Lavratura de auto de infração por agente da autoridade de trânsito em férias, licença ou de “folga”

Resumo: O artigo em questão tem como fim trazer à lume esclarecimentos jurídicos, decorrentes de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, ao tema apontado, qual seja, Lavratura de Auto de Infração por Agente da Autoridade de Trânsito em Férias, Licença ou de “Folga”. Demonstrar-se-á, ao final, que os Autos de Infração lavrados por Servidores Públicos ou Empregados Públicos, bem ainda os Policiais Militares, nas condições retro, são nulos em virtude de reportados Agentes Públicos, no momento, não disporem transitoriamente de competência.


Palavras-chave: competência – fiscalização de trânsito – lavratura de auto de infração por agente da autoridade de trânsito quando da inatividade – férias – licença – folga – ato nulo.


1. INTRODUÇÃO.


O tema proposto não é de toda sorte corriqueiro, mas por vez ou outra é posto em evidência e gera acaloradas discussões. Com o intuito de contribuir no esclarecimento do assunto é que se propõe o presente.


Como se sabe vivemos em um estado democrático de direito. Nesta linha de raciocínio, patente que nosso sistema institucional prima pelo respeito da hierarquia das normas, da separação dos poderes e pelos direitos fundamentais, mote estabelecido em nossa Lei Maior, a Constituição Federal.


Com o fito de regular a ação estatal e do indivíduo, o legislador estabeleceu em nossa Constituição Federal regramentos, que devem ser seguidos pelas normas infraconstitucionais. Assim, tanto o Estado quanto o indivíduo possuem direitos, garantias e deveres.


É neste cenário que se desenvolve os fatos abordados no artigo posto em evidência, isto é, na relação entre o Estado, exercido por Agentes Públicos integrantes da administração pública, e o indivíduo (destinatário dos atos).


Como é sabido, a Administração Pública, na prática de atos, deverá obedecer aos princípios da legalidade, supremacia do interesse público, impessoalidade, presunção de legitimidade ou veracidade, especialidade, controle ou tutela, autotutela, hierarquia, continuidade do serviço público, publicidade, moralidade administrativa, razoabilidade e proporcionalidade, motivação, eficiência, segurança jurídica, proteção à confiança e boa-fé.


Dentre os princípios destacados interessa-nos, no momento, apenas digressões ao da legalidade, que se desenvolve no tópico abaixo. De se destacar que os demais assuntos serão tratados em tópicos específicos.


2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.


Por princípio da legalidade entende-se que todo ato administrativo só poderá ser praticado, e conseqüentemente só será válido, se autorizado por Lei.


O doutrinador José dos Santos Carvalho Filho[1], ao tratar do assunto, assim se posiciona:


“O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita. (…)


O princípio “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas”.


Corroborando o entendimento citado, aduz a estudiosa Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2], que “Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade. (…). Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite.”


3. DA COMPETÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS, EMPREGADOS PÚBLICOS E POLICIAIS MILITARES PARA LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO.


Competência, com base em escólio de Marçal Justem Filho[3] … é a atribuição normativa da legitimação para a prática de um ato administrativo.


Nessa toada, correto concluir que os Servidores Públicos, Empregados Públicos e Policiais Militares só serão competentes para lavratura de auto de infração se houver dispositivos legais prevendo tais possibilidades.


Antes de adentrarmos a altercação proposta, oportuno alguns esclarecimentos sobre a distinção dos Agentes Públicos citados. Vejamos:


“Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e deveres dos servidores e do Estado. (José dos Santos Carvalho Filho, obra já descrita, p. 453/454)


Empregado público é a pessoa física que desempenha a função de órgão estatal submetida ao regime de direito do trabalho, com as modificações próprias do regime de direito público. (Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 659)


Os militares abrangem as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica (art. 142, caput, e §3º, da Constituição) – e às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios (art. 42), com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelos cofres públicos. (…)


Seu regime é estatutário, porque estabelecido em lei a que se submetem independentemente de contrato. Esse regime jurídico é definido por legislação própria dos militares, que estabelece normas de ingresso, limites de idade, estabilidade, transferência para inatividade, direitos, deveres, remuneração, prerrogativas (art. 42, §1º, e 142, §3º, X, da Constituição). (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, obra já citada, p. 517)”


Invadindo o cerne da questão posta – Competência dos Servidores Públicos, Empregados Públicos e Policiais Militares para Lavratura de Auto de Infração, determina o art. 280, §4º, do Código de Trânsito[4], que:


“Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará: (…)


§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.” (grifado)


Com escólio no dispositivo transcrito, claro está que os Servidores Públicos, Empregados Públicos e Policiais Militares possuem competência legal para lavratura de auto de infração.


De se ressaltar que, quando os mencionados Servidores Públicos, Empregados Públicos ou Policiais Militares não integrarem os quadros do órgão de trânsito competente para lavrar auto de infração, quer seja Municipal ou Estadual, deverá ser entabulado Convênio entre os organismos delegando-se competência para a prática de tal ato pelos Agentes Públicos. É o que prescreve o art. 25, caput, do Código de Trânsito[5]:


“Art. 25. Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via. (…)”


4. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TERMOS FÉRIAS, LICENÇA OU DE “FOLGA”.


Tratando da conceituação e abrangência da terminologia férias, preceitua a Constituição Federal[6] que:


“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)


XVII – Gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; (…)” (grifo nosso)


O festejado doutrinador Amauri Mascaro do Nascimento[7], ao versar sobre a reportada matéria, aventa que “a Constituição é aplicável ao empregado e aos demais trabalhadores nela expressamente indicados, e nos termos que o fez; ao rural, ao avulso, ao doméstico e ao servidor público.” Logo, tem-se que a regra e terminologia descrita deve ser aplicada aos Agentes Públicos assinalados.


Segundo Maurício Godinho Delgado[8], as férias correspondem ao lapso temporal remunerado, de freqüência anual, constituído de diversos dias seqüenciais, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias e de sua inserção familiar, comunitária e política.


Da conceituação anteriormente descrita tem-se que nas férias os Agentes Públicos não exercem atividades, não trabalham, não prestam serviços, ou seja, não praticam qualquer ato administrativo.


Vamos adiante.


A gama de Licenças constantes de nosso ordenamento jurídico é extensa. Não é tarefa a de tecer comentários sobre as mesmas de forma pormenorizada, competindo, no presente trabalho, apenas uma descrição nominativa das mais comuns.


O conceito usual é o de que “Considera-se licença a ausência prolongada do serviço mediante autorização.”


Dentre as várias terminologias destacam-se licença maternidade ou à gestante, licença paternidade, por motivo de doença do servidor, por motivo de doença em pessoa da família, por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro, para o serviço militar, para atividade política, prêmio por assiduidade, para tratar de interesse particular, para desempenho de mandato classista, para participar de cursos de especialização ou aperfeiçoamento, entre outras.


Referidas Licenças encontram-se, de forma pormenorizada e não cumulada, definidas na Constituição Federal, Constituições Estaduais e Leis infraconstitucionais.


Necessário observar que, em face da competência residual, os Estados Federados podem legislar, como assim o fazem, sobre regimes jurídicos de servidores, matéria não afeta à União.


Assim, há diversidades de legislações tratando do assunto.


Pois bem. Como visto do conceito transcrito, os servidores em Licença, em qualquer de suas modalidades, não se encontram laborando. Portanto, não estão no exercício de suas atividades, não sendo, assim, considerados Agentes Públicos.


Por derradeiro, merece digressões a temática nominalmente tradada de “Folga”, termo usual no meio Militar, e que não é circunscrito à aludida função, abrangendo, também, as demais categorias de Agentes Públicos com os termos “Fora de Expediente” ou “Descanso Diário”.


Tem-se por “Folga” ou termo similar o descanso legal atribuído ao Agente Público, fora das dependências do órgão, descrito em Lei específica.


O direito do Agente Público em obter referido benefício está fundamentado no princípio da dignidade humana, posto que o organismo do trabalhador, em virtude da carga laborativa, sofre desgastes e necessita de descanso para recuperação. Nesse sentido vem bem a calhar transcrição de trecho do artigo científico do Dr. Rodrigo Garcia Schwarz[9], Juiz do Trabalho (TRT-SP) e Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul, senão vejamos:


“O organismo humano sofre desgastes quando se põe em atividade. A fadiga, muscular e nervosa, instala-se insidiosamente no organismo humano quando desenvolve prolongada atividade. Se o organismo humano se entrega a uma atividade reiterada, sem ponderável solução de continuidade, ou seja, sem intervalos regulares, a fadiga se converte em fadiga crônica. Esta predispõe o indivíduo às doenças e conduz à invalidez e à velhice precoces, abreviando a vida humana. A fadiga decorrente do trabalho está associada, já nos primórdios do capitalismo industrial, aos acidentes do trabalho, às doenças infectocontagiosas como a tuberculose e até mesmo à mortalidade em índices alarmantes. A fadiga, por fim, trata de diminuir a capacidade de trabalho e rendimento do empregado durante a sua atividade.


A justificação à limitação da duração do trabalho diz respeito, sobretudo, à dignidade humana. Ao trabalhador deve ser assegurado o direito fundamental a uma vida pessoal, familiar e social alheia à profissional, em que possa se desenvolver intelectual, moral e fisicamente. As diversas esferas da vida do empregado, assim, devem ser, tanto quanto possível, dissociadas, protegendo-se a sua personalidade.” (negritamos)


5. ATO ADMINISTRATIVO E LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO POR AGENTE PÚBLICO DE FÉRIAS, LICENÇA OU “FOLGA”.


Ato administrativo, …é uma manifestação de vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício de função administrativa.[10]


Tomando por premissa o aludido entendimento, tem-se que o ato administrativo só produzirá efeitos jurídicos quando o Agente Público o praticar no exercício da função administrativa.


Agentes Públicos de Férias, Licença ou de “Folga”, não encontram-se no exercício da função administrativa. Enquanto na condição reportada os Agentes Públicos são meros cidadãos comuns.


Trilhando o mesmo entendimento, transcreve-se o seguinte aresto:


“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. POLICIAL MILITAR. DISPARO DE ARMA DE FOGO. CULPA ANÔNIMA DO SERVIÇO PÚBLICO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA EM FACE DO ESTADO, ALEGANDO A RESPONSABILIDADE CIVIL DESTE. ASSALTO EM COLETIVO. REAÇÃO DE POLICIAL MILITAR DE FOLGA, COM TROCA DE TIROS, VINDO A APELANTE A SER ATINGIDA. PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO, EM RAZÃO DA LESÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. NÃO SE ENQUADRA A HIPÓTESE NO PAR. 6. DO ART. 37 DA CF, POR NÃO ESTAR CONFIGURADA A FALTA ANÔNIMA DO SERVIÇO PÚBLICO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. DESCARACTERIZAÇÃO DA CONDIÇÃO DO POLICIAL DE FOLGA COMO AGENTE PÚBLICO. O policial que não se acha em serviço, ao reagir a assalto com arma particular, age como cidadão comum, em legítima defesa, não em cumprimento de dever legal (interpretação da Lei nº 433/81). Logo, afastada está sua condição de servidor. Afastado também o nexo causal, não comprovado. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-RJ; AC 29908/2002; Rio de Janeiro; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Nanci Mahfuz; Julg. 16/04/2003)


SEGURO DE VIDA E/OU ACIDENTES PESSOAIS. INDENIZAÇÃO. MORTE DO SEGURADO. POLICIAL MILITAR. INFORTÚNIO EM ATIVIDADE PARALELA (BICO). RESTRIÇÃO À FUNÇÃO OFICIAL. OCORRÊNCIA. DESCABIMENTO. EXEGESE DO ARTIGO 1460, DO CÓDIGO CIVIL. Seguro instituído pelo Poder Público, específico objetivo de amparar situações de risco do agente policial, em serviço, a cobertura, particularizada em face da atividade regular, não viabiliza compreender infortúnio produzido sob circunstância paralela (trabalho a que se denomina “bico”), quando o servidor esteja afastado da função oficial, em gozo de licença-prêmio. (TACSP 2; APL c/Rev 593.050-00/9; Décima Primeira Câmara; Rel. Juiz Carlos Russo; Julg. 04/12/2000) (destacamos)


Assim, os atos administrativos praticados pelos mesmos, enquanto pendente enfatizada condição, são nulos, posto faltar-lhes competência.


Tratando da temática – nulidade do ato administrativo, destaca a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em obra já mencionada[11], que:


“No Direito Administrativo, também, os vícios podem atingir os cinco elementos do ato, caracterizando os vícios quanto à competência e à capacidade (em relação ao sujeito), à forma, ao objeto, ao motivo e à finalidade.”


E arremata:


“Os principais vícios quanto à competência são:


1. usurpação de função;


2. excesso de poder;


3. função “de fato”. (…)


A função de fato ocorre quando a pessoa que pratica o ato está irregularmente investida no cargo, emprego ou função, mas a sua situação tem toda aparência de legalidade. Exemplos: falta de requisito legal para investidura, como certificado de sanidade vencido; inexistência de formação universitária para função que a exige, idade inferior ao mínimo legal; o mesmo ocorre quando o servidor está suspenso do cargo, ou exerce funções depois de vencido o prazo para sua contratação, ou continua em exercício após a idade-limite para aposentadoria compulsória. (…)


…Quando seja manifesta e evidente a incompetência, os atos são visceralmente nulos, pois que não há como requisito moral a ampará-los a boa-fé no agente e no beneficiário”. (negritado)


Ainda, sobre o assunto versado, aduz a doutrinadora Fernanda Marinela[12] que:


“É necessária, ainda, para a prática de um ato administrativo, a análise da capacidade jurídica desse agente e do ente a que ele pertence, a quantidade de atribuições do órgão que o produziu, a competência do agente emanante e a inexistência de óbices à sua atuação no caso concreto, tais como afastamentos legais, impedimentos e outros.” (grifamos)


Do exposto, analogicamente, de se concluir que a lavratura de auto de infração por Agente Público nas condições enumeradas são nulos.


Por derradeiro, antes ser um assunto que por vezes tem gerado entendimentos equivocados, cabível mencionar que o Policial Militar, diversamente de alguns sofismas, não exerce suas funções 24 (vinte e quatro) horas por dia, ou seja, que esse, mesmo de “folga”, pode praticar atos vinculados à sua função e, por conseqüência, lavrar auto de infração.


Mencionada conjectura decorre da circunstância, como é amplamente conhecido pela categoria, dos Policiais Militares terem o dever de dedicação integral e exclusiva ao ofício.


Nesse sentido:


“POLICIAL MILITAR. RELAÇÃO DE EMPREGO. Estando a serviço da coletividade, em benefício da segurança pública, o policial militar tem dedicação integral e exclusiva ao serviço, até porque pode ser convocado a qualquer hora para participar de diligências. (…).(TRT 08ª R.; RO 0000176-59.2010.5.08.0008; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Marcus Augusto Losada Maia; DJEPA 29/11/2010; Pág. 2)


POLICIAL CIVIL. RELAÇÃO DE EMPREGO COM PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. O policial, civil ou militar, como deve estar a serviço da coletividade, em benefício da segurança pública, tem dedicação integral e exclusiva, até porque pode ser convocado a qualquer hora para participar de diligências. (…).” (TRT 08ª R.; RO 0000467-17.2010.5.08.0119; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Marcus Augusto Losada Maia; DJEPA 14/03/2011; Pág. 7) (destaque nosso)


No entanto, as interpretações nesse contexto, emanada do termo dedicação integral, é por demais precipitada e errônea. Hely Lopes Meirelles[13], ao trazer a diferença conceitual entre dedicação exclusiva e dedicação integral, exemplifica que:


“A diferença entre o regime de tempo integral e o de dedicação plena está e que naquele o servidor só pode trabalhar no cargo ou na função que exerce na Administração, sendo-lhe vedado o desempenho de qualquer outra atividade profissional pública ou particular, ao passo que neste (regime de dedicação plena) o servidor trabalhará na atividade profissional de seu cargo ou de sua função exclusivamente para a Administração, mas poderá desempenhar atividade diversa da de seu cargo ou de sua função em qualquer outro emprego particular ou público, desde que compatível com o da dedicação plena. No regime de tempo integral o servidor só poderá ter um emprego; no de dedicação plena poderá ter mais de um, desde que não desempenhe a atividade correspondente à sua função pública exercida neste regime”. (destaque nosso)


Prossigamos.


Consoante preceitua o art. 23 III, do Código de Trânsito[14], os Policiais Militares podem lavrar auto de infração, desde que a prática de tal ato lhes tenha sido delegados por instrumento próprio – Convênio. Isso é ponto pacífico. Veja-se:


“Art. 23. Compete às polícias militares dos Estados e do Distrito Federal: (…)


III – executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivo de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados;”


Merece destaque ainda o disposto no art. 148, II, da Constituição Estadual de Rondônia[15]:


“Art. 148. À Polícia Militar, força auxiliar, reserva do Exército e instituição permanente, baseada na hierarquia e na disciplina, cabe a polícia ostensiva, a preservação da ordem pública e execução de atividades de defesa civil, através dos seguintes tipos de policiamento: (…)


II – de trânsito; (…)” (grifo nosso)


Conceituando o termo “Policiamento Ostensivo de Trânsito”, estabelece o Anexo I, do Código de Trânsito, que:


“POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO – função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes”. (destaque nosso)


O Decreto Federal nº 88.777/83[16], que aprovou o regulamento para as Policias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200), por sua vez, traz o seguinte conceito sobre policiamento ostensivo:


“Art . 2º. Para efeito do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969 modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos: (…)


27) Policiamento Ostensivo – Ação policial, exclusiva das Policias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.


São tipos desse policiamento, a cargo das Polícias Militares ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, os seguintes:  (…);


– de trânsito;” (destacamos)


Dos dispositivos legais apontados denota-se que o Policial Militar de “Folga” ou em circunstância assemelhada, conforme já demonstrado no decorrer do estudo em evidência, não poderá lavrar auto de infração, vez que não encontra-se legitimado para realizar policiamento ostensivo de trânsito (não está no exercício da função).


6 – CONCLUSÃO.


Pode-se comprovar no decorrer do artigo em exame que os Agentes Públicos – Servidores Públicos, Empregados Públicos e Policiais Militares – enumerados, quando encontram-se afastados legalmente de suas funções (Férias, Licença ou de “Folga”), não podem lavrar autos de infração. Caso assim procedam, os autos lavrados são nulos em decorrência do fato de, no momento da prática do citado ato administrativo, os mesmos não encontrarem-se no exercício de suas funções não tendo, assim, competência.


Em sucedendo a lavratura de autos de infração por Agente Público que transitoriamente não detenha competência para a prática do ato, compete a Autoridade de Trânsito legitimada anular o ato administrativo praticado por absoluta ilegalidade[17], evitando ônus para a administração pública (ações judiciais, entre outros).


 


Referências:

ARAÚJO, Julyver Modesto de. Código de Trânsito Brasileiro Anotado. 4. ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2009.

Constituição do Estado de Rondônia. Disponível em: http://www.ale.ro.gov.br/Portal/Mostrar.aspx?idConteudo=3718. Acesso em: 25 out. 2011.

Decreto Federal nº 88.777/83. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D88777.htm. Acesso em: 25 out. 2011.

DELGADO, Maurício Godinho; Curso de Direito do Trabalho, 7. Ed. LTR.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; Direito Administrativo, 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

FILHO, Marçal Justem; Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

FILHO, José dos Santos Carvalho; Manual de Direito Administrativo, 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

MARINELA, Fernanda; Direito Administrativo, 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes; Direito Administrativo Brasileiro, 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro; Direito do Trabalho na Constituição de 1988, São Paulo: Saraiva, 1989.

SCHWARZ, Rodrigo Garcia; Jornada de Trabalho – Apontamentos Didáticos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 64, 01/05/2009. Disponível em: www.cntc.com.br/info_vi.php?codigo=18. Acesso em: 25 out. 2011.

Vade Mecum/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

Notas:

[1] Manual de Direito Administrativo, 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 12.

[2] Direito Administrativo, 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 63/64.

[3] Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 195.

[4] ARAÚJO, Julyver Modesto de. Código de Trânsito Brasileiro Anotado. São Paulo: Letras Jurídicas, 2009, p. 162.

[5] Obra já citada, p. 36.

[6] Vade Mecum/obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 11.

[7] Direito do Trabalho na Constituição de 1988, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 34.

[8] Curso de Direito do Trabalho, 7. Ed. LTR., p. 952.

[9] Jornada de Trabalho – Apontamentos Didáticos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 64, 01/05/2009. Disponível em: www.cntc.com.br/info_vi.php?codigo=18. Acesso em: 25 out. 2011.

[10] Marçal Justen Filho, obra já citada, p. 185.

[11] Ibid., p. 238/239.

[12] Direito Administrativo, 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 258.

[13] Direito Administrativo Brasileiro, 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., p. 455/456.

[14] Obra já transcrita, p. 34/35.

[15] Disponível em: http://www.ale.ro.gov.br/Portal/Mostrar.aspx?idConteudo=3718. Acesso em: 25 out. 2011.

[16] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D88777.htm. Acesso em: 25 out. 2011.

[17] STF – Súmula nº 346. A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos. Vade Mecum, obra já citada, p. 1.787.

STF – Súmula nº 473. A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Vade Mecum, obra já citada, p. 1.790.


Informações Sobre o Autor

Saulo Rogério de Souza

Procurador do DETRAN-RO., Membro da Junta Administrativa de Recursos e Infrações do Estado de Rondônia – JARI-RO., Pós-Graduado em Direito Público e Pós-Graduando em Gestão e Legislação de Trânsito.


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