Presente texto pretende abordar a ética prescrita por Kant, sua incidência e desdobramentos sobre a conduta humana, trazendo os pontos principais de sua doutrina relativa à ação moral. Trazemos aqui uma breve exposição sobre a moralidade do sujeito, suas formas e conteúdos. Tal trabalho tem como função expor a ética kantiana e as ações a ela relativas, no que tange sua fundamentação e desdobramentos. Desta pesquisa resultou de forma sintética uma singela reprodução da doutrina referente ao postulado de Kant (nomeado por este como sendo a metafísica dos costumes).
Introdução
Nossa pretensão está em expor o que Kant escreveu a respeito da “metafísica dos costumes”, a legislação moral. Para introduzir o assunto, traremos uma breve nota sobre o termo “metafísica” e “costume”. Metafísica se encontra na parte racional ou não empírica do conhecimento humano, e costume se entende como um complexo de regras de conduta ou de leis que disciplinam da razão humana considerando-o como ser livre. Aqui está o alvo pretendido por Kant ou desenvolver seu texto.
Logo ao prólogo da obra “Fundamentação Da Metafísica Dos Costumes” (1785) Kant expõe o objeto de sua investigação: “Todo o conhecimento racional ou é material, e considera qualquer objeto, ou formal, ocupando-se unicamente da forma do entendimento e da razão em si mesma, e das regras universais do pensar em geral, sem distinção de objetos.”[1] Seu ponto de partida vem da divisão feita na filosofia grega antiga: a física, a ética e a lógica. Tinha que a filosofia formal única e exclusivamente era a lógica; a filosofia material, por sua vez, tinha por sua ocupação determinados objetos e leis da natureza (física) e leis da liberdade (ética). Seu esforço é expor a moral, a teoria dos costumes.
A história da filosofia ocidental tem no pensador Immanuel Kant uma etapa relevante, longe de se esgotar sua fecundidade. Temos este como ponto de partida da moderna filosofia alemã, marcada por pensadores como Hegel, Schelling, Fichte e Schopenhauer. Os textos publicados por Kant colocaram-no em posição privilegiada, sendo assim reconhecido por todos na grande área do saber pertencente à filosofia. Inserindo o pensamento de Kant na história da filosofia, podemos afirmar seguramente que sua doutrina trouxe uma revolução tal qual Copérnico – ao afirmar o contrário ao posto em sua época – obteve em relação ao admitido tradicionalmente. No campo do conhecimento não é o sujeito que gira ao redor do objeto, mas acontece o contrário. Resulta disto que o que o sujeito conhece é produto de sua consciência. O sujeito como consciência moral constrói a lei para si próprio. O homem como sujeito se encontra no centro da moral e do conhecimento.
Filosofia moral popular para uma metafísica dos costumes
No início da fundamentação, Kant assimila a partição clássica grega da filosofia, em lógica (que é o estudo das relações formais entre os entes), ética (o estudo dos outros entes naturais), e a física (que é o estudo do mundo natural e das leis que o regulam). No que diz respeito ao costume, Kant pretende referir-se ao objeto tradicional da ética ou filosofia moral, estranha da lógica e da física. Surge sua delimitação quanto ao campo de estudos no que toca à ação. Sabemos que metafísica está relacionada com a parte racional do saber, longe da física (que é uma ciência a princípio empírica).
Trataremos da metafísica, como o estudo das leis que regulam a conduta humana sobre um ponto de vista meramente racional. Nesse amálgama, podemos distinguir tanto da física quanto da ética. Não podemos desconsiderar a lógica, que tem uma parte empírica de outra racional, sendo tratado unicamente de modo sensível (empírica) nas relações formais. Temos também uma ética empírica e uma ética racional, uma física empírica e uma física racional, assim sendo, uma física da natureza próxima à uma metafísica da natureza, e também uma física dos costumes. Para transcendermos os conceitos morais (conhecimento vulgar) devemos seguir e descrever claramente a “faculdade prática da razão”, iniciando por regras universais determinantes até o surgimento do conceito de dever (conhecimento filosófico).
“Como para derivar as ações das leis se exige a razão, a vontade outra coisa não é senão a razão prática. Se a razão determina infalivelmente à vontade, então as ações de tal ser, que são conhecidas como objetivamente necessárias, são também subjetivamente necessárias, ou seja, a vontade é a faculdade de não escolher nada mais que a razão, independentemente da inclinação: conhece-a como praticamente necessária, quer dizer, como algo bom”. [2]
Partindo desta proposição, temos que a determinação de tal vontade, constitui a obrigação – esta sendo subjetiva, individualmente considerada – em conformidade com as leis objetivas. Este momento vem a representar a ação conforme a lei, e sendo os imperativos fórmulas que delimitam a relação entre o querer geral e o ser racional (leis objetivas).
Lei Moral
No que tange os imperativos, são ordenamentos de determinação das ações sob o princípio de uma vontade de qualquer boa forma. Figura este no vocabulário do filósofo como “princípios práticos” as regras gerais como determinações gerais da vontade, onde encontram-se numerosas regras práticas particulares. Assim Kant define os imperativos:
“Ora, todos os imperativos ordenam, seja hipotética, seja categoricamente. Os hipotéticos representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de conseguir qualquer outra coisa que se queira (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria o que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com nenhum outro fim.”[3]
Dentro da estrutura básica dos imperativos formulados por Kant, o que foi acima citado representa o princípio, formulação básica deste instituto. Para um melhor entendimento – e aproveitamento – no desenvolvimento deste texto iremos expor uma breve síntese deles para prosseguirmos. Na concepção de Kant os imperativos podem ser definidos em categóricos e hipotéticos. Por categórico entendemos o mandamento sobre uma ação que em si basta, “age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”. O imperativo hipotético, por sua vez, “diz somente que a ação é boa em vista de algum propósito possível ou real”. Estes últimos nós temos como meio para atingir um determinado fim, onde podemos exemplificar: ”se queres atingir A, deves praticar B”.
O conteúdo do imperativo, além da lei, é senão a necessidade da máxima onde é conforme esta mesma lei, sendo incondicionada, gera portanto a universalidade de uma lei em sentido amplo. Temos uma dicotomia entre os preceitos morais: os imperativos são provenientes do foro externo (objetivos) ao passo que as máximas partem de cada indivíduo (subjetivo). Kant assim conceitua este preceito:
“Máxima é o princípio subjetivo da ação e deve se distinguir do princípio objetivo, isto é, da lei prática. Aquela contem a regra prática que determina a razão em conformidade com as condições do sujeito (muitas vezes em conformidade com a sua ignorância ou às suas inclinações), e é, portanto, o princípio segundo o qual o sujeito age; a lei, porém, é o princípio objetivo, válido para todo ser racional, princípio segundo o qual ele deve agir, quer dizer, trata-se de um imperativo”.[4]
Somente os imperativos categóricos são leis morais. Eles são necessários e universais, mas não como as leis naturais. Enquanto as leis naturais não podem deixar de concretizar, as leis morais podem até não produzir resultados, porque a vontade humana está sujeita não só a razão, mas também as suas inclinações podendo por isso se desviar. E é exatamente por essa razão que as leis morais são chamadas de “imperativos” ou “deveres”.
Autonomia e Heteronomia das normas
Podemos afirmar que todas as normas são imperativos, pois fixam diretrizes – regras basilares – da conduta do ser humano, mas somente a lei positiva é autorizante. Esta pode ser exigível perante tudo e todos, uma vez que é bilateral – parte da convenção dos consortes. Na outra ponta, vem a norma moral que tem em comum a mesma base ética, também constitui norma de comportamento. Vem como unilateral, pois apenas impõe dever, sem autorizar ninguém a empregar a força para que seja cumprida. Assim sendo, em nosso meio chama-se de obrigação natural, onde o promitente beneficiado não pode exigir coercitivamente.
Temos então que os imperativos morais provem da autonomia, reconhecidos espontaneamente – um imperativo criado pela própria consciência no sentido de ser uma auto-legislação. As normas jurídicas são heteronomas, pois são criadas por terceiros, impondo e obrigando a vontade dos obrigados. Neste ponto, Kant aborda a autonomia da vontade: “Assim, pois, quem considere a moralidade como alguma coisa real e não como uma idéia quimérica desprovida de verdade tem de admitir simultaneamente o princípio dela por nós anunciado”[5]. Acrescemos aqui que o objeto kantiano é justamente o costume – moralidade. Temos então a observação de Kant, em que toda a legislação é de ordem extrínseca. Nem pode ser tomado por outro ponto de vista, desde que a lei diga respeito à coisa que se deve obter ou não, sendo esse o caso da legislação moral, ao princípio pelo qual se deve querê-la. Por que, para fazer requerer uma coisa é preciso usar de artifícios (promessas ou ameaças, o caso concreto determina), para obter cerca intenção, de uma posterior adesão livre da vontade. Caso houvesse coação, esta adesão não seria livre e coerentemente não seria própria da liberdade do agente. É isso de Kant afirma: que a lei formal só pode ser formal e não material. A nossa moralidade não pretendia as coisas que pretendemos, mas que seja vindo do princípio pelo qual as queremos.
É colocada a vontade como uma espécie de causalidade, uma relação de causa e efeito no qual o resultado seria a liberdade – sua propriedade. Dirigido aos seres, enquanto racionais, definindo parâmetros e estabelecendo normas no campo moral:
“A razão, de modo diverso, mostra sob o nome das idéias uma espontaneidade tão pura que por ela excede em muito tudo o que a sensibilidade possa fornecer ao entendimento; e mostra a mais elevada função na distinção que estabelece entre o mundo sensível e mundo inteligível, assinalando assim os limites ao próprio entendimento”[6].
Considerando a racionalidade humana, o sujeito conhece a si próprio e reconhece as leis do uso de suas forças – sobre todas as suas ações. Ao ter parâmetros como estes Kant conceitua da seguinte maneira: “(…) enquanto pertence ao mundo sensível, sob as leis naturais (heterônomas); o segundo com pertence ao mundo inteligível, sob o domínio de leis que, independentes da natureza, não são empíricas, mas se fundamentam unicamente na razão”[7].
Moralidade X Legalidade
A conduta humana regulada pelas leis da liberdade, surge como oposição às leis da necessidade, estes que regulam os fenômenos do universo natural. O primeiro problema que enfrentamos ao comparar esses dois formatos da legislação é a distinção entre duas formas diversas de leis e ações: a legislação moral que é efetivamente a ação moral, e legislação de jurídica expressa como ação jurídica. Por assim dizer, estamos diante de um problema clássico referente à filosofia e o Direito como ciência. Tentaremos mostrar aqui e fazer uma exposição sobre os critérios adotados por Kant.
O primeiro destes critérios diz respeito ao conteúdo, no que diz respeito à forma da obrigação. Assim inicia Kant sua fundamentação[8]: “Nem neste mundo nem fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação, a não ser uma só coisa: uma boa vontade”. Nessa afirmação podemos entender boa vontade por aquela vontade que não está determinada por cálculo interessado ou atitude alguma, onde incide somente o respeito ao dever. Podemos considerar então a ação moral que é a realizada não para obedecer à uma certa atitude sensível, mas para obedecer à lei do dever somente. Outra tipificação da ação moral seria aquela que é cumprida não por um fim, mas pela máxima que a determina tão somente. Como terceira faceta da ação moral temos aquela que não é movida por outra inclinação a não ser o respeito à lei. Extraindo os uma singela síntese, diremos que a ação moral não pode ser suficiente para ser coerente com o dever, deve ser também cumprida pelo dever.
Temos a moralidade quando a ação é executada por dever, e no outro extremo a pura e simples legalidade quando a ação é feita em conformidade ao dever. Norberto Bobbio[9] nos traz uma bela nota conclusiva: “(…), a legislação moral é aquela que não admite que uma ação possa ser cumprida segundo inclinação ou interesse; a legislação jurídica, ao contrário, é a que aceita simplesmente à conformidade da ação à lei e não se interessa pelas inclinações ou interesses que a determinam. Finalmente, quando eu atuo de determinada maneira por que este é o meu dever, cumpro uma ação moral; por outro lado, quando atuo determinada maneira para conformar à lei, ao mesmo tempo por que é do meu interesse ou corresponde à minha inclinação, tal ação não é moral, mas somente legal”.
Para uma melhor compreensão das formas da estabelecidas por Kant, este as dividiu em interno e externo – tendo sob a ação, legislação e o dever. É posto como morais as “leis da natureza“ contrapondo-se às jurídicas, estas sendo em conformidade com a lei (ações externas). Se forem princípios que determinam ações são normas éticas; se executadas conforme a lei estará no âmbito da legalidade. O dever também sofre a divisão entre o externo e interno: ao passo que “seja por si mesma motivo que determina a vontade do agente”. Como dever moral temos: “O dever moral é, pois, um querer próprio necessário seu como membro de um mundo inteligível, só sendo pensado por ele como dever à medida que ele se considera, simultaneamente, membro de um mundo sensível”[10]. Uma ação legal é externa pelo fato de a legislação externa a impor, que deseja unicamente uma adesão exterior à suas próprias leis – independentemente da intenção pela qual a ação é cumprida. Nesta mesma linha de raciocínio, a legislação moral deseja uma adesão íntima as suas próprias leis – uma intenção pura, com a convicção da bondade da lei.
“A legislação jurídica não pede ao cidadão que mantenha as promessas por respeito ao dever; pede-lhe manter as promessas, e nada mais, e o ato é aceito como juridicamente perfeito ainda que o motivo pelo qual foi cumprido tenha sido meramente utilitário, como o interesse de não ser, por sua vez, decepcionado, nas próprias expectativas, por uma promessa descumprida, ou pelo medo de sanção, etc.”[11]
Finalizando esse ponto, podemos trazer a diferenciação posta por Kant sobre a liberdade no direito e na moral. A legislação neste momento é trocada pela palavra liberdade, sendo a moralidade como liberdade interna e o direito referindo-se à liberdade externa. “Por “liberdade moral” deve ser entendida, segundo Kant, a faculdade de adequação às leis que a nossa razão dá a nós mesmos; por “liberdade jurídica”, a faculdade de agir segundo no mundo externo, não sendo impedidos pela liberdade igual dos demais seres humanos, livres como eu, interna e externamente”[12]. A liberdade interna refere-se a “uma relação de mim comigo mesmo” enquanto que a liberdade externa é “uma relação minha com os outros”. A forma da ação é considerada como determinante na minha consciência (interno) e abrindo-se para coincidir com os outros (externo).
Conclusão
No desenvolvimento deste arrazoado tratamos acerca da lei moral, enfim, os parâmetros norteadores da conduta humana. Reunimos aqui para finalizar algumas noções básicas sobre a doutrina kantiana.
Foi abordado com grande relevância os imperativos e as máximas de conduta moral. Dessa forma, o imperativo categórico não é senão uma e a sua forma mais apropriada é a seguinte: “age de modo que a máxima da sua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como o princípio da legislação universal”. A sua máxima (subjetiva) se torne lei universal (objetiva). Cumpre reiterar que os imperativos são de ordem externa (objetiva) e as máximas são subjetivas – constituindo e fazendo parte do contingente de cada ser.
Tratamos também da moralidade traçando um paralelo seu com a legalidade. Esta é uma questão muito frágil quando se discute a norma em seu sentido estrito e sua versão subjetiva (filosoficamente). Uma determinada ação moral não é suficiente que seja coerente com o dever, se torna necessário que seja também cumprida pelo dever. A liberdade interna refere-se a “uma relação de mim comigo mesmo” enquanto que a liberdade externa é “uma relação minha com os outros”.
Atualmente, nossa concepção sobre a moralidade em si é reduzida ao termo costume, este expressando nossa definição sobre os atos morais como sendo a ciência do bem e do mal. Em palavras atuais:
“O costume é, portanto, uma norma que deriva da longa prática uniforme ou da geral e constante repetição de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma necessidade jurídica. A fonte jurídica formal é, então, a prática consuetudinária, sendo o costume ou a norma costumeira uma forma de expressão jurídica; deveras o costume não gera o direito, é apenas um modo pelo qual ele se expressa, daí a sua exigibilidade”[13].
Informações Sobre o Autor
Fabio Brych
Bacharel em Direito – Universidade Regional de Blumenau – FURB Pós-graduando em Direito Administrativo – UFG