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Justiça injusta, ou induzida a erro?

Transcrição de O Estado de S. Paulo – Cidades/Metrópole, pág. C9: “Wagno…foi abordado por dois policiais em
trajes civis, num Monza escoltado por um carro da Polícia Militar. Jogado no
Monza, levou chutes e murros “A casa caiu! Bandido!Assassino!, gritavam. “Não
entendia nada. Casa? Não conhecia o jargão de bandido. Assustei. Pedi
Misericórdia
”, conta.

Trata-se de caso verídico, noticiado amplamente em todos os meios de
comunicação, a respeito da injustiça ocorrida com Wagno Lúcio da Silva, de 41
anos, preso e processado por 8 anos, até o Tribunal decidir pela sua inocência.

Agora vejamos os comentários de dois ilustres Advogados ouvidos pela
reportagem do mesmo jornal: “”Na dúvida,
o acusado deve ser absolvido: In dubio pro réu. Essa é a regra jurídica. Em
primeiro lugar, tem de se observar o dispositivo constitucional que estabelece
que ninguém pode ser julgado sem a prova definitiva
”. “É o Estado que deve provar que o indivíduo é culpado com base na
Constituição. Provar a inocência é exceção
”.

O caso de Wagno é sem qualquer resquício de dúvida erro irreparável.
As frases dos Advogados estão absolutamente corretas. É a justiça que deve
provar a prática do crime e a sua autoria. Se houve qualquer dúvida na ocasião
do julgamento, a absolvição deve vir imperiosa.

Neste caso, especificamente, tudo indica que a investigação tenha
corrido exclusivamente pela Polícia. Vejam a forma como agiu. Dispensa
comentários: Truculência e suposições.

Agora, o que realmente espanta, é que os advogados, estes mesmos que
defendem que a dúvida deve beneficiar o réu, não admitem correções no sistema
brasileiro do direito processual penal, de forma a seguir os sistemas adotados
por todos os países do mundo, exceto 3 da áfrica e um da Ásia. Refiro-me à
direção da investigação criminal por parte de um Promotor de Justiça – em casos
graves (e por muito mais razão em casos de crime organizado). Então, será que
se houvesse um promotor de justiça acompanhando a investigação de Wagno, a
sorte dele não teria sido outra, como ocorreu, por exemplo, no conhecido “Caso
Bodega” – que tinha o mesmo destino, e foi alterado pela ação firme e certeira
de um promotor de justiça que o acompanhou? Será que a OAB não deve cumprir o
seu papel social, e não tem por obrigação agir para auxiliar o aperfeiçoamento
da justiça penal, de modo a evitar injustiças como estas? Eu pergunto: Alguém
conhece algum caso, um único no País, em que um Promotor de Justiça tenha agido
da forma como relatado no primeiro parágrafo acima?

Sei perfeitamente que não podemos generalizar, e há policiais
excelentes, cumpridores do seu mister, realizando-o com as melhores técnicas
investigativas, que se esforçam, e desvendam os crimes através do uso da
inteligência, e não da truculência. Mas também tenho de considerar que não é
incomum um policial agir com a referida truculência.

A atuação de um promotor durante a fase de investigação processual,
sabem os advogados, mas muitos não querem admitir por mera questão política,
diminui, em muito, o risco do processo penal injusto. Óbvio que os promotores
não são e nunca serão perfeitos. Erros e excessos sempre haverá, mas em escala
infinitamente menor do que quando realizada somente pela Polícia. Nos casos em
que não há atuação do promotor, a polícia encerra o inquérito policial e o
encaminha ao Fórum. O promotor recebe-o e tal que qual chega, com a convicção
do Delegado, com evidências coletadas, – seja como forem – servem de único
subsídio de formação do convencimento do Promotor na opinio delicti. Em muitos casos, concretiza-se a injustiça –
repitamos – irreparável, como d i r e c i o n a m e n t o das provas e
evidências. A Polícia dá o caso como resolvido, o promotor acaba acolhendo
aquela versão – transmite-a ao Juízo, e vem a sentença.

O que muitos não percebem, é que o processo tem o condão de “mudar” a
verdade real. Na medida em que se impõe a carga da autoria do crime em alguém
inocente, ao mesmo tempo retira-se a culpabilidade do culpado. E a “verdade”
que passa a valer é a mentira. Os homens que atuam na aplicação da justiça
aplicam a “verdade – mentirosa” – maquiada ou equivocada. Torna-se então
“verdade” para o mundo real que um inocente praticou um crime – e assim a
punição acaba sendo aplicada… O que decorre, no mundo  real – este que vivemos, é que o inocente
vai preso, enquanto um culpado fica livre e solto. E mesmo assim, a OAB resiste
em adotar a sistemática da evolução processual penal alavancada pela Alemanha,
em 1974, com o StPO – Strafprozessordnung – Código de Processo Penal Alemão
(reformado), e disseminada nos países de primeiro mundo. E nós, não queremos
ser primeiro mundo? Vamos nos conformar com as injustiças? Wagno foi apenas um
exemplo, quantos outros estão passando pela mesma situação?

Triste e agonizante é assistir aos insustentáveis argumentos de
Polícia, OAB e boa parte da Magistratura, para sustentarem que o “Ministério
Público não pode investigar”, e em pleno século XXI, termos que passar por
isso, e assistir lamentáveis deslindes do fim do terceiro mundo – que não quer
evoluir, por mero corporativismo, e para não entregar a quem de direito, o
poder natural da situação jurídica contemporânea. E não podemos ignorar que
alguns Juízes se somam a esse pensamento, por razões políticas, “para agradar o
contingente da maioria – Advogados + Policiais”. E o povo, não quer o
Ministério Público investigando?

Mas é assim, enquanto a evolução resiste aportar pelo “brazilzinho” de
terceiro mundo na área jurídico penal, suportemos inconformados por essas
injustiças.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcelo Batlouni Mendroni

 

Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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