decaiu; basta atentar-se aos problemas respiratórios, por exemplo, cada vez mais presentes nas grandes cidades por causa da degradação ambiental), faz-se coerente a idéia de que não há uma lesão moral à coletividade nas degradações ambientais, onde a coletividade (incluindo-se aí as futuras gerações) sofre uma perda extrapatrimonial irrecuperável? Se o indivíduo pode ser ressarcido por lesão de ordem moral, não há motivo pelo qual a coletividade não possa também o ser, considerando que, do contrário, estaria se evidenciando um dano sem obrigação de compensação.

É evidente que o ordenamento jurídico brasileiro privilegia a reintegração[8] do bem lesado (retorno ao status quo ante). Contudo, a reintegração nem sempre se faz possível, e, quando for, referir-se-á certamente a um bem patrimonial. Tanto para os danos patrimoniais insuscetíveis de reintegração, como para todos os danos extrapatrimoniais, resta, apenas, a compensação, seja através da substituição por equivalente (outro bem semelhante), seja por pecúnia.

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Associado a tudo isso, está o fato de que, na maioria dos danos ambientais, é impossível o restabelecimento do status quo ante. Por isso, a possibilidade de reparação do dano extrapatrimonial ambiental é útil no sentido de:

a) tornar a reparação mais completa e integral. Principalmente em duas hipóteses:

I) quando a restauração (compensação) for possível, mas existir lapso de tempo entre a ocorrência do dano e a efetiva restauração do bem lesado, como no caso do reflorestamento, cuja verificação de seus resultados leva anos para ocorrer;

II) quando for possível somente a compensação, mas não a restauração (efetivo retorno ao status quo ante). Essa diferença entre o estado anterior (ambiente equilibrado) e o atual (ambiente compensado) pode ensejar indenização por danos morais.

b) Tornar possível alguma forma de compensação, para as hipóteses em que não haja qualquer outra forma de reparação do dano, só restando a possibilidade de indenização por danos morais. Um exemplo prático seria o caso de poluição sonora, para cuja perturbação já causada não há outra possibilidade senão a indenização pecuniária por danos morais. Se não fosse admitido o dano moral, não haveria qualquer outra forma de compensação e o dano ficaria sem reparação.

c) Tornar certa a responsabilização do causador do dano.

Assim, verifica-se que o dano moral ambiental vem contribuir com o princípio da reparabilidade integral do dano ambiental, decorrente do artigo 225, § 3o, da Constituição da República Federativa do Brasil e do artigo 14, § 1o, da Lei 6.938/81, que não restringiram a extensão da reparação[9].

A responsabilização atua somente quando o dano já tenha havido (post factum), mas isso não significa o abandono dos princípios da prevenção e da precaução, visto que o objetivo da responsabilização é justamente dar completude à tutela do bem ambiental no ordenamento jurídico, no sentido de não deixar nenhum dano sem reparação.

Em se tratando de dano moral coletivo, como já salientado, a reparação não poderá ser feita individualmente a cada um, uma vez que os lesados são indeterminados e considerados somente na dimensão difusa. Reparar a cada um particularmente seria tornar privado um bem que não tem essa característica. Por isso, a indenização pecuniária destina-se ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos[10], cujo montante pago destina-se à recuperação do ambiente local, ou seja, tem um significado compensatório. O investimento para a recuperação do ambiente atingido pelo dano é justamente o lenitivo (ou seja, o calmante, o mitigador) para o sofrimento daquela coletividade. A indenização, da mesma forma como não pertence ao particular isoladamente, também não pertence ao Estado, porquanto o ambiente não é um bem público; é um bem difuso que transcende a dicotomia público/privado. Se o Estado fosse o destinatário final da importância em dinheiro, seria uma hipótese de enriquecimento sem causa.

Cumpre destacar, inclusive, que a existência de dano moral coletivo condiciona sua postulação em Juízo a mecanismos coletivos, tais como a Ação Civil Pública brasileira. Dessa forma, é facilitado o acesso ao Poder Judiciário, evitando-se a apreciação de ações idênticas e individuais, contribuindo, assim, para a celeridade do Judiciário.

É importante também que seja atribuída ao dano moral ambiental relevância idêntica ao dano patrimonial ambiental, para que o mesmo não seja posto à margem da responsabilização civil. O dano moral é um dano autônomo em relação ao patrimonial e, muitas vezes, de maior repercussão para o lesado em função da quase impossibilidade de se restabelecer o status quo ante.

Apesar de bastante aceito, tanto pela doutrina como pelo ordenamento legal, há autores[11] que não concordam com a ocorrência do dano moral ambiental objetivo, argüindo ser impossível a ocorrência de dano moral sem que se afete diretamente direitos da personalidade individual e que se verifique o sentimento de dor dos indivíduos afetados. Cabe ressaltar, no entanto, que a própria concepção dos direitos da personalidade é mutável no decorrer do tempo, no qual novas exigências sociais exigem respostas diferenciadas do Direito. Mostra disso é que o art. 52 do Novo Código Civil Brasileiro assim declara: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”. A súmula 227[12] do Superior Tribunal de Justiça transcreve: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

Se as pessoas jurídicas, que são reunião de pessoas ou patrimônio podem sofrer danos morais, por que não poderia sofrer essa espécie de dano a coletividade, quando lesada no seu direito à boa qualidade de vida? Logicamente que as pessoas jurídicas não passam pelo sofrimento de dor como uma pessoa física, tal como a coletividade também não. Porém, a clássica noção de dor relacionada ao dano moral deve ser abandonada, a fim de que possa, o Direito, responder eficientemente pela tutela do meio ambiente, responsável, indubitavelmente, pela qualidade de vida e perfeita formação da personalidade de toda a coletividade. O Novo Código Civil e o STJ já expressam uma mudança de perspectiva em relação à dor sofrida no dano moral, quando admitem à pessoa jurídica a possibilidade de sofrimento de dano moral. A mesma constatação é feita a partir da lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais – que prevê[13], inclusive, a criminalização da pessoa jurídica por danos ao ambiente.

O bem ambiental é um bem peculiar, pois, quando afetado, pode atingir direitos da personalidade de indistintos sujeitos. Não se faz, por isso, razoável que o direito renegue essa peculiaridade com o único fim de manter um status quo relativo aos seus institutos já consolidados. Fazer isso seria negar que o Direito tem um fim de responder às demandas sociais e pressupor que ele tenha um fim em si mesmo. A lesão ambiental trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e concomitantemente a outros valores interrelacionados como a saúde e a qualidade de vida.

Um passo importante para direcionar a responsabilidade civil à tarefa da efetiva preservação do meio ambiente é adequá-la e adaptá-la às necessidades exigidas pela complexidade do bem ambiental e de sua proteção. Cabe, desta forma, fazer uma nova leitura do direito civil e incluir no instituto da responsabilidade a proteção ao direito ou interesse coletivo e difuso do ambiente ecologicamente equilibrado e a qualidade de vida. A responsabilidade civil, na reparação do dano moral ambiental, deve, então, não mais visar responder conflitos de ordem estritamente intersubjetivos. Deve visar a uma efetiva resposta na tutela ambiental, na qual o responsabilizado deve indenizar toda a coletividade difusa, por esta sofrer, indiscutivelmente, o pesado ônus da perda da qualidade de vida em virtude da degradação ambiental.

1.3 APARATO LEGISLATIVO APLICÁVEL

O dano moral só passou a ser mais amplamente admitido com a promulgação da Carta Constitucional de 1988[14]. A Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que institui o Novo Código Civil, em seu artigo 186, reconhece expressamente que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (grifou-se)”.

Dada a peculiaridade do dano ambiental coletivo, a lei da Ação Civil Pública (lei 7.347/85) fornece uma perfeita solução, em consonância com a necessidade de tutela ambiental do bem ambiental difuso. Em seu art. 13, a referida lei institui, como acima frisado, um fundo de amparo aos bens lesados. Com isso, o dinheiro advindo com as indenizações não vai para os cofres públicos estatais (cabe lembrar que o bem ambiental, no Brasil, não é do Estado e sim de toda a coletividade), mas vai para o Fundo a fim de ser utilizado na recuperação do bem lesado. O art. 3º, da lei 7.347/85, possibilita a imputação ao poluidor de obrigação de fazer (a fim de restaurar o bem lesado) ou não fazer (para que cesse a atividade lesiva) ou condenação pecuniária[15]. No entanto, não se deve confundir a obrigação de fazer ou condenação pecuniária pelo dano causado com a indenização do dano moral ambiental coletivo. Como já foi ressaltado, tal como nas lides privadas, em questões ambientais também há total independência entre a reparação do dano extrapatrimonial e do dano patrimonial. E há casos em que essas duas modalidades precisam ser aplicadas.

No caso de obrigação de fazer o que se busca é uma restauração (patrimonial) do bem lesado considerado como microbem (plantio de árvores, por exemplo). Obviamente que a restauração do microbem lesado culmina na qualidade do meio ambiente global (macrobem); contudo, a obrigação de fazer é voltada de maneira direta ao microbem. O mesmo ocorre com a condenação pecuniária, na impossibilidade de aplicação da obrigação de fazer.

Já na indenização por dano moral coletivo, o objetivo principal é a compensação da perda de qualidade de vida da sociedade proveniente da lesão ambiental. A compensação, nesse caso, relaciona-se à coletividade e a seu sofrimento pela alteração ambiental negativa.

Assim, a obrigação de fazer do art. 3º da lei 7347/85 restaura o bem ambiental lesado, para que em um futuro (muitas vezes longínquo) sejam anuladas as más conseqüências da degradação. A indenização por dano moral coletivo, por seu turno, compensa o sofrimento da coletividade pelas más conseqüências da degradação, que culminaram na perda de sua qualidade de vida.

Mas o que fazer com o dinheiro proveniente do dano moral ambiental coletivo, nos casos em que, concomitantemente, for imputada obrigação de fazer ao lesante, sendo que por meio desta já se tenha reparado ao máximo bem lesado? Deve-se buscar, nesse caso, investir o dinheiro no meio ambiente em local próximo ao da lesão que ocasionou a indenização moral, a fim de que a coletividade seja efetivamente compensada em termos ambientais.

Em se tratando de dano extrapatrimonial ambiental, pode-se incluir, junto aos dispositivos já mencionados, o artigo 1o, inciso I, da Lei 7.347/85, que trata da Ação Civil Pública: “Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente” (grifou-se).

Ainda que a indenização por dano moral ambiental já tenha sido expressamente reconhecida pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme mencionado, pode-se, ademais, deduzi-la do princípio da reparabilidade integral do dano ambiental, consignado no artigo 225, § 3o da Constituição da República Federativa do Brasil[16] e no artigo 14, §1o, Lei 6.938/81[17].

2. JURISPRUDÊNCIA AMBIENTAL

2.1 JULGADOS RELATIVOS AO DANO MORAL AMBIENTAL

Expostos os fundamentos do dano extrapatrimonial ambiental, partir-se-á para a exposição de alguns julgados nesse sentido, tratando-se, assim, do direito aplicado.

Tratar-se-á, primeiramente, de dois casos de condenação por dano extrapatrimonial subjetivo.

O primeiro deles[18], julgado em 25 de junho de 2002, ocorreu no Município de Mandirituba, no Estado do Paraná. O proprietário do pesque-pague daquela localidade ajuizou ação de indenização contra o Município, considerando que sua atividade foi acometida por mortandade dos peixes, causada pelo lançamento de esgoto proveniente de ligações clandestinas em galeria pluvial que desaguava no riacho que servia a sua propriedade. O autor atribuiu tal dano ao Município pela sua omissão ao não fiscalizar tais irregularidades. Dessa forma, foi requerida indenização em razão do abalo emocional sofrido pelo insucesso da atividade comercial, e das conseqüências financeiras surgidas.

Nota-se, portanto, que o dano ambiental, nesse caso, foi apenas a causa do sofrimento do lesado. O bem ambiental não foi considerado por si só, como um valor autônomo. Uma prova disso, é que a indenização arbitrada destinou-se exclusivamente ao autor com a função de lenir sua dor. O bem ambiental não foi, de forma alguma, reparado. O autor foi, assim, indenizado pelos danos patrimoniais e morais sofridos, sendo que, em grau de Recurso (Reexame Necessário Nº 120.571-2) o Tribunal apenas converteu o quantum da indenização por dano moral, anteriormente fixado em salários-mínimos, para valor certo (R$ 20.000,00). Sobre esse valor, o Tribunal procurou arbitrar valor razoável capaz de proporcionar satisfação à vítima, compensando-a pelo abalo psicológico sofrido, e adequado a produzir, no causador do dano, impacto suficiente para desestimular a reincidência na prática da ação danosa.

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Caso semelhante foi julgado pelo Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul, em 17 de maio de 2001[19]. Foi reconhecida, a um particular (dono de propriedade), legitimidade para intentar, individualmente, apelação cível objetivando indenização por danos patrimoniais e morais, em função de terceiro (construtora), ter devastado área, naquela propriedade, excessivamente superior à autorizada pelo apelante. A indenização por dano material foi-lhe negada, por ter havido acordo, em outro processo, para a recomposição da área ao estado anterior ao dano causado pela construtora. Entendeu, ainda, aquele Tribunal que ao particular que tem sua área agredida ecologicamente, é absolutamente admissível a possibilidade de indenização por dano moral. O dono da propriedade não poderia ajuizar ação pelos danos ambientais, uma vez que não tem legitimidade para tal. É passível a ele, porém, deduzir pretensão individual no tocante à ofensa ao seu patrimônio pessoal (indenização por dano moral ao ambiente como microbem).

Um outro julgado interessante, trata-se de ação civil pública[20] movida por Ministério Público do Estado de São Paulo, Município de Paulínia e Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro Recanto dos Pássaros de Paulínia contra Shell Brasil S.A. A Shell, que, anteriormente, já havia firmado termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público, após indícios de pluma de contaminação verificados em auditoria, não cumpriu as metas estabelecidas, sendo que os moradores do bairro Recanto dos Pássaros apresentaram reclamações de que a água oriunda das cacimbas de suas propriedades não mais se apresentava inodora, insípida e incolor. Foram iniciadas, então, investigações sobre a possibilidade de expansão da pluma de contaminação anteriormente verificada e sobre a possibilidade de ela haver atingido o subsolo e o lençol freático do entorno das 66 propriedades que compunham o bairro.

A suspeita de expansão da pluma de contaminação para o lençol freático da região foi confirmada pelo inquérito civil público. Ressalta-se, ademais, que somente em 1996 houve implantação de rede pública de distribuição de água no bairro. Até então, toda a água consumida pelos moradores provinha das cacimbas lá existentes. Além disso, as ligações residenciais foram efetuadas muito vagarosamente. Foi comprovada, portanto, a ocorrência de graves danos à saúde dos moradores daquele bairro em razão de intoxicação crônica, apontando a necessidade de remoção das pessoas lá residentes.

O juízo de primeiro grau, entendendo que a ação civil pública objetiva tutelar o interesse difuso e não o interesse individual de cada um (o que poderia ser efetuado em ações individuais de cada morador para buscar a indenização cabível para danos materiais e morais que possa ter sofrido), conferiu à ré a obrigação de atender aos moradores do bairro, viabilizando-lhes os exames e tratamentos de que necessitassem, assim como sua remoção para outro local. Foi, assim, concedida a antecipação de tutela em favor dos autores, diante do perigo de dano irreparável que corriam. Essa foi a decisão proferida em primeiro grau. Dessa forma, o processo ainda não obteve decisão definitiva.

Ressalta-se, no entanto, que além do dano extrapatrimonial subjetivo, verifica-se, no caso em questão, a ocorrência de dano extrapatrimonial objetivo, visto que o bem ambiental (água) foi atingido em sua acepção de macrobem. Isso porque a água, uma vez contaminada em tais proporções (lençol freático), priva do seu desfrute, não apenas os moradores daquela região, mas toda a coletividade das presentes e futuras gerações. Evidência disso é o fato de a empresa Shell ter-se prontificado para a aquisição de todas as propriedades da região. Poder-se-ia, dessa forma, ter pedido, nesta ação civil pública, indenização por danos morais ambientais coletivos.

Antes de discorrer sobre a pioneira decisão acerca de dano extrapatrimonial coletivo, proferida pelo Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, serão tecidas algumas considerações sobre outro caso também de dano moral ambiental coletivo.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou, perante a 4a Vara Cível de Canoas, ação civil pública[21] contra a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB, apontando a ela responsabilidade pelos danos causados com vazamento de gás de amônia, intoxicando várias pessoas da localidade. No juízo singular, foi proferida sentença pela procedência da ação, fixando indenização em mil salários mínimos a serem revertidos ao Fundo Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul. Em 2a instância, porém, foi aceito o argumento de exceção de incompetência da justiça estadual por se tratar de empresa pública federal. Dessa forma, o processo foi remetido para o Tribunal Regional Federal da 4a Região e ainda aguarda julgamento.

2.2 DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO: DECISÃO PIONEIRA

O Município do Rio de Janeiro ingressou com uma Ação Civil Pública[22] contra réu que realizou corte de árvores com supressão de sub-bosque, próximo à Unidade de Conservação Ambiental, e iniciou construção não licenciada pela Prefeitura. O juiz monocrático condenou o réu a desfazer a obra irregular, a retirar os entulhos e a plantar 2800 mudas de espécies nativas no prazo de 90 dias.

Contudo, o Município do Rio de Janeiro apelou ao Tribunal de Justiça com vistas a garantir o pagamento de danos morais causados à coletividade pela degradação ambiental.

Em louvável e inovador voto, a desembargadora relatora Raimunda T. de Azevedo, condenou o réu, além do plantio de 2800 mudas e do desfazimento da obra irregular, ao pagamento de 200 salários mínimos a título de danos morais ambientais, revertidos em favor do fundo para recuperação dos bens lesados. Como já foi chamada à atenção, a indenização por dano moral ambiental coletivo é independente da obrigação de fazer. A seguir, as palavras da eminente desembargadora:

“… A condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não impede o reconhecimento de reparação do dano moral ambiental.

(…)

Uma coisa é o dano material consistente na poda de árvore e na retirada de sub-bosque cuja reparação foi determinada com o plantio de 2800 árvores. Outra é o dano moral consistente na perda de valores pela coletividade.”

A concessão de indenização por dano moral ambiental, nesse caso, deu-se, em parte, pela inquestionável perda da qualidade ambiental e paisagística da coletividade (diga-se: perda da qualidade de vida) ocasionadas pelo corte das árvores e pela construção de obra irregular. A Desembargadora fundamentou sua decisão caracterizando a função ecológica do bem ambiental. Segue trecho da decisão referente à descrição da inspeção técnica no local:

“A cobertura arbórea, além do seu valor ecológico/paisagístico para o local, tem como funções importantes tamponar os impactos gerados nas zonas ocupadas contribuindo para amenizar microclima local; conter a erosão do solo; reter poluentes e ruídos; servir como porta sementes; atrair a fauna entre outros aspectos relevantes, para uma área próxima a uma Unidade de Conservação Ambiental”.

Nota-se que o dano lesou vários bens ambientais, prejudicando a coletividade em vários aspectos. Os impactos mais diretamente perceptíveis referem-se ao dano paisagístico, à piora do microclima local e a diminuição de retenção de poluentes e ruídos; afetando diretamente o sossego e a saúde da coletividade. Os impactos no solo, na própria flora e na fauna denotam a perda de valores ambientais, que apesar de não serem tão diretamente perceptíveis como os primeiros, também afetam a qualidade ambiental da coletividade.

Além do mais, o direito à indenização por esses danos, relaciona-se a uma visão antropocêntrica alargada, levando em consideração valores intrínsecos do meio ambiente. Não se pode esquecer, ademais, que a degradação ambiental referida, provocou também, a perda de qualidade ambiental para as futuras gerações (art. 225 da CF), sendo, a indenização, um eficaz meio de compensação não só para as presentes gerações, como também para as futuras (humanas e não humanas).

Cumpre destacar também que a indenização por danos morais à coletividade coube, preponderantemente, em função do lapso temporal para a restauração ecológica a partir da obrigação de fazer (plantio de 2800 mudas de espécies nativas). No caso, cita a desembargadora que, o lapso temporal para a restauração ecológica é de 10 a 15 anos, no mínimo. Significa dizer, que em todo esse tempo, a coletividade “sofrerá”, de maneira irreversível, as más conseqüências da perda de sua qualidade de vida. Por isso, merece que os 200 salários mínimos da indenização sejam aplicados no ambiente próximo ao local da degradação, a fim de ser devidamente compensada em termos ecológicos.

Não há um tabelamento do valor a ser fixado no caso de indenização por danos morais. Mais à frente, ressaltar-se-á de maneira preliminar alguns parâmetros de quantificação. Contudo, cabe ressaltar, a necessidade de proporcionalidade e razoabilidade na fixação do valor da indenização, observando-se, inclusive, a condição financeira do réu.

Importantíssimo para a jurisprudência nacional foi esse acórdão analisado. Sem sombra de dúvidas, ele dá os primeiros passos na consolidação da indenização por dano moral ambiental coletivo. Todos os envolvidos diretos nessa decisão (Município do Rio de Janeiro – Procurador de Justiça Luiz Otávio de Freitas; desembargador João Wehbi Dib e a desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo, pelo ilustre voto) merecem congratulações.

3 ELEMENTOS DE QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL AO AMBIENTE

Após análise dos aspectos teóricos e de decisões jurisprudências acerca do dano moral ambiental, pretende-se agora sumariamente desenvolver as principais variáveis concernentes a mensuração do dano ambiental.

Quando se trata de avaliação econômica do bem ambiental é preciso, em primeiro lugar, ter em mente que ela diz respeito à capacidade de uso humano do mesmo e não a capacidade funcional do ecossistema. O valor econômico está estruturado numa sociedade capitalista, que tem os recursos naturais como bens de consumo. Assim, é lícito afirmar que o valor econômico do bem ambiental é limitado (uma vez que seus bens são geralmente de difícil ou impossível reparação) e firmado sobre uma base utilitarista e antropocêntrica. Trata-se de uma resposta econômica frente à tutela do bem ambiental inserido em uma sociedade capitalista.

Buscando determinar metodologias aplicáveis para a valoração econômica do meio ambiente, Maria Letícia de Souza Paraíso[23] apresenta a seguinte expressão: valor econômico total = valor de uso + valor de opção + valor de existência, no qual o valor de uso representa um valor atribuído ao uso efetivo dos recursos ambientais. Pode ser dividido em uso produto – valor dos recursos naturais negociados no mercado – e uso consumo – valor dos bens consumidos sem passar pelo mercado. O valor de opção estabelece relação com o risco da perda de benefícios que o ambiente proporciona as presentes e futuras gerações. E, finalmente, o valor de existência é o valor intrínseco presente na natureza, independente de sua relação com os seres humanos, ainda que não possua valor de uso atual ou futuro.

A economia ecológica vem desenvolvendo diversos métodos de valoração monetária dos recursos ambientais. De modo geral, estes métodos podem ser reunidos em dois grupos: os métodos diretos e os indiretos.

Os métodos diretos são aqueles que podem estar diretamente ligados aos valores de produtividade ou mercado. Incluem-se aqui, principalmente, os métodos do preço líquido[24] – utiliza o princípio simples de considerar o preço líquido de mercado de recursos naturais (deduzidos, portanto, seus custos de extração) multiplicando pelas unidades físicas destes recursos, como valor de recurso. Embora seja um método eficiente, é limitado uma vez que só pode ser aplicado para recursos que já possuam preços no mercado. E o método das mudanças na produtividade[25]– avalia mudanças físicas na produção provocadas por impactos ambientais utilizando valores de mercado e incorporando-se na análise econômica. É necessário que sejam medidos na área em estudo e fora dela, incluindo todas as externalidades derivadas destes impactos.

Os métodos indiretos são, por sua vez, utilizados quando não existe mercado real para este bem. Desenvolve-se neste caso avaliações subjetivas baseadas em mercados hipotéticos, pesquisas de opinião, custos evitados ou benefícios perdidos devido às alterações ambientais ocorridas. São métodos encontrados neste grupo o de valores hedônicos[26] – é uma técnica que parte do princípio de que não são apenas as características materiais que determinam o custo de um bem imobiliário, mas também seus “atributos ambientais”. Assim, o preço do imóvel poderia ser utilizado como parâmetro de avaliação da qualidade ambiental. E valoração contingente[27] – permite determinar o valor dos recursos naturais a partir das preferências dos consumidores. São distribuídos questionários onde as pessoas irão manifestar o quanto estariam dispostas a pagar pelo aproveitamento de um bem natural ou receber em contrapartida pela perda desse benefício.

É oportuno mencionar a existência de propostas que objetivam a tarifação[28] da indenização como analisa Vladimir Passos de Freitas[29]:

“(…) propõe a classificação do ambiente em seis aspectos (ar, água, solo, subsolo, fauna, flora e paisagem); para cada aspecto descreve dois tipos de dano e para cada tipo são descritos e qualificados diversos agravos. O técnico avaliador, ao vistoriar o local, definirá os aspectos envolvidos, analisará cada agravo na Tabela 1 e dará um correspondente numérico. Depois verificará a Tabela 2 e obterá para cada aspecto um fator de multiplicação, com o qual levará em conta o valor da exploração do bem (valor de mercado, se possível) e o valor de recuperação (método mais adequado à situação concreta), e, a partir daí, estimará o custo da recuperação”.

Seja qual for o método adotado para a quantificação do dano, deve-se sempre ter em vista os princípios da recuperação, prevenção, precaução, responsabilidade, poluidor-pagador, assim como a proporcionalidade e a razoabilidade que em cada caso concreto orientaram os avaliadores para determinar uma quantia que corresponda aos valores da justiça.

É reconhecida aqui a dificuldade no processo de quantificação do dano ao ambiente; contudo, é preferível uma avaliação econômica ainda que parcial e questionável do que nenhuma avaliação, esta última hipótese equivaleria ao descompromisso, à falta de sanção civil e à irreparabilidade integral do dano.

Assim, com todo o trabalho já desenvolvido, as ações propondo indenizações por danos ambientais terão já parâmetros, especialmente em seu viés moral ou extrapatrimonial, para fixar seus valores e os magistrados encontrarão ao seu dispor elementos para orientar suas decisões em cada caso concreto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face da pesquisa acima realizada, pode-se concluir que:

1. A tomada de consciência da esgotabilidade do bem ambiental, surgida nas últimas décadas, trouxe a premente necessidade do surgimento de novos paradigmas no Direito, buscando-se proteger o bem ambiental com o máximo de eficiência possível.

2. Juntamente à aplicação dos princípios da prevenção e precaução, necessário faz-se a efetiva aplicação do princípio da responsabilização. Assim, poderá, o bem ambiental, ser beneficiado com uma proteção integral, na qual, ao princípio da responsabilização, caberá a busca pela reparação e compensação ecológicas.

3. A responsabilização por dano moral ambiental coletivo, além de estar em perfeita consonância com o princípio da reparabilidade integral, representa um novo paradigma de responsabilização no Direito Ambiental, pelo qual se adapta o dano moral com fortes características individualistas e privatistas a uma realidade difusa (ínsita ao Direito Ambiental), possibilitando-se a compensação da coletividade pelos “sofrimentos” decorrentes da lesão ambiental.

4. Os “sofrimentos” da coletividade, referentes a lesões ambientais intoleráveis, relacionam-se à sua perda de qualidade de vida. Contudo, a qualidade de vida não se refere somente à saúde, mas também ao conjunto de prerrogativas propiciadas por um meio ambiente saudável (sossego, interação com a natureza), que contribuem preponderantemente para um desenvolvimento sadio da personalidade dos indivíduos.

5. A jurisprudência nacional está começando a admitir, consoante o ordenamento jurídico pátrio (art. 225, CF; art. 14, da lei 6938/81; lei 7347/85), a indenização por dano extrapatrimonial ambiental coletivo, dando, com isso, os primeiros passos na consolidação desta modalidade de dano e permitindo que a coletividade possa ser devidamente compensada sempre que ultrajada no seu direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

6. A aceitação do dano moral ambiental coletivo, ao levar em consideração o bem ambiental como essencial à personalidade dos sujeitos da coletividade, leva também em consideração a autonomia do bem ambiental. Isso implica uma visão antropocêntrica alargada, na qual a indenização, paralelamente à coletividade, compensa o bem ambiental em si, como bem autônomo.

7. O valor do bem ambiental é de difícil determinação tendo por características ser limitado, utilitarista, antropocêntrico e regido pelas regras do capitalismo. Não obstante, a sua determinação redunda na certeza da sanção civil.

8. A economia ecológica já apresenta diversos métodos para a quantificação do dano ambiental. Embora possa ser questionável a aplicação de determinados métodos, isso não deve servir como justificativa para a não imputação da responsabilidade civil. As ações propondo indenizações por danos ambientais terão já parâmetros, especialmente em seu viés moral ou extrapatrimonial, para fixar valores e os magistrados encontrarão ao seu dispor elementos para orientar suas decisões em  cada caso concreto.

 

Notas:
[1] Artigo 1°, III, da Constituição da República Federativa do Brasil.
[2] OST, François. O tempo e o direito. Lisboa: Piaget, 2000. p. 198-199.
[3] Artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil.
[4] Destacam-se dois dispositivos da Lei 6.938, de 1981 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – artigo 3°, inciso I e artigo 14, § 1°. Este último ressalta o caráter ambivalente do dano ambiental, que se refere ora a terceiros (pessoal), ora ao próprio bem ambiental. O artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil, estabeleceu o sistema triplo de responsabilização, além de confirmar a responsabilidade objetiva do artigo 14, § 1°, da Lei 6.938/81.
[5] LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 108.
[6] CANOTILHO, José Joaquim. Estado constitucional ecológico e democracia sustentada. Revista Cedaua. Coimbra: Coimbra Ed., 2001. p. 10-11.
[7] No Brasil, foi adotado o sistema de tripla responsabilização, ou seja, um único dano pode implicar responsabilização em âmbito administrativo, penal e civil.
[8] Artigo 4°,  VII,  da Lei 6.938/81.
[9] LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 220.
[10] O Fundo de Defesa dos Direitos Difusos é tratado nos artigos 13 e 20, da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, sendo regulamentado pelo Decreto 1.306, de 09 de novembro de 1994.
[11] STOCCO, Rui. Tratado de direito civil. São Paulo: RT, 2002. p. 671-674.
[12] De 08 de setembro de 1999.
[13] Artigo 3o da Lei 9.605 de 12 de setembro de 1998.
[14] A Constituição prevê em seu artigo 5o, inciso V o seguinte: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (grifou-se). A seguir, o inciso X, do mesmo dispositivo, prescreve que: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Cumpre destacar que ambos os dispositivos são auto-aplicáveis e, também, cláusulas abertas. Essa constatação advém do § 2o, do artigo 5o, da Carta Magna: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem os outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
[15] É importante esclarecer que a condenação pecuniária se dá nos casos em que é impossível que uma obrigação de fazer restaure o ambiente lesado, como, por exemplo, na hipótese de morte de animais silvestres.
[16] “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados”.
[17] “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”.
[18] FAZENDA RIO GRANDE. Vara Cível. Reexame Necessário nº 120.571-2. ERONDI MACHADO FAGUNDES versus MUNICÍPIO DE MANDIRITUBA. Des. Antonio Prado Filho. Sentença de 25 de junho, 2002, www.tj.pr.gov.br, disponível em 15 de out. 2002.
[19] SANTA MARIA. 10a Câmara Cível. Apelação Cível n. 70001616895. SCHUCH ENGENHARIA LTDA versus ERNESTO DEOLIM BRAIDA. Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana. Sentença de 17 de maio, 2001, www.tj.rs.gov.br, disponível em 15 de out. 2002.
[20] PAULÍNEA. Juízo de Direito do Foro Distrital de Paulínea. Ação Civil Pública n. 2409/01. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, MUNICÍPIO DE PAULÍNIA E SOCIEDADE DOS AMIGOS E MORADORES DO BAIRRO RECANTO DOS PÁSSAROS DE PAULÍNIA versus SHELL BRASIL S.A. Juiz Ricardo Sevalho Gonçalves. Sentença de 17 de dezembro, 2001.
[21] CANOAS. 1a Câmara Cível. Ação Civil Pública n. 597.06808-9. COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO – CONAB versus MINISTÉRIO PÚBLICO. Des. Leo Lima. Sentença de 25 de março, 1998, www.tj.rs.gov.br, disponível em 15 de out. de 2002.
[22] RIO DE JANEIRO. Segunda Câmara Cível. Apelação Cível nº 2001.001.14586. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO versus ARTUR DA ROCHA MENDES NETO. Desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo. Sentença de 06 de março de 2002.
27PARAÍSO, Maria Letícia de Souza. Metodologias de avaliação econômica dos recursos naturais. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, n. 6, p. 97, 1997.
28 MERICO, Luiz Fernando Krieger. Introdução À Economia Ecológica. 2ª ed. Blumenau: Edifurb, 2002. p. 88.
29 MERICO, Luiz Fernando Krieger. Op. cit, p. 89.
30 BENAKOUCHE, Josimar Ribeiro de, PANNO, Marcia e OLIVEIRA, Simone Gomes de. Perícia Ambiental. Rio de Janeiro: Thex Ed., 2000. p. 171.
31 BENAKOUCHE, Josimar Ribeiro de, PANNO, Marcia e OLIVEIRA, Simone Gomes de. Op. cit.
[28] O Decreto n. 3.179, de 21 de setembro de 1999, que regulamenta a Lei 9.605/98, já define valores monetários fixos para determinados crimes ambientais. V. art. 11 e ss.
32 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 184-185.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

José Rubens Morato Leite

 

Professor de Direito Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina, Doutor em Direito pela UFSC, Mestre pela University College London e autor de vários livros e artigos sobre direito ambiental.

 

Jailson José de Melo

 

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).

 

Luciana Cardoso Pilati

 

Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do Programa Especial de Treinamento (PET-Direito).

 

Woldemar Jamundá

 

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do Programa Especial de Treinamento (PET-Direito).

 


 

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