Numa noite em Porto Alegre um homem foi vítima de dois assaltantes que, à mão armada, lhe roubaram o único meio de subsistência, um carro velho. Uma viatura policial passava por ali e partiu ao encalço dos bandidos. Numa curva, os assaltantes perderam o controle do carro e bateram num poste. A viatura policial vinha logo atrás e colidiu em cheio na traseira do veículo roubado. Perda total.
Os tribunais trataram o caso de forma bem diversa. Um dos infratores, menor de idade, foi submetido a um procedimento restaurativo, e comprometeu-se a pagar metade dos prejuízos da vítima aliviada depois de ter relatado ao jovem toda a sua frustração e ressentimento. “No outro tribunal”, ajuntou o homem, “deram-me menos de cinco minutos para testemunhar, e o bandido saiu rindo de mim, achando que não ia pegar mais que uma pena de prisão”.
Justiça restaurativa é o nome pelo qual são conhecidos determinados modos de proceder que promovem a participação voluntária dos envolvidos em um processo judicial. Nos círculos e câmaras restaurativas entram todos ou a maioria dos atores, principalmente vítimas e comunidades, habitualmente excluídos dos processos de Justiça.
O objetivo dos procedimentos restaurativos é um acordo para reparar os danos causados por toda e qualquer infração lesiva a propriedade, pessoa ou relacionamentos. A fórmula é envolver confiando na capacidade de todos e cada um de assumir responsabilidade na reparação do malfeito e evitar reincidência.
Câmaras e círculos restaurativos não ocorrem sempre ou necessariamente sob as asas de um Juiz ou de um Promotor de Justiça. Podem se realizar também em delegacias de polícia, comunidades e escolas.
Pesquisas em muitos países mostram que 8 ou 9 em cada 10 casos judiciais em que foram usados procedimentos restaurativos os participantes saíram satisfeitos e os acordos foram cumpridos. Ganham todos: vítimas, infratores, comunidades e até mesmo a Justiça.
A Justiça tal como a conhecemos é provavelmente a mais sofisticada e acabada obra do engenho humano. Mas está sobrecarregada e tende ao colapso, por força da tensão entre a missão própria do Direito Penal (“investigar e castigar os culpados”) e os processos cada vez mais adornados de garantias e direitos dos acusados.
Nesse contexto, a abordagem restaurativa não desponta como uma alternativa, mas como uma preciosa oportunidade para revigorar a Justiça, que por enquanto acentua apenas as necessidades dos infratores e do próprio sistema.
Informações Sobre o Autor
Pedro Scuro Neto
Introdutor da Justiça Restaurativa no Brasil e América Latina, Professor da Escola Superior da Magistratura (Rio Grande do Sul)